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Um destes afortunados comerciantes foi Estevão Domingues. Morador na Rua dos Francos e freguês de Santiago, encontramo-lo em 1347, juntamente com sua esposa Florença Fagundes, a negociar com esta igreja a sepultura de ambos, sendo noticiado, também, que a mãe desta, Joana Fernandes, já ali estava enterrada. Não deverá ter sido este, porém, o destino último deste mercador. Ao que tudo indica, foi enterrado no mosteiro de Santa Clara, já que a filha de ambos, Clara Esteves, ali terá ingressado, razão pela qual o mosteiro reclamou um terço das posses de Estevão Domingues após a sua morte. Quando este faleceu, já era casado em segundas núpcias com Iria Esteves que, como ficamos sabendo por instrumento de 1362, terá feito o inventário dos seus bens, a fim de que a subsequente partição fosse efetuada.
Fotografia da hoje designada rua Visconde da Luz, nos inicios do séc. XX
É com base neste inventário que temos uma noção da riqueza de um mercador coimbrão de fins de trezentos. Estevão Domingues era um negociante por excelência, já que mercava panos importados, sobretudo de lã, oriundos de Flandres e da Inglaterra. Juntamente com estes, vendia também enfeites para a confecção de vestes, como fitas, fios e botões de diversos materiais. Do seu património pessoal, destaca-se um relativo conforto e abundância de artigos de cama e mesa, incluindo-se aí almofadas, colchões, cobertores, mantas, tapetes, toalhas, vasos, taças, colheres, panelas, entre muitos outros utensílios. Também nos aparece arrolado o mobiliário da casa, constituído – entre outros objetos – por cadeiras, mesas, armários, tabuleiros e uma escrivaninha, além de diversos tipos de roupas, pertencentes tanto a Estevão Domingues como a Iria Esteves. Por fim, ficamos sabendo de suas propriedades, que se resumiam, aparentemente, a casas na Rua dos Francos e uma outra na Rua dos Tintureiros.
Não era só de mercadores, no entanto, que a Rua de Coruche e a Rua dos Francos – antecessora da Calçada – eram constituídas. Desde a centúria de duzentos até meados do século XV, encontramos na documentação, além dos sempre presentes alfaiates e sapateiros, também ourives, tendeiros, cónegos, tosadores, um cutileiro, um boticário, um pintor, um barqueiro e um “homem braceiro”. Dentre os funcionários públicos e régios, ali encontramos os tabeliães Afonso Vicente, Miguel Lourenço, João Afonso e Pedro Afonso; o almoxarife Pedro Juliães. vedor da portagem Vasco Eanes e o escrivão régio Domingos Anes, o escrivão da câmara, Álvaro Gonçalves e Gonçalo Vasques, “esprivam (sic) que foy dos horphaãos”. Dentre a pequena nobreza, destacamos os escudeiros João e João Lourenço, além da própria Coroa que, como sabemos através das chancelarias e tombos, detinha algumas propriedades na área.
Finalmente, descendo até o final desta mesma via, atingir-se-ia a Portagem, ponto de partida de nossa caminhada pelas freguesias de São Bartolomeu e Santiago de finais da Idade Média.
Conclusão
Como pudemos verificar, quem se embrenhasse pelas ruas, adros e terreiros de tais freguesias no período medieval, teria contato direto com elementos de todos os extratos sociais, e testemunharia a existência de um número relativamente diversificado de mesteres e estabelecimentos de produção.
Dentre estes, merecem especial destaque os alfaiates, sapateiros e carpinteiros, presentes em toda a área, assim como os peliteiros e os tanoeiros, únicas categorias de mesteres geograficamente concentradas, instalados nas ruas que levam suas designações, na freguesia de Santiago. A freguesia de S. Bartolomeu, por sua vez, tinha como atividade predominante a produção de azeite – como nos evidencia a alta concentração de lagares na zona próxima ao rio –, e contava, também, com a presença de alguns estabelecimentos mecânicos relacionados à curtição de peles.
Dissertação. Imagem nº 22: A Praça do Comércio nos inícios do séc. XX, em vista tomada em direção a igreja de Santiago, pg. 107.
Dissertação. Imagem nº 23: A Rua do Poço, ao centro, ladeada pela Rua das Rãs, a Rua das Solas (atual Adelino Veiga) e a Rua das Azeiteiras. Seu trecho oriental, após o Beco de Santa Maria, hoje é designado por Travessa das Canivetas. Planta Topográfica de Coimbra executada pelos Irmãos Goullard, 1873-74, pg. 117.
Por fim, no eixo formado pela Rua de Coruche e a Calçada – antes denominada Rua dos Francos –, pela sua importância e grande extensão, encontravam‑se instalados profissionais de diversas categorias e grupos sociais, dentre os quais destacava-se a burguesia mercantil, que ali formava o seu reduto.
Concluindo, resta-nos reafirmar que será na Baixa que se conduzirá o desenvolvimento e se refletirá o progresso de Coimbra pelos restantes séculos do período medieval. Serão seus habitantes, homens e mulheres, mercadores e mesteres, que incrementarão o comércio e a produção, e garantirão o relevante papel da urbe no contexto do reino. Destes habitantes, tentámos obter retratos do seu cotidiano e detalhes acerca de sua identidade, revelando um pouco mais acerca destes agentes da história que, em seu conjunto, formam parte essencial do contexto socioeconómico coimbrão, no período de transição de antiga sede da corte à moderna cidade estudantil.
Augusto, O.C.G.S. A Baixa de Coimbra em finais da Idade Média: Sociedade e cotidiano nas freguesias de S. Bartolomeu e Santiago. In: Revista de História da Sociedade e da Cultura, 13 (2013). Acedido em https://www.studocu.com/pt/document/universidade-de-coimbra/historia-da-cidade-de-coimbra/apontamentos/a-baixa-de-coimbra-em-finais-da-idade-me-dia/8576144/view
Tags: Coimbra séc. XIV, Coimbra séc. XV, Coimbra séc. XVI, Baixa, Rua dos Francos ver Rua Ferreira Borges, Rua dos Tintureiros, Rua de Coruche ver Rua Visconde da Luz, Calçada,
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