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Habitar o espaço urbano
Uma vez concluída a licenciatura em Direito, Fernando Mendes Silva organizou escritório e começou a trabalhar, com pleno êxito, enquanto um jovem e promissor profissional liberal a exercer advocacia em Coimbra e fora da cidade.
Por outro lado, o desenvolvimento urbanístico de Coimbra passava naquela altura pela construção de novos equipamentos de uso público na parte oriental da cidade em expansão, pelo que se projetavam para ali uma nova igreja, um estádio e novas piscinas municipais, acompanhados pela construção de várias escolas.
E é então que, surpreendentemente, Mendes Silva se associa ao engenheiro Castro Pita para criarem a empresa “Solum”, em Março de 1964, com o objetivo de executar nos terrenos adjacentes o projeto de urbanização, edificação e comercialização, da “unidade residencial do Calhabé”.
Castro Pina. Imagem acedida em https://penacovactual.sapo.pt/2021/10/23/ilustres-desconhecidos-rui-de-carvalho-castro-pita-1916-1988/
Envelope da empresa SOLUM. Acervo Carlos Ferrão
Esta iniciativa empresarial implicou abandonar a advocacia e arriscar muito na execução e promoção de um projeto urbanístico arrojado, num país que só conhecerá outro exemplo similar de aplicação destes princípios urbanísticos na sua capital política, concretamente, no Bairro dos Olivais em Lisboa.
E que princípios urbanísticos estavam em jogo? Os que foram estabelecidos por Le Corbusier na célebre Carta de Atenas (1942) e que vinham sendo aplicados, frequentemente, na Europa Central, sobretudo nos países saídos da II Guerra Mundial e que tiveram a necessidade de iniciar o seu processo de reconstrução à luz de novas conceções urbanísticas. Basicamente, a visão corbusiana do urbanismo preconizava que o alinhamento das habitações não devia ser efetuado ao longo das vias de comunicação, até porque este nem sempre assegura a necessária exposição dos edifícios ao sol.
Bairro da Solum, fase final da construção. Acervo Carlos Ferrão
Bairro da Solum. Foto Daniel Silva. 2008. Acervo Carlos Ferrão
O que implicava criar passeios e vias largas para as pessoas e os automóveis circularem, bem como espaços verdes entre os edifícios. As urbanizações residenciais deviam ser também dotadas de equipamentos de uso comunitário, do tipo: jardins de infância, escolas, equipamentos desportivos, pequenos complexos de lojas para abastecimento e consumo residencial. Neste contexto, a intervenção do elemento altura na construção dos edifícios seria uma solução urbanística para os cidadãos poderem conquistar e fruir de mais espaços verdes e de uso comum. As ruas, por sua vez, deveriam ser diferenciadas segundo o seu tipo funcional: arruamentos de habitação, de passeio, de trânsito e vias mestras. Em conclusão, as chaves do urbanismo, em Le Corbusier, consistiam em realizar quatro funções em simultâneo: habitar, trabalhar, recriar e circular.
E são estes os conceitos e as soluções de desenho urbano e residencial que Fernando Mendes Silva passou a pugnar e a concretizar ao longo da sua vida como empresário na mencionada unidade residencial do Calhabé, a qual ainda hoje é carinhosa e significativamente conhecida – sobretudo entre os seus moradores mais antigos – como Solum. É esta a perspetiva e vivência europeia do urbanismo que Mendes Silva nos legou e que se acha reconhecida e consagrada nos estudos recentes sobre a história do urbanismo em Portugal, de acordo com esta linguagem: “As soluções iniciais de desenho urbano apresentam-se fortemente influenciadas pelo modelo racionalista definido por Le Corbusier na Carta de Atenas”. Sobressai a composição cuidada das implantações e das volumetrias, os grandes espaços livres envolventes das edificações, as áreas funcionais. No que concerne à concretização do empreendimento, pode afirmar-se que os primeiros 5 anos apresentam as soluções urbanísticas mais interessantes, sobretudo nos conjuntos de autoria de Rogério Alvarez e de Melo e Matos, sendo também evidente a criteriosa implementação dos espaços verdes (cf. Fernando Ferreira e Lusitano dos Santos – «A unidade residencial do Calhabé (Solum): Um paradigma na história recente do urbanismo em Portugal», in «Sociedade e Território», Lisboa, Março de 1995, p. 82).
Jorge Manuel Pais de Sousa. Cidade e Académica, em Fernando Luís Mendes Silva. Ensaio sobre um perfil de um dirigente desportivo. Texto inédito preparado para as comemorações dos 120 anos da AAC.
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