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A' Cerca de Coimbra



Quinta-feira, 27.04.23

Coimbra: Carros Americanos. Achegas para a sua história 1

Colaboraram na feitura desta entrada muitas mãos. Para além da minha participação contei com a ajuda, na investigação e na cedência de imagens, de Carlos Ferrão e Pedro Rodrigues da Costa. Henrique de Melo e Regina Anacleto também partilharam algumas imagens.

Deu origem a este trabalho um anúncio publicado no dia 8 de novembro de 1885 no jornal Correio da Manhã, que integra o acervo documental] de Carlos Ferrão.

CA. Correio da Manhã, 8 e outurbro de 1885.jpgCorreio de Manhã, 8 de novembro de 1855. Acervo Carlos Ferrão

No canto inferior esquerdo do referido jornal aparece este anúncio da Companhia real dos caminhos de ferro portugueses.

CA. Correio da Manhã, 8 e outurbro de 1885, pormeCorreio de Manhã, 8 de maio de 1855, pormenor. Acervo Carlos Ferrão

Da análise do anúncio podemos concluir:

- A existência, ainda que provisória, de uma estação central de Coimbra, estabelecida na atual Praça do Comércio, da onde partiam carros americanos para as estações de Coimbra e de Coimbra B.

CA. Praça Velha.jpg

Praça do Comércio, antiga Praça Velha

- Que, para além de passageiros e de mercadorias, a empresa também transportava valores; no caso do dinheiro em cobre o custo da tarifa era calculado em relação ao peso/quilo.

Rodrigues Costa

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por Rodrigues Costa às 10:09

Quarta-feira, 26.04.23

Convento de Santo António dos Olivais. De eremitério à atualidade

É já depois de amanhã, 6.ª feira, dia 28, às 18h00, na sala D. João III, do Arquivo da Universidade de Coimbra, com entrada livre que a Doutora Regina Anacleto irá apresentar a sua participação nas Conversas Abertas deste ano.

CA Flyer, pormenor0.jpg

Folha de sala, pormenor

A sua exposição, onde revelará o significado e a história daquela, hoje, Igreja Paroquial, irá ter como suporte uma apresentação de imagens bem expressivas e interessantes, das quais apresentamos a primeira (talvez a imagem mais antiga conhecida do monumento) e aquela com que encerra a sua exposição, cheia de graça de cor.

Santo Ant├│nio dos Olivais. Archivo Pittoresco

Santo António dos Olivais. Archivo Pittoresco. 1868.08

Santo Ant├│nio dos Olivais. A. J. Moreira. Pin

Santo António dos Olivais. A. J. Moreira. Pintura

Rodrigues Costa

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por Rodrigues Costa às 11:02

Terça-feira, 25.04.23

Coimbra: Batalhão Académico de 1645 2

Na Introdução à obra O Batalhão Académico de 1645. Jornada da Universidade de Coimbra a Elvas em 1645, por Augusto Mendes Simões de Castro e documentos anexos,

Batalhão Académico de 1645, folha do rosto RA.jp

Folha do rosto do livro

Salienta, nomeadamente, Mário Araújo Torres:

No presente volume, recolhem-se elementos relevantes para o enquadramento histórico do Batalhão de 1645, constituído em resposta a solicitação dirigida por D. João IV ao Reitor da Universidade de Coimbra, D. Manuel de Saldanha, que pessoalmente comandou os 630 estudantes, organizados em 6 companhias e enquadrados por alguns professores, que marcharam para o Alentejo, em defesa da praça de Elvas, ameaçada pelas tropas espanholas.

Devemos a Augusto Mendes Simões de Castro (Coimbra, 1845-1932) a primeira recolha e divulgação dos mais importantes documentos sobre a organização e atividade deste Batalhão, que publicou, precedida de um estudo intitulado "Jornada da Universidade a Elvas em 1645", na revista «O Instituto», vol.16°,1875, pp. 91-96, que esteve na origem do seu «Jornada da Universidade de Coimbra a Elvas em 1645» (Elvas, Tipografia Progresso, 1901 ).

Novos contributos foram aditados por Manuel Lopes de Almeida «Notícias da Aclamação e de outros sucessos» (Coimbra, Tipografia Atlântida, 1940) e por Lígia Cruz, «Alguns contributos para a história da restauração em Coimbra – Reinado de D. João IV» (Coimbra, Biblioteca Municipal de Coimbra, 1982).

Partindo desses elementos e desenvolvendo-os através de novas pesquisas, no presente volume reúnem-se o estudo inaugural de Augusto Mendes Simões de Castro, os principais documentos coevos (com relevo para a correspondência entre D. João IV e o Reitor D. Manuel de Saldanha e para os relatos de participantes na jornada a Elvas, a organização e composição do Batalhão Académico e uma seleção da produção poética inspirada por esses acontecimentos. A figura central da jornada da Universidade de Coimbra a Elvas foi indubitavelmente a de D. Manuel de Saldanha.

…. D. João IV confirmou D. Manuel de Saldanha como Reitor em 24 de dezembro de 1640,

Batalhão Académico de 1645, pg. 22 RA.jpgOp. cit., pg. 22

reconduzindo-o por duas vezes, em 14 de novembro de 1641 e 17 de maio de 1642 com poderes de Reformador dos Estatutos vigentes, que eram os que haviam sido confirmados em 20 de julho de 1612. Após demorado processo, a revisão dos Estatutos foi finalmente aprovada em 15 de outubro de 1653, tendo D. Manuel de Saldanha promovido a sua edição, no ano seguinte, na oficina de Tomé Carvalho, impressor da Universidade, ostentando no seu frontispício a insígnia da Universidade, desenhada por Josefa de Óbidos.

Batalhão Académico de 1645, pg. 23 RA.jpgOp. cit., pg. 23

D. Manuel de Saldanha esteve representado por D. André de Almada, seu antecessor na Reitoria da Universidade, nas Cortes reunidas em janeiro de 1641, e participou pessoalmente nas Cortes de agosto de 1642.

Deputado da Inquisição de Évora e de Lisboa, foi designado por D. João IV como Bispo de Viseu (1642) e de Coimbra, dignidades que não foram reconhecidas pela Santa Sé.

Como Reitor da Universidade, promoveu, a repetidas instâncias de D. João IV, a aprovação do «juramento da Conceição», que viria finalmente a ser decretado no Claustro Pleno de 20 de julho de 1646, e solenemente proclamado no seguinte dia 28, em cerimónia celebrada na Capela de S. Miguel, efeméride comemorada em lápide colocada junto ao altar de Nossa Senhora da Luz.

Placa comemorativa do Juramento da Conceição.jpgLápide. Imagem acedida em https://ar.pinterest.com/pin/448671181621207799/ .

Devem-se à sua iniciativa diversas obras no Paço das Escolas, designadamente na Sala do Exame Privado, em cujas paredes mandou colocar os retratos dos Reitores seus antecessores, e na Sala dos Capelos, onde determinou a construção de novo teto e a abertura de várias frestas ou janelas, no intervalo das quais se inseriram retratos dos Reis portugueses.

Sala dos Capelos Col. Regina Anacleto.jpgSala dos Capelos. Acervo RA

Em junho de 1649, colocou, em nome de D. João IV, a primeira pedra do novo Convento de Santa Clara, mandado edificar no cimo do Monte da Esperança.

Na Serra do Buçaco, fundou a Ermida de S. José, cuja construção se iniciou em 3 de setembro de 1643 e onde foi sepultado.

Faleceu em 15 de agosto de 1659.

Castro, A. M. Simões. 2023. O Batalhão Académico de 1645. Jornada da Universidade de Coimbra a Elvas em 1645, por Augusto Mendes Simões de Castro e documentos anexos. Recolha de textos, introdução e notas por Mário Araújo Torres. Lisboa, Edições Ex-Libris.

 

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por Rodrigues Costa às 20:31

Sexta-feira, 21.04.23

Conversas Abertas: Convento de Santo António do Olivais. De Ermitério à atualidade

É já de hoje a oito dias, na próxima 6.ª feira, a partir das 18h00, com entrada livre, que irá decorrer na Sala D. João III, do Arquivo da Universidade de Coimbra, no âmbito das Conversas Abertas, a palestra Convento de Santo António do Olivais. De Ermitério à atualidade

Assente numa apresentação profusamente ilustrada, a palestra da Professora Doutora Regina Anacleto ir-nos-á contar a forma como ao longo dos séculos, aquele lugar sagrado foi evoluindo até chegar à realidade de hoje. Local onde S. António – tão esquecido por Coimbra – se transformou de Cónego Regrante, Fernando de Bulhões, no frade franciscano António.

Vá que valerá a pena e ajude na divulgação do evento.

CA 28.04.2023.jpg

Cartaz

CA. Cartaz 28.04.2023.jpg

Folha de sala 1

CA. Cartaz 28.04.2023. 2.jpg

Folha de sala 2

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por Rodrigues Costa às 09:57

Quinta-feira, 20.04.23

Coimbra: Batalhão Académico de 1645 1

O Dr. Mário Araújo Torres prossegue na sua cruzada de relembrar livros esquecidos relacionados com a história de Coimbra.

Neste contexto, acaba de editar, sob a chancela das Edições Ex-Libris, um livro com o título O Batalhão Académico de 1645. Jornada da Universidade de Coimbra a Elvas em 1645, por Augusto Mendes Simões de Castro e documentos anexos. Recolha de textos, introdução e notas por Mário Araújo Torres.

Estamos perante mais uma pedra do edifício que tem vindo a construir, – a expensas suas, nunca é demais recordar – e que muito honra a Cidade.

No que me diz respeito, fica, mais uma vez, o meu OBRIGADO.

Batalhão Académico de 1645, capa, RA.jpg

O Batalhão Académico de 1645, capa do livro

Na contracapa é referido:

Ao longo dos séculos, os estudantes de Coimbra, organizaram-se em «Batalhões Académicos», quer para a defesa da independência nacional, como foi o caso de 1645, face à ameaça de invasão castelhana, no âmbito da «Guerra da Restauração» (1641-1668), e em 1808-1811, resistindo às três invasões francesas, no quadro da «Guerra Peninsular (1897-1814), quer para a defesa da liberdade dos seus concidadãos contra ameaças de despotismo, como em 1826-1828 e 1830-1834 enfrentado o «absolutismo miguelista», e em 1846-1847, reagindo ao cabralismo («Revolta do Minho» do Batalhão Académico de 1645, constituído em resposta ou da «Maria da Fonte e Revolução da Patuleia»).

Na sequência da edição de «O Corpo Militar Académico de 1808 a 1811» e de «O Batalhão Académico de 1846-1847», no presente volume recolhem-se elementos relevantes para o enquadramento histórico do «Batalhão Académico de 1645», constituído em resposta a solicitação dirigida por D. João IV ao Reitor da Universidade de Coimbra, D. Manuel de Saldanha, que pessoalmente comandou os 630 estudantes, organizados em 6 companhias e enquadrados por alguns professores, que marcharam para o Alentejo, em defesa da praça de Elvas, ameaçada por tropas espanholas.

Para além da reprodução do estudo de Augusto Mendes Simões de Castro, «Jornada da Universidade de Coimbra a Elvas em 1645» (Elvas, Tipografia Progresso, 1901),

Batalhão Académico de 1645, pg. 17 RA.jpg

Op. cit., pg. 17

reorganizaram-se e complementam-se as recolhas de documentos coevos, designadamente correspondência entre D. João IV e D. Manuel Saldanha.

Batalhão Académico de 1645, pg. 50 RA.jpg

Transcrição de uma carta de D. João IV para D. Manuel Saldanha. Op. cit., pg. 50

e relatos da jornada por participantes nela, feitos por Simões de Castro e prosseguidas por Manuel Lopes de Almeida (1940) e Lígia Cruz (1982).

Reelaboraram-se e atualizaram-se os elementos recolhidos por esta última relativos à organização e composição do Batalhão Académico.

Finalmente insere-se uma seleção da vasta produção poética que o evento suscitou, quer de natureza narrativa (poema de Semão Torresão Coelho, quer jocosa (poemas de João Sucarelo Claramonte e de Santos de Sousa).

 

Castro, A. M. Simões. 2023. O Batalhão Académico de 1645. Jornada da Universidade de Coimbra a Elvas em 1645, por Augusto Mendes Simões de Castro e documentos anexos. Recolha de textos, introdução e notas por Mário Araújo Torres. Lisboa, Edições Ex-Libris.

 

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por Rodrigues Costa às 11:00

Terça-feira, 18.04.23

Coimbra: A Tricana, outra visão 4

Vejamos o tradicionalismo das Fogueiras de S. João.

….. A. A. Gonçalves, na publicação literária, «O Zephyro, n.° 2», Coimbra, 29 de Fevereiro de 1872, sob o titulo «Fonte do Castanheiro».

«O movimento do rapazio, animados pela folgança da sua rua, começava ao pôr do sol. E as raparigas, de roupagens alvas e o tentador lenço branco a comprimir-lhes o seio e a abraçar-lhes a cintura, afinavam a voz pela afinação da viola e ansiavam pela noite.

«O esguio pinheiro lá se ostentava com o pé cercado de lenha. Arcos e grinaldas de folhagens e flores enfeitavam o largo, e as bandeiras variadamente coloridas tremulavam altas.

«E o estalar dos foguetes, anunciando festa, convidava para a reunião, e incitava à vertigem festiva do bailado.

«Aglomeravam-se em massa, eles e elas, em torno da pira; estalavam as fagulhas; redemoinhavam línguas de fogo; redobravam as gargalhadas; todos falavam; ninguém se entendia; moviam-se em redor com lentidão; retiniam violas e cavaquinhos; batiam as palmas; - «Ande roda» - gritava uma voz imperiosa e reforçada.

OS. Tricanas de Coimbra. Op. cit., pg. 584.jpg

Op. cit., pg.584

«Estava começada a dança !... «Agora é vê-las travessas, ruborizadas, ofegantes, mas teimosas e incansáveis naquele lidar frenético!

OS. Tricanas dos arredores, op. cit., pg. 582.jpg

Op. cit., pg. 582

 E ouvia-se então, constantemente, a voz de um «marmanjão», marcando, corno se fosse um besouro, as voltas e reviravoltas:

- E virou!

- E vá de volta!

- E lá vai uma!

- Chegadinhos!

- Ainda outra!

- E vá mais. outra!

Assim até pela manhã! 

OS. Tricanas dos arredores, op. cit., pg. 594.jpg

Op. cit., pg. 594

OS. Tricanas dos arredores, op. cit., pg. 589.jpg

Op.cit., pg. 589

 Pela manhã roda forte e de braço dado para a «Fonte do Castanheiro», um arrabalde, onde as fogueiras todas .se juntavam!» 

OS. Tricanas de Coimbra. Op. cit., pg. 586.jpg

Op. cit., pg. 586

A tradição mandava a visita à Fonte do Castanheiro, ali para os lados da Estrada da Beira, e nessa fonte murmurante, recanto gracioso dessa paisagem de maravilha que é a encosta da Lomba da Arregaça, terminavam os folguedos os ranchos já quando as estrelas se recolhiam, braço dado os pares, corações em uníssono sentir, cantando alegremente a marcha:

Vamos seguindo,

Tocando no pandeiro...

Vamos beber água

À Fonte do Castanheiro.

 Ou então:

Está-nos chamando

Cupido brejeiro...

Cantar e dançar

Na Fonte do Castanheiro.

Sá, O. 1942. A Tricana no Folclore Coimbrão. In: O Instituto, vol. 101, pg. 361-632. Coimbra, Imprensa da Universidade. Acedido em: Acedido em: http://webopac.sib.uc.pt/search~S17*por?/tinstituto/tinstituto/1,291,309,E/l856~b1594067&FF=tinstituto&1,1,,1,0

 

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por Rodrigues Costa às 16:17

Quinta-feira, 13.04.23

Coimbra: A Tricana, outra visão 3

Foi com esta maneira de trajar que as Tricanas se apresentavam nas tradicionais fogueiras do Romal, da rua do Borralho, de Santa Clara e da Arregaça. Esse modelo foi aproveitado em pinturas, telas e cartões, e aberto na pedra por muitos artistas.

Há também o trajo referido no livro - «Cartas duma tricana» - do distinto advogado e escritor, Herlander Ribeiro, referente ao período de 1903 a 1908, assim descrito: - «saias pretas de barras de seda, meias de algodão em branco, chinela de verniz, blusas brancas e cor de rosa, de setineta, na cabeça lenços de tonalidades berrantes».

Ainda o sr. Dr. Vergílio Correia, em «Coimbra e arredores», 1939, … refere a Tricana nestes termos: «Terra de estudantes e tricanas costumam chamar a Coimbra. Se os estudantes persistem, as tricanas citadinas não aparecem senão em reconstituições literárias ou em festivais. A mulher da cidade veste-se atualmente segundo as modas correntes na classe a que pertence; mas cobrindo o busto airoso como xaile fino, e diademando a cabeça com a coifa negra, ou a mantilha, sabe distinguir-se entre todas pela elegância comedida das atitudes. A mulher dos arrabaldes conserva as suas saias de pregas, rodadas, os corpetes justos, o xaile traçado sobre o ombro, o lenço caído, elementos valorizadores da sua mobilidade desperta e da graça rítmica de movimentos, acorde com a paisagem e planura.

OS. Tricanas dos arredores, op. cit., pg. 578.jpgOp. cit., pg, 578

Assim, é que Mestre Quim Martins, o notável arqueólogo, crítico de arte e saudoso jornalista, já encontra a Tricana em Sexta-feira de Paixão:

- «O lenço de seda, branco enrolar de lírio, cai sobre o xaile preto retesado nos ombros delgados, puxados para diante, sobre o peito fraco, como duas asas. Adiante do cruzamento do chale cai a finura da sua mão talhada em mármore, branca como a cera, afilada como uma pétala de flor».

Rafael Salinas Calado, no seu livro - «Memórias de um estudante de Direito», no capítulo «Tricanas», indicando que ninguém definiu, com mais admiração, a donzela pobre de Coimbra que o «Quim Martins», escreve:

«Esguia, formas graciosas, estilizada, pé pequenino, de tamanquinha ou sapato de verniz, artelho fino, a saia caindo em pregas airosas, o xaile de merino cingido aos ombros delicados e ao corpo de sonho, o lencinho de seda preto deixando ver o seu rosto de delicado contorno de bandós negros, olhos grandes sonhadores e espirituosos, narizinho às vezes arrebitado, boca de maravilha sobrepujada da «ligeira penugem do pêssego a amadurecer», era, assim, a tricana de Coimbra».

OS. Tricanas dos arredores, op. cit., pg. 611.jpg

Op. cit, og, 611

A forma de vestir que se encontra apontada no capítulo desse livro, revela a progressão do trajo das moças desta cidade.

Ao lenço de ramagem substitui-se o de seda e por último a mantilha.

Rocha Madail, bibliógrafo e publicista muito ilustre, no precioso livro «Alguns aspetos do trajo popular na Beira-Litoral», descreve também a Tricana, e transcreve do etnógrafo Luís Chaves estes belos períodos: «A Tricana é a mulher dos campos e baixas do Mondego inferior;  

OS. Tricanas dos arredores, op. cit., pg. 600.jpg

Op. cit., pg, 600

o seu tipo taful concentra-se em Coimbra, a cidade santa de todo o ribeirinho mondeguenho. Está afeita a todos os trabalhos dos campos, pelos arrozais, nas hortas, onde trabalha corno um homem a par dos homens, ora cavando, ora ceifando, ora tirando com movimentos rítmicos a água dos poços baixos com os engenhos primitivos de pau, que surgem de todos os lados, no meio das terras rasas, um aqui, dois acolá, como pernaltas de bico em riste, à espera do peixe que passe...

«Galantes, rápidas, saia curta, amarrada às coxas pela cinta que as enleia com arregaçá-las; camisota leve, de mangas a descobrir-lhes os braços, torneados pelo trabalho; o lenço na cabeça arrochado em nó sobre a nuca ou sobre o cocuruto, arrecadas pendentes das orelhas, elas tudo correm, em toda a parte as vemos; os pés, espalmados, quase não tocam no chão; cantam e riem; sobre o ombro traçam o chale que cruza o peito e a custo cobre as costas, deixando-lhes livres os braços no ritmo da marcha.

 

OS. Tricanas dos arredores, op. cit., pg. 614.jpg

Op. cit., pg. 614

 Em Coimbra enchem as margens dos rios, metidas na água como ninfas do Mondego.

Sá, O. 1942. A Tricana no Folclore Coimbrão. In: O Instituto, vol. 101, pg. 361-632. Coimbra, Imprensa da Universidade. Acedido em: Acedido em: http://webopac.sib.uc.pt/search~S17*por?/tinstituto/tinstituto/1,291,309,E/l856~b1594067&FF=tinstituto&1,1,,1,0

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por Rodrigues Costa às 18:22

Terça-feira, 11.04.23

Coimbra: A Tricana, outra visão 2

Parece ter andado confundida durante muito tempo a designação de Tricana, isto é, o mesmo título deve ter cabido à mulher do povo de Coimbra e à dos seus arredores.

No «Álbum de costumes portugueses», edição de David Corazzi, vem entre os cinquenta cromos, cópias de aguarelas originais, uma camponesa dos arredores de Coimbra, lindo trabalho do grande artista Manuel de Macedo, acompanhado dum artigo do notável escritor Manuel Pinheiro Chagas.

OS. Tricanas dos arredores, op. cit., pg. 574.jpg

Op. cit., pg. 574

 A confusão é manifesta, ou ter-se-á de aceitar que o trajo era por então igual nas mulheres do povo – citadinas e arrabaldinas.

A saia, o avental, o traçado do xaile, o atar do lenço é, por assim dizer, o que veio até nossos dias.

Na descrição de Pinheiro Chagas, às mulheres dos arredores de Coimbra chama-se Tricana, não distinguindo a situação ostentosa daquelas que habitavam na cidade...

Fica averiguado o caso das mulheres da cidade terem usado o trajo descrito pelo autor [Borges de Figueiredo] da «Coimbra Antiga e Moderna», ou seja o capote e lenço, e as outras, de mais elevada categoria, mantilha e mais ademanes que referi.

Ainda é dos nossos tempos o final deste trajo em mulheres do povo.

OS. Tricanas dos arredores, op. cit., pg. 566.jpg

Op. cit., pg. 566 

…. Parece, pois, que o trajo das raparigas da cidade, vindo até nossos dias, se afastou daquele modelo para tomar o aspeto do usado pelas mulheres dos nossos arredores. Pelo menos o figurino é tão aproximado que o próprio historiador Manuel Pinheiro Chagas, na interpretação da aguarela de Manuel de Macedo, junta-as num só epíteto — Tricanas.

Ora esse trajo, o vestir das nossas Tricanas, vindo às ruas e às Fogueiras de S. João, nesta roda de mais de meio século, é o que se considera dentro da tradição popular.

…. Está consagrado pelos literatos, poetas e prosadores, é o lindo modelo de muitos trabalhos dos nossos Artistas.

OS. Tricanas dos arredores, op. cit., pg. 620.jpg

 Op. cit., pg. 620

Comecemos por Manuel da Silva Gaio, conimbricense insigne, poeta e prosador de admirável sentido, verdadeiro Mestre na nossa literatura, espírito de requintada delicadeza:

 «Ninguém como ela traja

A gôsto do namorado;

Lenço de pontas atraz,

Chalinho de sobraçado,

 

Chinela curta, a fugir,

Embora o pé seja leve

E pequenino de ver

Na meia branca de neve;

 

Corpete todo a estalar,

Saia subida e ligeira,

Aventalinho tamanho

Como Rilha de figueira...»

 

Não é possível melhor descritivo, em verso, do trajo das nossas tricanas.

 Depois vem o consagrado Trindade Coelho, no seu livro sempre novo, «In illo tempore»:

«Sua chinelinha de biqueira, em que só lhe cabe metade do pé; sua meia branca, ou às riscas, muito esticada; saia de chita, das cores mais claras, deixando ver os tornozelos e acima dos tornozelos duas polegadas de perna; aquele aventalinho muito pequenino, que é mais um chic do que outra coisa; o chambre de chita clara, aberto no peito em decote quadrado; e então o xaile de barras, ou a capoteira, passando por debaixo do braço direito e lançado (com elegância que se não descreve, mas que os estudantes copiaram para as suas capas) por cima do ombro esquerdo! »..

A descrição do trajo da Tricana em Trindade Coelho é perfeita, dando-nos em pormenores a forma como se vestiam na época em que foi escolar de leis na nossa Universidade.

 Também me permiti a descrição do trajo da Tricana para uma das minhas crónicas de «O Primeiro de Janeiro», depois reproduzida no meu livro - Nos Domínios de Minerva:

- «Vestiam chambres brancos, talhados em quartos, ornamentados à altura dos peitos com uma rendinha quási gomada, a contorná-los, e muitos deles, nesses quartos que lhes subiam até ao pescoço, formando uma pequena gola de lindo enfeite, tinham umas pregas para maior realce ou fantasia. As mangas fofas, apertadas nos pulsos, terminavam por uns punhos largos e rendados, vindo esses chambres a meter-se, à altura da cinta, debaixo das saias.

Estas eram sempre de pano preto lustroso, rodadas, até à altura do artelho, tendo a maior parte dessas saias uma barra larga de veludo e debruadas em toda a roda com uma fitinha de lã.

Usavam então os saiotes encarnados, de pano próprio para ajudar a fazer o rodado das saias de fora.

As meias, confecionadas por elas, eram brancas, de interessantes rendados.

O avental, descaindo até aos joelhos, era um adorno interessante pelas fantasias delicadas, que quebravas a monotonia das saias negras.

A chinelinha, a brincar-lhes no peito do pé, a desprender-se com o andar cadenciado, saltitante, de gáspeas de verniz, formando bico, tinha arte nos pospontos ou no debruado, em arrebiques e bordados semelhando rendas de bilros.

OS. Tricanas dos arredores, op. cit., pg. 579.jpg

Op. cit., pg. 579

Por último, o xaile, de várias cores, liso, ou de ramos e cercadura vistosa, franjado, tomava aspetos, sobre o busto, no contorno das formas, duma graciosa e caprichosa escultura saída das mãos de artista portentoso. Vinha prender-se ao alto no ombro esquerdo, num delicado nó, para deixar livres os braços, como asas soltas para os espaços infindos...».

OS. Tricanas dos arredores, op. cit., pg. 570.jpg

Op. cit., pg. 570

Sá, O. 1942. A Tricana no Folclore Coimbrão. In: O Instituto, vol. 101, pg. 361-632. Coimbra, Imprensa da Universidade. Acedido em: Acedido em: http://webopac.sib.uc.pt/search~S17*por?/tinstituto/tinstituto/1,291,309,E/l856~b1594067&FF=tinstituto&1,1,,1,0

 

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por Rodrigues Costa às 10:09

Quinta-feira, 06.04.23

Coimbra: A Tricana, outra visão 1

Ficou a dever-se a Octaviano de Sá, um historiador de Coimbra, uma visão da tricana na vivência coimbrã bem diferente daquela que nos é dada por A Soares na “Illustração Portugueza” e que temos vindo a publicar.

O artigo A Tricana no Folclore Coimbrão, inicialmente publicado em O Instituto, edição de 1942, deu lugar, ainda no mesmo ano e por iniciativa da Comissão Municipal de Turismo, a uma separata.

Estamos perante um trabalho de investigação histórica, em que o autor faz uma recolha e uma análise profunda do tema, despido de opiniões que as não decorrentes da investigação realizada.

A tricana no folclore coimbrão. Octaviano de Sá

Imagem acedida em http://www.livro-antigo.com/autor/sa-octaviano/

Desse texto aguçamos o interesse dos nossos leitores, através dos seguintes trechos do mesmo.

 «A Tricana», figura característica para o chamado «panorama coimbrão»; as cantigas os versos de inspiração vindos às suas gargantas • de oiro; e o bailar, inquieto, vivo e gracioso, interpretativo das canções próprias dos folguedos sãojoaninos.

Daqui resulta, naturalmente, um aspeto próprio, a caracterizar um povo ou um sector duma região.

Tricana de Coimbra. Imagem não identificada.jpg

Tricana de Coimbra. Imagem não identificada

 A figura singular da Tricana e os seus cantares são, pois, tema agradável e impressionante, para o qual procuro certa largueza sem a pretensão de esgotar um assunto de si dilatadamente vasto, mas simples contributo, por sinal de mera curiosidade, uma expressão bem admirável, bem distinta, desse ambiente popular.

Procuro fixar como seu determinante aqueles pontos que constituem alguns fundamentos do «folclore». Na definição de Saintyves, no seu magnífico livro «Manual de Folclore», este «é a ciência da tradição popular».

Será, pois, baseado nessa tradição e nos muitos depoimentos daqueles que se lhe referiram, que vão ser tratados os seguintes aspetos do folclore coimbrão ligados com a etnografia e a canção popular:

- O trajo das Tricanas.

- As Fogueiras de S. João.

Como subsídios para tais factos, indicarei algumas produções literárias, prosa e verso, de inspiração dessas moças, e trabalhos artísticos onde se admira o vestuário das Tricanas, o modelo maravilhoso que tem sido para pintores e escultores.

As Fogueiras de S. João são também o melhor e mais completo e sempre admirado aspeto da tradição popular desta terra.

Assim orientado este programa, começarei por apreciar a indumentária da nossa Tricana.

Borges de Figueiredo, no livro - «Coimbra antiga e moderna» - dá-nos uma impressão do trajo feminino nesta cidade pelas alturas de 1858 para 1859.

OS. Tricanas dos arredores, op. cit.,, pg. 563.jpg

 Usavam então mantilha as mulheres da classe média, com este feitio, no seu dizer: — «Cumpunha-se duma tira de papelão grosso arqueada e convenientemente coberta de fazenda preta, colocada sôbre a cabeça e segura sob o queixo por fitas, caía o pano preto exterior pelas costas e peito a modo de manteo».

Por essa época havia, no entanto, outro trajo mais do povo, porque este era das damas do high-life — quem não trajava mantilha, tinha de pôr o capote de cabeção e o lenço de cambraia muito branco e muito gomado. O bico formado atrás da cabeça pelo lenço era a perfeita antítese do bico da mantilha.

O professor e arqueólogo ilustre sr. dr. Vergílio Correia, em quatro artigos -  «Sôbre o trajo regional» - no «Diário de Coimbra», trata o caso com admirável ciência e conhecimento.

…. Comenta tão erudito Mestre - «Que diferença entre a mulher, do campo e da cidade, de mantilha e tricana, e a tricana do século XIX!».

E na sua opinião - «Indubitavelmente mais graciosa, esta última, o exemplo pode servir para mostrar que a evolução do trajo popular se tem feito, em geral, no sentido da perfeição e da simplificação».

 

Sá, O. 1942. A Tricana no Folclore Coimbrão. In: O Instituto, vol. 101, pg. 361-632. Coimbra, Imprensa da Universidade. Acedido em: http://webopac.sib.uc.pt/search~S17*por?/tinstituto/tinstituto/1,291,309,E/l856~b1594067&FF=tinstituto&1,1,,1,0

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por Rodrigues Costa às 10:55

Quarta-feira, 05.04.23

Coimbra: Tricanas, uma visão 4

Imagem 4.jpg

Illustração Portugueza”, 5, Primeiro semestre, 2.ª série, Lisboa, 1906, p. 149

Mas como essa - se não me falhasse o espaço - quantas historietas haveria ainda para vos contar: - da Raquelinha dos olhos em amêndoa, da Laura literata e tuberculosa, da reboluda Olívia, a bolinha de amor, da Julinha Feijó com o seu rosto arrancado a algum quadro religioso dos Primitivos, da outra Júlia que se passeava em Coimbra, trazendo numa das mãos uma guitarra, e na outra a Casa de Ramires, da Terezinha de Santa Clara, a casta, da aloirada Palmira, da Micas, da Elisa, da Silvina, de tantas mais que vejo passar em farandola, derramando em torno, como chuva de ouro, o Amor, a Vida, o Prazer, o Riso!. ..

- E depois? - inquirireis. -  Que é feito delas?

Oh! pungente coisa!... À hora em que se dissipa o sonho, em que esmaece a beleza e as carnes começam a ser flácidas, chagou a expiação. Invaginai uma rainha do ontem - rainha pela graça, pelo encanto, pelo prestígio da carne - que ao ver partir-se contra o último degrau do seu trono efémero a taça da derradeira libação votiva, é subitamente condenada a ir servir, nas noites tumultuosas das repúblicas, o triunfo das mais jovens, a quem uma nova legião de cavaleiros acaba de erguer agora nos escudos! Pensais o que isto deva ser para uma mulher, muitas vezes patrícia pelo sangue?

Imagem 4, pormenor 1.jpg

Op. cit., p. 149, pormenor 1

Servente, a tricana mudou-se em animal prestável. Arruma quartos, faz recados, distribui sebentas, empresta sapatos para o ato e informa solicitamente das notas escolares dos patrões o das dificuldades prováveis da lição seguinte - isto por inconfidência dos lentes, que, conservadores e saudosos, continuam ainda a visitá-la.

Perde então os seus cognomes carinhosos. Aquela que além vedes desgrenhada, encobrindo o torso espapaçado num casibeque de chita sem enfeites, é a Clara Perna-camba, e foi outrora a mais linda tricana do seu tempo; aquela outra de tez cansada e olhar mortiço, é a Conceição Carqueja, por quem três estudantes se mataram; e - como quer que as mulheres acabem breve - a ideal amante do Hilário, poeta e cantador de fados, é hoje uma velha desleixada e beberrica, que se chama - a Cavacá...

Surge a filharada - alcateias de crianças que foram nascendo no decorrer dos anos, que ninguém jamais conseguira ver, o aos quais só a mãe pode determinar agora a exata filiação paterna.

-  Ó Conceição Pulquéria! - interroga-se - quem é este?

E ela, buscando rápido com o olhar o pimpolho apontado:

- Este é o Eduardito, filho do sr. dr. X..., conservador em Beja.

- E esta, ó Conceição, qual é?

Logo ela, dando conta do recado:

- Esta é a Madalena, filha do sr. dr. V..., tabelião em Braga.

- E mais esta, ó Conceição?

- Esta é Vitorina, filha do sr. dr. T..., juiz da Relação.

Filhos do acaso, que para o acaso se criam, esses corpitos frágeis de cândidas adolescentes já vão sonhando as noitadas de luar, o Penedo da Saudade, as estúrdias ruidosas no Choupal, e as manhãs sobre a relva, aconchegadas numa capa, a qual seria a daquele estudante de olhos como carvões, que passa todos os dias com a pasta, que lhes dá palmadas na face e fala muito, com sua mãe, nos bailes maravilhosos do palácio real...

Imagem 4, pormenor 2.jpg

Op. cit., p. 149, pormenor 2

- O Jacob dos Arcos do Jardim criou e educou não sei quantas filhas esbeltas - sem proveito, porque todos os anos, fatalmente, a mais velha da casa, fosse qual fosse, tinha de fugir-lhe numa manhã de primavera, para aparecer, corridos dias, de «ménage» estabelecido com algum quintanista de Direito, dos mais irresistíveis.

Interrogado sobre as suas impressões, o Jacob encolhia resignadamente os ombros, murmurando:

- Que fazer, meu senhor, isto é fadário!...

E continuava pacificamente a criar as outras, até lhe desaparecer na primavera seguinte a que era para então indigitada - enquanto lhe duraram, está visto.

Coimbra é como esse pai bonacheirão, cercando de ternura, de desvelos, de carinho, as suas virgens, que todos os anos serão sacrificadas, uma por uma, iniludivelmente, ás exigências e mandados implacáveis do Minotauro-Amor...

Soares, A. As Tricanas de Coimbra. In: Illustração Portugueza, n.º 5. Primeiro semestre. 2.ª série. Lisboa, 1906, p. 146-149.

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por Rodrigues Costa às 10:41


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