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A' Cerca de Coimbra



Quinta-feira, 10.03.22

Coimbra: Monsenhor Nunes Pereira 1

Monsenhor Nunes Pereira foi um dos homens que marcou a minha vida.

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Primeiro, como professor na Brotero, onde se destacava pela sua humanidade, pela simplicidade e por, a fim de lecionar o conteúdo da disciplina que lhe estava confiada, e não só, desenhando no quadro preto autênticas obras de arte.

Mais tarde, quando assumi o cargo de Diretor do Departamento de Cultura da Câmara Municipal de Coimbra, tive ocasião de conhecer mais profundamente o Homem e o Sacerdote. A sua dignidade e simplicidade, o seu saber, a sua imensa alegria de viver, o sorriso que vinha do fundo da alma, a sua bondade, a busca continua de mais conhecer e de mais transmitir deixaram em mim uma marca indelével.

Com ele passei longas horas, na Portela, a conversar à porta da sua residência, quando, depois das reuniões em que participávamos, o ia levar a casa, pois automóvel foi coisa que nunca lhe vi. Era uma habitação de madeira, modesta, mas repleta de obras de arte e de tranquilidade.

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Ainda hoje lhe estou grato pelo muito que me ensinou e pelo humanismo que ele fez gravar em mim, para sempre.

O Museu Monsenhor Nunes Pereira, localizado em Fajão, sua aldeia natal, foi inaugurado a 13 de setembro de 1997.

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Museu Monsenhor Nunes Pereira na atualidade, exterior. Acedido em https://www.allaboutportugal.pt/pt/pampilhosa-da-serra/cultura/museu-monsenhor-augusto-nunes-pereira

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Museu Monsenhor Nunes Pereira na atualidade, interior. Acedido em http://www.cm-pampilhosadaserra.pt/pages/485?poi_id=138

Quando tive o privilégio de usufruir de uma visita guiada a este pequeno/grande Museu, recolhi a folha de sala, então distribuída aos visitantes, que, na capa, apresentava uma ilustração, desenhada pelo próprio, com o aspeto exterior inicial do edifício.

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Museu Monsenhor Nunes Pereira. Folha de sala, capa

e na contracapa, sobre a reprodução da sua assinatura, uma fotografia do patrono à porta do Museu.

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Museu Monsenhor Nunes Pereira. Folha de sala, contracapa

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Museu Monsenhor Nunes Pereira. Folha de sala, contracapa, pormenor da assinatura

No interior da folha de sala, pode ler-se um texto assinado Pe. Augusto Nunes Pereira, que diz o seguinte:

Fajão, entre a História e a Lenda

Em Junho de 1233, o Prior do Mosteiro de S. Pedro de Folques, Dom Pedro Mendes, concedeu Foral a “dez Povoadores de Seira que depois se chamou Fajão”. Foi o primeiro foral concedido por aquele mosteiro.

Os povoadores ficavam de posse das terras, para que edificassem e plantassem e cultivassem e nela fizessem o que lhes aprouvesse, apenas com a obrigação de darem ao mosteiro a décima e uma fogaça de almude da medida de Arganil e um capão au galinha, e se algum não podia dar capão au galinha daria seis denários (Cf. «Pe. Augusto Nunes Pereira. O Mosteiro de S. Pedro de Folques, in Santa Cruz de Coimbra do século XI ao século XX. Coimbra. 1984»).

O Mosteiro de S. Pedro foi fundado em Arganil no século XI e depois transferido para Folques. Era dos Cónegos Regrantes de Santo Agostinho. Fundado o Mosteiro de Santa Cruz, pouco depois o Mosteiro de Folques foi agregado àquele, conservando, no entanto, a sua autonomia. Isto permitia-lhe gozar dos privilégios e isenções concedidas pelos reis ao Mosteiro de Santa Cruz. Pelo menos duas vezes, os moradores de Fajão protestaram contra a atribuição de fintas para melhoramentos públicos em concelhos estranhos, alegando estarem isentos disso ao abrigo daqueles privilégios. De uma das vezes a reclamação foi encabeçada por Pascoal Fernandes, de Fajão, o que terá motivado ser o Pascoal uma figura relevante nos célebres «contos de Fajão».

Estes contos são dos mais valiosos patrimónios de Fajão, como na Alemanha os «contos de Beckum», muito semelhantes aos nossos.

Mas Fajão tem outros valores. Para recolher, e para deles fazer uma força educativa, houve a ideia de criar um museu de Fajão. O seu edifício, uma antiga casa de habitação, com sua cozinha e forno, foi restaurada no gosto das antigas construções de xisto, de modo que será um incentivo para que não se estraguem outras casas do meso tipo que ainda restam na vila e na região.

Nos dois pisos reúnem-se artefactos, obras de arte e documentos históricos, havendo ainda a possibilidade de ali se realizarem, uma vez ou outra exposições diversas.

Fajão fica, por esta forma, enriquecido por um valioso instrumento educativo, que a Junta de Freguesia e os fajaenses certamente vão defender, desenvolver e aproveitar.

Pe. Augusto Nunes Pereira

 Acrescento uma pequena memória extraída da pagela da missa do 7.º dia, comemorativa da sua partida, ocorrida a 1 de junho de 2001.

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Pagela da misa do sétimo dia, anverso

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Pagela da misa do sétimo dia, reverso

 

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por Rodrigues Costa às 13:21

Terça-feira, 08.03.22

Coimbra: Baixa na época medieval 9

Um destes afortunados comerciantes foi Estevão Domingues. Morador na Rua dos Francos e freguês de Santiago, encontramo-lo em 1347, juntamente com sua esposa Florença Fagundes, a negociar com esta igreja a sepultura de ambos, sendo noticiado, também, que a mãe desta, Joana Fernandes, já ali estava enterrada. Não deverá ter sido este, porém, o destino último deste mercador. Ao que tudo indica, foi enterrado no mosteiro de Santa Clara, já que a filha de ambos, Clara Esteves, ali terá ingressado, razão pela qual o mosteiro reclamou um terço das posses de Estevão Domingues após a sua morte. Quando este faleceu, já era casado em segundas núpcias com Iria Esteves que, como ficamos sabendo por instrumento de 1362, terá feito o inventário dos seus bens, a fim de que a subsequente partição fosse efetuada.

Rua Ferreira Borges (Calçada) 02 Inicio do séc. Fotografia da hoje designada rua Visconde da Luz, nos inicios do séc. XX

É com base neste inventário que temos uma noção da riqueza de um mercador coimbrão de fins de trezentos. Estevão Domingues era um negociante por excelência, já que mercava panos importados, sobretudo de lã, oriundos de Flandres e da Inglaterra. Juntamente com estes, vendia também enfeites para a confecção de vestes, como fitas, fios e botões de diversos materiais. Do seu património pessoal, destaca-se um relativo conforto e abundância de artigos de cama e mesa, incluindo-se aí almofadas, colchões, cobertores, mantas, tapetes, toalhas, vasos, taças, colheres, panelas, entre muitos outros utensílios. Também nos aparece arrolado o mobiliário da casa, constituído – entre outros objetos – por cadeiras, mesas, armários, tabuleiros e uma escrivaninha, além de diversos tipos de roupas, pertencentes tanto a Estevão Domingues como a Iria Esteves. Por fim, ficamos sabendo de suas propriedades, que se resumiam, aparentemente, a casas na Rua dos Francos e uma outra na Rua dos Tintureiros.

Não era só de mercadores, no entanto, que a Rua de Coruche e a Rua dos Francos – antecessora da Calçada – eram constituídas. Desde a centúria de duzentos até meados do século XV, encontramos na documentação, além dos sempre presentes alfaiates e sapateiros, também ourives, tendeiros, cónegos, tosadores, um cutileiro, um boticário, um pintor, um barqueiro e um “homem braceiro”. Dentre os funcionários públicos e régios, ali encontramos os tabeliães Afonso Vicente, Miguel Lourenço, João Afonso e Pedro Afonso; o almoxarife Pedro Juliães. vedor da portagem Vasco Eanes e o escrivão régio Domingos Anes, o escrivão da câmara, Álvaro Gonçalves e Gonçalo Vasques, “esprivam (sic) que foy dos horphaãos”. Dentre a pequena nobreza, destacamos os escudeiros João e João Lourenço, além da própria Coroa que, como sabemos através das chancelarias e tombos, detinha algumas propriedades na área.

Finalmente, descendo até o final desta mesma via, atingir-se-ia a Portagem, ponto de partida de nossa caminhada pelas freguesias de São Bartolomeu e Santiago de finais da Idade Média.

Conclusão

 Como pudemos verificar, quem se embrenhasse pelas ruas, adros e terreiros de tais freguesias no período medieval, teria contato direto com elementos de todos os extratos sociais, e testemunharia a existência de um número relativamente diversificado de mesteres e estabelecimentos de produção.

Dentre estes, merecem especial destaque os alfaiates, sapateiros e carpinteiros, presentes em toda a área, assim como os peliteiros e os tanoeiros, únicas categorias de mesteres geograficamente concentradas, instalados nas ruas que levam suas designações, na freguesia de Santiago. A freguesia de S. Bartolomeu, por sua vez, tinha como atividade predominante a produção de azeite – como nos evidencia a alta concentração de lagares na zona próxima ao rio –, e contava, também, com a presença de alguns estabelecimentos mecânicos relacionados à curtição de peles.

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Dissertação. Imagem nº 22: A Praça do Comércio nos inícios do séc. XX, em vista tomada em direção a igreja de Santiago, pg. 107.

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Dissertação. Imagem nº 23: A Rua do Poço, ao centro, ladeada pela Rua das Rãs, a Rua das Solas (atual Adelino Veiga) e a Rua das Azeiteiras. Seu trecho oriental, após o Beco de Santa Maria, hoje é designado por Travessa das Canivetas. Planta Topográfica de Coimbra executada pelos Irmãos Goullard, 1873-74, pg. 117.

Por fim, no eixo formado pela Rua de Coruche e a Calçada – antes denominada Rua dos Francos –, pela sua importância e grande extensão, encontravamse instalados profissionais de diversas categorias e grupos sociais, dentre os quais destacava-se a burguesia mercantil, que ali formava o seu reduto.

Concluindo, resta-nos reafirmar que será na Baixa que se conduzirá o desenvolvimento e se refletirá o progresso de Coimbra pelos restantes séculos do período medieval. Serão seus habitantes, homens e mulheres, mercadores e mesteres, que incrementarão o comércio e a produção, e garantirão o relevante papel da urbe no contexto do reino. Destes habitantes, tentámos obter retratos do seu cotidiano e detalhes acerca de sua identidade, revelando um pouco mais acerca destes agentes da história que, em seu conjunto, formam parte essencial do contexto socioeconómico coimbrão, no período de transição de antiga sede da corte à moderna cidade estudantil.

Augusto, O.C.G.S. A Baixa de Coimbra em finais da Idade Média: Sociedade e cotidiano nas freguesias de S. Bartolomeu e Santiago. In: Revista de História da Sociedade e da Cultura, 13 (2013). Acedido em https://www.studocu.com/pt/document/universidade-de-coimbra/historia-da-cidade-de-coimbra/apontamentos/a-baixa-de-coimbra-em-finais-da-idade-me-dia/8576144/view

 

Tags: Coimbra séc. XIV, Coimbra séc. XV, Coimbra séc. XVI, Baixa, Rua dos Francos ver Rua Ferreira Borges, Rua dos Tintureiros, Rua de Coruche ver Rua Visconde da Luz, Calçada,

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por Rodrigues Costa às 11:33

Quinta-feira, 03.03.22

Coimbra: Baixa na época medieval 8

Em dias comuns, o movimento na Praça não seria muito diferente do resto dos arruamentos. Transeuntes, tendas, algumas vendedeiras, carros de bois, crianças correndo ou pombas ciscando – alimentando-se, talvez, do que havia sido deixado da última feira semanal – seriam visões comuns. Esta relativa tranquilidade, porém, não devia equiparar-se ao bulício que a Praça experienciava em tempos de feira franca.

Durante os reinados de D. Fernando e D. João I, esta ocorria de 15 de Setembro a 15 de Outubro. Coincidia com o S. Miguel de Setembro, época de colheitas e de pagamento de rendas, e a ela acorria gente de todo o termo, para comprar e para vender, constituindo-se no verdadeiro encontro entre o campo e a cidade.

Tais características faziam da feira, portanto, um vivo e colorido retrato da sociedade medieval. Era ali que o abastado burguês citadino exibia suas roupas adornadas e sua bolsa cheia de moedas, procurando pelo melhor sapato, o melhor tecido ou, talvez, alguma joia. Impressionava, com toda a certeza, o lavrador que, vindo de uma localidade recôndita nos confins do termo coimbrão, aproveitara as isenções fiscais próprias do evento para montar uma banca e vender o produto de suas colheitas a fim de obter algum lucro, que talvez fosse gasto por ali mesmo, em um novo utensílio doméstico ou peça de roupa para sua família. À sua banca, acorria, entre muitos outros, o mesteiral local, com o intuito de abastecer-se do que era necessário para as suas atividades e, no processo, surpreender-se ao passar por estrangeiros a balbuciarem uma língua estranha, vendendo panos exóticos ou outros produtos vindos de fora do reino. Tudo isto, claro, vigiado pelos oficiais do concelho, dispostos a manter a ordem e que tinham no pelourinho, situado bem ao centro da praça, tanto um instrumento de punição como um elemento representativo do poder municipal.

Reconstituição do pelourinho.jpg

Reconstituição do pelourinho, na sua presumível localização quando instalado na Praça

Por fim, em frente a porta da igreja Santiago, alguns cónegos reúnem-se no alto de sua escadaria, juntamente com um casal. A meio deles, sentava-se um tabelião, rabiscando um grande livro. Era algum emprazamento a tomar forma. Foi este o caso, por exemplo, de Diogo Lourenço e Catarina Anes que, em 5 de Outubro de 1437, em plena feira, receberam de emprazamento, do Mosteiro de São Jorge, um casal e herdade em Santa Luzia, termo de Coimbra, tendo o contrato sido celebrado “ante a porta prinçipal da egreja de San Tiago”.

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Dissertação. Imagem nº 8 e 9: A igreja de Santiago após a reconstrução, retratada atualmente / A capela Norte, construída no séc. XV em estilo gótico, pg. 41.

A ocasião, porém, não seria só para negócios. Era, também, a oportunidade de rever os amigos, quem sabe fazer outros novos, atualizar-se acerca das novidades e comentar os assuntos do reino, da cidade, da família, e, até mesmo, da vida alheia. Do que falavam exatamente? Não sabemos, mas podemos supor. Muito provavelmente, um assunto corrente na feira de 1395 seria, por exemplo, o do divórcio entre Afonso Fernandes e Catarina Martins. Ele, dito da Cordeirã, fora escrivão do almoxarifado, e ela, filha de Martim Lourenço, conhecido por Malha e que sabemos ter sido almoxarife de Coimbra entre 1361 e 1367. Foram casados por dez anos e eram, certamente, conhecidos dos moradores da zona da Praça, pois tinham uma casa na Rua dos Peliteiros e um cortinhal em Poço Redondo, localidade próxima.

Não sabemos o que terá causado o divórcio e, muito menos, de quem teria partido a iniciativa, se de um dos cônjuges ou se, em uma hipótese menos provável, da Igreja. Teria o ex-escrivão abandonado a esposa? Era um dos motivos que levariam a tal fim. Se assim o fosse, dar-nos-ia razões para interpretar as quinhentas libras que uma tal Catarina Beata “avia de dar ao dicto Affonso Fernandez do corregimento de pallavras que dissera do dicto Affonso Fernandez” – referidas no instrumento de partilha de bens do casal – como o possível resultado de uma pouco respeitosa observação em relação ao caso. De qualquer modo, a situação era rara e, tratando-se de personagens de alguma visibilidade, certamente terá gerado comentários.

Nesta mesma época, outro tópico que deveria estar entre os discutidos pelos habitantes da cidade seria o da insegurança durante a noite. O povo, este, já apontava culpados: os homens responsáveis pela guarda noturna. Aparentemente, o alcaide-mor, ao invés de utilizar, para este fim, funcionários conhecidos, “escriptos nos livros”, valia-se do serviço de “homees vaadios e nom conheçudos”, não sendo incomum o aparecimento, ao raiar do sol, de pessoas maltratadas e até mesmo mortas, dentre outros malefícios. Por vezes, após a descoberta destes crimes, os ditos homens abandonavam a cidade misteriosamente, sendo “de presumir que som culpados nos dictos mallafiçios ou em parte deles”. Foi este o conteúdo de uma reclamação ao rei, por ocasião das cortes de Santarém, em 1396, tendo o monarca mandado que fossem cumpridos os costumes da cidade de utilizar, para este fim, pessoas conhecidas da população.

Imediatamente acima da Praça, ao cimo das escadas que, já no séc. XIV estariam situadas imediatamente em frente ao arco da Barbacã, estava o eixo formado pela Calçada – antes Rua dos Francos – e a Rua de Coruche, um dos mais importantes da cidade. Tais artérias serviram, durante o período medieval, como reduto de mercadores, fama confirmada por fontes contemporâneas, como é o caso de um decreto fernandino, datado de 1367, que garantia privilégios, especificamente, aos “mercadores moradores na Rua de Coruche e na Rua de Francos”.

Fotografia da hoje designada rua Visconde da Luz.j

Fotografia antiga da hoje designada rua Visconde da Luz 1

Encontramo-los nas fontes desde as primeiras menções a ambas as ruas, em inícios do século XIII, tendo sido muitos deles, ao longo da Idade Média, sepultados no cercano templo de Santiago, como nos provam as diversas citações a mercadores presentes no Livro de Aniversários desta colegiada.

Augusto, O.C.G.S. A Baixa de Coimbra em finais da Idade Média: Sociedade e cotidiano nas freguesias de S. Bartolomeu e Santiago. In: Revista de História da Sociedade e da Cultura, 13 (2013). Acedido em https://www.studocu.com/pt/document/universidade-de-coimbra/historia-da-cidade-de-coimbra/apontamentos/a-baixa-de-coimbra-em-finais-da-idade-me-dia/8576144/view

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por Rodrigues Costa às 16:41

Terça-feira, 01.03.22

Coimbra: Baixa na época medieval 7

À época em que se redigiu o testamento, Constança Esteves vivia na companhia de uma tal Senhorinha, a quem acabou por deixar um olival “alem da ponte na Varzea e quatro geiras de terra no campo de Mondego”, estipulando que, à morte desta, tais propriedades fossem transferidas para a Albergaria de Santa Maria de São Bartolomeu, cuja sede se situava na freguesia de Santiago. Ao lado do edifício onde estava instalada a albergaria, encontravam-se as casas que, no séc. XVI, seriam reformadas para servir de Paços do Conde de Cantanhede, e que correspondem, por certo, às doadas por D. João I, em 1390, ao prior do Hospital e Marechal do Rei, Álvaro Gonçalves Camelo.

Junto da casa que pertenceu a esta personagem, na Idade Média, corriam três ruas: a Rua dos Tanoeiros, atual Adelino Veiga; a Rua Olho do Lobo, atual Rua das Rãs e, provavelmente, a Rua dos Peliteiros, sendo as três paralelas e culminando no Arnado. Como os próprios topónimos nos indicam, por ali estariam concentrados, em finais da Idade Média, os tanoeiros, fabricantes de tonéis – destinados ao armazenamento de diversos produtos, dentre os quais, certamente, o azeite produzido na freguesia vizinha – e os peliteiros, curtidores de peles, especializados na obtenção da pelica, couro fino, de uso nobre.

Desta forma, não é surpreendente o fato de termos encontrado nas fontes testemunhos abundantes à presença destes profissionais na área, acompanhados de mercadores e, sobretudo, de sapateiros – que certamente se utilizavam do couro ali produzido – e carpinteiros, que poderiam estar envolvidos no fabrico dos tonéis. Para a Rua dos Tanoeiros, convém destacar também que, na primeira metade do séc. XV, era ali proprietário – dentre tanoeiros, sapateiros e carniceiros – o tabelião João Rodrigues, que fora criado do infante Dom Pedro, tendo sido por pedido deste ao concelho que acedera ao tabelionato, por volta de 1429.

A Rua dos Peliteiros, sobretudo, havia de ser uma artéria importante. O seu período áureo parece ter sido o século XIII e inícios do século XIV, centúria em que encontramos algumas referências a personalidades ilustres que nela, e em suas cercanias, detinham propriedades. Enumerando-as, citemos Vasco Gil, cónego de Santiago e tabelião público, que ali morou; D. Pascásio Godins, que foi deão de Viseu e de Coimbra; o chantre de Viseu e cónego de Coimbra Lourenço Esteves de Formoselha; Gonçalo Esteves, que havia sido escudeiro de D. Astrigo, raçoeiro da Sé, e Aldonça Anes de Molnes, monja de Lorvão. Próximo das casas habitadas por esta última, estariam outras, pertencentes ao seu irmão, o fidalgo Paio Anes de Molnes. Convém mencionar aqui, também, o alvazil Tomás Martins, que habitou em uma platea, na freguesia de Santiago, que poderá corresponder à Rua dos Peliteiros.

Rumando pela Rua dos Tanoeiros em direção à igreja de Santiago, atingir-se-ia, em inícios do séc. XV, a Praça. Devia parecer, nesta época, um grande terreiro de formato ainda um tanto irregular, sendo provável que não se estendesse até ao adro de S. Bartolomeu, como nos dias atuais. A meio desta, em frente a uma pequena escada encrustada no casario, já lá estava o pelourinho e, próximo dali, imediatamente ao lado da igreja de Santiago, os açougues. Em segundo plano, imponente, a muralha e suas torres.

Nos quarteirões à volta da Praça estariam em curso, provavelmente, demolições e novas edificações, no âmbito do processo de reorganização do espaço que lhe deu a configuração atual. Das que já ali estavam, algumas seriam dotadas de alpendres, como ao que renunciou, em 1455, Afonso Martins, que fora criado do infante D. Pedro, alegando ser “homem prove (sic) e meesteirosso”. Tal alpendre confrontava com casas do barbeiro Álvaro Fernandes e outras que haviam pertencido a Martim Afonso, também barbeiro e, à época, já falecido.

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Dissertação. Imagem nº 16: Em azul, o traçado presumido da sota, desde a Rua de Quebra Costas até o Mondego, pg. 60

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Dissertação. Imagens nº 17 e 18: O arco quinhentista / Detalhe do arco, pg. 93

 A pequena concentração destes profissionais no local é entendível. Afinal, a Praça, em meados de quatrocentos, já seria um lugar relativamente central. Ademais, lembremos que os barbeiros, além de apararem a barba e o cabelo, tinham outras atribuições, dentre as quais pequenas intervenções médicas, como era o caso das sangrias. Seu local de trabalho afigurava-se, também, como um espaço de convívio masculino. No século XIV, o severo clérigo castelhano Martín Perez, por exemplo, via grande perigo no ajuntamento de homens no barbeiro, assim como, em contraponto, na concentração de mulheres nas casas de fiandeiras.

Augusto, O.C.G.S. A Baixa de Coimbra em finais da Idade Média: Sociedade e cotidiano nas freguesias de S. Bartolomeu e Santiago. In: Revista de História da Sociedade e da Cultura, 13 (2013). Acedido em https://www.studocu.com/pt/document/universidade-de-coimbra/historia-da-cidade-de-coimbra/apontamentos/a-baixa-de-coimbra-em-finais-da-idade-me-dia/8576144/view

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por Rodrigues Costa às 10:37

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