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…. a municipalidade no derradeiro ano do século XIX encomendou-lhe “o projeto de um mercado público destinado ao local onde se vê o de D. Pedro V”, cuja construção ocorrera em 1867.
Mercado D. Pedro V, inícios do séc. XX
Verdade seja que o referido mercado nasceu em má hora; da obra completa, mais tarde retomada, mas nunca efetivada, passou-se apenas ao pavilhão destinado à venda do peixe e mesmo este arrastou-se penosamente, pois só veio a ser inaugurado a 8 de março de 1908.
A velha praça, ainda hoje ao serviço do público [1991] quase sem ter recebido nenhuma obra de beneficiação, merecia já, em 1917, [por parte do jornal “O Despertar”] este irónico comentário: “Também faz hoje 50 anos (já meio século!) que foi inaugurado o mercado D. Pedro V. Está a pedir museu das raridades”.
Mercado D. Pedro V, projeto de Silva Pinto
Mercado D. Pedro V, pavilhão do peixe fachada nascente
Mercado D. Pedro V, interior do pavilhão do peixe
Foi este, sem dúvida, o edifício mais ousado que Silva Pinto projetou para Coimbra. Todo em ferro, tijolo e vidro, seguia os moldes europeus. Não se pode esquecer que o arquiteto havia regressado de França onde as estruturas de ferro apareceram esporadicamente no final do século XVIII e conheceram uma verdadeira expansão nos anos quarenta de Oitocentos. Utilizadas indistintamente em edifícios utilitários ou não e ainda como material auxiliar nalgumas construções, surgem nos teatros, estufas, mercados, pontes, palácios de cristal, para atingir o delírio, em 1889, na famosa Torre Eiffel.
A estética da metalurgia é descoberta e afirma-se através das finas colunas metálicas e da plasticidade do ferro fundido.
Até mesmo John Ruskin, em 1849, embora sendo contra todo o tipo de industrialização, não deixava de afirmar que “provavelmente se avizinha uma época em que se desenvolverá um novo sistema de leis arquitetónicas, adaptadas por inteiro à construção metálica”.
No entanto, apesar de se tratar de uma construção bem dentro dos parâmetros utilizados na época, embora dentro de proporções modestas, mas de acordo com os orçamentos disponíveis, a verdade é que aquando da polémica havida, por volta de 1921, em torno da intervenção levada a cabo na igreja crúzia de S. João, transformada em “Café de Santa Cruz”, obra reprovada por Silva Pinto, como o foi por António Augusto Gonçalves e outros, um dos jornais citadinos não se eximia de, para atacar o arquiteto, apelidar de “aquário” o pavilhão da venda do peixe.
Anacleto, R.; Poilicarpo, I.P.L. O arquitecto Silva Pinto e a Universidade de Coimbra, em Universidade(s). História. Memória. Perspectivas, vol. 2, Congresso História da Universidade. 7.º centenário. Coimbra, 1991, p. 327-346.
A urbe mondeguina, que durante séculos vivera num apertado perímetro, devido à explosão demográfica e a um certo crescimento económico, rompe os limites tradicionais e alastra pela antiga quinta dos frades crúzios.
A Quinta foi comprada a um particular pela Câmara Municipal, em Janeiro de 1885 que pagou por ela 22.000$000 réis, mas, dois anos depois, na sessão de 17 de Fevereiro de 1887, “Resolveu fazer venda da Quinta de Santa Cruz, caso se apresente ensejo, com vantagem para o município”. Felizmente que a minoria republicana se opôs e o negócio não se efetivou (Resistencia, 228, Coimbra, 1897.05.29).
Em 1889 a zona já possuía um incipiente projecto de urbanização e iniciou-se a venda dos primeiros lotes de terreno destinados à construção de habitações. O local começava a alindar-se, mas não responde cabalmente às necessidades e o Bairro do Penedo da Saudade surge timidamente.
Em 1904 o engenheiro Augusto Barbosa é encarregado pela municipalidade de elaborar o projeto.
Silva Pinto desenha a casa do Doutor Ferrand Pimentel de Almeida, a construir na Avenida Dias da Silva e Raul Lino aproveita para expor os seus trabalhos no Instituto de Coimbra “em virtude de se estar a programar o Bairro do Penedo da Saudade, onde ficam muito bem prédios daquele tipo”.
Casa do Doutor Ferrand Pimentel de Almeida
Quase logo de seguida começa a falar-se no desenvolvimento do chamado Bairro da Cumeada, em Celas, mas o seu crescimento tarda e só bastante anos depois experimenta um verdadeiro surto de progresso.
A Universidade, a Câmara Municipal e alguns particulares utilizam os seus serviços. A primeira, a partir de 28 de outubro de 1913, passa a pagar-lhe mensalmente 5$00 “por ser o superintendente das obras”
Anacleto, R.; Poilicarpo, I.P.L. O arquitecto Silva Pinto e a Universidade de Coimbra, em Universidade(s). História. Memória. Perspectivas, vol. 2, Congresso História da Universidade. 7.º centenário. Coimbra, 1991, p. 327-346.
Iniciamos hoje a divulgação de um texto publicado em 1991, pelas Professoras Doutoras Regina Anacleto e Isabel Policarpo e apresentado no Congresso História da Universidade, integrado nas comemorações do sétimo centenário da Universidade em Coimbra. Desse texto, dada a sua extensão e os diferentes temas nele tratados, extraímos um conjunto de seis entradas que a seguir se publicam.
O arquiteto Augusto de Carvalho da Silva Pinto nasceu em Lisboa a 7 de maio de 1865 e era filho de João António da Silva Pinto. Depois de ter frequentado o “Instituto Industrial e Comercial de Lisboa”, matriculou-se, em 1882, no Curso Geral de Desenho da “Escola de Belas Artes” e, seguidamente, inscreveu-se na especialidade de Arquitectura Civil, que integrava o curriculum daquela escola lisboeta.
Durante algum tempo lecionou no estabelecimento de ensino onde se havia formado e onde fora aluno brilhante, mas logo de seguida partiu para Paris, a fim de se valorizar e tomar contacto com as novas correntes estéticas então ainda pouco difundidas no nosso país. Regressou em 1895 e, logo depois, veio fixar residência em Coimbra, terra que adotou como sua.
Este facto revestiu-se de grande significado para a cidade, que se encontrava afastada dos grandes centros, fechada sobre si mesma, sem possibilidade de se desenvolver, e passou a dispor de um homem com conceções arquitetónicas modernas, capaz de colocar o seu saber ao serviço da comunidade.
Logo após a chegada e acumulando com outras tarefas, entra como professor para a Escola Industrial Brotero onde permaneceu, ensinando gerações, até atingir o limite de idade; além disso, integra-se na vida artística do burgo, que quase se reduzia só à Escola Livre das Artes do Desenho fundada por Mestre António Augusto Gonçalves em 1878, e por todos os artistas e artífices que gravitavam em torno dela.
Arquiteto Augusto de Carvalho da Silva Pinto
… Silva Pinto, ao longo dos anos que permaneceu em Coimbra não se desligou do quotidiano. Relacionado com a vida artística, pois, para além da sua atividade profissional esteve intimamente ligado com a Escola Livre das Artes do Desenho, com Mestre Gonçalves, com o Dr. Joaquim Martins Teixeira de Carvalho, mais conhecido por Quim Martins, e ainda com os numerosos artistas saídos desses dois alfobres que foram as escolas da Torre de Almedina e a Brotero, andou também de braço dado com a política.
Pertenceu ao executivo municipal, exerceu o cargo de Governador Civil Substituto e, mais tarde, por discordar do sistema vigente instaurado após 1928, conheceu mesmo as agruras da prisão. Republicano convicto acabou por ser preso a 6 de maio de 1930 e, embora libertado onze dias depois, foi-lhe imposta residência fixa em Tentúgal, até agosto do mesmo ano.
… A personalidade e os conhecimentos do arquiteto Augusto de Carvalho da Silva Pinto ressaltam dos muitos projetos que elaborou durante a vida. O edifício da Faculdade de Letras, sobretudo na sua versão original, comprova-o. É verdade que o fulgor inicial das suas realizações foi esmorecendo ao longo dos decénios. Para isso contribuiu, certamente, a estagnação económica que também se repercutiu na cidade, a guerra de 1914-1918 e ainda o facto de se ter instalado demasiadamente em Coimbra. Sem contactos com a capital e com o estrangeiro, os seus conhecimentos não evoluíram em consonância com as suas muitas capacidades e não acompanharam as novas correntes arquitetónicas, sobretudo as dimanadas de Paris que continuava a ser o “omphalos” da Arte. Acabou por ficar preso na teia que ele próprio urdira.
De qualquer forma não podemos deixar de, numa análise desapaixonada e séria, enaltecer a obra do arquiteto Augusto de Carvalho da Silva Pinto pelo trabalho desenvolvido em prol da cidade, que o não teve por berço, mas à qual se devotou inteiramente.
Anacleto, R.; Poilicarpo, I.P.L. O arquitecto Silva Pinto e a Universidade de Coimbra, em Universidade(s). História. Memória. Perspectivas, vol. 2, Congresso História da Universidade. 7.º centenário. Coimbra, 1991, p. 327-346.
Na sequência da entrada anterior continuamos hoje a analisar o livro Inventário da Documentação de Turismo no AHMC, título omisso nas balizas temporais a que se reporta.
Contudo, na pg. 15, informa-se o leitor que na segunda parte, elaborámos o Inventário Documental de cada uma das instituições de Turismo de Coimbra, que constituíam o conjunto acumulado: a Comissão de Iniciativa e Turismo (CIT), 1923-1936 e a Comissão Municipal de Turismo (CMT), 1937-1983, respetivamente.
Na realidade, o livro encontra-se assim organizado: Da p. 15 à p. 54 pode ler-se uma resenha histórica da atividade desenvolvida pela Comissão de Iniciativa e Turismo (CIT), 1923-1936, seguida do inventário dos documentos relativos a este período, ocupando as páginas compreendidas entre a 55 e a 76. Seguidamente é feita uma análise similar à anterior, relativamente à Comissão Municipal de Turismo (CMT), 1937-1983 e que se estende até à p. 132. Segue-se o inventário documental relacionado com este lapso de tempo.
O trabalho técnico de inventariação, no que respeita ao material que lhe serviu de suporte, mostra grande qualidade e excelente adequação.
Como já referimos, fomos o responsável pelos serviços municipais de turismo no período que decorre entre 1977 e 1988.
O volume que estamos a analisar e que apresenta, repita-se, o título Inventário da Comissão Municipal de Turismo, insere na página 132 uma folha com um subtítulo, onde se lê: Inventário.CMT.1937-1983. Como se compreende, e dado que fomos responsáveis por esses serviços entre 1977 e 1988, período temporal que fica incluído entre 1937 e 1983, o trabalho colocado em letra de forma, mereceu-nos particular atenção.
A sua consulta levou-nos a constatar que nesse Inventário se encontra omitido a esmagadora maioria um significativo número de processos respeitantes ao período situado entre 1974 e 1983, processos esses que se encontravam devidamente organizados e arquivados e que patenteavam evidente e relevante interesse histórico. Em suma, os anos em que tive a honra de dirigir aqueles serviços foram, pura e simplesmente ignorados.
Baseio esta afirmação baseio nos factos que seguidamente enuncio:
- Até à minha saída da chefia do Departamento de Cultura, Desposto e Turismo, acontecida em 2 de janeiro de 1989, os processos encontravam-se todos devidamente referenciados e arquivados, existindo um funcionário que tinha como principal incumbência a organização do arquivo.
- Face à exiguidade de espaço onde, no Largo da Portagem, funcionavam os Serviços de Turismo e ao grande volume do “arquivo morto” referente ao período anterior a 1974, construiu-se nas instalações do horto municipal, ao tempo sediado em Bencanta, um edifício pré-fabricado destinado a guardar convenientemente não só essa documentação, mas também as caixas reservadas para conter os materiais utilizados nas 16 exposições das técnicas artesanais da Região de Coimbra, organizadas pelos serviços de Turismo; estas mostras foram apresentadas, num primeiro momento no edifício Chiado e, posteriormente, na Casa do Artesanato, ao tempo a funcionar na Torre de Anto. Acrescente-se, ainda, que havia interesse em acondicionar convenientemente este material, porque as referidas Exposições, posteriormente, eram disponibilizadas às Escolas.
- No referido livro, entre as páginas 177 e 185, encontram-se arroladas as exposições apresentadas na sala de exposições do Turismo no período que medeia entre 1955 e 1977. Mas as que decorreram, tanto na sala de exposições do Posto de Turismo, como as acontecidas no edifício Chiado depois daquela data, não são mencionadas.
Esta análise leva-nos a concluir a existência de um trabalho de inventariação documental de excelente qualidade no que respeita aos espécimes tratados e a constatar que o material que serviu de suporte ao livro, assentou, exclusivamente, na documentação, que se encontrava guardada no referido pré-fabricado e que, recorde-se, tinha o seu terminus em 1977.
Deve, no entanto, referir-se que, para o mesmo local, foi transportada, posteriormente, a documentação relacionada com 3 processos que diziam respeito aos Encontros de Fotografia e ao Festival Internacional do Filme Amador de Coimbra, eventos acontecidos em torno de 1980, por os mesmos serem muito volumosos e, consequentemente exigirem um espaço que as instalações do Turismo não podiam disponibilizar e também por já se encontrarem encerrados.
Sublinhe-se que o bem elaborado Inventário CMT 1937-1983, inserido no livro a partir da página 133 se encontra perfeitamente ajustado à documentação trabalhada (que termina em 1977, data a partir da qual só refere os 3 processos atrás referidos, bem como documentação de índole administrativa). Contudo, não se pode escamotear que a atividade desenvolvida pelos Serviços de Turismo, com as diversas designações que, depois de 1974, foi tendo ao longo do tempo, ultrapassa, em muito, o que ali é mencionado.
Na página 112 do livro encontra-se o título Exposições a que se seguem três parágrafos, pretendendo, os dois primeiros, enquadrar os eventos levados a cabo na chamada Sala de Exposições do Posto de Turismo. Mas o terceiro e último item afirma:
Estas exposições continuaram a ser organizadas pelos Serviços Municipais cooperando, ou não com outros organismos públicos ou privados. Em Maio de 1980 realizaram-se os «I Encontros de Fotografia de Coimbra», com o auxílio do Centro de Estudos de Fotografia da Associação Académica de Coimbra; com o Centro de Estudos Cinematográficos da referida academia promoveram o «FIFAC (Festival Internacional do Filme Amador de Coimbra)».
Este parágrafo merece uma nota explicativa e corretiva, porque se as referidas iniciativas nasceram de conversas e sugestões vindas dos membros dos referidos Centros, a verdade é que a sua organização, embora para as edições de 1980 e de 1981 tivesse contado com elementos daqueles Centros nos júris, decorreu, na integra, sob a responsabilidade dos serviços municipais e foram totalmente financiadas pelo erário municipal.
O trabalho apresentado no livro sobre o qual nos temos vindo a debruçar não pode deixar de ser tido em conta, mas também não pode deixar de se lamentar o inaproveitamento da ocasião para dar a conhecer as realizações acontecidas depois de 1977, período em que se organizaram diversas iniciativas relevantes, das quais existem os respetivos processos que, na nossa ótica, dado o seu valor histórico, devem ser, necessariamente, salvaguardados. Elencamos, seguidamente, alguns exemplos que confirmam o que dissemos:
- Processo relacionado com criação da Região de Turismo do Centro, iniciado cerca de 1978 a partir de uma decisão da Comissão Municipal de Turismo, então presidida pelo Dr. António José Teles Grilo, e liderado até sua formalização pela Câmara Municipal de Coimbra. Voltaremos a este processo em momento oportuno.
- Realização, a 7 e 8 de janeiro de 1978, do Seminário sobre “Etnografia e o Folclore de Coimbra e seu termo” e organização dos processos que daí decorreram relativos ao “Esquema de apoio ao Folclore da Região de Coimbra” e à “Recuperação da viola toeira coimbrã”.
- Seminário sobre “O Fado. Seu passado. Seu futuro”, ocorrido em maio de 1978.
Faria, F. Fado de Coimbra ou Serenata Coimbrã. 1980, Coimbra, Comissão Municipal de Turismo.
- Realização, de 8 a 11 de novembro de 1979, de um Colóquio sobre “Artesanato” e a concretização dos processos daí decorrentes relacionados com a criação da “Casa do Artesanato da Região de Coimbra” que, de 1979 a 1995, funcionou no edifício da Torre de Anto e ainda da concretização das já referidas dezasseis “Exposições sobre as Técnicas Tradicionais da Região de Coimbra”.
Relacionadas com estas Exposições importaria saber onde se encontra o material que as integrava, até porque, há já algum tempo, me foi referido que estaria guardado nos baixos do silo de livros da Biblioteca Municipal.
Manuel Antunes de Carvalho na baixa coimbrã. In: Cruz, M. 2008. Pingos de Solda. Pingos de Saudade. Cernache, Freguesia de Cernache, pg. 62
- “Cursos de Guitarra Clássica de Coimbra” e “Concursos Internacionais de Guitarra Clássica de Coimbra”, realizados entre 1976 e 1986.
- Em maio de 1979 aconteceu o “II Seminário sobre o Fado de Coimbra” e, na sequência, funcionou no Edifício Chiado, entre 1979 e 1981, uma Escola de Fado.
- O “I Encontro sobre a Salvaguarda do Património Cultural” decorreu em dezembro de 1980.
- Em janeiro de 1981 decorreram as “Jornadas sobre a Cerâmica em Coimbra” e as comunicações aí apresentadas foram publicadas em livro financiado pela Comissão de Coordenação Regional de Coimbra.
- O “Seminário sobre a recuperação do Centro Histórico de Coimbra” teve lugar em fevereiro de 1982.
- Já depois de 1977 levaram-se a cabo numerosas ações no âmbito das “Cidades Geminadas”.
Boletim das Relações Internacionais de Coimbra, capa. Número 1, abril de 1982
- A “1.ª Quinzena da Guitarra Clássica” decorreu de 3 a 18 de setembro de 1983.
1.ª Quinzena da Guitarra Clássica, brochura promocional, capa
- Realizaram-se quatro edições das exposições denominadas “Salão de Pintura Naïve”.
- Recuperação e divulgação da Doçaria Tradicional de Coimbra.
- Com o tema «Descobrir Coimbra», obviamente relacionado com a História da cidade, realizou-se um ciclo de palestras que contou com 20 conferências.
- Instituiu o Prémio Literário “Miguel Torga Cidade de Coimbra”, que teve a sua primeira edição no ano de 1984.
- O “Museu dos Transportes Urbanos” funcionou de 16 de agosto de 1982 até dezembro de 2000. Este tema será objeto de entradas a publicar proximamente.
Museu dos Transportes Urbanos de Coimbra
- Entre 8 e 17 de junho de 1984 realizou-se, no Casino do Estoril, a “Semana de Coimbra”.
Este simples enunciado – que poderia ser mais alargado - penso que seja suficiente para se compreender a importância desta documentação e a necessidade de a depositar no Arquivo Histórico Municipal de Coimbra, a fim de a salvaguardar e de tornar a sua consulta acessível ao público interessado.
Rodrigues Costa
Só muito recentemente tive conhecimento de um livro editado pelo Município em 2009, intitulado Inventário da Documentação de Turismo no AHMC, da autoria de Sandra Correia, com prefácio e coordenação de Mário Nunes.
Obra citada, capa
O objetivo pretendido com esta obra foi o da organização técnico-arquivista de um conjunto documental acumulado, pertencente ao Departamento de Cultura.
No prefácio da obra é afirmado que Os anos de 1923-1936 e 1937-1983 foram períodos importantes para a afirmação de Coimbra na área turística, para adiante acrescentar que A partir da década de oitenta, os Serviços de Turismo foram reestruturados e criou-se o Departamento de Cultura, Turismo e Espaços Verdes, que em 2002 passou, unicamente, a Departamento de Cultura, com o Turismo e os Espaços Verdes a autonomizarem-se em relação à Cultura.
Afirmações que apresentam erros de informação que, ainda que só agora, importa corrigir para memória futura.
Tendo sido o responsável por aqueles serviços no período de 1977 a 1988, relembro os seguintes factos.
Largo da Portagem, à direita, edifício onde funcionavam os Serviços Municipais de Turismo
- Em 1977, após concurso publico, fui nomeado Chefe dos Serviços Municipais de Turismo, num tempo em que ainda subsistia a Comissão Municipal de Turismo que, com orçamento dotado pelo Imposto de Turismo, apresentava anualmente à Câmara Municipal para competente aprovação quer o Orçamento e Plano de Atividades, quer o Relatório e Contas.
Edifício Chiado, onde funcionaram os Serviços Municipais de Cultura e Turismo. Foto Maria Helena Matos
- Em 1980, com a extinção das Comissões Municiais de Turismo e a assunção pelo Professor Doutor Jorge Nogueira Lobo de Alarcão e Silva das funções de Vereador do Pelouro da Cultura este veio a apresentar uma proposta de estruturação dos serviços, posteriormente revista e impressa, com o título Reformulação das Bases do Programa Cultural, pela qual foram criados os Serviços Municipais de Cultura e Turismo.
Reformulação das Bases do Programa Cultural, capa
- Em 1982, por força dessa alteração, após concurso para integrar a carreira de técnico superior, continuei a assegurar a direção dos mesmos, primeiro como Técnico Superior de 1.ª e, depois, por deliberação do Executivo Municipal, como Diretor dos Serviços Municipais de Cultura e Turismo.
- Em 1987, após nova reestruturação dos serviços que criou o Departamento de Cultura, Desporto e Turismo, passei a assegurar, em comissão de serviço, as funções de Diretor de Departamento, cargo que viria a suspender, a meu pedido, em 2 de janeiro de 1989.
Cerca de S. Bernardo, edifício onde funcionaram os serviços centrais do Departamento de Cultura, Desporto e Turismo. Imagem acedida em https://bussola-pt.com/123004/a-escola-da-noite-grupo-de-teatro-de-coimbra
Assim, sem esquecer o papel que na área dos espaços verdes tiveram as Comissões de Iniciativa e Turismo, a evolução foi: Serviços de Turismo, Serviços Municipais de Turismo, Serviços Municipais de Cultura e Turismo e Departamento de Cultura, Desporto e Turismo, nos quais nunca estiveram integrados os Espaços Verdes.
Correia, S. Inventário da Documentação do Turismo do Arquivo Histórico Municipal de Coimbra AHMC. Prefácio e coordenação de Mário Nunes. Apresentação e orientação de Paula França. 2009. Coimbra, Câmara Municipal de Coimbra.
Na época distante a que me estou reportando – mais concretamente, no meu tempo - havia poucas distrações. Os académicos, se queriam gozar um bocado tinham que as inventar. Os divertimentos que a cidade lhes oferecia eram o cinema (mudo) no Teatro Avenida
Teatro Avenida
– o Sousa Bastos estava abandonado e o Tivoli apareceu mais tarde – os arraiais dos Santos Populares, a romaria do Espírito Santo, em Santo António dos Olivais, a festa da Rainha Santa, de dois em dois anos, e os bailes. Isto para não falar nas manifestações de índole puramente académica, tais como a Queima das Fitas (a 27 de Maio) que era a expressão viva da alegria reinante entre a juventude universitária,
Enterro do Grau, 1905
os saraus do Orfeão e da Tuna (onde nos era dado o prazer inefável de escutar as vozes melodiosas dos saudosos Lucas Junot, Edmundo Betencourt, Armando Gois, Paradela de Oliveira e Serrano Baptista, infelizmente já falecidos), as récitas de despedida dos quintanistas - especialmente de medicina – e o `futebol!...
Equipa de futebol da AAC. 1923.06.03. Acedido em https://www.facebook.com/academica.oficial/photos/
Este, praticado em puro amadorismo, começou justamente por essa altura e graças à virtuosidade desse ídolo que em vida se chamou Teófilo Esquível, a conquistar adeptos e a «eletrizar» as multidões. (Não emprego o termo alienar, hoje muito em voga, por que a demência coletiva pode ser motivada por razões várias, estranhas ao desporto).
Os preços do cinema - vem a talho de foice recordá-los - eram: 3$00 a plateia e 15$00 um camarote de cinco lugares onde cabiam e entravam, sem (pagar qualquer sobretaxa, quantos estudantes quisessem! E a geral ainda era mais barata!...
Representavam-se no dito teatro uma ou outra peça desempenhada por afamadas companhias em digressão. Pelo palco da velha sala da Avenida Sá da Bandeira passaram as grandes figuras da cena portuguesa daquela época: Palmira Bastos, Amélia Rey Colaço, Alves da Cunha, Robles Monteiro, Chaby Pinheiro, Alexandre de Azevedo, Ilda Stiquini, Maria Matos, Lucília Simões, Adelina e Aura Abranches, Vasco Santana, Auzenda de Oliveira, Estêvão Amarante, Raúl de Carvalho - para só falar daqueles que vi. E no seu ecrã projetaram-se os filmes mais reclamados do cinema americano, alemão e francês, então os de maior fama mundial, abrilhantados pela orquestra que Teixeira Lopes regia. Mal esta se quedava silenciosa por instantes, logo se ouvia a voz de um estudante gritar:
-Toca a música!...
Que mal havia nisto?
Nas noites de teatro a «malta» ocupava normalmente a geral, colocada em anfiteatro ao redor da plateia (no rés-do-chão, portanto) enchendo de alegria a vasta sala com seus ditos espirituosos e levando o entusiasmo ao seio dos artistas. Os atores-empresários saiam de Coimbra gratos pelos aplausos carinhosos recebidos da generosa e hospitaleira Academia; e sempre que a casa estava passada - o que sucedia frequentemente – davam entrada gramita aos estudantes que, por falta de recursos, não podiam comprar bilhete, deixando-os ficar sentados nas coxias, da plateia. Resumindo: em noite de espetáculo teatral só não entrava quem não queria!
Teatro Avenida. Sarau, 1946. Col. Resto e Coleção
Em determinado ano, porém, os empresários levados pela ânsia de progresso meteram-se em grandes e dispendiosas obras. Para alargar a plateia acabaram com a geral no rés-do-chão e implantaram-na lá no alto, perto do palco, mas junto ao teto, estilo «galinheiro». Nunca mais se sentou lá um estudante!... Os camarotes, lugar económico e convidativo para os menos endinheirados, desapareceram também, sendo substituídos pelo balcão. Estragaram tudo! Entretanto apareceu o sonoro, subiram os preços, as «Gretas Garbos» eclipsaram-se, as películas baixaram de nível, a estudantada criou novos hábitos, surgiu o Tivoli a fazer concorrência, e a empresa, que investira seus capitais na melhor das intenções, teve de enfrentar dificuldades. Se o velho Avenida falasse teria muito que contar!...
Os bailes, porém, eram a «perdição» de meia Academia. Havia-os nos clubes recreativos das várias camadas sociais, nas ruas, largos e praças durante o S. João, nas casas particulares - os celebérrimos assaltos onde entravam amigos e desconhecidos! - nos hotéis e em improvisadas salas, não esquecendo os agradáveis serões nos casinos das praias e termas mais próximas, nem os bailaricos nas localidades vizinhas. Lembro-me muito bem de que por mais de uma vez fui parar a Pombal para assistir ao «baile do calcanhar rachado» -calcanhar rachado porque nele tomavam parte as moçoilas do campo, de pé descalço e gretado - que se efetuava no velho celeiro do Marquês, pavimentado a tijolo. Daqui resultava que a partir de certa hora da noite o ambiente tornava-se irrespirável. Levantavam-se horríveis nuvens de pó vermelho que deixavam também vermelhas as nossas capas pretas; e na manhã seguinte a nossa saliva ainda era avermelhada! Mas sabia-nos bem...
Em quase todos os bailes e chás-dançantes que se realizavam em Coimbra e arredores, tinham entrada os estudantes que se portavam como gente civilizada.
O que se comia nessas festanças, Santo Deus! Recordo-me de que uma noite, durante um baile em casa do Violante - atleta do Sport Clube Conimbricense - eu e poucos mais, à nossa conta, «devorámos» um presunto! …
Muito se dançava em tais «festarolas» ... A bailar os rapazes conheciam as raparigas, a bailar se combinavam namoricos, a bailar se faziam e desfaziam casamentos...
Hoje é muito diferente. Tudo muda na vida; até o nome das coisas! Os rapazes novos passaram a chamar-se jovens (tal e qual como as raparigas; é a tendência geral para o unissexo!), os velhos são designados por idosos, os aleijados por diminuídos físicos, os loucos por débeis mentais, as criadas de servir por empregadas` domésticas (e vê-las?), os sapateiros por manufatores ide calçado... e por aí adiante!
Não critico nem reprovo. Apenas registo...
Andava eu por Coimbra, despreocupado, de capa aos ombros e cabeleira ao vento, quando começou a evolução. Pessoas, hábitos e costumes, atividades de ordem vária e preconceitos, ouviram soar, justamente nessa época já tão distante, o «tiro de partida» para a grande «cavalgada» rumo ao progresso; e ninguém vê, nem sabe onde fica a meta-desta corrida vertiginosa. Posso mesmo dizer que foi a minha geração que sofreu o primeiro embate da grande viragem que em poucos anos modificou a histórica e linda cidade de alto a baixo, que é como quem diz da cabeça aos pés: apareceram as primeiras raparigas matriculadas nas várias Faculdades (até aí as poucas que estudavam não iam, geralmente, além do curso liceal), multiplicaram-se os automóveis, duplicaram as linhas e o número dos carros elétricos,
Carro elétrico para o Calhabé, com o “chora”. Col. Pedro Rodrigues da Costa
surgiram como grande novidade os recipientes metálicos para recolha do lixo, que o irreverente Castelão de Almeida «batizou» de Jacós - nome que pegou; Jacob era, na altura, o presidente da Câmara - iniciou-se a urbanização da periferia (Calhabé, Montes Claros e Olivais praticamente eram subúrbios), começou (ou recomeçou) a moda do beija-mão às senhoras, e, mais ou menos, todas as atividades escolares, sociais, e citadinas, sofreram alterações. Umas terão sido para melhor, outras para pior. Só o tempo, grande mestre, o dirá. Uma coisa é certa: o progresso não para. Acabaram-se os quartos sem janela e desapareceram os candeeiros de petróleo! Simplesmente, nem todas as benesses terão trazido a felicidade à gente nova. Esta, em meu entender, é hoje mais ambiciosa do que no meu tempo. Ambição aliás legítima. Porém, talvez por via dela, e também por má perceção de quem a devia compreender, a juventude estudantil parece menos alegre do que era há cinquenta anos.... Será?
Sampaio, A. Coimbra onde uma vez… Recordações de um antigo estudante. 1974. Portalegre, edição do Autor.
Armando Sampaio, publicou em 1974, o livro Coimbra onde uma vez … Recordações de um antigo estudante, no qual conta momentos significativos, não só da sua vivência académica, mas de tempos anteriores.
Obra citada, capa
ANTIGAMENTE ERA ASSIM
Coimbra, quando há quase cinquenta anos fui frequentar a sua Universidade, diferia um pouco do que fora antes; e muito, muitíssimo mesmo, do que é hoje.
Contava meu pai, que andara por lá mais de meio século atrás, que no seu tempo, quando não havia ainda ligação ferroviária entre a Estação Velha e a cidade,
Estação Velha, primitiva
os passageiros desembarcados naquela faziam-se transportar para esta em burros de aluguer, mais ou menos lazarentos.
Os seus proprietários, colocados em fila à saída da gare ao lado dos jumentos, apontavam com o dedo indicador para os viajantes que chegavam, gritando com quanta força tinham:
-Burro, sr. doutor!... Burro, sr. doutor!...
(Já nessa época distante eram apodados de doutores quantos passavam pela velha cidade universitária!)
Claro que os homenzinhos não pretendiam insultar fosse quem fosse. O gesto e a fala eram a forma usual de oferecerem a «mercadoria» ...
Com o rolar dos anos - de muitos anos – estenderam a linha do caminho de ferro um pouco mais, construíram a Estação Nova (conheci-a em três edições e três localizações, qual delas a menos feliz!) e quando um dia fui matricular-me nos preparatórios médicos (F. Q. N., assim se dizia) já me apeei nesta, então implantada de costas para o Mondego, talvez porque sendo muito feia tinha vergonha de olhar o rio e o choupal, ambos cheios de beleza … E os burros, que tantas celebridades teriam transportado em seus dorsos, já haviam desaparecido. É evidente que me refiro aos burros propriamente ditos. Os outros não são para aqui chamados; hão de existir sempre!
Ao desembarcar na Lusa Atenas, apesar da ausência dos jericos e da existência do comboio que até atravessava (e atravessa) perigosamente a cidade, o chamado progresso ainda lá não assentara arraiais.
Estação Nova, o barracão inicial. Finais do séc. XIX
Os universitários que iam de longe para tirar seus cursos instalavam-se quase todos em modestos quartos que alugavam na Alta pela módica quantia de trinta a cinquenta escudos mensais – alguns sem janela! – onde, à luz tosca de um candeeiro de petróleo ou, de uma vela, estudavam pela noite fora as matérias que lhes diziam respeito.
Quarto de estudante
As velas de estearina, para alguns, até faziam serviço de relógio:
- «Já estudei meia vela»! «Já lá vai vela e meia, deve ser tarde», eram frases em voga quando, há cerca de 50 anos, ainda não se usavam relógios de pulso e os despertadores constituíam objetos de luxo...
Contavam-se pelos dedos os automóveis que circulavam pelas ruas, incluindo os dois ou três «Fords calças arregaçadas» do «Paleta», então o maior industrial de carros de aluguer do velho burgo, e os «espadas» do Ginja Brandão e do Biel, se bem me lembro, únicos estudantes que naquele tempo gozavam do raro privilégio de possuir automóvel próprio. O comboio e os autocarros de carreira (aliás raros) eram o transporte utilizado por todos nas suas deslocações, excluindo, claro está, os poucos que ainda faziam uso das velhas e ultrapassadas bestas de carga...
Não existiam as placas de direção proibida, não havia problemas de trânsito ou de estacionamento, nem se sonhava ainda com poluição. Eram desconhecidas as modernas expressões: «descontração», «despiste, «contestação, «na medida em que, «em ordem a, «pois, «pá, «quer dizer», etc., que hoje se usam e de que se abusa escandalosamente. No entanto, todos os académicos viviam descontraídos, alguns se despistavam e muitos contestavam já. Mas faziam-no por graça, por irreverência que nunca era desrespeitosa. . .
Imperava, ao tempo, um certo grau ide aparente infantilidade entre a juventude estudantil coimbrã. Infantilidade até certo ponto salutar, que a levava a preencher aquilo a que modernamente se chama tempos livres (horas vagas se dizia então) com brincadeiras inocentes que raras vezes ofendiam a sensibilidade dos mais sisudos ou molestavam terceiros. Brincadeiras que, repetidas hoje, seriam apodadas de estúpidas; mas que não obstavam a que, mais tarde, os seus autores viessem a ser homens notáveis nas ciências, nas artes, na política ou nas letras...
Note-se que não estou a criticar o presente. Recordo, simplesmente, o passado...
Sampaio, A. Coimbra onde uma vez… Recordações de um antigo estudante. 1974. Portalegre
Como já temos referido, o Arquivo da Universidade de Coimbra integra exemplares que são verdadeiras preciosidades, as quais vai revelando, periodicamente, no seu site.
Hoje recuperamos esta magnifica encadernação mudéjar cuja história é a que se segue.
AUC-IV-1.ªE-7-5-13 [Séc. XVI?]
AUC-IV-1.ªE-7-5-13 [Séc. XVI?]. Pormenor 1
AUC-IV-1.ªE-7-5-13 [Séc. XVI?]. Pormenor 2
Esta encadernação mudéjar, em pergaminho, foi adaptada ao Livro de Apresentação de Colegiaturas e familiaturas do Pontifício e Real Colégio de São Pedro (1623-1790).
Exemplar único no AUC é, certamente, uma tipologia de encadernação rara em outros arquivos do país. Terá sido adquirida, pelo referido Colégio, a comerciantes livreiros de Coimbra que a trouxeram, decerto, de Espanha, onde existem inúmeros exemplares destas encadernações.
Anteriormente, pertenceu a uma obra que tinha por título, que ainda pode ser lido, no interior da badana, Manual 1591. Também a dimensão do miolo do volume atual, ligeiramente superior à da encadernação, confirma que foi feito esse reaproveitamento.
As presilhas de fecho desta encadernação em envelope, com badana, estão completas, mas já são omissos os botões de fecho, geralmente feitos com uma tira de pergaminho enrolada, restando apenas o vestígio dos mesmos.
AUC. O documento do mês. Acedido em https://www.uc.pt/anossauc/centrodoconhecimento/encadernacao/
Prosseguindo na séria “Documento do mês” o Arquivo da Universidade de Coimbra, divulgou esta preciosidade
Séc. XVI (?) – Letra capital iluminada de um fólio de pergaminho que foi recuperado para servir de encadernação. PT/AUC/DIO/CST – Colegiada de São Tiago (F); Escritura de obrigação de missas (DC) – III-1.ªD-8-5-23. Acedido em: documentodomesdeagosto2022 (uc.pt)
Estamos em presença do reaproveitamento de um fólio de pergaminho, de livro litúrgico com notação musical, para ser utilizado como capa de uma escritura de obrigação de missas.
A escritura de obrigação, datada de 15 de novembro de 1633, estabelece o cumprimento de um legado pio, de celebração anual de três missas rezadas, feita por Bernarda de Vargas, viúva do impressor Jorge Rodrigues. Para cumprimento desta disposição, deixa em legado, à Colegiada de São Tiago, umas casas “de sobrado”, na Rua do Corpo de Deus.
O documento foi redigido na Rua da Moeda, em Coimbra, pelo tabelião Lopo de Andrade, perante Bernarda de Vargas e a seu pedido. As missas seriam celebradas na igreja Colegiada de São Tiago, da seguinte forma: uma pelo Natal, outra pela Páscoa e outra pelo Espírito Santo, sendo a esmola por cada missa cinquenta réis.
Apesar de se poder ler “Obrigação das missas das cazas do P.e Domingos Fernandes”, este título não corresponde ao conteúdo da escritura, mas sim um outro título que se encontra no início do volume, na capa, no plano superior: “Cazas da Rua do Corpo de Deus tem três missas”.
O acervo desta Colegiada de São Tiago inclui documentação para o período cronológico de 1511 a 1854, tendo sido, neste último ano, suprimidas todas as colegiadas de Coimbra, por decisão do Bispo D. Manuel Bento Rodrigues. Abrange outra documentação relativa a disposições pias, mas o acervo é formado, sobretudo, por livros de escrituras de emprazamento, aforamento e venda, livros de receita de foros e rendas, tombos de medição e demarcação, livros de receitas e despesas, etc.
O fragmento de pergaminho com uma bela iluminura da letra capital A (dim. 200 mm alt. X 160m larg.) numa policromia de cores vermelha, azul e sépia, denota algum desgaste, por manuseamento e sujidade. No entanto, ainda é possível apreciar pormenores do filigranado da decoração, em motivos vegetalistas e pássaros, num trabalho de desenho muito meticuloso.
O pentagrama da notação musical, em linhas a vermelho, com notação quadrada, a sépia, permite atribuir ao fragmento e volume ao qual terá pertencido, a datação do séc. XVI, muito provavelmente. São ainda visíveis os atilhos da encadernação, em pele escura, dos quais apenas resta um completo. Não é de descartar a hipótese de o próprio livro em pergaminho, a que pertenceu o presente fragmento, ter sido um livro de cantochão da Colegiada que já estaria inutilizado e, por isso mesmo, foi reaproveitado.
Documento acedido em : documentodomesdeagost
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