Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]
Carlos Santarém Andrade organizou há alguns anos uma série de percursos que intitulou Passear na Literatura, tendo elaborado, para cada um, textos ilustrados que merecem ser relembrados. Recordamos o percurso dedicado a António Nobre.
Passear na Literatura. António Nobre, capa
«Vem a Coimbra. Hás-de gostar, sim meu amigo.
Vamos! Dá-me o teu braço e vem daí comigo.»
Passear na Literatura. António Nobre, pormenor de capa
Passear na Literatura. António Nobre, contracapa
Em Outubro de 1888, após a pacatez das férias, Coimbra retoma o seu bulício característico, com o regresso às aulas e a chegada de novos alunos que vêm frequentar a Universidade. Entre eles está António Nobre, que vem cursar Direito.
Instala-se numa casa junto ao Penedo da Saudade, então fora do perímetro urbano, de cuja janela disfruta a bucólica paisagem a que o Penedo é sobranceiro, cuja amplidão recortada de quintas e olivais contrasta com o estreito emaranhado das ruas da cidade.
“O Penedo da Saudade é, na verdade, o único sítio em que se podia viver: à janela do meu quarto, que dá para as bandas de onde nasce o sol, passo eu infinitos segundos meditando na minha vida que é ainda mais triste do que eu.”
Carta Augusto de Castro, 18 Outubro 1888
As duras praxes estudantis, o tédio das aulas, o rigor universitário, são para o poeta uma amarga experiência:
«Hoje, mais nada tenho que esta
Vida claustral, bacharelálica, funesta,
Numa cidade assim, cheirando, essa indecente,
Por toda a parte, desde a Alta à Baixa, a tente
E ao pôr do Sol, no Cais, contemplando o Mondego,
Honestos bacharéis são postos em sossego
E mal a cabra bala aos ventos os seus ais,
“Speech" de quarto de hora em palavras iguais,
Os tristes bacharéis recolhem às herdades,
Como na sua aldeia, ao baterem as Trindades.»
Mas o fascínio da cidade não o pode deixar indiferente:
«Contudo, em meio desta fútil coimbrice,
Que lindas coisas a lendária Coimbra encerra!
Que paisagem lunar que é a mais doce da Terra!
Que extraordinárias e medievas raparigas!
E o rio? e as fontes? e as fogueiras? e as cantigas?»
E, depois, há ainda os amigos:
«O que, ainda mais, nesta Coimbra de salgueiros
Me vale, são os meus alegres companheiros
De casa. Ao pé deles é sempre meio-dia:
Para isso basta entrar o Mário da Anadia.
Até a morte é branca e a Tristeza vermelha
E riem-se os rasgões desta batina velha!»
E, para quebrar a “vida claustral”, nada como os passeios pelos arrabaldes:
«Manuel, vamos por aí fora
Lavar a alma, furtar beijos, colher flores,
Por esses doces, religiosos arredores,
Que vistos uma vez, ah! não se esquecem mais:
Torres, Condeixa, Santo António dos Olivais,
Lorvão, Cernache, Nazaré, Tentúgal, Celas!
Sítios sem par! onde há paisagens como aquelas?
Santos lugares onde jaz meu coração,
Cada um é para mim uma recordação…»
Andrade, C.S. Passear na Literatura. António Nobre. S/d. Coimbra, Câmara Municipal
A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.