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A' Cerca de Coimbra



Quinta-feira, 04.02.21

Coimbra: Alargamento do espaço urbano no cotovelo dos séculos XIX e XX. 5

Dos mercados ao Mercado D. Pedro V

 Em Coimbra, os mercados e as feiras foram regulamentados, ao longo dos tempos, por cartas régias, mas os locais onde se processava a troca de produtos permaneceu inalterável até à segunda metade do século XIX.

Durante o período medieval e até a Oitocentos, a permuta de bens estendeu-se, na cidade, por vários locais. Um deles, o Forum Régio, situava-se entre a Torre da Rolaçom e a Sé, ou seja, mais ou menos na zona do atual Quebra-Costas e organizava-se em dois espaços: o “das tendas de baixo” (mais próximo do início do Quebra-Costas) e o “das tendas de cima” (mais chegado à Sé). Um outro local de troca de produtos ocupava, lá no cimo da colina, o terreiro do Paço Real. A partir de 1537, no Largo da Feira, frente à Sé Nova, após a transferência da Universidade para Coimbra, começou a realizar-se, às terças-feiras, um mercado semanal destinado, essencialmente, à comunidade estudantil.

Largo da Feira dos Estudantes. [Passado ao Espelho

Largo da Feira dos Estudantes. [Passado ao Espelho, p. 58]

Contudo a Praça de S. Bartolomeu (também conhecida por Praça do Comércio ou Praça Velha) pode considerar-se o local onde tradicionalmente acontecia o principal mercado, mas com o andar dos anos e com o aumento da população o espaço vai-se tornando cada vez mais exíguo e alguns produtos, sobretudo aves e grãos, passaram a ser comercializados em frente à igreja de Santa Cruz, no Terreiro de Sansão.

Fig. 07. Praça do Comércio. [AHMC. Repartição

Fig. 07 – Praça do Comércio. [AHMC. Repartição de obras municipais. Luiz Antonio Nogueira. 1878. Pasta 49. B-14].

Os espaços atrás referidos, mesmo se se tiver em conta as contínuas disposições camarárias que especificavam o local exato da venda de cada produto, nem sempre eram acatadas de bom grado pelos vendedores (vendedoras em maior número) que se iam amontoando a esmo, de modo um tanto ou quanto caótico.

A ideia de reunir todas as transações num único local, começa a ganhar consistência e a necessidade de construir um mercado assume-se consensual. A partir de 1852 assiste-se à tentativa de concentrar, não sem oposição, os vários pontos de venda na horta do extinto mosteiro de Santa Cruz. Contudo, as opiniões dividiam-se quanto à localização do mercado e se uns apontavam para aquele local, outros inclinavam-se para a zona da Sota, na velha ‘baixa’ coimbrã.

Neste contexto, a 09 junho de 1858, Hardy Hislop, de nacionalidade inglesa, apresenta à Câmara um projeto para a construção de um mercado público cujos custos, na Sota, rondavam pelos 100 contos de réis e na Horta crúzia pelos 70.000$000 réis.

A escolha da zona onde o mercado se devia instalar, sob forte contestação, acabou por recair na horta de Santa Cruz, até porque esta, em virtude de ser propriedade da edilidade, tornava o cometimento mais acessível, contrariamente ao que aconteceria na Sota, onde, devido às cheias do Mondego, era necessário altear o local e proceder a expropriações.

Mas a debilidade das finanças municipais não consentiu a viabilização do empreendimento; por isso, mais tarde, a Câmara e o Conselho Municipal aprovaram, a 12 de março de 1866, um empréstimo de 13.000$000 réis tendente a fazer face à concretização da nova estrutura que teve por base o mais do que modesto projeto elaborado pelo engenheiro Everard, um provável técnico ferroviário britânico.

Fig. 08. Mercado D. Pedro V em 1907. [Passado ao E

Fig. 08 – Mercado D. Pedro V em 1907. [Passado ao Espelho, p. 66].

A vereação, depois de “fazer festejos e convites”, decidiu marcar para o dia 17 de novembro de 1867 a inauguração do novo mercado, batizado com o nome de D. Pedro V; o imóvel foi-se tornando obsoleto e O Despertar, na sua edição de 17 de novembro de 1917, escrevia: “Também faz hoje 50 anos (já meio século!) que foi inaugurado o mercado D. Pedro V. Está a pedir museu das raridades”.

Radicara-se na cidade, entretanto, o arquiteto Augusto de Carvalho da Silva Pinto e a Câmara, em 1902, encarrega-o de riscar, a fim de “completar” o mercado existente, o projeto de um pavilhão destinado à venda de peixe.

Após serem ultrapassadas algumas barreiras, o edifício foi inaugurado em 08 de março de 1908. Esta estrutura que assentava prioritariamente no ferro e no vidro, se se pensar no contexto português e, sobretudo, no conimbricense, desenvolveu-se no âmbito de uma linguagem eivada de modernidade, embora, cronologicamente, face à Europa e à América, se apresentasse como tardia. Mas de nada lhe valeu inserir-se nas “modernas” tecnologias arquitetónicas, porque não deixou de ser depreciativamente apelidada de “aquário” por um dos jornais citadinos, quando, em 1921, o arquiteto emitiu uma opinião desfavorável acerca da transformação da igreja de S. João em “Café de Santa Cruz”.

Fig. 09. Projeto para um mercado municipal. Arquit

Fig. 09 – Projeto para um mercado municipal. Arquiteto Silva Pinto. 1908. [AHMC. Repartição de obras municipais. Pasta 36. B-50].

Contudo, a edilidade, cônscia que estava da necessidade de dotar a cidade com um mercado condigno, encarregou o mesmo arquiteto, cerca de 1908, de riscar esse imóvel, que, apesar de aprovado, jamais saiu do papel (neste caso, do marion) e foi pena, pois, a ser edificado “constituiria hoje, sem dúvida, um dos mais curiosos exemplares da chamada arquitectura do ferro, tão representativa de uma época”.

Anacleto, R. Coimbra: alargamento do espaço urbano no cotovelo dos séculos XIX e XX. In: Belas-Artes: Revista Boletim da Academia  Nacional de Belas ArtesLisboa 2013-2016. 3.ª série, n.ºs 32 a 34. Pg. 127-186. Acedido em https://academiabelasartes.pt/wp-content/uploads/2020/02/Revista-Boletim-n.%C2%BA-32-a-34.pdf

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por Rodrigues Costa às 11:25


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