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A arca tumular da rainha Santa, coroada de jacente, continua a motivar, ainda hoje, forte impacto em quem a visita, no coro baixo do mosteiro de Santa Clara-a-Nova de Coimbra, onde atualmente se encontra preservada.
… As manifestações populares, ocorridas no decurso das solenes exéquias, responsáveis por rodear de uma auréola de sobrenatural a carismática e venerada figura da rainha, são expressão do começo do seu culto público estimulado pelo círculo dos que lhe eram mais próximos. Ganha cada vez maior consistência a ideia de que a origem do culto da Rainha Santa resulta, no essencial, da ação pronta e conjugada de duas pessoas que lhe eram próximas, o filho D. Afonso e Frei Salvado Martins, seus executores testamentários.
… Para se fazer perpetuar na sua última morada, Isabel de Aragão escolheu um jacente evocador da sua personalidade, da posição que ocupou na hierarquia do poder e da excelência da sua linhagem. Ao orgulho da sua individualidade e condição, patente em elementos caracterizadores do seu percurso terreno e da exaltação enfatizada da estirpe, associa-se o discurso escatológico de todo o sepulcro, onde transparecem, sob o manto da linguagem religiosa, a relação da tumulada com o sagrado e as suas inquietações face à descoberta do seu destino último e se deixa entrever a complexa questão, ainda hoje não cabalmente esclarecida, do que era viver e morrer na Idade Média (vide Fig. 1).
A efígie régia “estática, volumosa e perturbante” é singularizada de modo eloquente pela coroa, o hábito de clarissa e as insígnias de peregrina, símbolos da afirmação da sua excecionalidade, tanto no mundo civil como religioso.
Op. cit. Fig. 1 – Túmulo da Rainha Santa, jacente e frontal direito, pg. 76
Verdadeiro documento de individualidade, traçado pela rainha sem constrangimentos ou falsas modéstias, apartado de uma imagem fantasiada de total despojamento e humildade forjada em tempos modernos e que até aos nossos dias foi continuamente passada (vide Fig. 2)
Op. cit. Fig. 2 – Túmulo da Rainha Santa, pormenor do jacente, pg. 77
A conjugação de elementos aparentemente paradoxais: a coroa de rainha e descendente de reis, rodeada da heráldica que a individualiza, (os escudos palados de infanta de Aragão, as cinco quinas com bordadura castelada de rainha de Portugal e as águias bicéfalas do império alemão, herdadas de sua mãe); quatro pequenos cães domésticos, distintivos do seu elevado estatuto social, a remeterem para o quotidiano das casas de morada de uma dama de alta estirpe, em que eram usuais; o livro que segura junto ao peito, em alusão a uma vida pautada pelo cumprimento empenhado dos deveres religiosos de oração, jejuns e caridade; o porte do hábito religioso de clarissa da terceira ordem, num mimetismo directo com a mortalha escolhida, em sinal de humildade e recolhimento; o bordão e a bolsa das esmolas e dois anjos turiferários a acompanharem a sua derradeira viagem, numa menção explícita ao ideal de peregrinação, uma das mais perfeitas formas de ascese que o cristianismo medieval apontava aos que ansiavam pela salvação, fazem do seu jacente um tempo (vide Fig. 3).
Op. cit. Fig. 3 – Túmulo da Rainha Santa, pormenor do jacente, pg. 78
Créditos: Florentino Bernardes Franco e Babo Ribeiro – © Confraria da Rainha Santa Isabel
Macedo, F.P. O primeiro túmulo da Rainha Santa: Relicário e Relíquia. In: Isabel, Rainha e Santa. Pervivência de um culto centenário. Rebelo, A.M.R., Urbano, C.M. Coordenadores. Coimbra, Imprensa da Universidade. Pg. 45-81.
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