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A' Cerca de Coimbra



Quinta-feira, 30.03.23

Coimbra: Tricanas, uma visão 3

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Illustração Portugueza”, 5, Primeiro semestre, 2.ª série, Lisboa, 1906, p. 148

Nunca foi narrada por escrito, que eu saiba, a verdadeira história da Rosa, mais da sua tragédia; o os leitores desta «Illustração» vêm a ser os primeiros, segundo creio, que possam medir-lhe cabalmente o pitoresco.

Há dez ou onze anos estudavam em Coimbra Afonso Lopes Vieira e D. Thomaz de Noronha, um curioso topo de estudante à antiga, boémio, desfrutador, estoira-vergas, gozando em gourmet as aventuras e os grandes lances dramáticos.

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Op. cit., p. 148, pormenor 1

 Lopes Vieira, prestigioso entre as mulheres pelos seus versos e pelo estranho do seu tipo de loiro sonhador, era um pouco talvez por snobismo - porque toda a tricana é snob - um pouco, sem dúvida, por sentimento, amado e perseguido pela Rosa Espanhola, cachopa célebre, que por seu turno punha a cabeça á roda a muitos bacharelandos do tempo, desprovidos, por seu mal, do buço fino e da bagagem literária daquele outro.

As coisas seguiam os seus tramites e encaminhavam-se, provavelmente, para o desfecho habitual de incidentes tais, quando feriu lume o génio teatral de D. Thomaz.

 

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Op. cit., p. 148, pormenor 2

 Um poeta, uma tricana airosa, uma paixão - que três incomparáveis elementos para o preparo duma destas cenas de melodrama, que dão brado e deixam um autor para sempre em paz com a sua consciência !...

Isto foi pensado de noite. Na manhã seguinte, D. Thomaz faltou ás aulas, chamou a tricana à fala, e com o ar compungido e austero de quem vai dizer solenes coisas, deu parte à triste do uma grande calamidade: Lopes Vieira, prometido em casamento a uma duquesa de Lisboa, não podia de modo algum baixar os olhos até ao tugúrio humildo da mal-aventurada; mas, enternecido pela pureza dos sentimentos que animavam Rosa (e dos quais Afonso - insinuava D. Thomaz - não andaria longe, porventura) pedia-lhe resignação, convidando-a a acolher-se, ao menos temporariamente, ao severo claustro dum convento bracarense, que nomeava.

A Rosa Espanhola, quando tal ouviu, dizem que pôs a mão na anca, arrebitou o nariz, e perguntou a D. Thomaz se estava doido, ou se julgava que ela fosse parva. Porém o mistificador acudiu com cópia de argumentos, aventou a possibilidade de vir tudo a acabar em bem, volvidos meses, discorreu sobre os regalos e confortos da vida monástica, acenou com o engodo de uma abundante mesada, para as doçarias o licores: e com tais artes se houve, em suma, que a pobre moça, bastante lida em Camilo, foi atentando na proposta, no começo com desprazer, depois condescendente, e por fim com o alvoroço de uma noviça que houvesse sido catequisada, não pelo malicioso D. Thomaz, mas pelo mais virtuoso e inspirado de todos os padres da Igreja.

 

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Op. cit., p. 148, pormenor 3

 A   notícia da próxima profissão da Rosa estalou em Coimbra como um petardo. Lopes Vieira, ficou, no primeiro instante, fulminado; e mais ainda quando se empalharam pela cidade as quadras vesgas assinadas pela nova e rude Soror Mariana, mas entregues na tipografia por D. Thomaz, clandestinamente, em original escrito por seu punho...

Nada mais cómico, por esses dias, que ver a Rosa Espanhola, a Rosa das fogueiras e das ceias, atravessar desalentadamente as ruas do Coimbra, pendida a fronte, o rosto macerado, com a mala arranjada em casa para a partida - fazendo às companheiras e ao mundo pecaminoso os seus derradeiros adeuses. Alguns estudantes encontravam-na, exclamavam espantados:

- Ó Rosa, pois tu vais enterrar-te num convento?!

A Rosa logo, com um fulgor momentâneo no olhar:

- Que importa? Ao menos fico na legenda!

E este na legenda cheirava a D. Thomaz, que tresandava...

Breve lhes conto o remate da história. Não é banal: a Rosa Espanhola, cansada em curto espaço da monotonia da cela, rasgou o hábito, disse adeus á madre superiora, e reapareceu em Coimbra ao tempo em que D. Thomaz obtinha ao fim o seu solicitado emprego público.

Em virtude do que, o interessante funcionário resolveu levá-la consigo para a Índia, onde a esta hora, provavelmente, a ama entre palmares... 

Soares, A. As Tricanas de Coimbra. In: Illustração Portugueza, n.º 5, Primeiro semestre, 2.ª série. Lisboa, 1906, p. 146-149.

 

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por Rodrigues Costa às 11:03

Quarta-feira, 29.03.23

II Encontro Cantanhede. História, Arte e Património e Inauguração da exposição com o Espólio recuperado das Irmandades de Enxofães e Murtede.

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É já, na próxima sexta-feira e sábado, que decorrerá o II Encontro Cantanhede. História, Arte e Património.

A minha participação visará dar um Contributo para a História das Freguesias do Concelho de Cantanhede. Murtede e Enxofães, ou da urgência em salvaguardar o Património ali existente, terá lugar na tarde de 6.ª feira e como principal objetivo, alertar quem de direito para a necessidade – digo mesmo a urgência – em planear um trabalho sistemático de estudo e recuperação da história local das freguesias que integram o concelho de Cantanhede, destacando, entre outras as seguintes situações:

Enxofães. Celeiro do Hospital Real dos Lázaros de Coimbra

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Enxofães. Celeiro do Hospital Real dos Lázaros de Coimbra, recuperada nos finais do século XVIII, exterior

Enxofães. Casa setecentista, 11.JPG

Interior do mesmo edifício

- Murtede. Almuinha ou cortinhal, presumivelmente datada de séc. XVI

Casa antiga na R. José Carditas.JPG

- Murtede. Moinho do Ribeiro ou de Alfora, documentado desde1362

Lagar de Alfora 18.JPG

- Carvalho. Ruínas do último forno de cal

Forno de cal, junto à estação de Murtede.jpg

A anteceder o II Encontro, às 14h30 de 6.feira, decorrerá a inauguração da Exposição as Irmandades de Enxofães e Murtede.

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Igreja de Murtede, expositor dos livros antigos.JP

Murtede, expositor de livros recuperados

A exposição da qual fui o curador, permite mostrar parte do trabalho já realizado, graças a um conjunto de boas vontades, no propósito de recuperar e salvaguardar o espólio das Irmandades já extintas e criar expositores que permitam guardá-los com a dignidade possível.

Rodrigues Costa

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por Rodrigues Costa às 21:18

Quarta-feira, 29.03.23

Conversa Aberta: Terras do aro de Coimbra

É já depois de amanhã, 6.ª feira que a partir das 18h00, decorrerá mais uma Conversa Aberta que conforme o habitual terá lugar na Sala D. João III do Arquivo da Universidade de Coimbra (por baixo e nas traseiras da Biblioteca Geral), com entrada pela Rua de S. Pedro.

A entrada é livre e após a apresentação do tema segue-se o debate, no qual todos poderão colocar as suas questões e pedir esclarecimentos.

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Desta vez o tema a ser tratado será As Terras do Aro de Coimbra nos documentos e objetos do Arquivo Histórico Municipal de Coimbra

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A palestrante. Dr.ª Paula França é a responsável pelo Arquivo Histórico Municipal de Coimbra, profundamente conhecedora do mesmo e sempre pronta a ajudar aquele que ali fazem as suas investigações.

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Aliás o Arquivo Histórico Municipal de Coimbra merece uma visita. Quanto mais não seja, pelas pequenas exposições, periodicamente renovadas, que ali são apresentadas.

Participe no debate e ajude por favor na divulgação do evento.

Rodrigues Costa

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por Rodrigues Costa às 11:15

Terça-feira, 28.03.23

Coimbra: Tricanas, uma visão 2

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llustração Portugueza”, 5, Primeiro semestre, 2.ª série, Lisboa, 1906, p. 147

 A tricana de Coimbra é uma desterrada dos ócios aristocráticos de salão para a subalternidade vexatória e injusta da vida plebeia. Em cada qual somos forçados a ver uma princesa encantada por artifícios de fada má e constrangida a correr a sua sina enquanto um conde não vem de terras longes pronunciar a palavra misteriosa que lhe quebre o encantamento…

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Op. cit., p. 147, pormenor 1

 E não é rara, em verdade, a aparição desse conde na pessoa de um bacharel enamorado que as arranca das penas e trabalhos do ferro de engomar para o tranquilo remanso da sua casa de lavoura na província, onde elas ao depois vêm a tornar-se senhoras, e gordas.

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Op. cit., p. 147, pormenor 2

 Filha, quase sempre, de estudante e engomadeira, descendente, muitas vezes, das mais nobres casas deste reino - algumas delas sendo mesmo conhecidas e tratadas, com geral consenso, pelos seus apelidos fidalgos - a tricana tem mui pouco do povo em que arbitrariamente se encontra classificada, e herdou da degenerescência das classes altas, além da agudeza do espirito, a mórbida palidez das carnes, certa perversão das tendências e desejos, o apetite dos prazeres pouco banais, o romanticismo postiço das paixões e a queda para os ócios deleitosos, que afinam a sensualidade e dão ensejo às aladas fugas da fantasia... Tudo isto, sem fazer da tricana, positivamente, o que se chama uma boa dona de casa, a torna apta, por excelência, para o desempenho da sua missão social, que é a de tornar ligeira o alegre, quão possível, a preparação científica de quase toda a mocidade portuguesa.

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Op. cit., p. 147, pormenor 3

 Esta austeridade aristocrática a todo o instante se comprova, mesmo nos costumes instintivos da tricana.

Quem não sabe dos chás galantes da Assunçãozinha dos bandós, célebre pelo seu pálido perfil de santa bizantina, e só rival na graça, ao tempo, da flexuosa Isabel - a tricana que eu conheci antes de todas em Coimbra, e com quem joguei idiotamente a bisca nos meus primeiros dias de caloiro?...

A Assunção reunia então em sua casa tudo o que a Academia contava de melhor, nas letras, na boémia e na estirpe. Certamente, era indispensável que os convivas - o D. Thomaz de Noronha, hoje na Índia, o poeta Lopes Vieira, o estúrdio Pad-Zé, agora transmutado em   dr. Alberto Costa, Emérico d'Alpoim, D. Sebastião da Grama e outros mais - tivessem o cuidado de levar no bolso, para o festim, uma garrafa de Madeira, um pacote de chá e alguns bolos. Tornava-se mesmo necessário que um deles se prestasse a acender o fogareiro, pôr a água ao lume e agitar o abano, até que se aprontasse a infusão; mas, feito isto, a Assunção dos bandós presidia á festa com a gentileza o «donaire» que uma grande dama não excede, no «five o-clock»  mais distinto o precioso…

 

Imagem 2, pormenor 4.jpgOp. cit., p. 147, pormenor 4

 Esta parte anedótica da vida coimbrã afigura-se-me extremamente curiosa, e sobretudo muito elucidativa no que respeita á psicologia desse estranho entesinho que é a tricana, vivendo na sombra da Universidade, em êxtase, como a sonhadora do Zola no sopé da Catedral, ou amando o estudante com o amor meio carnal e meio místico, que a beata oferece aos santos o aos padres. Que pode haver mais interessante, sob este aspeto, do que a lenda da Rosa Espanhola, que por amor se foi a um convento, o que há poucos anos chamou lágrimas aos olhos de todas as donzelas da província, com a patética elegia, cantada em verso coxo, dos seus amores inditosos?

 Soares, A. As Tricanas de Coimbra. In: Illustração Portugueza, n.º 5. Primeiro semestre. 2.ª série. Lisboa, 1906, p. 146-149.

 

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por Rodrigues Costa às 21:06

Quinta-feira, 23.03.23

Coimbra: Tricanas, uma visão 1

Começamos hoje a divulgar um artigo publicado em 1906, na Illustração Portugueza, onde o autor traça um retrato amargo das tricanas de Coimbra, quiçá excessivo, mas representativo da época em que foi escrito. Como se verá, na última entrada vislumbra-se no texto a face negra desse retrato.

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Illustração Portugueza”, 5, Primeiro semestre, 2.ª série, Lisboa, 1906, p. 146, pormenor

E considero-o excessivo e a apontar para uma face negra, porque, do que conheço sobre o assunto e face ao que com ele estive relacionado, a tricana de Coimbra não passava só pelo retratado, mas existiam outras realidades, bem diferentes das descritas.

Como acentuou Nelson Correia Borges, o que caracterizava a tricana era a forma de trajar: «O cachené emoldura-lhe o penteado feito com desvelo e o rosto, que avulta entre duas alentadas argolas.

Cinge-lhe o busto o aristocrático chambre das avós, tufado nas mangas de bofe.

O aventalinho, com aplicação arrendada, é traço quase exclusivo da mulher de Coimbra. Por sobre tudo traça o xaile naquele jeito como só ela sabe e ninguém consegue copiar. A paisagem urbana situa-a. É a tricana. É Coimbra.

Decorre de aí concluirmos que o artigo peca por generalizar o que não é generalizável. Poderá descrever, parcialmente, a realidade da época, mas é injusto e desajustado no que respeita à maioria das mulheres de Coimbra, dado que elas pisavam outros caminhos.

O artigo, profusamente ilustrado, do qual só reproduzimos parte é o seguinte.

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Op. cit., p. 146

 

«Ninguém como ella traja

A gosto do namorado:

Lenço de pontas atraz,

Chalinho de sobraçado,

Chinella curta, a fugir,

Embora o pé seja leve

E pequenino de ver

Na meia branca de neve;

Corpete todo a estalar,

Saia subida e ligeira,

Aventalinho tamanho

Como folha de figueira.»

 

Manuel da Silva Gaio.

 

O que maiormente enleva e surpreende, a quem aborda pela vez primeira a terra sagrada pelos amores de Inês, não é tanto a pompa dos seus lentes, o sabor das suas arrufadas ou a hirta majestade dos oito séculos de monarquia enfileirados na Sala dos Capelos, mas a subtil harmonia, a maravilhosa proporção e congruência que a Natureza estabeleceu ali, em tudo o que é criado.

Num clima benfazejo e quase sempre igual, nada de grandes traços, de fortes vegetações, ou dos coloridos berrantes na paisagem. Esta é alguma coisa como um quadro do japonês, místico sacerdote da arte, comprazendo-se em tirar os seus efeitos sempre de linhas breves, ondulantes, fugidias, de levezas de cor, de atitudes martirizadas nos caules finos e dolentes do arvoredo.

A cada passo uma colina, um montículo, um outeiro; mas até quando os horizontes se alargam, a planície a perder de vista não ganha nunca a bruteza da charneca, ou sequer a uniformidade fatigante do pastio da campina estremenha — antes fica toda feita em detalhes, e tão terna nas suas meias-tintas, que jamais a fitou um olhar nostálgico, sem pressentir nessas jardas de terreno como que a expressão dum instante de tristeza — que deveria ser branda e suavíssima — do Criador dos mundos...

O artista, por seu turno, possuído do espírito regional, buscou talhar na pedra afeiçoável das velhas construções do burgo, coisas ingénuas e sinceras, que não pudessem ofender a carinhosa melancolia das terras: e, havendo-o conseguido, só faltara que a mulher, fecho e síntese de toda a obra de beleza, não destoasse dos elementos do quadro, antes viesse traduzir, em quintessência, a alma de quanto a rodeava.

 

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Op. cit., pg. 146, pormenor

 Ponham no campo coimbrão uma alentejana bem fornida, ou a beiroa máscula e alvar, e aí teremos anulada toda a obra, como se, numa tela delicada de Ho-Ko-Sai, alguém fosse pintar em suplemento uma «touriste» alemã, pesada, inestética, de «canotier» e mala de viagem.

Por felicidade, ainda neste ponto foi coerente e sábia a Natureza.

 

Soares, A. As Tricanas de Coimbra. In: Illustração Portugueza, n.º 5. Primeiro semestre. 2.ª série. Lisboa, 1906, p. 146-149.

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por Rodrigues Costa às 20:22

Terça-feira, 21.03.23

Coimbra: Retábulos da Igreja do Mosteiro de Santa Clara, 7

 Painel do Batismo

Painel do Baptismo. Op. cit., pg. 112.jpg

Painel do retábulo colateral do lado do evangelho da igreja de Santa Clara-a-Nova. Op. cit., pg. 112

O painel do retábulo colateral do lado do evangelho é, assim, composto por cinco figuras masculinas. Ao centro, o Baptista do lado direito, de barba e cabelos longos, veste capa e túnica feita de peles esfarrapadas e eleva uma concha sobre Cristo desnudado e ajoelhado a seus pés que se encontra no centro de toda a composição, ligeiramente inclinado dentro de água e com as mãos cruzadas sobre o peito. A acompanhar estes, dois anjos assistem à cena no lado esquerdo do painel segurando as roupagens de Cristo. A rematar a ação, a quinta figura representa Deus Pai que presencia o acontecimento envolto de nuvens com dois anjos e dois querubins a acompanhá-lo. Por baixo deste e ainda entre as nuvens, o Espírito Santo, virado para as personagens em baixo, lança raios de luz em direção à cena central. Como fundo, o painel retrata uma paisagem citadina, ladeada de árvores e, em baixo, encontra-se representado o rio Jordão, correndo entre rochas sobre as quais foi esculpido um lagarto no lado esquerdo, enquanto no lado direito se prolongaram as raízes das árvores. Ao centro, entre as duas figuras principais, representaram-se dois lírios brancos, símbolos de dupla pureza (a de Cristo e a de João Baptista). Sobre o rio e em miniatura, encontramos uma pequena embarcação com um pescador (possível alusão a S. Pedro) acompanhada de quatro peixes que sobem ao topo da água.

Painel do Baptismo, pormenor. Op. cit., pg. 112..j

Painel do retábulo colateral do lado do evangelho da igreja de Santa Clara-a-Nova, pormenor. Op. cit., pg. 112

A cena do painel retabular representa a passagem bíblica do Batismo de Cristo, relatada nas escrituras sagradas, no momento em que João batiza Jesus no rio Jordão, descendo sobre eles o Espírito Santo (em forma de pomba branca) ao rasgarem-se os céus para a aclamação do Filho de Deus. Tal como relata, a título de exemplo, São Mateus: “Então, veio Jesus da Galileia ao Jordão ter com João, para ser batizado por ele. João opunha-se, dizendo: «Eu é que tenho necessidade de ser batizado por ti, e Tu vens a mim?» Jesus, porém, respondeu-lhe: «Deixa por agora. Convém que cumpramos assim toda a justiça.» João, então, concordou. Uma vez batizado, Jesus saiu da água e eis que se rasgaram os céus, e viu o Espírito de Deus descer como uma pomba e vir sobre Ele. E uma voz vinda do Céu dizia :«Este é o meu Filho muito amado, no qual pus todo o meu agrado.».

 

Painel da Comunhão

Painel da Comunhão. Op. cit., pg. 117.jpg

Painel do Retábulo colateral do lado da epístola da igreja de Santa Clara-a-Nova. Op. cit., pg. 117

No painel figura um altar acompanhado de dois anjos, São João Evangelista, Nossa Senhora e duas personagens que a precedem. O retábulo do altar representado no painel é composto por duas pilastras e um arco de volta perfeita que emolduram um crucifixo. Em frente à mesa de altar decorada com duas velas e um cálice eucarístico, as três figuras femininas ajoelham-se perante o Apóstolo que veste alva, estola e manípulo segurando a hóstia nas mãos. Ao fundo de três degraus, dois anjos segurando círios, ajoelham-se perante a cena. Na edícula de remate encontra-se representada uma águia. A cena faz alusão ao momento da comunhão da Virgem dado por São João Evangelista.

Painel da comunhão, pormenor. Op. cit., pg. 117.j

Painel do Retábulo colateral do lado da epístola da igreja de Santa Clara-a-Nova, pormenor. Op. cit., pg. 117

A cena retratada no painel é um tema pouco conhecido e representado. Ele aparece-nos em contexto das Reformas protestantes quando as questões relativas ao sacramento da eucaristia são questionadas. Isto porque a cena da primeira eucaristia, a última ceia, representada desde os primórdios do cristianismo, se caracterizava por fixar o momento em que Cristo anuncia a traição de um dos apóstolos e não o momento em que consagra e distribui o pão e o vinho. Esse tema só irá conhecer a sua primeira representação no século XV, mas os artistas nunca se desprendem da antiga representação. Só a partir da segunda metade do século XVI é que começa a crescer o número de representações relativas ao momento da consagração da eucaristia.

 Carvalho A. R. A.  Os Retábulos da Nova Igreja do Mosteiro de Santa Clara em Coimbra. Dissertação de Mestrado em História da Arte, Património e Turismo Cultural. 2015. Edição da Universidade de Coimbra. Acedida em https://www.academia.edu/23902176/Os_Retabulos_da_Nova_Igreja_do_Mosteiro_de_Santa_Clara_em_Coimbra ...

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por Rodrigues Costa às 16:27

Sexta-feira, 17.03.23

Conversa Aberta: Terras do aro de Coimbra

De hoje a 15 dias vai realizar-se mais uma Conversa Aberta que conforme, o habitual, decorrerá na Sala D. João III, do Arquivo da Universidade de Coimbra (junto ao Instituto Justiça e Paz, antigo CADC), na última sexta-feira de cada mês, a partir das 18h00, com entrada livre.

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Desta vez o tema a ser tratado será As Terras do Aro de Coimbra nos documentos e objetos do Arquivo Histórico Municipal de Coimbra.

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A palestrante, Dr.ª Paula França que é a responsável pelo Arquivo Histórico Municipal de Coimbra, profundamente conhecedora do mesmo e sempre pronta a ajudar aquele que ali fazem as suas investigações.

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Aliás, o Arquivo merece uma visita. Quanto mais não seja, pelas pequenas exposições, periodicamente renovadas, que ali estão patentes.

Participe no debate e ajude por favor na divulgação do evento.

Rodrigues Costa

 

 

 

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por Rodrigues Costa às 21:17

Quinta-feira, 16.03.23

Coimbra: Retábulos da Igreja do Mosteiro de Santa Clara, 6

.  Painel da Nossa Senhora da Conceição

Painel de Nossa Senhora da Conceição. Op. cit.,

Painel do primeiro retábulo lateral do lado do evangelho na igreja de Santa Clara-a-Nova. Op. cit., pg. 98.

A figura de Nossa Senhora da Conceição, com nimbo de doze estrelas, que se encontra de pé, olhando o horizonte, com as mãos postas em oração, em cima de uma lua equilibrada sobre três cabeças de anjo que assentam sobre uma esfera azul, rodeada de uma serpente, estando esta alinhada sobre um pedestal, como que se de uma estátua de vulto se tratasse. Como fundo, nuvens e raios de luz e glória saem por detrás da Senhora rodeando-a. À sua volta distribuem-se seis anjos que seguram, cada um, diferentes símbolos. No lado direito, o anjo de cima segura um ramo de oliveira, por baixo dele o anjo carrega um espelho e o de baixo trás uma fonte. No lado esquerdo, e de cima para baixo, os atributos que os anjos guardam são uma folha de palmeira, uma torre e uma casa. Na edícula de remate do retábulo encontram-se lírios.

Painel de Nossa Senhora da Conceição, pormeor. O

Painel do primeiro retábulo lateral do lado do evangelho na igreja de Santa Clara-a-Nova, pormenor. Op. cit., pg. 98.

A imagem do painel sugere uma versão correspondente à iconografia da Virgem Imaculada intitulada de «Tota Pulchra», nome derivado do versículo em latim: “(…) toda bela és tu, ó minha amada, e em ti defeito não há (…)” que alude à sua beleza pura e imaculada. Essa tipologia representa a imagem de Nossa Senhora rodeada dos seus atributos e metáforas bíblicas inspiradas no «Cântico dos Cânticos».

 

. Painel de São Pedro

Painel de S. Pedro. Op. cit., pg. 108.jpg

Painel do segundo retábulo lateral do lado do evangelho da igreja de Santa Clara-a-Nova. Op. cit., pg. 108

No segundo retábulo lateral do lado do evangelho figura-se Cristo de pé a entregar as chaves a São Pedro que se ajoelha à sua frente, e que confere uma nítida diagonal compositiva, acompanhados de duas figuras que testemunham o ato. Como fundo, foi representada uma igreja e árvores, introduzindo-se uma palmeira no lado direito do painel. 

Na edícula de remate encontra-se representado uma tiara papal.

Painel de S. Pedro. Op. cit., pg. 108.jpg

Painel do segundo retábulo lateral do lado do evangelho da igreja de Santa Clara-a-Nova, pormenor. Op. cit., pg. 108

 A cena do painel deste retábulo retrata o episódio bíblico da entrega das chaves ao apóstolo São Pedro. Essa passagem desenrola-se quando Cristo se reúne com os apóstolos perto de Cesareia de Filipe onde, segundo São Mateus, anuncia: “(…) Tu és Pedro, e sobre esta Pedra edificarei a minha Igreja, e as portas do Abismo nada poderão contra ela. Dar-te-ei as chaves do Reino do Céu; tudo o que ligares na terra ficará ligado no Céu e tudo o que desligares na terra será desligado no Céu. (…)”.

 Carvalho A. R. A.  Os Retábulos da Nova Igreja do Mosteiro de Santa Clara em Coimbra. Dissertação de Mestrado em História da Arte, Património e Turismo Cultural. 2015. Edição da Universidade de Coimbra. Acedida em https://www.academia.edu/23902176/Os_Retabulos_da_Nova_Igreja_do_Mosteiro_de_Santa_Clara_em_Coimbra ...

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por Rodrigues Costa às 20:47

Terça-feira, 14.03.23

Coimbra: Retábulos da Igreja do Mosteiro de Santa Clara, 5

 Painel de São Bartolomeu

Painel de S. Bartolomeu. Op. ct., pg. 88.jpg

Painel do terceiro retábulo lateral do lado do evangelho na igreja de Santa Clara-a-Nova. Op. cit., pg. 88

O painel do retábulo alusivo a São Bartolomeu reproduz um portal por onde quatro clarissas recebem São Bartolomeu que se encontra prostrado à porta. Em primeiro plano destaca-se o apóstolo de barba e cabelos curtos que entrega um papel à freira que avança sobre ele. Atras desta, outras três religiosas acompanham e testemunham a entrega representada. O papel que é entregue contém uma inscrição onde se lê: STELLA CÆ/ÆLI EXTI/RPAV[I]T. Na edícula de remate do retábulo figura um coração.

Painel de S. Bartolomeu, pormenor. Op. ct., pg. 88

Painel do terceiro retábulo lateral do lado do evangelho na igreja de Santa Clara-a-Nova, pormenor. Op. cit., pg. 88

A cena do painel alude ao episódio milagroso em torno da figura de São Bartolomeu, que se desenrolou no mosteiro de Santa Clara de Coimbra. Segundo relatou Frei Manoel da Esperança em 1666, quando o surto de peste que se alastrava pela Europa chegou a Coimbra, as clarissas dirigiram as suas orações aos apóstolos no sentido de identificar a qual deveriam recorrer para se livrarem do mal que se adivinhava pela cidade. Acendendo círios com os doze nomes, fora o de São Bartolomeu o último a se apagar, elegendo-o como seu advogado.

… A iconografia representada no painel é exclusiva da casa clarissa de Coimbra sendo apenas figurada no seu contexto particular.

 

Painel de São Pedro de Alcântara

Painel de S. Pedro de Alcântara. Op. cit., pg. 92

Pormenor do painel que se encontra a rematar a entrada principal da igreja de Santa Clara-a-Nova. Op. cit., pg. 92

O painel que se encontra a rematar a entrada principal da igreja [representa] Santa Teresa, no canto inferior esquerdo, é interrompida na sua escrita pela aparição de São Pedro de Alcântara que ocupa mais de metade do painel envolto de nuvens e anjos. Ao fundo, a paisagem é representada com um sol encoberto pela metade por montanhas, por uma igreja e por dois franciscanos que caminham lado a lado estando a figura aureolada do lado esquerdo apontando para o céu e segurando uma vara na mão esquerda. A santa carmelita, envolta de uma estrutura arquitetural em formato de L, traja o hábito da sua ordem, estando ajoelhada junto a uma mesa de toalha vermelha com um livro aberto, uma pena e um tinteiro, representada com auréola de santo e abrindo os braços em gesto de surpresa. De igual modo se encontra o santo franciscano, que abre os seus braços olhando para Santa Teresa por baixo de si.

Circundando-o, os agitados anjos e cabeças de anjo aladas celebram a glória do santo, envoltos em nuvens. Os anjos alados seguram sete objetos simbólicos relacionados com os atributos de São Pedro de Alcântara representando: uma cruz, uma palma, uma coroa de rosas, um ramo de lírio, um livro, o cinto de corda franciscano, e cilício e disciplinas com as quais o santo se martirizava.

A composição apresenta um grande sentido de agitação e movimento.

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Pormenor do painel que se encontra a rematar a entrada principal da igreja de Santa Clara-a-Nova, pormenor. Op. cit., pg. 92

Santa Teresa é identificada pelo hábito carmelita, pela pena e o livro, remetendo para a sua vastíssima produção literária. São Pedro de Alcântara veste o seu traje franciscano e é identificado pelos atributos que os anjos seguram. A cena do fundo remete para um milagre da vida do santo em que este caminhou acompanhado sobre as águas do rio Guadiana.

Carvalho A. R. A.  Os Retábulos da Nova Igreja do Mosteiro de Santa Clara em Coimbra. Dissertação de Mestrado em História da Arte, Património e Turismo Cultural. 2015. Edição da Universidade de Coimbra. Acedida em https://www.academia.edu/23902176/Os_Retabulos_da_Nova_Igreja_do_Mosteiro_de_Santa_Clara_em_Coimbra ...

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por Rodrigues Costa às 19:29

Quinta-feira, 09.03.23

Coimbra. Arca-cartório da Universidade

O Arquivo da Universidade continua a divulgar quer o extensíssimo espólio documental ali existente guardado em cerca de 10 quilómetros de estantes, quer outras peças do património universitário que ali foram guardadas.

Assim, no passado dia 27 de outubro de 2022, foi dada a conhecer a arca-cartório da Universidade, num texto bem ilustrado e que conta a origem e a forma de utilização desta belíssima peça.

Arca cartório 1.jpg

Arca-Cartório da Universidade de Coimbra

Este primitivo Cartório da Universidade de Coimbra, que se encontra no AUC, é uma arca ou burra (designação antiga atribuída a estas arcas) feita em ferro, com acabamento de pintura, com motivos florais, nas cores rosa, verde e azul, denotando esmaecimento da tinta, no plano superior.

Arca cartório 3.jpg

Arca-Cartório da Universidade de Coimbra, pormenor das pinturas da parte superior

Apresenta uma decoração quadriculada, formada por chaparia recortada, com grandes pregos, distribuídos uniformemente, possuindo uma fechadura, cujo mecanismo de abertura é visível no interior, encontrando-se dissimulada a abertura superior.

Arca cartório 4.jpg

Arca-Cartório da Universidade de Coimbra, pormenor da chaparia

Tem ainda duas argolas, para fechadura com aloquetes, que já não existem. A sua deslocação era feita por suporte, através de duas grandes pegas, suspensas lateralmente!

No seu interior, encontra-se um pequeno cofre, adossado lateralmente, também ele com fechadura, utilizado, provavelmente, para guardar dinheiro ou peças valiosas.

Arca cartório 5.jpg

Arca-Cartório da Universidade de Coimbra, pormenor da cofre

Sendo Reitor da Universidade de Coimbra D. Agostinho Ribeiro, recebeu este uma Carta Régia de D. João III, datada de 27 de dezembro de 1540, pela qual lhe enviava, entre outros documentos, uma Bula de anexação de seis igrejas do Padroado Real ao Padroado da Universidade, ordenando que se fizesse uma arca, para guardar esses documentos, assim como todos os documentos régios enviados à Universidade, garantia de seus privilégios.

Essa arca, com três fechaduras, só seria aberta com três chaves, estando uma chave na posse do Reitor, outra na posse do lente de Prima de Cânones e outra na posse do bedel e escrivão do Conselho da Universidade.

Muito provavelmente, a presente arca-cartório foi executada na sequência desta ordem régia. (V. Registo das Provisões, antes da Nova Fundação da Universidade, vol. 1, fl. 87v-88 – cota AUC-IV-1.ªD-3-2-17)

Arquivo da Universidade de Coimbra. Arca-Cartório da Universidade. Acedido em https://www.facebook.com/search/top?q=arquivo%20da%20universidade%20de%20coimbra.

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por Rodrigues Costa às 10:46

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