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A' Cerca de Coimbra



Quinta-feira, 25.02.21

Coimbra: Alargamento do espaço urbano no cotovelo dos séculos XIX e XX. 8

Avenida Sá da Bandeira (continuação)

Apesar do loteamento da quinta [de Santa Cruz] se ir fazendo e de serem vendidos muitos assentos de casas, a verdade é que a urbanização se processava lentamente; a imprensa assacava a culpa às vereações municipais, acusando-as de “terem votado o empreendimento ao abandono”.

Fig. 12. Projeto para a construção da Avenida de

Fig. 12. Projeto para a construção da Avenida de Santa Cruz (Sá da Bandeira) 1906. [AHMC. Diversos. Maço 3, documento 2].

Por seu turno, em torno da praça, também se iam levantando moradias mais ou menos sumptuosas e, certamente, relacionadas com o poder económico dos proprietários; cerca de 1897, João de Moura Coutinho de Almeida d’Eça e João Francisco dos Santos fazem construir as suas casas, com esquinas voltadas, respetivamente, para as Ruas Alexandre Herculano e Oliveira Matos e, em 1906, Alberto Carlos de Moura apresenta à Câmara o projeto e pede autorização para erguer um edifício de habitação na zona fronteira, um pouco antes do início da Lourenço de Almeida Azevedo.

A verdade é que se os dois primeiros, embora sem se inserirem nos modernos cânones arquitetónicos europeus e até lisboetas, acompanham a tendência citadina a que mais à frente nos reportaremos, o terceiro utiliza linhas de extrema simplicidade, a poderem considerar-se mais do que arcaizantes.

Edificio da Praça de República. Foto RA.jpg

Edifício na Praça da República. Foto RA

Edificio da Praça de República, pormenor. Foto R

Edifício na Praça da República, pormenor. Foto RA

Em dezembro de 1890 o engenheiro João Teófilo da Costa Góis, que já havia sido incumbido de continuar os estudos dos terrenos da quinta de Santa Cruz, tendo em vista a prossecução da venda de mais lotes, apresenta, na sessão da Câmara do dia 18, a planta de um novo arruamento que “parte de um dos ângulos da Praça D. Luís I e vai sair na estrada de Celas junto à quinta do sr. Francisco Maria de Quadros”. Trata-se da Lourenço de Almeida Azevedo que começou a ser aberta em maio de 1891 e pavimentada em 1904. A obra de calcetamento e de construção dos passeios da via foi adjudicada a Joaquim dos Santos Machado, da Abrunheira, pela quantia de 1.440$000 réis.

Fig. 13. Largo D. Luís (Praça da República) e R

Fig. 13 – Largo D. Luís (Praça da República) e Rua Lourenço de Almeida Azevedo. [Bilhete Postal].

Anteriormente, em 1889, já havia sido lançada a ‘subideira’ que ligava a zona de confluência das Ruas Oliveira Matos e Castro Matoso à ladeira do Castelo: são as mais tarde chamadas ‘Escadinhas do Liceu’, posteriormente aniquiladas pelas estadonovenses Escadas Monumentais.

Anacleto, R. Coimbra: alargamento do espaço urbano no cotovelo dos séculos XIX e XX. In: Belas-Artes: Revista Boletim da Academia Nacional de Belas ArtesLisboa 2013-2016. 3.ª série, n.ºs 32 a 34. Pg. 127-186. Acedido em https://academiabelasartes.pt/wp-content/uploads/2020/02/Revista-Boletim-n.%C2%BA-32-a-34.pdf

 

 

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por Rodrigues Costa às 11:00

Terça-feira, 23.02.21

Coimbra: Abastecimento de carne e sal (1641-1721) 2

Os contratos da carne eram assinados, por norma, entre março e julho … Isto sugere que os contratos eram assinados tendo particular preocupação com o abastecimento no inverno, período mais crítico, devido à diminuição de pastagens disponíveis. Os contratos lavrados no início do ano poderiam ter uma duração superior ao normal, para que desta forma todo o inverno ficasse abrangido.

…  As fontes fazem referência a três tipos de carne (vaca, carneiro e porco) sendo que esta última é referida em apenas três contratos de obrigação (1690, 1691 e 1719). Os contratos indicam que a província do Entre Douro e Minho era a principal fornecedora de carne de vaca (AHMC, Notas, L. 10, fl. 37 e Notas L.11, fl. 71). Na vereação de 25 de fevereiro de 1654, a câmara ordenou ao mester Francisco Pires a deslocar-se ao “Porto e Entre Douro e Minho” para encontrar marchantes para o fornecimento de carnes à cidade (Loureiro 1960: 251). No ano seguinte, uma provisão datada de 13 de janeiro de 1655 ordenou ao procurador Luís Álvares a deslocar-se “à cidade do Porto, Guimarães e Entre Douro e Minho e mais partes que necessarias forem” para encontrar obrigados das carnes locais para abastecerem a cidade, oferecendo-se a estes as mesmas regalias que se davam aos marchantes de Coimbra (AHMC, Notas, L. 10, fl. 95-95v).

O abastecimento de gado bovino vindo do Entre Douro e Minho não implicava que todos os arrematantes fossem dessa região. De facto, até 1667, todos os obrigados da carne de vaca (atuando individualmente ou em sociedade) eram de Coimbra. Entre 1667 e 1721, 57,14% dos contratos foram assinados por arrematadores dos arredores do Porto (um dos quais era de Penafiel), enquanto 30,95% eram de Coimbra. Esta inversão pode justificar-se com a maior facilidade no abastecimento, promovida pelo melhor posicionamento dos obrigados junto dos locais de criação de gado.

Os preços negociados nos contratos apresentam uma evolução diferente.

Sobre a proveniência da carne de carneiro temos menos informações.

Rebanho a atravessar o rio. 1897.jpg

Rebanho a atravessar o rio. 1897

A julgar pela residência dos arrematantes, o abastecimento seria realizado a partir dos arredores de Coimbra, em Penacova, Carvalho e Ançã, ou em locais mais afastados, como Aguiar da Beira (Guarda) e Jaca, Couto de Pedroso, termo do Porto.

Já os arrematantes da carne de porco eram todos de Coimbra, sendo provável que o abastecimento desta também se realizasse nas suas imediações. … Coimbra, pelo preço de 18 réis (AHMC, Notas, L. 10, fl. 60v).

Capela de S. Antoninho dos porcos.JPG

Capela de S. Antoninho dos porcos

 A venda de carne pela câmara foi um procedimento raro, ocasionado essencialmente pelas dificuldades no estabelecimento de um preço “justo”, ou seja, acessível para o povo. A vereação de 4 de dezembro de 1655 determinou que se registassem as contas de receita e despesa da aquisição de gado que a câmara realizou à sua custa. A única conta apresentada revelou um prejuízo de 94 170 réis, que foi liquidado com dinheiro emprestado do cofre do Real d’Água. (Loureiro 1960: 270-271).

A câmara disponibilizava dinheiro para se emprestar aos arrematantes, sem juros, para os ajudar na aquisição das carnes, oriundo geralmente do cofre do Real d’Água ou do donativo de D. Afonso de Castelo Branco.

Muitos contratos não fazem referência a estes valores, por omissão ou porque os obrigados rejeitavam o empréstimo (Oliveira 2016: 821). Os montantes para a carne de vaca oscilaram entre 200 000 e 500 000 réis, enquanto que para a carne de carneiro, variaram entre os 10 000 e 50 000 réis. Para a carne de porco, o valor foi sempre de 100 000 réis. O valor do empréstimo tinha de ser devolvido até ao final do contrato. Caso os arrematantes não conseguissem pagar, o fiador tinha de intervir, como ocorreu em 1648, quando Gabriel Rodrigues, fiador do marchante Domingos João, entregou 10 000 réis do valor do empréstimo que a câmara fizera ao arrematante (AHMC, Notas, L. 9, fl. 136v e Loureiro 1960: 172).

Barbosa, J.L.S. O abastecimento de carne e sal em Coimbra: os contratos de obrigação da Câmara Municipal (1641-1721). Acedido em https://impactum-journals.uc.pt/rhsc/article/view/1645-2259_19_6

 

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por Rodrigues Costa às 11:11

Quinta-feira, 18.02.21

Coimbra: Alargamento do espaço urbano no cotovelo dos séculos XIX e XX. 7

Avenida Sá da Bandeira (continuação)

Adquirida a velha cerca, apesar da premência de a urbanizar, a decisão foi sendo sucessivamente protelada, mas o engenheiro Adolfo Ferreira Loureiro acabou por ser encarregado de elaborar, sob a direção do presidente, um plano de benfeitorias (ou seja, de urbanização) da quinta; apresentou-o a 23 de julho de 1885.

Adolfo Ferreira Loureiro.jpgAdolfo Ferreira Loureiro.

 Na criteriosa opinião do diretor de O Conimbricense, Adolfo Loureiro, o “muito hábil e intelligente director das obras do Mondego” era a pessoa indicada “e decerto não haveria ninguém mais competente para satisfazer este encargo”.

Adolpho Ferreira de Loureiro embora recordado na cidade que, em 1836, o vira nascer pela toponímia, pois existe uma rua com o seu nome, pode considerar-se um quase desconhecido e isso apesar do trabalho vultuoso que desenvolveu ao longo da sua vida profissional, dos diversos e importantes cargos que ocupou e das honrarias que lhe foram concedidas.

… O projeto que Ferreira Loureiro elaborou para o alargamento do espaço urbano conimbricense ainda hoje, no contexto citadino, se mostra estruturante.

Fig. 11. Um dos projetos de urbanização do BairrFig. 11 – Um dos projetos de urbanização do Bairro de Santa Cruz. 1889. [AHMC. Repartição de obras municipais. Pasta 43. B-14].

Lourenço Almeida Azevedo ocupou a cadeira municipal durante quase doze anos, mas os seus mandatos, lúcidos e virados para o futuro, foram marcados por acesas polémicas; da proposta apresentada por Ferreira Loureiro ressalta a experiência do pragmático engenheiro, a par com os conhecimentos profundos das necessidades citadinas advindas da clarividência presidencial.

O facto de o nome de Adolfo Ferreira Loureiro não aparecer relacionado com o projeto da abertura da nova avenida a rasgar-se na quinta dos crúzios e do bairro adjacente talvez se fique a dever à morosidade da execução e ao facto de o engenheiro ter deixado Coimbra antes da sua concretização.

Na realidade, o projeto, só tardiamente se cumpriu, até porque a Sá da Bandeira, antes de virar avenida foi pensada como Rua, mas teve sempre por base o plano de Ferreira Loureiro, que “traçou a partir do mercado uma grande avenida de 50 metros de largo que termina à entrada do jogo de bola da quinta por uma grande praça. Da praça partem simetricamente duas avenidas para Celas e para Sant’Ana e outras duas em direcção aos arcos de S. Sebastião”.

Em 1889 inicia-se o loteamento do Vale da Ribela e em junho desse ano são postos em praça diversos espaços destinados à construção de moradias. Os proprietários que então adquirissem os terrenos obrigavam-se a cumprir determinadas obrigações e a iniciar a obra no espaço de um ano; estas regras, que se encontram explicitadas tanto nas atas camarárias, como nos periódicos da época, evidenciam a preocupação da edilidade pelo planeamento urbanístico e pelo arranjo da nova zona citadina.

Os trabalhos desenvolvem-se a bom ritmo e no mês de dezembro desse ano, antes do Natal, em comemoração do batizado do infante D. Manuel (futuro D. Manuel II), inauguram-se os arruamentos de Sá da Bandeira, de Alexandre Herculano, da Escola Industrial (Oliveira Matos), de Castro Matoso, de Tomar e de Almeida Garrett.

 

Rua de Tomar 01.jpgRua de Tomar

Rua Almeida Garrett.jpgRua Almeida Garrett

A cerimónia revestiu-se de solenidade: para além da presença das mais altas individualidades citadinas, tocou a banda do Regimento 23 e subiram ao ar numerosos foguetes. “À noite foram pela primeira vez acesos os candeeiros de gaz na Praça D. Luiz I [Praça da República], nas ruas Marquês de Sá da Bandeira e Alexandre Herculano”.

 Anacleto, R. Coimbra: alargamento do espaço urbano no cotovelo dos séculos XIX e XX. In: Belas-Artes: Revista Boletim da Academia  Nacional de Belas ArtesLisboa 2013-2016. 3.ª série, n.ºs 32 a 34. Pg. 127-186. Acedido em https://academiabelasartes.pt/wp-content/uploads/2020/02/Revista-Boletim-n.%C2%BA-32-a-34.pdf

 

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por Rodrigues Costa às 10:18

Terça-feira, 16.02.21

Coimbra: Personalidades. Amílcar Matias

Amílcar Duarte Matias nasceu em Casais do Campo, Coimbra, a 1 de Abril de 1931. Estudou na Escola Comercial e Industrial Avelar Brotero, em Coimbra. Desenhador publicitário e artista gráfico com extensa obra executada e complementada com atividade no domínio da pintura, cerâmica, ilustração e do cartaz.

Amilcar Matias a.jpg Amílcar Matias (Espólio fotográfico do Arq. J. Morais Sarmento) 

IMG_9565 c.jpg

Amílcar Matias, assinatura utilizada nos seus trabalhos

Expôs individualmente na Delegação de «O Primeiro de Janeiro», em Coimbra, em outubro de 1968.

Com o MAC - Movimento Artístico de Coimbra, participou em exposições coletivas na Casa da Cultura de Cantanhede (1986); no Edifício Chiado, Coimbra (1986).

Encontra-se representado no Museu Municipal Dr. Santos Rocha (Figueira da Foz) e em coleções particulares.

Faleceu em Coimbra a 25 de Abril de 2004, estando sepultado no cemitério da Igreja de S. Martinho do Bispo.

[A sua obra mais visivel são os] painéis de azulejos de arte contemporânea, integrados no muro da Escola Jaime Cortezão.

Formam um conjunto de catorze painéis sem cercadura, de composição figurativa, monocromática, em azul-cobalto sobre fundo branco.

AM vista geral.jpgAmílcar Matias. Painéis do muro da Escola Jaime Cortesão, vista geral

 Cada um dos painéis representa um monumento da cidade de Coimbra, sendo sequencialmente: Universidade, Igreja de Santa Cruz, Sé Velha, Arco de Almedina, Palácio Sobre Ribas, Mosteiro de Celas, Museu Machado de Castro, Convento de Santo António dos Olivais, Sé Nova, Jardim da Sereia, Aqueduto de São Sebastião, Igreja de Santiago, Mosteiro de Santa Clara-a-Velha e Torre do Anto.

AM arco da Almedina.jpgAmílcar Matias. Arco de Almedina

 

AM aqueduto.jpgAmílcar Matias. Aqueduto de São Sebastião

AM Universidade.jpgAmílcar Matias. Universidade

 Através das datas que constam nos painéis induz-se que tenham sido realizados entre 1983 e 1985, sendo executados com a colaboração da Fábrica da Viúva de Lamego.

Carlos Ferrão

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À biografia atrás traçada julgo oportuno juntar o seguinte testemunho.

A iniciativa da colocação dos painéis de azulejos e a escolha do seu autor foi da responsabilidade do então Presidente da Câmara Municipal, Dr. Mendes Silva, a quem Coimbra ainda deve a homenagem e o reconhecimento do muito que fez pela Cidade.

A obra foi realizada de acordo com um projeto do Arquiteto António José Monteiro, que previa o enquadramento dos painéis por uma cercadura em pedra. Para a elaboração da proposta teve a ajuda do já falecido António Firmino Batista, à data dono de uma empresa especializada em trabalhos de pedra.

Constata-se, pois, que a obra nunca foi concluída, não obstante os pedidos que ao longo dos anos, nomeadamente, enquanto vereador municipal, dirigi ao Município.

A Câmara Municipal de Coimbra financiou a execução dos painéis que Amílcar Matias desenhou e pintou durante cerca de dois anos, no edifício Chiado, onde, ao tempo, funcionava o Departamento de Cultura, Desporto e Turismo que eu, nessa data, tinha a honra de chefiar.

Jornadas spbre cerâmica.JPGJornadas sobre a Cerâmica em Coimbra. 1981. (Foto Imagoteca Municipal de Coimbra)

A participação da cerâmica Viúva Lamego, de Lisboa, limitou-se à venda dos azulejos prontos para serem pintados e à sua posterior cozedura.

Amílcar Matias nasceu e viveu nos Casais, freguesia de S. Martinho do Bispo, estando sepultado no cemitério daquela freguesia. Estamos perante um artista de mérito, cujo valor Coimbra ainda não reconheceu e até já esqueceu. A sua personalidade, bem marcada, passava por uma extrema modéstia que contrastava com o seu talento.

Para além das áreas artísticas referidas por Carlos Ferrão era ainda um caricaturista de mérito.

IMG_9560 b.jpgRodrigues Costa. Caricatura de Amílcar Matias (Coleção particular)

Rodrigues Costa

 

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por Rodrigues Costa às 11:16

Quinta-feira, 11.02.21

Coimbra: Alargamento do espaço urbano no cotovelo dos séculos XIX e XX. 6

Avenida Sá da Bandeira

 Ao findar do século XIX, tornava-se mais do que evidente a necessidade de ‘rebentar’ com as velhas ‘fronteiras’ da urbe e o problema da localização do crescimento urbano virou questão; foram várias as direções apontadas, mas aquela que se perfilava com maior credibilidade passava pela utilização da quinta da Ribela que ligava o mosteiro agostinho à mata de regalo dos monges.

Em dezembro de 1884, Joaquim Martins de Carvalho (1822-1898) escrevia em O Conimbricense que “só numa terra como esta é que teriam decorrido quarenta annos depois da extinção das ordens religiosas sem se fazer a acquisiçao de semelhante propriedade [cerca dos frades], vendo-se a lutar os cidadãos com a falta de terrenos para edificações. Coimbra precisa de se desenvolver mas acha-se apertada numa área que já não é suficiente para as tendências do actual progresso (...) muitas famílias para aqui querem vir residir e não acham habitações como lhes convém (...) queremos falar da grande quinta de Santa Cruz”.

É verdade que a edilidade, algum tempo depois da extinção das ordens religiosas, tivera a noção da importância de que se revestia para a cidade tanto a posse do mosteiro como da cerca fradesca, mas, apesar disso, em 1839, permitiu que a quinta dos crúzios fosse vendida ao desbarato a um particular, António Joaquim Coutinho, por cinco contos de réis.

Contudo, a partir dos inícios da década de oitenta de Oitocentos, a Câmara começou a pensar seriamente em adquirir os terrenos outrora pertencentes aos frades e, para fazer face a essa despesa pediu autorização, em 1882, para contrair um empréstimo no valor de vinte contos de réis. Ambicionava abrir aí vários arruamentos, construir um passeio público e um matadouro.

 

Rua de Entre Muros.jpgRua de Entremuros

 … O processo arrasta-se e na sessão de 06 de fevereiro de 1884 a Câmara requereu, por utilidade pública e urgente, a expropriação da Quinta de Santa Cruz, que, como se podia observar na planta que acompanhava a petição (infelizmente desaparecida) se estendia desde o mercado D. Pedro V, na zona da Fonte Nova, pelo lado do norte, até Montes Claros “tocando quasi à entrada do logar de Cellas suburbios de Coimbra” e vindo “pelo nascente e sul nas proximidades desde Sant’Anna até à rua d’entre muros onde é a sua principal entrada”.

A antiga cerca encontrava-se hipotecada e o credor era, justamente, a entidade que financiou o empréstimo, por isso, a Câmara, no dia em que teve conhecimento de que lhe havia sido concedido o crédito, automaticamente, ficou a saber que a propriedade lhe pertencia.

Fig. 10. Quinta de Santa Cruz, Montarroio, Mata doFig. 10 – Quinta de Santa Cruz, Montarroio, Mata dos Jesuítas e Vale da Ribela. [BMC.I, BMC_A019].

 Este assunto acabou por se resolver na vigência de um dos mandatos de Lourenço de Almeida Azevedo, homem inteligente, empreendedor e progressista, além de médico distinto.

Lourenço Almeida Azevedo.jpg

Lourenço de Almeida Azevedo. In: Occidente, 14.º ano, volume XIV, pg. 1.  Acedido em: http://hemerotecadigital.cm-lisboa.pt/OBRAS/Ocidente/1891/N455/N455_item1/index.html

A edilidade mandou “levantar” uma planta da quinta, fundamentando a sua decisão na necessidade de alargar o mercado; de construir ali o novo matadouro; de completar a via que, a partir de Coimbra, entronca com a estrada real n.º 48; de aproveitar as águas da Torrente dos Banhos Reais para o abastecimento da cidade; de transformar em jardim público e utilizar como jardim-de-infância uma parte da quinta; de utilizar o espaço para nele se realizarem as feiras de Santa Clara e de São Bartolomeu; e, finalmente, de construir uma boa via de acesso para o bairro alto “que por ali é fácil e por outro lado impossível”.

Anacleto, R. Coimbra: alargamento do espaço urbano no cotovelo dos séculos XIX e XX. In: Belas-Artes: Revista Boletim da Academia Nacional de Belas ArtesLisboa 2013-2016. 3.ª série, n.ºs 32 a 34. Pg. 127-186. Acedido em https://academiabelasartes.pt/wp-content/uploads/2020/02/Revista-Boletim-n.%C2%BA-32-a-34.pdf

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por Rodrigues Costa às 11:09

Terça-feira, 09.02.21

Coimbra: Abastecimento de carne e sal (1641-1721) 1

Nos finais de 1640 Portugal revolta-se contra Espanha e inicia-se o mais longo conflito militar da História de Portugal, terminando em 1668. O início da Guerra da Restauração não melhorou a situação económica e financeira do reino, levando até a um aumento da carga fiscal, conforme o demonstra o imposto da décima, que incidia sobre salários, lucros, rendas e juros, e abrangia grupos sociais tradicionalmente isentos, como a nobreza e o clero.

… O recrutamento para o exército retirou força de trabalho aos campos, o que afetou as receitas de tributação do trabalho agrícola. As colheitas tornaram-se mais irregulares, o que se refletiu nos preços dos cereais, e o clima de incertezas prejudicou muito o mercado de contratação das rendas.

A partir da década de 70 e 80 surgem sinais fortes de recuperação no setor produtivo, acompanhando o aumento das rendas dos senhorios. Em Portugal, as câmaras municipais, enquanto instituições de poder local, tinham responsabilidades no que tocava ao abastecimento de produtos essenciais à vida das comunidades e na regulamentação das atividades económicas.

Uma das principais preocupações passava por garantir o abastecimento dos produtos que escasseavam no concelho, ao mesmo tempo que se impedia a saída dos frutos da terra. Estes constrangimentos eram colocados aos vendedores e produtores, ficando estes proibidos de vender os seus artigos para fora do termo, ou a pessoas de fora deste. Para tal, a ação dos almotacés era vital, enquanto agentes de fiscalização ao serviço da câmara.

Rebanho de cabras a entrar na Cidade, pelo arco pr

Rebanho de cabras a entrar na Cidade, pelo arco principal do Aqueduto

Cais do Cerieiro, ponto de entrada.jpgCais do Cerieiro, ponto de entrada de muitos produtos em Coimbra

… O método usado pela Câmara Municipal de Coimbra para garantir o abastecimento de carne (para os açougues da cidade) e sal para a cidade consistiu na assinatura de contratos de obrigação de venda desses produtos.

… O processo de arrematação iniciava-se com o lançamento do pregão pelo porteiro do bordão pelas ruas da cidade. Como se tratava de contratos de abastecimento de alimentos, o lanço vencedor era aquele que apresentasse o preço mais baixo. Após o lançamento de todas as ofertas, o pregão era finalizado na data limite:

“(…) foi dito em voz alta e intelegivel no meio de pessoas se havia quem quizesse obrigar as carnes dos açougues (…) que menos não achava se menos achava menos tomava a quem deu uma e duas e duas e meia e por não achar quem por menos de vinte e dous reis quisesse dar a dita carne (...) lhe deu os três e lha arrematou no sobredito preço e lhe entregou o ramo verde que na mão trazia (…)” (AHMC, Arrematações e arrendamentos, L. 1, fl. 3).

… Com o término do pregão, o arrematante necessitava de assinar o contrato de obrigação e fiança. O local mais usado para a assinatura era a “moradia” ou “pousadas” do escrivão da câmara (AHMC, Notas, L. 9, fl. 63v). O arrematante deslocava-se a casa daquele, declarando, na presença de testemunhas, que havia arrematado um contrato e as condições do mesmo (AHMC, Notas, L. 12, fl. 182v). A partir da década de 90 do séc. XVII os contratos passam a ser assinados nas Casas da Câmara. As obrigações presentes nos livros de Arrematação e Arrendamentos já referem este local em praticamente todos os contratos. Outros lugares foram usados esporadicamente, nomeadamente a Rua da Calçada (AHMC, Notas, L. 9, fl. 25v) e o Hospital Real (AHMC, Arrematações e arrendamentos, L. 1, fl. 13v).

… Os contratadores das carnes deveriam dar, em todos os sábados, um lombo para o corregedor, para o provedor, para cada um dos oficiais da câmara e outro para dividir pelos dois mesteres da mesa12 (AHMC, Notas, L. 9, fls. 21v, 115v). Estavam proibidos de vender outros tipos de carne para além da que lhes havia sido obrigada, como demonstra a proibição de venda de carne de cabra feita ao marchante Manuel Simões, em 1641 (AHMC, Notas, L. 9, fls. 21v) e deviam manter os açougues sempre limpos de “imundices” (AHMC, Notas, L. 10, fl. 60v). A obrigação da carne de carneiro de 1656 permitiu ao marchante vender carne de capado, além de poder pastar os animais nos olivais da cidade, livre de condenações (AHMC, Notas, L. 10, fl. 124).

Barbosa, J.L. S. O abastecimento de carne e sal em Coimbra: os contratos de obrigação da Câmara Municipal (1641-1721). Acedido em https://impactum-journals.uc.pt/rhsc/article/view/1645-2259_19_6

 

 

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por Rodrigues Costa às 11:18

Quinta-feira, 04.02.21

Coimbra: Alargamento do espaço urbano no cotovelo dos séculos XIX e XX. 5

Dos mercados ao Mercado D. Pedro V

 Em Coimbra, os mercados e as feiras foram regulamentados, ao longo dos tempos, por cartas régias, mas os locais onde se processava a troca de produtos permaneceu inalterável até à segunda metade do século XIX.

Durante o período medieval e até a Oitocentos, a permuta de bens estendeu-se, na cidade, por vários locais. Um deles, o Forum Régio, situava-se entre a Torre da Rolaçom e a Sé, ou seja, mais ou menos na zona do atual Quebra-Costas e organizava-se em dois espaços: o “das tendas de baixo” (mais próximo do início do Quebra-Costas) e o “das tendas de cima” (mais chegado à Sé). Um outro local de troca de produtos ocupava, lá no cimo da colina, o terreiro do Paço Real. A partir de 1537, no Largo da Feira, frente à Sé Nova, após a transferência da Universidade para Coimbra, começou a realizar-se, às terças-feiras, um mercado semanal destinado, essencialmente, à comunidade estudantil.

Largo da Feira dos Estudantes. [Passado ao Espelho

Largo da Feira dos Estudantes. [Passado ao Espelho, p. 58]

Contudo a Praça de S. Bartolomeu (também conhecida por Praça do Comércio ou Praça Velha) pode considerar-se o local onde tradicionalmente acontecia o principal mercado, mas com o andar dos anos e com o aumento da população o espaço vai-se tornando cada vez mais exíguo e alguns produtos, sobretudo aves e grãos, passaram a ser comercializados em frente à igreja de Santa Cruz, no Terreiro de Sansão.

Fig. 07. Praça do Comércio. [AHMC. Repartição

Fig. 07 – Praça do Comércio. [AHMC. Repartição de obras municipais. Luiz Antonio Nogueira. 1878. Pasta 49. B-14].

Os espaços atrás referidos, mesmo se se tiver em conta as contínuas disposições camarárias que especificavam o local exato da venda de cada produto, nem sempre eram acatadas de bom grado pelos vendedores (vendedoras em maior número) que se iam amontoando a esmo, de modo um tanto ou quanto caótico.

A ideia de reunir todas as transações num único local, começa a ganhar consistência e a necessidade de construir um mercado assume-se consensual. A partir de 1852 assiste-se à tentativa de concentrar, não sem oposição, os vários pontos de venda na horta do extinto mosteiro de Santa Cruz. Contudo, as opiniões dividiam-se quanto à localização do mercado e se uns apontavam para aquele local, outros inclinavam-se para a zona da Sota, na velha ‘baixa’ coimbrã.

Neste contexto, a 09 junho de 1858, Hardy Hislop, de nacionalidade inglesa, apresenta à Câmara um projeto para a construção de um mercado público cujos custos, na Sota, rondavam pelos 100 contos de réis e na Horta crúzia pelos 70.000$000 réis.

A escolha da zona onde o mercado se devia instalar, sob forte contestação, acabou por recair na horta de Santa Cruz, até porque esta, em virtude de ser propriedade da edilidade, tornava o cometimento mais acessível, contrariamente ao que aconteceria na Sota, onde, devido às cheias do Mondego, era necessário altear o local e proceder a expropriações.

Mas a debilidade das finanças municipais não consentiu a viabilização do empreendimento; por isso, mais tarde, a Câmara e o Conselho Municipal aprovaram, a 12 de março de 1866, um empréstimo de 13.000$000 réis tendente a fazer face à concretização da nova estrutura que teve por base o mais do que modesto projeto elaborado pelo engenheiro Everard, um provável técnico ferroviário britânico.

Fig. 08. Mercado D. Pedro V em 1907. [Passado ao E

Fig. 08 – Mercado D. Pedro V em 1907. [Passado ao Espelho, p. 66].

A vereação, depois de “fazer festejos e convites”, decidiu marcar para o dia 17 de novembro de 1867 a inauguração do novo mercado, batizado com o nome de D. Pedro V; o imóvel foi-se tornando obsoleto e O Despertar, na sua edição de 17 de novembro de 1917, escrevia: “Também faz hoje 50 anos (já meio século!) que foi inaugurado o mercado D. Pedro V. Está a pedir museu das raridades”.

Radicara-se na cidade, entretanto, o arquiteto Augusto de Carvalho da Silva Pinto e a Câmara, em 1902, encarrega-o de riscar, a fim de “completar” o mercado existente, o projeto de um pavilhão destinado à venda de peixe.

Após serem ultrapassadas algumas barreiras, o edifício foi inaugurado em 08 de março de 1908. Esta estrutura que assentava prioritariamente no ferro e no vidro, se se pensar no contexto português e, sobretudo, no conimbricense, desenvolveu-se no âmbito de uma linguagem eivada de modernidade, embora, cronologicamente, face à Europa e à América, se apresentasse como tardia. Mas de nada lhe valeu inserir-se nas “modernas” tecnologias arquitetónicas, porque não deixou de ser depreciativamente apelidada de “aquário” por um dos jornais citadinos, quando, em 1921, o arquiteto emitiu uma opinião desfavorável acerca da transformação da igreja de S. João em “Café de Santa Cruz”.

Fig. 09. Projeto para um mercado municipal. Arquit

Fig. 09 – Projeto para um mercado municipal. Arquiteto Silva Pinto. 1908. [AHMC. Repartição de obras municipais. Pasta 36. B-50].

Contudo, a edilidade, cônscia que estava da necessidade de dotar a cidade com um mercado condigno, encarregou o mesmo arquiteto, cerca de 1908, de riscar esse imóvel, que, apesar de aprovado, jamais saiu do papel (neste caso, do marion) e foi pena, pois, a ser edificado “constituiria hoje, sem dúvida, um dos mais curiosos exemplares da chamada arquitectura do ferro, tão representativa de uma época”.

Anacleto, R. Coimbra: alargamento do espaço urbano no cotovelo dos séculos XIX e XX. In: Belas-Artes: Revista Boletim da Academia  Nacional de Belas ArtesLisboa 2013-2016. 3.ª série, n.ºs 32 a 34. Pg. 127-186. Acedido em https://academiabelasartes.pt/wp-content/uploads/2020/02/Revista-Boletim-n.%C2%BA-32-a-34.pdf

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por Rodrigues Costa às 11:25

Terça-feira, 02.02.21

Coimbra: Finanças da Câmara entre 1762-1820 2

. Medidas de pau e barro e aferidor das medidas, pg. 122

No Tombo de 1768 encontra-se o registo do dito: “Tem mais a dita camara a posse de poder dar e nomear em quem lhe parecer a propriedade do oficio de afillador das medidas de pao e barro”. Indica também que o foro se situava na Rua da Moeda, na freguesia de S. João de Stª. Cruz e pagava, pelo S. Miguel, 2 000 réis.

. Lojas de Almedina e da Praça, pg. 122

As rendas das lojas de Almedina e da Praça são dois casos de exceção por se tratar de alugueres de espaços. O património urbano, em que se incluem as lojas, era, regra geral, aforado pela Câmara. No livro dos foros de 1767-1771 consta o registo das duas lojas, no valor de 2 000 réis cada, contudo, os dois espaços eram frequentemente arrematados.

. Almotaçaria, pg. 123-124

Na Época Moderna, a almotaçaria consistia num conjunto de direitos administrativos das cidades que visava a fiscalização dos mercados urbanos, das condições sanitárias e da construção urbana. No séc. XVII, a renda da almotaçaria de Coimbra consistia, essencialmente, em coimas que derivavam das transgressões às posturas sobre o comércio. Observando os livros de denúncias e condenações da almotaçaria dos inícios do séc. xix, constatamos que estas incidiam, fundamentalmente, sobre os seguintes aspetos: não ter licença de venda; falta de limpeza das medidas; não ter as medidas aferidas/almotaçadas; e não se ter apresentado na correição.

Condenações, pg. 128

As condenações, ou coimas, consistiam num rendimento oriundo da punição às transgressões das posturas municipais nas mais diversas áreas.

Licenças e conhecenças, pg. 132

No âmbito das suas competências, os municípios deveriam regular o comércio local, bem como a transformação de produtos. A Câmara de Coimbra cobrava licenças, designadas nas fontes por “terrádegos” ou “terrados”, que correspondiam aos pagamentos realizados pelas “vendeiras da praça”, para praticarem o seu negócio.

Praça de Sanção. 1875 Vendedeiras em Sansão.jp

Vendedeiras em Sansão

 

Feira das cebolas 1029c.jpg

Mercado das cebolas, 1920 c.

Juradias, pg. 134

As juradias eram circunscrições territoriais que compunham o termo de Coimbra, podendo possuir cada uma delas vários lugares para além da sua sede. Por outro lado, a palavra era utilizada para designar as contribuições de “direito antiguíssimo” que os concelhos do termo pagavam à Câmara de Coimbra sempre que os seus juízes cessantes vinham entregar as pautas de eleição.

 

Foros e laudémios, pg. 136

Nesta categoria incluímos os direitos enfitêuticos devidos à Câmara pelos detentores do domínio útil de bens concelhios. Os primeiros englobam o património rústico e urbano aforado pela Câmara, normalmente em regime de vidas. Os registos de foros de 1767-1771 e de 1807 declaram, sensivelmente, o mesmo número de propriedades (cerca de 220 casas, lojas, quintas e outros terrenos). Os laudémios, conforme referido anteriormente, correspondem aos direitos que a Câmara tinha a receber sempre que um foreiro vendia o seu domínio útil.

 

Barbosa, J.L.S. As finanças da Câmara Municipal de Coimbra nos finais do Antigo Regime (1762-1820) [I]: as receitas. In: Revista Portuguesa de História – t. LI (2020), p. 107-149.

 

Tags: Coimbra séc. XVIII, Coimbra séc. XIX, Finanças Municipais. Receitas Municipais, Medidas de pau e barro, Aferidor das medidas, Lojas de Almedina e da Praça, Almotaçaria, Condenações, Licenças e conhecenças, Juradias, Foros e laudémios

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por Rodrigues Costa às 11:15


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