Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]

A' Cerca de Coimbra



Quinta-feira, 28.01.21

Coimbra: Alargamento do espaço urbano no cotovelo dos séculos XIX e XX. 4

O complexo crúzio no contexto citadino (continuação)

 

As repartições públicas ali acomodadas deviam manter-se e a edilidade poderia gerir aqueles espaços como lhe aprouvesse.

Complexo crúzio.jpg

Complexo crúzio

 Contudo, o referido documento impunha à Câmara a obrigatoriedade de abrir duas vias de comunicação com o Bairro Alto, uma que conduzisse ao caminho da Fonte Nova e outra ao de Montarroio. Coloco a hipótese, fundamentada numa outra documentação não muito explícita, de este último caminho vir a ligar a Rua de Montarroio com a zona de Celas, desenvolvendo-se na periferia poente-sul da cerca (ou quinta, se se preferir) crúzia.

A autarquia ficou na posse de um vasto espólio que lhe permitia ceder assento a todas as instituições que se julgassem com direito a essa benesse, mas viu-se confrontada com a necessidade de manter e conservar edifícios antigos e degradados que tinham passado a integrar o seu património.

Nas estruturas foram-se acomodando ou confirmaram a sua instalação diversos serviços públicos: cadeia, esquadra da polícia, roda dos expostos, hospício dos abandonados, creche, maternidade, Instituto Industrial e Comercial de Coimbra,

A edilidade, depois de haver alojado os serviços administrativos e de utilidade pública, ainda alugou espaços monacais para tudo quanto se possa imaginar: bairro de gente modesta, celeiro, matadouro e até cedeu a ‘Porta Fidalga’ para nela se abrir um talho.

A construção de uma praça de touros no terreiro fronteiro ao local onde esteve instalada a esquadra da polícia, dependência então conhecida pelo nome de “Casa Vermelha”, “Casa dos Meninos de Palhavã” ou “Casa dos Moços Fidalgos”, não se concretizou e parte do edifício, após a transferência dos presos da cadeia situada no Largo da Portagem, passou a funcionar como prisão da cidade.

Dando cumprimento às exigências estatais constantes da carta de lei de 30 de julho de 1839 que impunha à Câmara a obrigatoriedade de abrir duas ruas que comunicassem com a zona alta, em 1860, quando D. Pedro V visitou a cidade, a rua que ligava a Praça de Sansão à Fonte Nova, a Olímpio Nicolau Rui Fernandes, já havia sido aberta, rompendo a unidade do conjunto outrora pertencente aos frades agostinhos.

A Rua Olímpio Nicolau Rui Fernandes, já havia si

A Rua Olímpio Nicolau Rui Fernandes, já havia sido aberta.

Trata-se da primeira intervenção estrutural levada a cabo no complexo crúzio, dividindo-o em dois lotes completamente autónomos.

Alterações estruturais do complexo crúzio.jpg

Alterações estruturais do Complexo Crúzio

 A fim de satisfazer a segunda exigência, em 1890 a edilidade resolveu que se estudasse “a rua que há-de comunicar desde a cidade baixa com Celas” e encarregou o projeto a Estêvão Parada, condutor de Obras Públicas. Comentando este empreendimento, um jornal local referia: “vamos ver se serão atendidos os interesses públicos ou se lhes prefere os interesses particulares”.

Por quantas vicissitudes passou o septacentenário complexo fradesco!

Não pode deixar de se acentuar que a edilidade, ao modificar, arrasar, substituir, alterar as estruturas monacais e ao transformar a quinta anexa, destruiu, no bom e no mau sentido, possivelmente mais neste do que naquele, o património existente e transfigurou mesmo a fisionomia da urbe.

A 18 de março de 1875, a Câmara pede licença ao rei para demolir uma parte do mosteiro crúzio, a fim de aí construir os novos Paços do Concelho e, a 22 de junho de 1876, sob a presidência de Lourenço de Almeida Azevedo (1833-1891), votou, por entre o ruído feito por uma parte da imprensa local que vivamente se insurgiu contra este e outros atos da administração municipal, a primeira verba para custear a demolição parcial do mosteiro, justamente a zona em que se deviam erguer os novos paços municipais. A casa da Câmara, inaugurada a 13 de agosto de 1879, ostenta, a coroar a fachada principal, as armas da cidade que, certamente devido à pouca confiança depositada pela vereação nos canteiros da cidade e na recém-iniciada formação destes na Escola Livre das Artes do Desenho, fundada no ano anterior, foram encomendadas a Joaquim Castelo, artista lisboeta com oficina na Rua do Arsenal. Mas, mal as colocaram, logo o diretor de O Conimbricense, notando o erro existente no escudo, afirma que elas serão para os vindouros “o padrão do desleixo, incúria e ignorância” da vereação citadina de 1879.

Fig. 06. O edifício da Câmara Municipal integra

Fig. 06 – O edifício da Câmara Municipal integra o complexo dos frades crúzios. [Bilhete Postal].

Diversos incêndios também se encarregaram de desfigurar o complexo monacal dos crúzios, neste caso as alas claustrais da Manga; em 1917 a zona onde se encontravam instaladas as oficinas da Escola Industrial Brotero e, em 1926, a parte do nascente, ocupada pelos serviços dos correios.

Anacleto, R. Coimbra: alargamento do espaço urbano no cotovelo dos séculos XIX e XX. In: Belas-Artes: Revista Boletim da Academia  Nacional de Belas Artes.

Lisboa 2013-2016. 3.ª série, n.ºs 32 a 34. Pg. 127-186. Acedido em https://academiabelasartes.pt/wp-content/uploads/2020/02/Revista-Boletim-n.%C2%BA-32-a-34.pdf

Autoria e outros dados (tags, etc)

por Rodrigues Costa às 11:49

Terça-feira, 26.01.21

Coimbra: Finanças da Câmara entre 1762-1820 1

José Luís dos Santos Barbosa, Doutorando em História Moderna na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra publicou na Revista Portuguesa de História um artigo sobre as receitas do município coimbrão, no período compreendido entre 1762 e 1820.

Trata-se de um estudo aprofundando, denso e rigoroso do tema tratado cuja leitura nem sempre é fácil. No entanto, são ali feitas referências esclarecedoras sobre o funcionamento da Câmara no final do Antigo Regime, quando o Rei estava dotado de poder absoluto.

Assim, optamos por respigar alguns parágrafos que julgamos de maior interesse e mais reveladores da vivência estudada.

- Página 108

Coimbra, uma das maiores e mais importantes cidades portuguesas no séc. XVIII e inícios do XIX, sede de provedoria e comarca e detentora de um alargado termo, com mais de 100 juradias (em 1754), com uma população que rondava os 15 000 habitantes, na viragem do século.

AHMC. Novo Regimento para o Concelho. 1740, fl. 1.

AHMC. Município de Coimbra. 1740. Novo Regimento para os Concelhos do Termo da Cidade de Coimbra. Coimbra, Oficina de Antonio Simoens Ferreyra

- Página 115

Composição da receita da Câmara Municipal de Coimbra, 1762-1820

Composição da receita da Câmara Municipal de Co

Fonte: AHMC, Livros de Receita e Despesa, 1762-1820.

As rendas eram receitas que as câmaras arrecadavam de forma indireta, por intermédio de rendeiros [contratadores das rendas]. Para o efeito, celebrava-se um contrato de arrendamento do qual se ajustava o montante e a forma de pagamento, a duração, as fianças e as cláusulas adicionais (conhecidas por ordinárias). O conceito de rendas integrava rendimentos de grande variedade e complexidade: podiam ter origem em condenações (decorrentes de transgressões às posturas municipais), tributos sobre o comércio e consumo, foros e alugueres de imóveis.

- Página 116

De acordo com os livros de receita, deram entrada, no período em análise, as seguintes rendas: guarda do campo, balanças e repeso, medidagem de Condeixa, aferidor das medidas e medidas de pau e barro, lojas de Almedina e Praça e almotaçaria.

Torre de Almedina. Casa da Câmara durante séculoTorre de Almedina. Casa da Câmara durante séculos. Acedido em www.cm-coimbra.pt

. Páginas 116-117

Guarda do campo

Nos sécs. XVI e XVII, esta renda consistia na cobrança de coimas provenientes de transgressões ao estabelecido nas posturas municipais sobre pastagens e no pagamento de uma medida de pão aos guardadores, por parte dos lavradores e seareiros do termo de Coimbra, pelo trabalho da vigia dos campos. Os guardadores eram nomeados aos pares, um pelos lavradores e outro pela Câmara, devendo assentar mensalmente as transgressões e entregar o dinheiro das coimas.

Pg. 119

Balanças e repeso

No desempenho da sua função de regulação económica, competia às câmaras proceder à aferição de pesos e medidas. Em Coimbra, esta fiscalização era realizada pelas rendas das balanças e do repeso. Apesar de representarem uma categoria única, nem sempre estiveram juntas. Sérgio Soares indica que a renda do repeso se trata da evolução do “ver do peso”, mas algumas fontes dos finais do século referem-na como “repeso do peixe”, estando presente nas fontes desde 1762, enquanto a renda das balanças surge apenas em 1797.

Pg. 120-121

Medidagem de Condeixa

Consistia numa “imposição” que incidia sobre os carros e bestas que se deslocavam para os mercados que se realizavam nessa localidade. A renda era destinada às Câmaras Municipais de Condeixa e Coimbra, entidades que tinham a seu cargo a manutenção das estradas por onde os mercadores circulavam e, por essa razão, o valor da arrematação era dividido pelos dois municípios.

Barbosa, J.L.S. As finanças da Câmara Municipal de Coimbra nos finais do Antigo Regime (1762-1820) [I]: as receitas. In: Revista Portuguesa de História – t. LI (2020), p. 107-149.

Autoria e outros dados (tags, etc)

por Rodrigues Costa às 11:26

Quinta-feira, 21.01.21

Coimbra: Alargamento do espaço urbano no cotovelo dos séculos XIX e XX. 3

O complexo crúzio no contexto citadino

O Decreto redigido por Joaquim António de Aguiar e publicado a 30 de maio de 1834 declarava extintos todos os conventos, mosteiros, colégios, hospícios, e quaisquer outras casas das ordens religiosas regulares, sendo os seus bens secularizados e incorporados na Fazenda Nacional, com exceção dos templos e das alfaias litúrgicas.

Largo da Portagem, monumento a Joaquim António de

Largo da Portagem, monumento a Joaquim António de Aguiar

 Na sequência desta medida, e através de um processo nem sempre muito linear, verificaram-se alterações e modificações vultuosas em torno do património fradesco, agora na posse estatal e que, no futuro, veio a passar pela transferência para as mãos de particulares ou para a pertença de instituições públicas. No que se refere a edifícios, estas últimas utilizaram-nos a seu bel-prazer, quer para alojar os serviços que se encontravam na sua dependência, quer para fins sociais ou utilitários. Acontece ainda que a fisionomia de cercas e de património construído acaba, muitas vezes, por ser alterado através da feitura de transformações e de projetos urbanísticos, por vezes, mais do que duvidosos.

Em Coimbra, no âmbito do presente trabalho e face à desamortização referida, vamos cingir-nos ao mosteiro de Santa Cruz e à quinta anexa.

A autarquia mondeguina, na reunião de 13 de maio de 1835, determinou, em cumprimento de uma ordem emanada pelo Ministério do Reino, que fosse organizada uma listagem com o nome dos conventos desamortizados existentes na cidade, bem como a descrição dos seus bens. O rol teria de especificar quais os imóveis que a edilidade pretendia, a fim de neles acomodar misericórdias, hospitais e outros estabelecimentos de utilidade pública.

Na reunião do dia 16, um dos vereadores recordava o pedido que havia sido anteriormente endereçado pela edilidade à Câmara dos Deputados, solicitando não só a cedência do pátio do Mosteiro de Santa Cruz e das lojas que o rodeavam, para que ali passasse a funcionar o mercado público, como ainda todo o restante edifício, destinado a alojar as repartições judiciais, administrativas, da fazenda, da administração do correio e similares.

Praça 8 de Maio. Antiga fachada de Sta. Cruz.jpg

Praça 8 de Maio. Antiga fachada de Sta. Cruz

 A Câmara viu a sua pretensão satisfeita e, em 15 de dezembro de 1836, tomou posse dos edifícios dos extintos mosteiro de Santa Cruz e colégio da Graça, embora no documento se encontrassem exaradas cláusulas que obrigavam a estabelecer um quartel militar neste último e a instalar as repartições públicas no primeiro.

Entretanto, os serviços já alojados nos agora edifícios camarários começavam a considerar o espaço como seu, obrigando a que fossem clarificadas com rigor “as fronteiras do que fora dado à Câmara”.

A carta de lei de 30 de julho de 1839 esclarecia que lhe tinham sido concedidos os edifícios do extinto mosteiro de Santa Cruz, com exclusão da igreja e suas dependências, o pequeno laranjal, a horta e a encosta que ficam contíguas aos mencionados edifícios e terminavam na estrada pública situada na zona da Fonte Nova.

Fig. 05. Zona do mosteiro de Sta. Cruz. [AHMC. Arm

Fig. 05 – Zona do mosteiro de Sta. Cruz. [AHMC. Armário 3. Gaveta 12. Pormenor da planta da cidade de Coimbra riscada em 1834 por Isidoro Emílio Baptista].

 Anacleto, R. Coimbra: alargamento do espaço urbano no cotovelo dos séculos XIX e XX. In: Belas-Artes: Revista Boletim da Academia  Nacional de Belas Artes.

Lisboa 2013-2016. 3.ª série, n.ºs 32 a 34. Pg. 127-186. Acedido em https://academiabelasartes.pt/wp-content/uploads/2020/02/Revista-Boletim-n.%C2%BA-32-a-34.pdf

 

Autoria e outros dados (tags, etc)

por Rodrigues Costa às 10:58

Terça-feira, 19.01.21

Coimbra: Abastecimento de água à Cidade, nos finais do século XVIII 2

E passando a fazer exzame nos tanques dos chafarizes publicas se achou que o da Feira se acha totalmente imundo e aruinado sujeito a varias despejos, alias inmundos, e por isso as agoas podres e inpestadas de modo que as vertentes, quando sucede havellos para nada servem, e para nada prestão e no tempo do Bram e maior estyo nem essas podres vertentes as ha, para os servisos de amasar cal e munto menos para acudir a hum incindio, que de ordinario esta acontecendo; acentandoce que seria o milhar acerto saltem (sic) para evitar as podridoens o transportar e o inutil e antigo tanque chafarix para o meio do largo do Terreiro da Feira e o tanque do largo do chafarix da Sé Velha, pela rezão de roto desbaratada e munto pequeno se lhe devia dar huma nova forma mais anela e mais larga ficando assim capas das vertentes da sua bica poder acodir não so a mina de qualquer incendio, mas tambem a necessidade que cada hum do povo tiver das suas vertentes.

Fonte do Largo da Feira, ou dos Bicos.jpg

Fonte do Largo da Feira, ou dos Bicos

Chafarix da Sé Velha. 1862.jpg

Chafarix da Sé Velha

Fonte no Colégio dos Jesuítas, hoje Largo Marqu

Fonte no Colégio dos Jesuítas, hoje Largo Marquês de Pombal

 Os da Calssada e Prasa se podem conservar no estado em que se achão, porem inuteis ao povo, por que nenhuma agoa tem nem lancao nem ha nas maens de agoa pera a elles se lhes conduzir.

Fonte da Praça do Comércio.jpg

Fonte da Praça Velha, hoje do Comércio

E passando finalmente [fl. 135] ao descubrimento das novas agoas que são precizas de nececidade ao povo de Coimbra, pois que so assim se poderião evitar as sobreditas desordens e motins a que asestio o sobredito vedor declarou este:

 

Mapa das fontes. Livro II da Correa.JPG

Mapa das fontes e nascentes. In: AHMC. Livro da Correia, n° 2,1273-1754

 Que o monte que fica entre as duas estradas que correm do Sul para o norte, a saber, a que principia no Convento das Recolhidas de Santa Thereza e vai terminar ao Convento de Santo Antonio dos Olivais e a outra mais inferior que principia no Colegio da Ordem de Christo e vai terminar ao lugar de Sellas no cumprimento da qual exzistem os sobreditos nascentes e maens de agoa defechados dice, em suma, que este monte asim confrontado corria por de baixo delle hum ryo de agoa e que principiando o primeira sargento per sima da area, ou fonte chamada a de El Rey, com alguns passos mais asima da maen de agoa que descubrio a universidade, pora as suas ofecinas, levando a sobredita sorgenta pelo olival desta inferior estrada athe a caza terrea de hum cazal chamado o de Maria Madalena, atravesando o dito Monte do poente para o nascente chegando com a sobredita sorgenta, ou mina, couza de vinte palmos aredados da sobredita caza, terrea ficando esta ao lado esquerdo, se descubriria huma telha de agoa e aproximandoce a caza terrea se descobrirão duas telhas mais, e continuando a mesma mina, ou sorgenta, pelo olival daquella inferior estrada athe chegar ao cume do dito monte e estrada suprior do Convento de Santo Antonio para o de Santa Thereza, que serão mil e quinhentos palmos de comprido se descobrira tanta abundancia de agoa que, com facilidade, poderão andar azenhas e moer moinhos, porem [fl. 135v] porem que neste ambito se encontrarião algumas penhas bastantemente duras e escabrozas as quaes senão levadas a ferro e não a fogo, por que no fim dellas se sangrarião a quantidade de agoas que asima tem declarado e expressado.

E conceguindoce este fim se declarou mais que seria util e comum não so aos moradores da cidade, mas a todos os pasageiros, que por elle costumão tranzitar, ou fazerce, ou reidificarce de novo, hum chafarix no largo do Tereiro da Prasa onde se vendem os viveres para cidade, ficando em frente a rua publica de Santa Sufia do Real Mosteiro de Santa Crus e Tribunal de Santo Officio da mesma cidade, ja pela utilidade que rezulta aos individuos da cidade Baixa, que não bebem do Mondego, ja pela dos pasageiros, ja finalmente pelo trafico de sinco, ou seis estalajens e outros tantos colegios que exzistem na mesma rua de Santa Sufia.

 

Fonte na Fachada de Santa Cruz em Coimbra. J. Laur

Fonte na Fachada de Santa Cruz em Coimbra. J. Laurent, 1869

 E lembrando mais que suposto esta nova abertura, sorgenta, ou mina, proximamente fabricada onde a universidade descubrio alguns aneis de agoa para as suas ofecinas poderião estes demenuir com a nova rotura podia munto bem a cidade indamenizar a universidade com a sobredita abundancia que elle prometia segundo a rezão lhe dictava e a experiencia com a pratica e manobra asima espressada o podera depois mostrar e nesta forma houve elle procurador geral por findo este acto que assinou e co[m] mais e eu Domingos de Macedo, escritor o escrevi

Joaquim de Araújo Tavares e Souza, procurador geral he de Pedro da Fonseca, Mestre vedor, uma cruz Antonio Batista Freire.

Auto de vistoria. In: AHMC. Vistorias, tomo 3, 1766-1791, fl. 133v-135

 

Autoria e outros dados (tags, etc)

por Rodrigues Costa às 11:00

Quinta-feira, 14.01.21

Coimbra: Alargamento do espaço urbano no cotovelo dos séculos XIX e XX. 2

A Cidade Oitocentista (continuação)

Toda esta gente que tentava subir na vida a pulso, quando atingia o estatuto económico de pequena burguesia, aspirava a fazer-se reconhecer como tal e nada melhor para se afirmar do que e a ostentação; por isso, as moradas, tanto as dos vivos, como as dos mortos, passaram a funcionar como sendo o seu cartão-de-visita. Mas, as dos vivos exigiam áreas amplas e de forma nenhuma podiam caber nas ruas tortuosas e acanhadas da cidade medieval. A urbe tinha de crescer e, por isso, rompem-se os muros e um novo centro urbano emergiu após a urbanização de zonas que até aí mais não eram do que arrabaldes. Os bairros novos que então despontaram correspondem ao gosto e às aspirações da sociedade que os vai habitar. O burgo mudou completamente a sua fisionomia.

O acumular de capital por parte de todos estes homens de negócio, embora moderado, repita-se, ajuda a explicar que, em 1874, se instalasse na cidade, mais propriamente na Rua Visconde da Luz, centro vital da urbe trabalhadora, o Banco Comercial de Coimbra que acabou por ter vida efémera.

 

Rua Visconde da Luz. 1911-1920 01.jpg

Rua Visconde da Luz. 1911-1920

 Nesta época atuaram na cidade outros fatores de desenvolvimento, pois em 1864 passa a fazer-se sentir, em Coimbra, o “arfar” das locomotivas, facto que acaba por a despertar e por lhe abrir outras perspetivas. Naquela data apenas se consuma a ligação ferroviária entre Lisboa e Porto, mas, posteriormente, com todo o corolário de consequências bem visíveis sobretudo a nível da mentalidade e da economia, através da linha da Beira Alta, em 1882, a cidade fica ligada à Europa e o famoso Sud Express une, em 1895, diretamente Coimbra a Paris. A chegada do caminho-de-ferro introduz nas pequenas cidades da província uma dinâmica de crescimento. E Coimbra não fugiu à regra.

 

Fig. 02. Estação do caminho-de-ferro. [Revelar C

Fig. 02 – Estação do caminho-de-ferro. [Revelar Coimbra, 22].

 Refira-se, sem que tal se possa aplicar ao “apeadeiro” de Coimbra, ou seja, ao edifício pomposamente conhecido por Estação de Coimbra B ou Estação Velha, quase inalterado ao longo de mais de um século, que se na época medieval, as cidades rivalizavam entre si, porque cada uma delas pretendia construir a sé catedralícia mais imponente, a partir do século XIX, esse sentimento transferiu-se para o cais de acolhimento de passageiros do novo meio de transporte, uma vez que deixava de interessar o símbolo do poder, para passar a estar em causa o carisma do progresso.

Ponte da Portela.jpgPonte da Portela

 Um outro agente de desenvolvimento a fazer-se sentir na urbe passa pela construção, em 1873, da ponte da Portela que substituiu a tradicional barca de passagem (que operava a montante da Portela), permitindo que chegassem à cidade os chamados carros da Beira, isto é, estrados de quatro rodas, com jogo dianteiro móvel, puxado por um tiro de muares e com um toldo branco a cobrir a carga. Para Coimbra transportavam produtos produzidos na serra: batatas, castanhas, cebolas, leguminosas secas, queijos e mantas; na torna-viagem carregavam para o interior mercadorias de mimo e utilitárias proporcionadas pelo comércio citadino.

Na Portagem, a estreita e velha ponte manuelina, a famosa ponte do O, por onde passava todo o tráfego vindo do sul ou do norte, da Beira (nascente) ou do litoral mondeguino (poente) após dois anos escassos de trabalho, em 1875, cede lugar à ponte metálica de Santa Clara que ligava aquele largo à outra margem do rio. Esta nova ponte, projetada por Matias Heitor de Macedo, garantia, em toda a extensão do tabuleiro, o cruzamento de veículos, sendo também dotada de passeios laterais destinados aos peões.

 

Fig. 03. Ponte metálica de Santa Clara. [Bilhete

Fig. 03 – Ponte metálica de Santa Clara. [Bilhete Postal].

 Coimbra legitima, durante o último quartel do século XIX, a proeminência de importante nó vial.

… Na realidade, os lugares arrabaldinos do Calhabé, de Celas e dos Olivais começam a poder desfrutar dos benefícios carreados por este novo meio de transporte [os carros elétricos] que rapidamente se apossou de “velhos caminhos vicinais” capazes de transmitir “à periferia o frémito do centro”, de atrair ao “seu percurso novas moradias” e de condicionar “prolongamentos tentaculares da cidade”. Poucos anos depois toda esta área fazia parte do perímetro urbano da urbe que também passou a incluir Montarroio e Montes Claros, zonas que, paulatinamente, iam ficando pejadas de casas.

… Em 1813, o arquiteto da Universidade Joaquim José de Miranda, risca as modificações destinadas a levar a cabo no largo da Portagem e, anos depois, em 1857, o arquiteto João Ribeiro da Silva projeta a retificação da Calçada e da Rua de Coruche.

Fig. 04. Projeto da estrada entre as Ruas da Calç

Fig. 04 – Projeto da estrada entre as Ruas da Calçada e Sofia (pela Rua de Coruche). [MNMC. Inv. n.º 2873]

 O bairro de S. José, encostado à cerca do Seminário, e o de S. Sebastião, que se desenvolvia à sombra do aqueduto, começaram a crescer. Na outra margem, com proteção conventual, evoluía gradativamente o bairro de Santa Clara.

Anacleto, R. Coimbra: alargamento do espaço urbano no cotovelo dos séculos XIX e XX. In: Belas-Artes: Revista Boletim da Academia Nacional de Belas ArtesLisboa 2013-2016. 3.ª série, n.ºs 32 a 34. Pg. 127-186. Acedido em https://academiabelasartes.pt/wp-content/uploads/2020/02/Revista-Boletim-n.%C2%BA-32-a-34.pdf.

Autoria e outros dados (tags, etc)

por Rodrigues Costa às 17:52

Terça-feira, 12.01.21

Coimbra: Abastecimento de água à Cidade, nos finais do século XVIII 1

Num dos livros de Vistorias, guardado no Arquivo Histórico Municipal de Coimbra, está transcrito um interessante documento que nos permite conhecer o sistema de abastecimento de água à Cidade, nos finais do século XVIII.

Tendo optado por manter a grafia original, importa lembrar o que se segue, para que todos os leitores possam acompanhar o texto.

. A estrada publica que vai do Colégio da Ordem de Cristo para o Real Mosteiro de Celas corresponde hoje à R. Pedro Monteiro, parte da rua Lourenço Almeida Azevedo e Largo de Celas

. Penas e anneis de agoa, eram medidas usadas para descrever o caudal de uma fonte, sendo que um anel era constituído por 9,25 penas. Quanto a esta não conheço a que volume de água correspondia.

. São identificados os seguintes pontos de abastecimento: arca do chafarix da Feira, localizado junto do atual Largo da Feira dos Estudantes; chafariz da See Velha, que estava adoçado ao adro da antiga Sé; chafariz da Praça de S. Bertolameu, que estava localizado onde hoje existe um posto de transformação na Praça do Comércio; chafariz do Bispo Conde, localizado no atual Museu Nacional Machado de Castro; chafariz do Collegio Novo, hoje Faculdade de Psicologia; chafarix da Calssada, atual rua Ferreira Borges; offecinas do Real Hospital que estava instalado no antigo Colégio de Jesus ou dos Jesuítas.

Auto de vistoria a que mandou proceder o doutor procurador geral da cidade o lecenciado Joaquim de Araújo Tavares e Souza per vertude da Comissão que lhe foi deferida pelo Senado nas arcas ou fontes das águas públicas desta cidade citas na estrada pública que vai do Colégio da Ordem de Cristo pera o Real Mosteiro de Sellas, descubrimento de outras novas e estado em que se achão os antigos chafarizes e tanques publicos da mesma cidade.

Anno do Nascimento de Nosso Senhor Jezus Christo de mil e setecentos e noventa annos aos dous dias do mes de Outubro de mil e setecentos e noventa annos no sitio do Monte de Sellas onde eu escrivão da Camera vim com o doutor procurador geral e Comissario do Senado e as mais pessoas no fim deste auto asinados e com munta especialidade para o mesmo acto convocado Pedro da Fonsequa natural de Vilar Seco, concelho de Senhorim, Comarca de Vizeu, professor com notoria probidade de vedor de agoas e passando a fazer exzame com certa medicão, na fonte chamada a de El Rey que he a primeira arca vindo do lugar de Senas (sic) [deverá tratar-se de um erro do escrivão, que quereria escrever Sellas], se descubrio e achou lancar honze penas de agoa somente,

Fonte d'El-Rei ou de Celas, na atualidade.jpg

Fonte de El-Rei ou de Celas, na atualidade

e passando mais abaixo caminhando pera a cidade a fazer outro semilhante exzame na arca ou fonte chamada do Princepe, se vio e descubrio que o seo nascente lancava des penas de agoa e continuando mais abaixo the chegar a terceira arca, ou fonte chamada a da Raynha, exzaminandoce igualmente o seu nascente se descubrirão e medirão corenta e sinco aneis de agoa, que per todos fazem setenta e seis aneis, alias setenta e seis penas que fazem a soma de oito aneis e duas penas, e esta mesma quantidade se achou na arca do chafarix da Feira de donde se repartem para o chafarix da See Velha, para o da Praça de S. Bertolameu, para o do Excelentissimo Bispo Conde, para o Collegio Novo e chafarix da Calssada e, finalmente, huma das duas bicas que correm no chafarix publico da Feira, se tapa a noute e corre per toda ella the o dia, das seis ou sete horas da manham para as offecinas do Real Hospital que foi algum dia da extincta Sociedade.

E passando a exzaminar a fonte pequena, a do Loureiro, e a chamada do Inverno, estas nada botão e estão de todo secas e combinada a presente vistoria, com a lembrança que o lecenciado Joze de Souza Machado fez no anno de mil setecentos e quarenta e sinco no Livro intitulado da Correa, onde faz mencão de quinze aneis e meio de agoa, que naquelle tempo lancavão de os sobreditos mãens de agoa vem a ter os mesmos de remenuissão, sete aneis e duas [fl. 134v] e duas penas, de cuja falta, asas concideravel, e tambem por ter crecido em numero os moradores da cidade, se queixa o publico, havendo como ha entre o povo motins e continuadas desordens chegando ao ponto de quebrarem os cantaros huns aos outros e athe de se tomarem as mãos ferindo se e espancando se mutuamente.

Porta de cisterna, na rua Pedro Monteiro.jpg

Porta de cisterna, na rua Pedro Monteiro

Porta de cisterna, na rua Pedro Monteiro, pormenor

Porta de cisterna, na rua Pedro Monteiro, pormenor

Claraboia, na rua Pedro Monteiro.JPG

Claraboia, na rua Pedro Monteiro

Auto de vistoria. In: AHMC. Vistorias, tomo 3, 1766-1791, fl. 133v-135

 

Autoria e outros dados (tags, etc)

por Rodrigues Costa às 10:49

Quinta-feira, 07.01.21

Coimbra: Alargamento do espaço urbano no cotovelo dos séculos XIX e XX. 1

Conforme prometi, retomo hoje a publicação regular, às 3.as e às 5.as feiras, das entradas que, em resultado das minhas leituras sobre Coimbra, vou divulgando neste blog, tendo como objetivo transmitir aos naturais da nossa Cidade ou aos que a amam um melhor conhecimento da sua história. De acordo com este propósito, inicio hoje uma série de 29 entradas extraídas de um trabalho da Senhora Professora Regina Anacleto, publicado no Boletim da Academia Nacional de Belas Artes, com o título Coimbra: alargamento do espaço urbano no cotovelo dos séculos XIX e XX.

Face ao interesse do trabalho, mas tendo em conta a sua extensão, publicá-lo sequencialmente tornar-se-ia fastidioso, o que me levou a optar por o divulgar semanalmente às 5.as feiras e por introduzir às 3.as feiras outras temáticas. Mais uma vez, obrigado pelas palavras de incentivo que tenho recebido, relacionadas com o trabalho que venho realizando.

 

A Cidade Oitocentista

Coimbra situa-se num morro sobranceiro ao rio, de pendentes bastante íngremes cuja vertente, a norte, desce quase a pique para o vale da Ribela, onde corria a Torrente dos Banhos Régios, como, ainda nos finais do século XII, era apelidado o curso de água que, descendo do alto da quinta do mesmo nome, atravessava a atual Avenida Sá da Bandeira e se escoava por entre a Rua Direita e a Rua da Moeda em direção ao Mondego; contudo, a poente, o descaimento, mais suave, processa-se como que em patamares.

Vista de Coimbra. Hoefnagel 04.JPG

Fig. 1 – Vista de Coimbra. [Georg Braun e Franz Hoefnagel. c. 1565].

 Cidade dualista, dividida em Alta e Baixa, com a primeira a ocupar a colina, delimitada parcialmente pelas duas couraças, a de Lisboa e a dos Apóstolos, bem como pela Porta de Almedina e a segunda a distender-se na plana zona ribeirinha, preenchida por um dédalo de ruas caprichosas e estreitíssimas. A população citadina estendia-se pelos dois espaços: no cume do cômoro desenvolvia-se a vida cultural e, simultaneamente, formavam-se mentalidades e espíritos; na parte baixa movimentavam-se assalariados, artífices e comerciantes.

A referida dualidade encontrava-se bem patente na toponímia. Enquanto que na zona da Alta nos deparamos com a Rua dos Estudos, a Rua dos Militares, a Rua de Entre-Colégios, a Rua dos Lóios ou o Largo da Feira dos Estudantes, na Baixa encontramos a Rua dos Sapateiros, a Rua das Padeiras, a Rua da Louça, a Rua das Azeiteiras ou o Largo das Olarias.

Largo da Feira dos Estudantes. [Passado ao Espelho

Largo da Feira dos Estudantes. [Passado ao Espelho, p. 58]

Rua dos Oleiros.jpg

Rua dos Oleiros

 Entre cerca de 1350 e 1600, grosso modo, pode dizer-se que o nível demográfico de Coimbra, embora com altos e baixos, se manteve mais ou menos estável, o que não significa que as gentes da cidade não vissem as suas necessidades de abastecimento regulamentadas por diversas e sucessivas cartas régias que determinavam quando e como podiam e deviam organizar-se os mercados e as feiras.

A população de Coimbra entre cerca de 1600 e de 1930 aumenta consideravelmente e de entre os fatores que ajudam a explicar o crescimento demográfico aeminiense, seja-me permitido destacar apenas dois: os progressos verificados no campo da medicina e, desde o reinado de D. João III, a permanência ininterrupta dos Estudos Gerais na cidade.

Os artífices e os comerciantes instalados na zona baixa, já fora de portas, labutavam na ânsia de conseguir a sua sobrevivência ou de, dentro do espírito economicista e capitalista da época, começar a enriquecer; mas convém não esquecer que, em Coimbra, o desenvolvimento industrial se apresentava “moderado e tardio”, até porque se tratava de uma terra quase provinciana, de parcos recursos económicos, onde muito pouco havia para investir. Comparando com o que se passou em outras zonas do país ou no estrangeiro fácil se torna concluir que a industrialização em Coimbra foi “desfasada quer por se ter verificado tardiamente quer pela sua fraca intensidade”.

Planas & C.ª. Lanifícios.jpg

Fábrica de Lanifícios de Santa Clara, publicidade

 Para além das fábricas de fiação e tecelagem, de sabão, de lanifícios e de cerâmica, O Conimbricense referia ainda a presença das de massas, de moagem e de padarias. Penso não estar muito longe da verdade se afirmar que estas “fábricas” não passavam de pequenas unidades industriais.

Anacleto, R. Coimbra: alargamento do espaço urbano no cotovelo dos séculos XIX e XX. In: Belas-Artes: Revista Boletim da Academia  Nacional de Belas ArtesLisboa 2013-2016. 3.ª série, n.ºs 32 a 34. Pg. 127-186. Acedido em https://academiabelasartes.pt/wp-content/uploads/2020/02/Revista-Boletim-n.%C2%BA-32-a-34.pdf

 

Autoria e outros dados (tags, etc)

por Rodrigues Costa às 16:45


Mais sobre mim

foto do autor


Pesquisar

Pesquisar no Blog  

Subscrever por e-mail

A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.

calendário

Janeiro 2021

D S T Q Q S S
12
3456789
10111213141516
17181920212223
24252627282930
31