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Há, pois, além do corpo central, mais uns quatro.
E todo esse encontrado jogo de cobertos e de faces, todos esses ângulos vivos e arestas livres de paredes aprumando fortes imprimem, na verdade, à velha morada, vista dessas bandas da barreira, uma feição original, vigorosamente pitoresca, de casa acastelada — feição ainda acentuada pela grande altura a que, para este lado, o edifício inteiro se levanta.
O corpo principal, cujo centro corresponderá ao meio da fachada da rua, está erguido, assim como o terraço que se lhe segue a sudoeste, sobre a grossa alvenaria da primitiva muralha da cidade. É na face que, sobre a vertente, forma ângulo com a torre, e na que liga ao terraço, que se vêm as melhores janelas deste lado da casa. São emolduradas de cordões torcidos arqueando em conopial, a rematarem no fecho por cogulhos, estróbilos enfolhados e bustos.
Também assentou sobre a antiga muralha, no extremo norte, a manga de comunicação a que já me referi.
A torre, que a princípio me ocorreu identificar com a primitiva, deve estar edificada sobre os seus alicerces.
A casa de sub-Ripas – A torre vista do poente. Pg. 271
E quando avistada de poente, a dominar a escarpa, ela é que parece a parte central de todo o edifício, o tronco de ondo bracejam, a um lado o terraço livre, a outro a manga do norte. Vista deste lado, então, avança ainda, de aresta viva, a impor-se numa dureza altiva de quina de menagem, sob o elmo escuro do seu telhado amoriscado.
Construída toda de cantaria, ainda daí reforça aos nossos olhos a impressão de solidez maciça entre os outros corpos, em que. desta banda da escarpa, predominam a alvenaria argamassada e os panos de tijolo e cal.
A janela saliente, de beiral livre, suspensa sobre grossos cachorros golpeados, a lembrarem machicoulis medievais, acaba de dar-lhe, com a sua cor sombria, louro-broa, um ar brusco e caprichoso, de individualidade anacronicamente esquiva.
E sente-se que o seu aspeto, como o de todas estas fachadas da casa, quase briga com o tipo e corte das janelas lavradas, já do sazão da nossa Renascença; pois aquelas massas, de fortaleza, ainda parecem resistir, teimar no passado, afirmar tradição de vida pré-quinhentista.
Casa do Arco (a Sub ripas) – Muro brasonado do pátio de entrada. Pg. 268
Em mais de um ponto exterior da casa encontraremos detalhes sugestivos; aqui — um alegrete saliente, sustentado em cachorros de pedra; logo perto, um pilar de argamassa a dissimular um recanto baixo, e que dava pé a um vaso de craveiros; além, uma folha lavrada anima qualquer quebra de aresta; deste lado, um escudo de Cristo corta a linha monótona de um cunhal: tudo a revelar ainda a livre e tocante colaboração de artistas obscuros e a manter a graça própria. individualizante, de todas as construções das grandes épocas vivas!
A casa de Sub-ripas, vista do norte – Torre e manga de comunicação com a “Torre do Prior do Ameal”. Pg. 269
Dentro — temos de o confessar — a casa não apresenta grande interesse. Excetuando o teto, certamente manuelino, da sala próxima ao terraço aberto, e a passagem interior da manga do norte — nada aparece digno de maior nota.
A casa do arco, que comunicava por este com a do Sub-Ripas, devo ser um pouco mais moderna — talvez do tempo de D. João III. Interessante pelos painéis e aventais das janelas — Renascença manuelina — só tem de notável, afinal, o pequeno pátio a que dá entrada um portão ostentando o brasão dos Perestrellos, pedra evidentemente mais recente do que o resto. Esse pátio é, realmente, um dos mais curiosos cantos de Coimbra.
Entrando o portão, veremos à esquerda uma cisterna de janela, coberta de alpendre avançado em arco, que logo nos prende os olhos, como tudo quanto representa uma adaptação feliz de utilidade e de arte.
E sem dúvida a cisterna o quo ali há de mais interessante.
Mas por quase todos os lados do pátio veremos medalhões embutidos nas paredes — prejudicadas, como a da fachada manuelina, pela obra recente de rebocos menos felizes.
A profusão desses medalhões, dentro e fora do pátio, por vários pontos sobretudo da casa do arco; a grande diversidade deles, tanto nos motivos como na execução — pois os há dos mais absurdos e dos mais toscos entre outros já do melhor corte e garbo —; finalmente, o próprio capricho e arbitrariedade da sua insignificativa distribuição e colocação — por muito tempo intrigaram os que atentavam nesse conjunto, tão curioso, das casas de Sub-ripas, entre si ligadas pelo arco — passadiço de João Vaz. E tentavam explicar.
No entanto, de todas as explicações e alvitres — é a hipótese apresentada pelo meu amigo António Augusto Gonçalves a que me parece admissível.
Ao tempo da construção de uma o da outra casa, era terreiro livre grande parte do chão onde mais tarde, em 1593, foi edificado o atual Colégio-Novo, o colégio da Sapiência — pertencente aos crúzios.
Nesse terreiro tinha o arquiteto João de Rouen, ou de Ruão, um telheiro de trabalho, onde se amestravam lavrantes e escultores — seus discípulos e seus operários. À falta de lugar ondo expusessem e guardassem os seus ensaios e provas — os novos artistas vinham pregá-los nas paredes das casas em construção, dando assim a estas um aspeto vivamente pitoresco no gosto da época, embora esses detalhes decorativos não fossem coisas de real valor.
Serão as construções do Sub-ripas, e em especial a casa manuelina de jeito a poderem sofrer comparação com vivendas senhoriais o com edificações de puríssima arte tão numerosas lá fora, como na Itália e na França?
Certamente quo não. Simples vivendas particulares, devidas ao caprichoso bom gosto de um licenciado rico ou do arquiteto por ele chamado, não excedem, em proporções e detalhes, algumas outras moradas da época, mesmo em Portugal.
Contudo, a sua excecional situação, o relevo e carácter do seu conjunto, o desvelo de arte — hoje tão apagado, ou tão postiço — que nos revelam ainda, e a raridade do género neste país de extremos — miserável ou sumptuoso — dão-lhe direito à nossa enternecida contemplação, e teriam justificado amplamente a sua aquisição pelo Estado.
Gaio, M.S. Palácios, castelos e solares de Portugal. IV – A casa de sub-Ripas, In: “Illustração Portugueza”, 9, Primeiro semestre, 2.ª série. Lisboa, 1906, p. 265-272.
Numa iniciativa do blogue “A’Cerca de Coimbra”, que conta com o apoio do Arquivo da Universidade de Coimbra e do Clube de Comunicação Social, vai decorrer na Sala D. João III daquele Arquivo (localizado por baixo e nas traseiras da Biblioteca Geral da Universidade, com entrada pela Rua de S. Pedro, n.º 2), a partir das 18h00, da próxima sexta-feira. mais uma sessão do evento “Conversas Abertas”,
A entrada é livre, até ao limite da lotação e a sessão decorrerá no formato habitual, ou seja, intervenção inicial da Palestrante, seguida de período aberto à participação dos assistentes.
A palestrante será a Arquiteta Isabel Anjinho que abordará a temática relacionada com o “Arco romano de Coimbra”, cujas fundações terão sido identificadas, em 2001, na confluência entre a rua da Couraça de Lisboa e a rua da Estrela.
Pormenor da imagem do livro “Romanae Urbis Topographia et antiquitatum” (Boissard, 1597, s.p) de um arco supostamente igual ao arco triunfal de Aeminium."
Na escavação então realizada – a que se seguiram outros estudos – foi descoberta uma estrutura com quatro degraus e um almofadado de acabamento característico das construções romanas, que poderá pertencer às fundações de um arco romano de dimensões significativas, com uma vista privilegiada sobre o Mondego e erguido no cimo de uma rampa.
Solicito e agradeço a todos os leitores do Blogue “A’Cerca de Coimbra”, a ajuda na divulgação desta iniciativa.
Com o obrigado do
Rodrigues Costa
Na entrada, hoje bastante prejudicada pelo leito erguido da rua, teremos de considerar duas partes: a porta, propriamente, e o corpo que a encima.
Entrada da casa de Sub-ripas: fachada da rua. Pg. 267.
Esta porta apresenta-nos, talvez, nas molduras e na verga, uma modificação do arco de sarapanel, fórmula adotada pelo estilo manuelino, assim como a volta inteira e tantas outras.
O corpo que coroa a porta, representa uma espécie de retábulo, cuja moldura apresenta a forma de um arco alteado.
Do fundo deste retábulo ressalta em pleno relevo uma cruz de troncos, tão comida já, que se torna impossível decifrar-lhe qualquer intenção emblemática. Assenta o retábulo, propriamente, numa longa mísula lavrada de folhagens, de onde prende, para fixar-se também no alto da porta, um pequeno escudo, hoje quase gasto, que talvez tivesse representado as chagas, envolvidas em flores.
De toda a frontaria, é a entrada a peça mais importante. Liga-se pelo estilo com as janelas, como disse, aparentando especialmente com as do primeiro andar.
O próprio remate acogulhado do arco e do seu retábulo a relaciona logo com todas estas. Abrindo arcos conopiais, munidas de painel, realçadas de cordões, ou guarnecidas de colunelos, de variada base e molde, vegetalizadas de cogulhos pelo extradorso o fecho das curvas, floridas de rosinhas ou relevadas de folhas e frutos ao longo dos intradorsos, golpeadas de lavores torçalados ou trabalhadas de foliado nos sub-rebordos dos parapeitos — as janelas da frente, umas por outras, revelam-nos, como a porta, nas linhas de corte, nas molduragens, nos motivos de decoração — alguma coisa da caprichosa liberdade desse estilo que, não sendo original de raiz, representando antes um compromisso de formas tradicionais e de simbolizações recentes da época, prestando-se, por vezes, a manifestações de intemperante inventiva — representou, contudo, larga concessão à mais opulenta fantasia artística, ficando, além disto, a valer para nós como documento, como associado traço de consoladora evocação histórica. Mas toda a casa, além desta fachada da frente, o revela sob variadas formas nos seus vãos e rasgaduras: nas janelas dos corpos voltados para a escarpa—embora algumas o acusem somente na curva o no golpe das vergas, nos cortes do aparelhamento—; e ainda em portas antigas do interior, o nos muitos cachorros, florões, medalhões e escudos encontrados por dentro e por fora do edifício.
Quem vir apenas a fachada unida sobre a rua, mal suspeitará que a Casa de Sub-ripas forma, no seu exterior mesmo, um conjunto curiosamente irregular, como se pôde reconhecer observando-a do poente, do norte, ou de algum ponto sobredominante da cidade, de onde então os múltiplos telhados da casa, telhados de quatro águas, nos dão logo a ideia de corpos diversos ligados numa só construção.
É que, além da parte recuada junto ao cunhal da rua, outras se destacam do corpo principal.
Prolongando este, avança sobre a escarpa, entre sudoeste e poente, um corpo em forma de terraço — livre e aberto ao rés do primeiro pavimento, mas cobrindo uma curta galeria, fendida de janelas que medem para baixo uma altura de andar. Desta galeria devia ter havido qualquer descida interior para a faixa dos quintais—chão da antiga barbacã.
A casa de Sub-ripas, vista de sudoeste – o terraço. Pg. 268
Fazendo ângulo com o mesmo corpo central, a olhar entre noroeste e norte, destaca-se outra massa em forma do torre, [Chamar lhe-hei sempre torre; para não haver confusões, designarei por Torre do Prior do Ameal a que fica situada distante, a norte da casa] cujo ressalto mede a sua menor extensão de curto retângulo. Mas com esta torre liga ainda, para norte, por detrás de um pequeno terraço triangular, hoje desfigurado em cubículo, uma estreita manga de construção.
A Casa de Sub-ripas – A torre, que, de certos pontos, parece a parte central do edifício. Pg. 268
Era esta — ao nível do primeiro pavimento, a passagem para a antiga cortina de comunicação com a Torre do Prior do Ameal — no pavimento superior — um miradouro coberto de telhado, a dominar, como toda a casa, a baixa da cidade, antigo arrabalde, e o vale doce do Mondego.
Gaio, M.S. Palácios, castelos e solares de Portugal. IV – A casa de sub-Ripas, In “Illustração Portugueza”, 9, Primeiro semestre, 2.ª série. Lisboa, 1906, p. 265-272.
Não se pode indicar a data precisa da construção. Devia ter sido edificada no reinado de D. Manuel, entre 1514 e 1521 — pelo menos grande parte dela. Ignora-se o nome do arquiteto.
O corpo principal ocupa uma superfície trapezoidal, duns cento e sessenta metros quadrados, aproximadamente, e cuja maior extensão corre quase na linha de nascente a poente, da rua para a escarpa da cidade. Sobre a rua, a casa apruma numa fachada unida, de dois andares, da qual apenas se desalinha, na extrema inferior, o pequeno corpo que faz recanto com o cunhal. Deste cunhal até á extrema superior, junto ao arco que atravessa a rua — o passadiço de João Vaz — a fachada mede pouco mais de dez metros, devendo ter de altura a prumo uns onze metros.
Planta da casa de sub-Ripas, pg. 272.
Dá-nos uma impressão de solidez maciça, de densa resistência, mais do que de elegância nobre ou de ousadia construtiva, embora a diferente composição da parede logo fizesse distinguir, antes de modernos revestimentos a deplorar, a fábrica dos seus dois andares.
Há nela um absoluto predomínio da parte cheia, como a acusar e a manter a reminiscência dos muros e defesas cerradas. Nada até parece haver que admirar de proporções combinadas ou de equilibradoras compensações nessa massa retangular—tanto ela, de plena e socada, se firma e assenta por si, como um bloco inteiriço. É esta, na verdade, a primeira impressão. E no entanto é casa bem curiosa, exatamente por nos oferecer um exemplar de construção que alia ao aspeto sólido da sua arquitetura, ainda no molde de tempos crus, a preocupação e desvelo duma arte já flexuosa, viva, liberta, derivada de outras formas e desviada de primitivos intuitos, mas apropriada agora á decoração de moradas abertamente hospitaleiras, alegradas de graça expansiva, revelando corresponderem ao resfolego duma existência social tornada mais despreocupada e leve.
Casa de Sub-ripas - Passagem interior da manga norte. Pg. 269.
Casa do Arco (a Sub-ripas) – A cisterna do pátio. Pg. 269.
Todas as aberturas ornamentadas revelam aqui a influência manuelina, com mais ou menos abundância.
Janela da fachada sobre a rua, 1.º andar. Pg. 266
Janela para os lados de trás, sobre a vertente, junto ao terraço. Pg. 266
Janela de uma fachada sobre a vertente da cidade. Pg. 266
Não é talvez do mais delgado e nervoso, nem do mais originalmente sugestivo, nem do mais elasticamente rico o desenho das guarnições e lavrados que as decoram, cortados na mesma pedra de Bordalo, empregada em quase toda a construção.
Mas a combinada acumulação e reforço de ornatos, como no portal, por exemplo, e a expressão confiada dos cortes e relevos imprimem a tudo um quê de simpatia comunicativa, de vigor cordial, com todo o carácter das coisas feitas quando as próprias fórmulas seguidas continham e exalavam ainda penetrante calor de vida.
Gaio, M.S. Palácios, castelos e solares de Portugal. IV – A casa de sub-Ripas, In: “Illustração Portugueza”, 9, Primeiro semestre, 2.ª série. Lisboa, 1906, p. 265-272.
Agradecemos ao Professor Doutor Nelson Correia Borges a cedência do texto, profusamente ilustrado, da autoria de Manuel da Silva Gaio, e que se encontra publicado na Illustração Portugueza, referenciado a um dos edifícios mais emblemáticos da nossa Cidade, a casa Sobre-a-riba ou Sobre-a-ripa. É aí que, na atualidade, se encontra sediado o Instituto de Arqueologia da Universidade de Coimbra.
“Illustração Portugueza”, 9, Primeiro semestre, 2.ª série. Lisboa, 1906, p. 265.
Ao abrir do século XVI vivia em Coimbra um licenciado, de nome João Vaz, casado com Bertoleza Cabral (?) e possuidor de uns pardieiros na rua de Sub-Ripas — então de «Sobre-a-riba» ou «Sobre-a-ripa».
Esta rua — que sobe da de Quebra-Costas para o Colégio Novo, em linha sudeste-sul-norte — é ladeada: á esquerda-poente, por uma fileira de casas pequenas; á direita, e a partir talvez do seu terço inferior, por um muro fechado. Quem a venha seguindo de baixo irá dar com o cunhal de uma casa antiga, que faz recanto da esquerda, em frente do muro, quebrando este também nessa altura, para a direita, a dar à rua estreita a folga recuada de quase mais três metros. Chegados aqui, ao fundo do pequeno largo assim formado, teremos em frente, a norte, um arco sob o qual a rua continua enladeirando então para o Colégio Novo e, corrida por cima do arco, de poente a nascente, mas prolongada neste sentido, a fachada de uma casa de dois andares. Fechando a direita do largo, perpendicularmente a esta casa, fica um muro onde abre o portão brasonado do seu pátio de entrada. Finalmente: a poente, em face do portão, veremos a verdadeira casa chamada de «Sub-Ripas», cujo cunhal avistámos primeiro.
Arco de passagem das casas de sub-Ripas, p. 265.
Os pardieiros de João Vaz deviam ter ocupado o local da atual casa do arco e do pátio correspondente; e comunicariam talvez, pela barreira, com outras casas ou dependências já da rua chamada hoje dos Coutinhos, na encosta a cavaleiro da rua de Sub-Ripas.
Por volta de 1514 o que havia em face desses pardieiros era apenas um lanço de muralha e uma torre, que faziam parte da cintura da cidade — devendo a torre ser igual ou semelhante àquela que ainda existe para cima, a norte, conhecida na antiga tradição por torre do Prior do Ameal, e há poucos anos por Torre d'Anto, desde que a habitou o poeta do Só.
«Torre do Prior do Ameal» ou «Torre d’Anto», p. 265.
A muralha e a torre de Sobre-a-ripa estariam em ruína; pelo menos estavam abandonadas como defesa do burgo, por correrem tempos mais mimosos de remanso; nem também dariam já suficiente escudo à barreira da cidade, com as novas armas de investida e cerco...
Querendo possuir as duas bandas da rua, e tentado de certo pela doce e amorável vista de casaria e campo alcançada de sobre a escarpa, logrou João Vaz obter aquele lanço de muralha com a torre, não alargando a propriedade para sul e sudoeste, talvez porque desta extrema ela já fosse bater nas casas do sr. D. Filipe — personagem tão respeitosamente citado nos documentos da época como misteriosamente sumido, para nós, na indicação vaga desse nome próprio. Nem consegui ver vestígios das suas casas.
Que, do licenciado, também nada mais se sabe, até hoje, além das indicações dadas acima.
É daquele ano de 1514 o contracto de doação pelo qual um sapateiro chamado Bastião Gonçalves, sua mulher Catarina Anes e sua mãe Catarina Fernandes cederam o direito do aforamento do lanço e a torre ao licenciado João Vaz. Consta d'um documento ou instrumento de pergaminho, [Pertence ao arquivo dos Perestrelos, cujo brasão coroa o portão à direita do largo] lavrado pelo tabelião Gregório Lourenço e apresentado na camara de Coimbra em 26 de julho desse ano, sendo escrivão da mesma camara o morador Inofre da Ponte. Requereu logo João Vaz a ratificação do contrato, e juntamente a licença necessária para construir um balcão ou passadiço que, atravessando a rua, pudesse ligar-lhe de um lado para outro os seus antigos pardieiros e a porção da muralha novamente adquirida.
Obteve a ratificação e a nova licença alguns dias depois — ficando assim, desde o verão de 1514, na posse do terreno onde foi levantada a morada conhecida hoje por «Casa de Sub-Ripas».
Gaio, M.S. Palácios, castelos e solares de Portugal. IV – A casa de sub-Ripas, In: “Illustração Portugueza”, 9, Primeiro semestre, 2.ª série. Lisboa, 1906, p. 265-272.
No âmbito do evento “Conversas Abertas”, iniciativa do blogue “A’Cerca de Coimbra”, com o apoio do Clube de Comunicação Social e do Arquivo da Universidade de Coimbra, vai decorrer na Sala D. João III do Arquivo da UC, às18h00, na última sexta-feira do corrente mês, dia 29 de abril.
Arquivo da Universidade de Coimbra. Depósito
A entrada é livre, até ao limite da lotação, e serão respeitadas todas as diretivas em vigor emanadas pela Direção Geral de Saúde e a sessão decorrerá no formato habitual, ou seja, intervenção inicial da Palestrante, seguida de período aberto à participação dos assistentes.
A palestrante será a Arquiteta Isabel Anjinho que abordará a temática relacionada com o “Arco romano de Coimbra”, cujas fundações terão sido identificadas, em 2001, na confluência entre a rua da Couraça de Lisboa e a rua da Estrela.
Na escavação então realizada – a que se seguiram outros estudos – foi descoberta uma estrutura com quatro degraus e um almofadado de acabamento característico das construções romanas, que poderá pertencer às fundações de um arco romano de dimensões significativas, com uma vista privilegiada sobre o Mondego e erguido no cimo de uma rampa.
Solicito e agradeço a todos os leitores do Blogue “A’Cerca de Coimbra”, a ajuda na divulgação desta iniciativa.
Com o obrigado do
Rodrigues Costa
Em 1921 as Escolas Superiores de Farmácia passaram ao estatuto de Faculdades. Contudo foi no ano-letivo de 1921/1922 que se implementou a nova reforma de estudos cujo regulamento data de agosto de 1921.
Insignias doutorais da Faculdade de Farmácia
Pelo meio ficavam outras etapas e reformas relevantes: por exemplo, em 1902 houve uma reforma profunda da Escola de Farmácia e do plano de estudos e pela primeira vez o ensino farmacêutico passou a ser considerado superior.
Em 1911 uma nova reforma do plano de estudos conferiu autonomia do curso relativamente à Faculdade de Medicina, na senda das reformas de ensino promulgadas pela jovem República.
Em 1915 a Escola de Farmácia inaugurou instalações próprias na chamada Casa ou Palácio dos Melos cedida anos antes para o ensino farmacêutico e que se veio a transformar num símbolo do ensino da farmácia em Portugal.
Faculdade de Farmácia. Casa dos Melos.1937. Imagem acedida em https://www.uc.pt/ffuc/patrimonio_historico_farmaceutico
Em 1918 uma nova reforma do plano de estudos e da Escola estabeleceu a designação de Escola Superior de Farmácia. Um ano depois a Escola de Farmácia passou a conceder o grau de licenciado. Em 1928 foi decretada a extinção da Faculdade de Farmácia da Universidade de Coimbra, embora tenha continuado o seu funcionamento, surgindo novamente em 1932 com a designação de Escola.
Estas medidas de extinção e de ressurgimento da Escola enquadram-se num conjunto de medidas restritivas nas instituições de ensino executadas no Estado Novo. Somente em 1968 a Escola de Farmácia da Universidade de Coimbra passou, novamente, ao estatuto de Faculdade.
De então para cá, a Faculdade teve novos Estatutos, passou por diferentes reformas de ensino e fixou-se em novas e modernas instalações no Pólo III da Universidade em 2009 de acordo com os mais adequados parâmetros internacionais.
Faculdade de Farmácia nos dias de hoje. Polo III, da Universidade de Coimbra. Imagem acedida em https://www.uc.pt/ffuc
Toda esta história do ensino farmacêutico na Universidade de Coimbra, que é parte da história do ensino farmacêutico em Portugal, está bem conservada no Arquivo da Universidade de Coimbra (AUC). Os estudos que temos realizado na história da Faculdade de Farmácia da Universidade de Coimbra ao longo de mais de três décadas dão-nos autoridade para afirmar que, com efeito, esta prestigiada instituição conserva documentação importantíssima relativa ao ensino farmacêutico na Universidade de Coimbra.
A exposição comemorativa do centenário da Faculdade de Farmácia dá a conhecer uma pequeníssima parte desses documentos em vários momentos da história da instituição e que se encontram magnificamente conservados e catalogados. Leva-nos a uma viagem no tempo, justamente através das diferentes etapas do ensino farmacêutico na Universidade de Coimbra.
Imagem acedida em https://www.uc.pt/ffuc
Gostaríamos de salientar a boa receção que a proposta de exposição teve por parte da Senhora Diretora do AUC, Professora Doutora Maria Cristina Freitas, o nosso bem-haja. Também queremos expressar o nosso mais sentido agradecimento à Senhora Dr.ª Ana Maria Bandeira pela seleção dos documentos e organização da exposição que acompanhámos desde a primeira hora, bem como ao Senhor Dr. Ilídio Barbosa Pereira pela execução do catálogo.
Tal como em 1996, ano em que o Arquivo da Universidade também se associou às comemorações do 75.º centenário da Faculdade de Farmácia, também no centenário da nossa instituição o Arquivo da Universidade se associa numa manifestação de solidariedade institucional e de importante demonstração de vitalidade científica.
AUC. 100 anos de Faculdade de Farmácia. Universidade de Coimbra. Exposição documental. Arquivo da Universidade de Coimbra. Fevereiro-Março 2022. Acedido em https://www.uc.pt/auc/article?key=a-cb0df61dab
No Arquivo da Universidade de Coimbra esteve patente uma muito interessante exposição intitulada 100 anos de Faculdade de Farmácia. Do seu Catálogo
Catálogo, capa
extraímos as imagens, sem referência, que integram a entrada de hoje, bem como o texto, assinado pelo Professor daquela Faculdade, Doutor João Rui Pita, com o título Comemoração do centenário da Faculdade de Farmácia no Arquivo da Universidade de Coimbra (1921-2021) que abaixo se cita.
O ensino farmacêutico na Universidade de Coimbra é o mais antigo de Portugal e dos mais antigos no panorama internacional.
Com efeito, foi nos finais do século XVI que se iniciou na Universidade de Coimbra a aprendizagem da arte de botica com a fundação de um curso de boticários. Reinava em Portugal D. Sebastião. Era um curso prático com matrícula na Universidade e aprendizagem prática em boticas.
Há outras datas e momentos igualmente muito marcantes na história do ensino farmacêutico na Universidade de Coimbra. Desde logo, o curso de boticários fundado em 1772 pela reforma pombalina da Universidade de Coimbra e que foi herdeiro do curso anteriormente referido.
Carta da Arte de Boticário, passada aos 21 de novembro de 1777
Com a reforma de Pombal, pela primeira vez, a Universidade de Coimbra passou a ter um local para o ensino da farmácia – o Dispensatório Farmacêutico do também recém-fundado Hospital Escolar.
Instrumentos da indústria famacêutica. Património histórico-farmacêutico da Faculdade de Farmácia da Universidade de Coimbra. Foto: Paulo Amaral©DCom.UC
[cf. https://www.uc.pt/ffuc/patrimonio_historico_farmaceutico]
Em 1836 foi fundada a Escola de Farmácia anexa à Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra e que resultou de uma profunda alteração do regime de estudos de 1772. Foram também fundadas congéneres escolas em Lisboa e Porto, resultando esta institucionalização das medidas levadas a bom termo no ensino em Portugal, por Passos Manuel.
AUC. 100 anos de Faculdade de Farmácia. Universidade de Coimbra. Exposição documental. Arquivo da Universidade de Coimbra. Fevereiro-Março 2022. Acedido em https://www.uc.pt/auc/article?key=a-cb0df61dab
Mas, se a Cidade consolidou um Poeta, a Universidade não formou um Bacharel.
Universidade, Via Latina, in: Passear na Literatura. António Nobre
“Olha... São os Gerais, no intervalo das aulas.
Bateu o quarto. Vê! Vêm saindo das jaulas
Os estudantes, sob o olhar pardo dos lentes.”
«Só — Carta a Manuel»
De novo reprovado, António Nobre sai de Coimbra:
Quando vem Julho e deixo esta cidade,
Batina, Cais, tuberculosos céus,
Vou para o Seixo, para a minha herdade:
Adeus, cavaco e luar! choupos, adeus!
O regresso, em Outubro, é breve. Demora-se o suficiente para tratar de papéis que precisará para se matricular em Paris, na Faculdade de Direito, cujo curso terminará em 1895.
E também para as despedidas. E nesses breves dias instala-se na “sua” Torre de Anto “onde um só homem vivia, que era o Anto encantado, na sua Torre”, e que para sempre ficará ligada ao poeta do “Só”.
Torre de Anto, in: Passear na Literatura. António Nobre
“Mas que surpresa ao despertar: imaginarás o que é a gente abrir o olho, repleto de tanta imagem deste século XIX e deparar encantado com a Idade Média em frente, pelos lados, sobre e sob? Oh, a Torre! Levantei-me entusiasmado e fui abrir as ogivas talhadas nestas pedras milenares e, ao ver toda a Coimbra outonal, essa paisagem religiosa, milagrosa, o Mondego sem água, os choupos, meus queridos corcundas, sem folhas e Vergados pelos anos, — pareceu-me que estava num mundo extinto, todo espiritual, onde só um homem vivia, que era o Anto encantado, na sua Torre.”
«Carta a Alberto de Oliveira, 4 Outubro 1890»
Partia de Coimbra, dizia adeus às margens do Mondego. Mas transportava consigo a saudade.
Coimbra, in: Passear na Literatura. António Nobre
“Que lindas coisas a lendária Coimbra encerra!
Que paisagem lunar que á a mais doce da terra!
Que extraordinárias e medievas raparigas!
E o rio? e as fontes? e as fogueiras? e as cantigas?”
«Só – Carta a Manuel»
Monumento a António Nobre, no Penedo da Saudade, inaugurado em 30 de Outubro de 1939. in: Passear na Literatura. António Nobre
E, muitos anos mais tarde, quando procura em Lausana a cura para o mal que em breve lhe leva a curta vida, evoca, emocionado, a “Coimbra sem par, flor das Cidades”:
"Todas as tardes, vou Léman acima,
(E leve o tempo passa nessas tardes)
A pensar em Coimbra. Que saudades!
Diogo Bernardes deste meigo Lima.
Na solidão, pensar em ti, anima,
Oh Coimbra sem par, flor das Cidades!
Os rapazes tão bons nessas idades
(Antes que a vida ponha a mão em cima)
Alegres cantam nos teus arrabaldes,
Por mais que tire vêm cheios os baldes,
Mar de recordações, poço sem fundo!
Freirinhas de Tentúgal, passos lentos!
É chá com bolos, dentro dos conventos!
Meu Deus! e eu sempre a errar no Mundo!"
Carlos Santarém Andrade
Andrade, C.S. Passear na Literatura. António Nobre. S/d. Coimbra, Câmara Municipal
António Nobre não passa despercebido na Coimbra de então. Os poemas dispersos já publicados, o esguio da sua figura, a palidez do rosto, o singular modo de vestir a capa e batina, fazem-no sobressair de entre os seus pares.
Fotografia do Poeta. In: Passear na Literatura. António Nobre
À mesa do «Lusitano», sede das tertúlias boémias e literárias, naquele século XIX de todos os poetas, vai nascer uma revista, grito de uma geração que quer deixar em páginas impressas a afirmação do seu pensar. E surge assim A «Bohemia Nova», que na sua efemeridade, é a presença de uma nova poesia, que desencadeará um vendaval de apaixonadas discussões literárias.
Imagem acedida em https://almamater.uc.pt/republica/item/65714
O fim do ano escolar aproxima-se, e com ele a deceção dolorosa de um ano perdido, com a “quadrilha” de lentes, nas suas próprias palavras, a negar-lhe a aprovação.
Após as férias, no regresso a Coimbra, António Nobre, no acto da matrícula, dá como morada a “Estrada da Beira”.
Estrada da Beira. In: Passear na Literatura. António Nobre
“Vejo o meu quarto de dormir, todo caiado,
Donde ouvia arrulhar as pombas no telhado;
Oiço o relógio a dar as horas vagamente,
Devagar, devagar, como os ais dum doente;”
«Só — Na Estrada da Beira»
Se aí não vem a viver, ficará para sempre ligado a essa rua pelo grande amor da sua vida, Margarida Lucena, a sua Margareth, que cantou em versos, com o nome de «Purinha»:
«Aquela, que, um dia, mais leve que a bruma,
Toda cheia de Véus, como uma espuma,
O Senhor Padre me dará para mim
E a seus pés, me dirá, toda coroada: Sim!»
E entre os fugazes encontros no Jardim Botânico e as novenas nas Ursulinas, a casa amada na “Estrada da Beira”:
«Vejo o teu Iuar e a ti, tão pura, tão singela,
E vejo-te a sorrir, e vejo-te à janela
Quando eu seguia para as aulas, manhã cedo,
Ansiosa, olhando dentre as folhas do arvoredo,
Olhando sempre até eu me sumir, a olhar,
Que às vezes não me fosse um carro atropelar.»
Durante o ano letivo, mora numa casa que dá, por um lado, para a Rua do Correio (hoje Joaquim António de Aguiar) e por outro, para o Beco da Carqueja, mesmo ao pé “de uma das melhores coisas de Coimbra, a Sé Velha; é uma esplêndida igreja, estilo mourisco, que eu tanto desejaria transportar para a Boa Nova, fazendo dela o tão desejado Torreão”.
Beco da Carqueja, in: Passear na Literatura. António Nobre
“Moro, já sabes, no Beco da Carqueja: beco célebre, a que se refere, na sua História de Portugal, o Oliveira Martins. Aqui, numa casa vizinha (nesta quem sabe?), houve uma associação secreta composta de estudantes e conhecida popularmente pelo “Bando da Carqueja”, cujos fins, atém de políticos olhavam a guerrear os Isentes e aquela Universidade:”
«Carta a Alfredo de Campos, 9 Janeiro 1890»
Beco da Carqueja, in: Passear na Literatura. António Nobre
“Não escrevi e gastei, ou antes estraguei duas folhas de papel: uma por hesitar na preferência das minhas duas adresses— Beco da Carqueja, 114 Correio;
...Queria antes de acabar, falar-te desta República a que os meus companheiros, talvez influenciados pela epidemia-Dandy— chamam Le Château jaune.
«Carta a Alberto de Oliveira, 9 Janeiro 1890»
Das janelas da sua nova casa, espraiando a vista, olha-se o rio, que lhe inspira quadras como esta, que irá entrar no folclore coimbrão:
«Vou encher a bilha e trago-a
Vazia como a levei!
Mondego, qu’é da tua água.
Qu’é dos prantos que eu chorei?»
E lá mais longe, o Choupal, que lhe guia a mão nos versos que compôs:
«O choupo magro e velhinho,
Corcundinha, todo aos nós,
Es tal qual meu avôzinho:
Falta-te apenas a voz.
Fui plantar o teu cabelo
Entre os choupos, no Choupal,
E nasceu, anda lá vê-lo,
Um choupinho tal e qual.
Ó boca dos meus desejos
Onde o padre não pôs sal,
São morangos os teus beijos,
Melhores que os do Choupal!»
Andrade, C.S. Passear na Literatura. António Nobre. S/d. Coimbra, Câmara Municipal
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