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GIL VICENTE E O SIMBOLISMO DAS ARMAS DE COIMBRA [Conclusão]
A existência da representação da serpe nas armas de Coimbra pode permitir que se teçam alguns comentários sobre outras possibilidades de enredo da peça que Gil Vicente não aproveitou na sua narração. Este móvel está documentada desde a Idade Média nas representações plásticas das armas daquela cidade e é ilustrado no frontispício da obra de Inácio de Morais - Conimbricae encomiu[m].
Figura 15 – Serpe, detalhe das armas de Coimbra. Frontispício da obra de Inácio de Morais (Morais, 1554, frontispício)
... Para a ação da peça há uma personagem fulcral, o terrível Monderigón, que, de acordo com o argumento, motiva as armas, mas estranhamente, apesar da sua importância não surge representada nas mesmas. Curiosamente, trata-se de uma personagem que é descrita mais do que uma vez como um dragão. Logo no início da peça o Lavrador refere-se-lhe dizendo que "(...) Dios / (...) consentió que un dragón / me hiciese viudo della" e mais tarde Liberata evidencia-o dizendo: "Sois drago y habláis humano." Tratando-se de um dragão, bem que poderia ser representado por uma serpe alada, algo que, estranhamente, não foi aproveitado por Gil Vicente ao ficcionar estas armas e que poderia ser facilmente feito. A confusão entre estes dois animais fantásticos na Heráldica é, aliás, demonstrada na leitura simbólica das próprias armas nacionais, que a tal se prestam pelo seu timbre, descrito por uns como uma serpe e por outros como um dragão,
Figura 16 — Timbre do brasão-de-armas do rei de Portugal. Detalhe de iluminura do armorial de António Godinho Livro da nobreza e perfeição das armas dos reis christãos e nobres linhagens dos reinos e senhorios de Portugal (Godinho, 1521-1541, f. 69
CONCLUSÃO
Relativamente à matéria heráldica, considera-se que, até ao presente, nenhuma das explicações para as armas de Coimbra é devidamente fundamentada e esclarecedora.
Perante o fantasioso texto vicentino pode-se concluir que o conhecimento do simbolismo das armas adotadas por Coimbra já se havia perdido no início do século XV.
Assim, o presente texto, parte ínfima de uma muito mais vasta pesquisa, limitou-se ao levantamento e evolução das armas de Coimbra e a fazer uma crítica à interpretação vicentina das mesmas. Considera-se que a leitura simbólica da heráldica da cidade de Coimbra deverá ser buscada na iconografia medieval. Assim, a pesquisa será continuada com o levantamento das outras explicações aduzidas para as armas da cidade e levará certamente a uma proposta de releitura simbólica das mesmas. Mas por agora, para terminar, sejam usadas as palavras com que mestre Gil encerra a Comédia da Devisa da Cidade de Coimbra: "E assi fenece esta comédia, saindo-se com sua música. / Laus Deo."
Fig. 18 – Final da comedia sobre a devisa da cidade de coimbra (Vicente, 1562, f. 113v.)
Alexandre, P.M. Uma patranha heráldico-genealógica de Gil Vicente: «A comedia sobre a devisa da cidade de coimbra» e o brasão-de-armas de Coimbra. In: Alicerces. Revista de Investigação, Ciência Tecnologia e Arte. Ano VI, n.º 6. 2016, julho. Lisboa, Instituto Politécnico de Lisboa. Pg. 65-88. Acedido em https://repositorio.ipl.pt/bitstream/10400.21/8644/1/revista_alicerces6_2016_pv.pdf.
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