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A' Cerca de Coimbra



Quinta-feira, 19.01.23

Coimbra: Cadeiral de Santa Cruz 3

A complementar a divulgação desta obra, dos textos de Monsenhor Nunes Pereira, escolhemos alguns daqueles que, em nossa modesta opinião, mais nos impressionaram.

Do Cadeiral SC  pg 31a.jpg

Op. cit., pg. 31

Da vida monástica de Santa Cruz de Coimbra resta o seu famoso cadeiral, uma das mais belas e curiosas peças da escultura em madeira do século XVl em Portugal.

O cadeiral esteve primeiro na capela-mor, antes de construído o coro alto. Feito este, para lá foi mudado o cadeiral, em 1531, sendo encangado da obra Francisco Lorete, escultor francês, que também foi incumbido de acrescentar mais catorze cadeiras, «oito grandes e seis pequenas, da obra e maneira das que são feitas», segundo reza o contrato publicado pelo cónego Prudêncio Garcia.

As anteriores, acabadas em 1513, são obra de Machim, cujo estilo é ainda gótico. As outras denunciam um artista da renascença, muito embora Francisco Lorete, em obediência ao contrato, se esforçasse por imitar a obra de Machim.

O «Inventário Artístico» assinala a parte de cada um dos autores. A começar do lado da frontaria da igreja, até ao tambor que marca o arranque das nervuras da abóbada, é de Machim; daí para diante é de Lorete.

Além da diferença de estilo, há na obra de Machim uma nota curiosa: a aplicação de motivos animais tirados do Fabulário. Assim, por exemplo, «A Raposa e as Uvas», «A Raposa e a Cegonha», das Fábulas de Fedro. Esses motivos encontram-se na face inferior dos assentos, só visíveis quando estes estão levantados.

Do Cadeiral SC, pg. 61a.jpg

Op. cit., pg. 61

O desenho aqui apresentado representa uma figura de homem sentado à porta de uma pequena casa de estilo nórdico e ornamenta o painel da cadeira que está fronteira àquela que tem o tocador da cítara.

A figura tem os braços levantados, um mais do que o outro como o tocador de cítara, e como este também não tem mãos. 0 rosto está bastante carcomido, mal se distinguindo o nariz e os olhos. À frente nota-se que havia qualquer elemento, que não se sabe o que fosse, por ter sido quase totalmente desfeito pelo caruncho. Mas, dada a posição dos braços, pode admitir-se que se tratasse de um instrumento, por ventura um tambor. É uma hipótese, apenas.

Outras hipóteses podemos ainda considerar.

A primeira é que se tratará de Santo António, com a cabana que para ele mandou fazer o conde Tiso, em Camposampiero, a duas milhas ao norte de Pádua. O conde tinha na sua propriedade um espesso bosque, e no centro deste uma grande nogueira. Entre os seis braços abertos da majestosa árvore, foi feita uma cabana para Santo António escrever os seus sermões e meditar; dos lados, dois cubículos, um para Fr. Lucas Belludi e outro para Fr. Rogério (cf. P.e Rolim 0. F. M., «Santo António de Lisboa», Lisboa, 1931, pág. 162, e a bibliografia aí citada), (Iconographie de L´ Árt Chétien, P. U. F., Paris,1958, Tomo III, pág.118).

A mais antiga representação desta cena, que para o caso não importa que seja verdadeira ou lendária, é de 1490, um quadro de Lazzaro Sebastiani na Academia de Veneza (Louis Réau, op. cit., loc. cit.).

O facto de Santo António estar intimamente ligado ao mosteiro de Santa Cruz, onde estudou, toma muito plausível esta interpretação. Embora Louis Réau afirme que até ao século XV o culto de Santo António esteve localizado em Pádua, e que só a partir do século seguinte ele se tomou o santo nacional dos Portugueses, não repugna admitir que em Santa Cruz ele tivesse culto antes dessa data. Uma coisa é certa: Em 1531 já o «Breviarium» de Santa Cruz, a 13 de Junho, insere o oficio de Santo António, cujas nove lições resumem a sua vida.

Mas aventamos ainda outra hipótese, neste difícil desbravar de terreno. É esta:

Entre as parábolas evangélicas há uma que se refere ao servo vigilante, que espera a vinda do seu senhor, para prontamente lhe abrir a porta (Mat., 24, 42-51; Luc., 12, 35-47).

E basta de conjeturas. Apenas acrescentaremos que se devia estudar a maneira de obstar ao desfazer da graciosa escultura, como de todo o conjunto.

 

Pereira, A. N. Do Cadeiral de Santa Cruz. 2.ª edição. Introdução de Nunes Pereira, Abertura de Anselmo Ramos Dias Gaspar e Prefácio à segunda edição de Marco Daniel Duarte. 2007. Coimbra, Câmara Municipal. Pg, 31-32 e 61-62.

 

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por Rodrigues Costa às 10:52


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