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O texto que ora voltamos a publicar integra a obra I Encontro sobre o Património Industrial. Coimbra – Guimarães – Lisboa. 1986. Actas e Comunicações. Associação Portuguesa de Arqueologia Industrial. Coimbra Editora, Limitada. Volume I, Coimbra, 1990. 958 pp. Ilustradas, correspondendo às pg. 265-278. Resolvemos eliminar as referências bibliográficas das citações que podem ser lidas na referida publicação, isto sem deixar de mencionar que a investigação realizada teve com principais fontes os Relatórios e Contas da Gerência Serviços Municipalizados de Coimbra e os Relatórios e Contas do Município e o testemunho de informadores qualificados. Também nos socorremos dos Anais do Município de Coimbra, Illustração Portugueza, Noticias de Coimbra e Eléctricos em Coimbra, edição policopiada.
1.1 – Os primórdios dos transportes urbanos em Coimbra
A história dos transportes urbanos em Coimbra inicia-se em fevereiro de 1873 quando «Evaristo Nunes Pinto e Camilo Mongeon, concessionários do caminho de ferro americano, da estação do caminho de ferro do Norte a Coimbra, requerem que os carros passem através das ruas da Cidade apresentando planta do projecto».
A decisão do Município foi rápida e surgiu logo em 20 de fevereiro. Todavia o processo ir-se-ia arrastar, uma vez que só a 17 de setembro de 1874 a empresa entretanto criada – o Rail Road Conimbricense – comunica ao Município a «abertura à exploração da linha desde a Calçada à estação do caminho de ferro do norte».
Mas a vida da «Rail Road Conimbricense» não foi fácil, e o pedido de autorização apresentado em 1885 «para estender a sua linha da Portagem ao Cais das Ameias» (a atual Estação Nova) e para efetuar «um abatimento de 49 a 60 reis nos preços dos bilhetes», não passou de uma tentativa frustrada para combater a concorrência mais forte: a entrada em funcionamento do ramal do caminho de ferro [Estação Velha] ao centro da Cidade.
Uma segunda fase inicia-se em 30 de Outubro de 1902, quando «Augusto Eduardo Freire de Andrade pede a concessão duma linha férrea, sistema americano, nas ruas da Cidade, para tracção animal».
Processo que só iria ser concretizado – pela Companhia de Carris de Ferro de Coimbra, entretanto criada em 1 de janeiro de 1904, com o «estabelecimento da ligação da actual estação de Coimbra - B com o Largo da Portagem, a que se seguiu, em 4 de Fevereiro do mesmo ano a abertura de um novo troço entre a Praça 8 de Maio e a Rua Infante D. Augusto», junto à Universidade.
Todavia este último troço cedo se verificou não ser operacional e as últimas notícias sobre os carros americanos surgem em 29 de Maio de 1908, quando a Câmara de Coimbra tomou conhecimento da suspensão das carreiras para a estação de Coimbra-B, na sequência da decisão de municipalização da tração elétrica e, em 3 de fevereiro de 1916, quando o Município reconhecendo que «estando o transporte de malas do correio para os comboios da noite a fazer-se no antigo carro americano puxado a muares autoriza-se que transporte também passageiros».
Ainda neste período é de assinalar a efémera existência - com início em Janeiro de 1907 - da primeira carreira de autocarros em Portugal, a carreira que nesta Cidade ligava a cidade alta e a cidade baixa, iniciativa da «Empresa Automóveis Tavares de Mello Coimbra», que para o efeito utilizava carros de «4 cylindros com a força de 4 cavalos e transportavam 20 pessoas».
1.2 - A instalação da tracção eléctrica
A primeira noticia sobre a criação de um sistema de tracção eléctrica em Coimbra data de 1 de Dezembro de 1904 quando a Câmara decide «em princípio na concessão de um subsídio à Companhia dos Carris de Ferro [concessionária dos carros americanos] para a substituição de tracção animal pela eléctrica».
Mas a decisão que deu origem à efectiva concretização deste melhoramento foi tomada em 15 de Maio de 1908, quando a Edilidade tendo concluído que «desapareceram todas as ilusões relativamente à possibilidade da instalação eléctrica na Cidade por meio da Companhia de Carris de Ferro de Coimbra, decidiu que se municipalize o serviço de tracção eléctrica e que se contraia um empréstimo de 150 000$00 reis».
De referir que a instalação veio a ser adjudicada à Firma Thomson Houston – Ibérica em 23 de setembro de 1909. A inauguração viria a ocorrer em 1 de Janeiro de 1911, e foi noticiada [Noticias de Coimbra] nos seguintes termos:
«A instalação da tracção eléctrica de Coimbra que hoje se inaugurou é digna de especial menção não só pela perfeição técnica com que está executada, como também e muito especialmente por ter sido montada como serviço municipalizado a cargo da Câmara Municipal de Coimbra.
Compreende 3 linhas: uma da Estação Velha à Alegria, outra da Estação Nova à cidade Alta (Universidade) e a terceira da Estação Nova a Santo António dos Olivais. As tarifas fixadas pela Câmara Municipal foram estabelecidas sob o judicioso critério de chamar o público pela fixação de preços reduzidos e zonas curtas, as mais baratas das quais custam 20 réis.
Toda a instalação foi executada pela firma A.E.G. Thomson Houston Iberica, que representa em Portugal e em Espanha as importantes fabricas de material eléctrico Allegemeine Electricitats Gesells. chalt Berlim e a General Electric Company New York consideradas como as mais afamadas do novo e velho continente.
Pode dizer-se afoitamente que a instalação da tracção electrica de Coimbra é uma instalação modelar sob todos os pontos de vista.
Atestam-no os nomes dos construtores das diferentes partes da instalação: A.E.G., General Electric Company; Babcock Wilcox; Bellis & Marcon; Tudor, Brill Car Company, etc.
A Central edificada pela Câmara Municipal num terreno adjunto ao abastecimento das águas, no sopé do Jardim Botânico, contém: duas grandes caldeiras aquatubulares sistema Babcok & C. Wilcox de 300 metros quadrados de superfície de aquecimento, próprias para ser nelas queimado o coke proveniente do serviço municipalizado do gaz; duas máquinas de vapor verticais comprimido tipo Bellis & Marcon de 390 cavalos de força máxima de grande velocidade, acompanhadas directamente com dois dínamos de 180 Kilowatts da General Electric Company de New York. Completam esta instalação um condensador de superfície com tanque refrigerante e várias bombas e outros acessórios. A distribuição da energia é feita num elegante quadro de distribuição construído na América, segundo os preceitos aí usados.
Há mais uma potente bateria de acumuladores com o seu booster, destinada a compensar as fortes oscilações de carga que há a esperar nos serviços de tração de uma cidade tão acidentada como é Coimbra.
A cocheira, situada junto à Central, tem espaço para recolher onze carros, tendo junto a oficina de reparações, o atelier de pintura e os armazéns de material.
A via, de uma solidez a toda a prova, assente com os maiores cuidados, segundo o sistema usado em Lisboa, com carris de 42 quilos por metro corrente e eclisses "Cantinou Joint" de 8 parafusos, pode considerar-se como um modelo de execução, assim também as linhas aéreas nas quais foi empregado o material "Cap Cone" da General Electric Company.
Os carros [cinco] cujos equipamentos elétricos são da mesma procedência, carrosseries e trucks saíram das conhecidíssimas oficinas de J.C. Brill, de Filadélfia, são elegantíssimos e confortáveis. O seu aspecto, sobretudo quando à noite circulam iluminados pelas ruas de Coimbra, é esplêndido».
Selo comemorativo da inauguração da circulação dos carros elétricos em Coimbra
Ainda no mesmo ano, a 21 de setembro, foi decidido adquirir à mesma Firma dois carros eléctricos, os carros números 6 e 7.
No ano seguinte foi decidido ampliar a rede até ao Calhabé, troço que, com início na Alegria, veio a ser inaugurado em 24 de Maio de 1913.
Carro elétrico a atravessar a R. Visconde da Luz. 1920 c.
1.3 - O período de oiro dos carros eléctricos
No final da década de 20 a implantação do sistema de tracção eléctrica em Coimbra era uma realidade, como decorre de ter sido ultrapassado, pela primeira vez e no período de um ano (1929-1930) o número de três milhões de bilhetes vendidos a que correspondeu uma receita de 1 907 337$05.
Este período - o período de oiro dos carros eléctricos em Coimbra - assentou num «Programa para os anos de 1926 a 29» para cuja realização foi contraído um empréstimo de 6 000 contos que permitiu, nomeadamente, a encomenda do «material para a instalação de oito quilómetros de novas linhas de tracção elétrica, incluindo a duplicação da via desde a Rua Visconde da Luz aos Arcos do Jardim um grupo convertidor, de mercúrio, para o serviço da Central Eléctrica; 5 carros motores abertos e dois fechados, sendo estes últimos do tipo "alI -steel" da Casa J.G.Brill».
De referir que anteriormente, em 1925, tinha sido decidido adquirir com os saldos da exploração que se verificaram a partir de 1923, um carro eléctrico e uma zorra destinada ao transporte do carvão utilizado na Central Eléctrica.
Posteriormente, mas ainda dentro deste período, foram efectuadas as seguintes aquisições: em 1930, os 3 únicos carros eléctricos de fabrico europeu, adquiridos em Famillereux, na Bélgica; em 1934, o carro eléctrico nº 19, construído nas oficinas aos Serviços Municipalizados, a partir de um chassis e de motores importados.
No que concerne à expansão da rede no período de oiro foram efectuados os seguintes melhoramentos: em 1928, instalação de linha dupla desde o Arco de Almedina até aos Arcos do Jardim, e abertura da linha até ao Matadouro [atualmente junto à Igreja de Nª Sª de Lourdes]; em 1929, abertura da linha Arcos do Jardim - Calhabé, que permitiu a circulação ainda hoje [1986] em existente, de troleicarros por S. José, e abertura da linha Cumeada - Olivais; em 1932, prolongamento da linha dos Olivais até à Igreja de St. º António, construção da linha da Rua Abílio Roque, e prolongamento da via dupla até à Universidade; em 1934, construção da linha na Rua de S. João que permitiu a circulação pela Universidade.
Elétrico n.º 4 com “chora”. Col. Pedro Rodrigues Costa
1.4 - A opção pelos troleicarros
Quando no Relatório referente ao ano de 1938 se afirma que «sendo de desejar o aumento da rede de transportes, também é cada vez menos de aconselhar que ele se faça pelo sistema de carros eléctricos sobre carris», estava a iniciar-se o ciclo que conduziu ao abandono da utilização dos carros eléctricos em Coimbra.
A alternativa pretendida é referida pela primeira vez quando em 1943 se decide que nas «novas extensões da rede de transportes urbanos a estabelecer quando houver oportunidade - Santa Clara, Calhabé e Bairro do Loreto - deve adotar-se o sistema de «trolley-omnibus» em vez de via férrea».
Tal projecto começou a ser concretizado em 1946, com o início da montagem da linha aérea para Santa Clara, a qual viria a ser inaugurada 6 de agosto de 1947 e foi assim referida [Suíça Técnica]
«Graças à iniciativa dos Serviços Municipalizados da Cidade de Coimbra, Portugal está a ser dotado duma primeira linha de "trolleybus". Para experimentar este novo modo de transporte os Serviços Municipalizados escolheram uma pequena linha, de 2,5 km de comprimento ... a encomenda dos dois carros, foi dada à casa S.A. dos Ateliers de Sécheron de Genebre, Suíça, como empreiteira geral e fornecedora da parte eléctrica, e à casa S.A. Adolphe Saurer, de Arbon, Suiça, como fornece dora do chassis e da carroçaria.
A execução da linha de contacto foi confiada à Casa Kummler & Motter, de Zurique».
De salientar que, no entretanto, a elevada capacidade técnica atingida pelas oficinas dos Serviços Municipalizados tinha permitido, no ano de 1940, a construção do último carro eléctrico: o carro eléctrico nº 20, resultante da transformação da zorra adquirida nos anos 20.
Igualmente haverá que assinalar que ainda em 1940, foram efectuadas as obras que permitiram dar satisfação à conclusão de que «havendo três linhas próximas umas das outras, como se encontravam as da Cumeada, Olivais e Montes Claros, seria proveitoso ... a ligação destas linhas».
Neste período foi igualmente iniciada a utilização, por parte dos Serviços Municipalizados, de autocarros.
A primeira carreira foi a de Coimbra - Taveiro, com partida junto ao mercado, para a qual foram adquiridas, em 1938, 3 viaturas automóveis.
Posteriormente, em 1947, foi criada uma nova carreira que partindo do mesmo local reforçava as linhas de eléctricos para os Olivais. Quanto a aquisições assinale-se a aquisição, em 1948 de um autocarro de marca MACK e dois da marca DAIMLER.
1.5 - O declínio da utilização dos carros eléctricos
O início da década de 50 é caracterizada pelo declínio da utilização dos carros eléctricos. Primeiro, em Abril de 1951 foram os carros eléctricos substituídos por troleicarros, na linha nº 5, a actual carreira de S. José. Seguidamente, em 1954, a substituição é feita por autocarros, na linha nº 2; a da Estação Velha.
Isto, não obstante, ter sido neste período, em 1954, que foram realizadas as duas últimas alterações significativas nas linhas de carros eléctricos, a saber: a inauguração da carreira para o Tovim; e a montagem da linha na Rua Dr. Manuel Rodrigues, Av. Fernão de Magalhães e Largo das Ameias, permitindo a circulação da «Baixa».
Tendo sido ultrapassada neste período pela primeira vez, a barreira dos 10 milhões de bilhetes vendidos no decurso de um ano, o de 1952, o futuro para o sistema de transportes urbanos de Coimbra estava já traçado como decorre das aquisições efectuadas.
Em 1949, aquisição de 6 troleicarros; em 1953, encomenda de 3 troleicarros que entraram ao serviço no ano seguinte; em 1956, aquisição de 4 troleicarros e 1 autocarro; em 1957, aquisição de 4 chassis para troleicarros que carroçados nas oficinas dos Serviços Municipalizados, entraram ao serviço no ano seguinte; e aquisição de um autocarro.
Em 1959, o sistema de transportes urbanos de Coimbra era constituído pelas seguintes carreiras, que utilizam os tipos de veículos que se referem:
CARREIRAS VEICULOS UTILIZADOS
1 – Universidade Carros Eléctricos
1 – Museu “
1 – Penedo da Saudades “
3 – Cumeada-Olivais “
4 – Cruz de Celas “
7 – Tovim “
8 – Santo António “
5 – S. José - Av. Fernão de Magalhães Troleicarros
5 – S. José - Praça 8 de Maio “
5 – Portagem - Estádio “
5 – Praça da República - Liceu “
6 – Portagem - Almas de Freire “
– Coimbra - Taveiro Autocarros
– Estação Velha - Loreto “
De notar que, no decurso de 1959, se verificou a substituição da carreira 1 – Universidade por 1 - Penedo da Saudade, tendo igualmente sido efectuada a fusão das carreiras 3 – Cumeada - Olivais e 3 – Celas - Olivais, bem ·como a criação da carreira 8 – Santo António.
1.6 – O fim de um período
A Administração dos Serviços Municipalizados de Coimbra, no início da década de 70, referia o carro eléctrico como o «tipo de transporte que o progresso vai tornando obsoleto e por cuja eliminação das ruas da cidade muitos pugnam - e que acarreta menor prejuízo por ser o que exige menor dispêndio na manutenção e conservação».
Este entendimento, sequência de anteriores decisões, condicionou o desenvolvimento da rede de transportes colectivos de Coimbra.
Na realidade tendo a rede, na zona urbana, adquirido as dimensões adequadas à dimensão da Cidade, a partir do final da década de 60 assistiu-se ao seu alargamento às zonas suburbanas, e mesmo à zona rural.
Tal alargamento feito, essencialmente, com recurso a autocarros levou a um rápido crescimento do número de passageiros transportados. Assim, tendo em 1963 sido ultrapassado o número de 15 milhões, logo em 1967 o sistema transportava, pela primeira vez, num ano, mais de 20 milhões de passageiros.
Bilhete de carro elétrico
Este período e no que respeita à frota utilizada é caracterizado pelo sucessivo abate ao efectivo de carros eléctricos e pelo rápido aumento do número de troleicarros e autocarros disponíveis.
Assim existindo em 1969 20 carros eléctricos, 27 troleicarros e 31 autocarros, quando em 9 de Janeiro de 1980 os carros eléctricos deixaram de ser utilizados, era a seguinte a frota: 12 carros eléctricos; 27 troleicarros; e 70 autocarros.
De notar que contrariamente à entrada em funcionamento, o desaparecimento dos carros eléctricos das ruas da Cidade, foi quase que ignorado pelos Órgãos de Comunicação Social.
Museu dos Transportes Urbanos de Coimbra, vista geral
Museu dos Transportes Urbanos de Coimbra, pormenor da forja e da exposição documental
Deles resta o Museu dos Transportes Urbanos e a certeza, na opinião de um estudioso de que «para trás ficaram 69 anos de bons serviços tendo o sistema manifestado uma eficácia e uma resistência invulgares».
Costa, A.F.R. Museu dos Transportes Urbanos de Coimbra. Um contributo para a salvaguarda do património industrial. In: I Encontro sobre o Património Industrial. Coimbra – Guimarães – Lisboa. 1986. Actas e Comunicações. Associação Portuguesa de Arqueologia Industrial. Coimbra Editora, Limitada. Volume I, Coimbra, 1990. Pg. 265-278.
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