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O texto que ora voltamos a publicar integra a obra I Encontro sobre o Património Industrial. Coimbra – Guimarães – Lisboa. 1986. Actas e Comunicações. Associação Portuguesa de Arqueologia Industrial. Coimbra Editora, Limitada. Volume I, Coimbra, 1990. 958 pp. Ilustradas, correspondendo às pg. 265-278. Resolvemos eliminar as referências bibliográficas das citações que podem ser lidas na referida publicação, isto sem deixar de mencionar que a investigação realizada teve com principais fontes os Relatórios e Contas da Gerência Serviços Municipalizados de Coimbra e os Relatórios e Contas do Município e o testemunho de informadores qualificados. Também nos socorremos dos Anais do Município de Coimbra, Illustração Portugueza, Noticias de Coimbra e Eléctricos em Coimbra, edição policopiada.
1.1 – Os primórdios dos transportes urbanos em Coimbra
A história dos transportes urbanos em Coimbra inicia-se em fevereiro de 1873 quando «Evaristo Nunes Pinto e Camilo Mongeon, concessionários do caminho de ferro americano, da estação do caminho de ferro do Norte a Coimbra, requerem que os carros passem através das ruas da Cidade apresentando planta do projecto».
A decisão do Município foi rápida e surgiu logo em 20 de fevereiro. Todavia o processo ir-se-ia arrastar, uma vez que só a 17 de setembro de 1874 a empresa entretanto criada – o Rail Road Conimbricense – comunica ao Município a «abertura à exploração da linha desde a Calçada à estação do caminho de ferro do norte».
Mas a vida da «Rail Road Conimbricense» não foi fácil, e o pedido de autorização apresentado em 1885 «para estender a sua linha da Portagem ao Cais das Ameias» (a atual Estação Nova) e para efetuar «um abatimento de 49 a 60 reis nos preços dos bilhetes», não passou de uma tentativa frustrada para combater a concorrência mais forte: a entrada em funcionamento do ramal do caminho de ferro [Estação Velha] ao centro da Cidade.
Uma segunda fase inicia-se em 30 de Outubro de 1902, quando «Augusto Eduardo Freire de Andrade pede a concessão duma linha férrea, sistema americano, nas ruas da Cidade, para tracção animal».
Processo que só iria ser concretizado – pela Companhia de Carris de Ferro de Coimbra, entretanto criada em 1 de janeiro de 1904, com o «estabelecimento da ligação da actual estação de Coimbra - B com o Largo da Portagem, a que se seguiu, em 4 de Fevereiro do mesmo ano a abertura de um novo troço entre a Praça 8 de Maio e a Rua Infante D. Augusto», junto à Universidade.
Todavia este último troço cedo se verificou não ser operacional e as últimas notícias sobre os carros americanos surgem em 29 de Maio de 1908, quando a Câmara de Coimbra tomou conhecimento da suspensão das carreiras para a estação de Coimbra-B, na sequência da decisão de municipalização da tração elétrica e, em 3 de fevereiro de 1916, quando o Município reconhecendo que «estando o transporte de malas do correio para os comboios da noite a fazer-se no antigo carro americano puxado a muares autoriza-se que transporte também passageiros».
Ainda neste período é de assinalar a efémera existência - com início em Janeiro de 1907 - da primeira carreira de autocarros em Portugal, a carreira que nesta Cidade ligava a cidade alta e a cidade baixa, iniciativa da «Empresa Automóveis Tavares de Mello Coimbra», que para o efeito utilizava carros de «4 cylindros com a força de 4 cavalos e transportavam 20 pessoas».
1.2 - A instalação da tracção eléctrica
A primeira noticia sobre a criação de um sistema de tracção eléctrica em Coimbra data de 1 de Dezembro de 1904 quando a Câmara decide «em princípio na concessão de um subsídio à Companhia dos Carris de Ferro [concessionária dos carros americanos] para a substituição de tracção animal pela eléctrica».
Mas a decisão que deu origem à efectiva concretização deste melhoramento foi tomada em 15 de Maio de 1908, quando a Edilidade tendo concluído que «desapareceram todas as ilusões relativamente à possibilidade da instalação eléctrica na Cidade por meio da Companhia de Carris de Ferro de Coimbra, decidiu que se municipalize o serviço de tracção eléctrica e que se contraia um empréstimo de 150 000$00 reis».
De referir que a instalação veio a ser adjudicada à Firma Thomson Houston – Ibérica em 23 de setembro de 1909. A inauguração viria a ocorrer em 1 de Janeiro de 1911, e foi noticiada [Noticias de Coimbra] nos seguintes termos:
«A instalação da tracção eléctrica de Coimbra que hoje se inaugurou é digna de especial menção não só pela perfeição técnica com que está executada, como também e muito especialmente por ter sido montada como serviço municipalizado a cargo da Câmara Municipal de Coimbra.
Compreende 3 linhas: uma da Estação Velha à Alegria, outra da Estação Nova à cidade Alta (Universidade) e a terceira da Estação Nova a Santo António dos Olivais. As tarifas fixadas pela Câmara Municipal foram estabelecidas sob o judicioso critério de chamar o público pela fixação de preços reduzidos e zonas curtas, as mais baratas das quais custam 20 réis.
Toda a instalação foi executada pela firma A.E.G. Thomson Houston Iberica, que representa em Portugal e em Espanha as importantes fabricas de material eléctrico Allegemeine Electricitats Gesells. chalt Berlim e a General Electric Company New York consideradas como as mais afamadas do novo e velho continente.
Pode dizer-se afoitamente que a instalação da tracção electrica de Coimbra é uma instalação modelar sob todos os pontos de vista.
Atestam-no os nomes dos construtores das diferentes partes da instalação: A.E.G., General Electric Company; Babcock Wilcox; Bellis & Marcon; Tudor, Brill Car Company, etc.
A Central edificada pela Câmara Municipal num terreno adjunto ao abastecimento das águas, no sopé do Jardim Botânico, contém: duas grandes caldeiras aquatubulares sistema Babcok & C. Wilcox de 300 metros quadrados de superfície de aquecimento, próprias para ser nelas queimado o coke proveniente do serviço municipalizado do gaz; duas máquinas de vapor verticais comprimido tipo Bellis & Marcon de 390 cavalos de força máxima de grande velocidade, acompanhadas directamente com dois dínamos de 180 Kilowatts da General Electric Company de New York. Completam esta instalação um condensador de superfície com tanque refrigerante e várias bombas e outros acessórios. A distribuição da energia é feita num elegante quadro de distribuição construído na América, segundo os preceitos aí usados.
Há mais uma potente bateria de acumuladores com o seu booster, destinada a compensar as fortes oscilações de carga que há a esperar nos serviços de tração de uma cidade tão acidentada como é Coimbra.
A cocheira, situada junto à Central, tem espaço para recolher onze carros, tendo junto a oficina de reparações, o atelier de pintura e os armazéns de material.
A via, de uma solidez a toda a prova, assente com os maiores cuidados, segundo o sistema usado em Lisboa, com carris de 42 quilos por metro corrente e eclisses "Cantinou Joint" de 8 parafusos, pode considerar-se como um modelo de execução, assim também as linhas aéreas nas quais foi empregado o material "Cap Cone" da General Electric Company.
Os carros [cinco] cujos equipamentos elétricos são da mesma procedência, carrosseries e trucks saíram das conhecidíssimas oficinas de J.C. Brill, de Filadélfia, são elegantíssimos e confortáveis. O seu aspecto, sobretudo quando à noite circulam iluminados pelas ruas de Coimbra, é esplêndido».
Selo comemorativo da inauguração da circulação dos carros elétricos em Coimbra
Ainda no mesmo ano, a 21 de setembro, foi decidido adquirir à mesma Firma dois carros eléctricos, os carros números 6 e 7.
No ano seguinte foi decidido ampliar a rede até ao Calhabé, troço que, com início na Alegria, veio a ser inaugurado em 24 de Maio de 1913.
Carro elétrico a atravessar a R. Visconde da Luz. 1920 c.
1.3 - O período de oiro dos carros eléctricos
No final da década de 20 a implantação do sistema de tracção eléctrica em Coimbra era uma realidade, como decorre de ter sido ultrapassado, pela primeira vez e no período de um ano (1929-1930) o número de três milhões de bilhetes vendidos a que correspondeu uma receita de 1 907 337$05.
Este período - o período de oiro dos carros eléctricos em Coimbra - assentou num «Programa para os anos de 1926 a 29» para cuja realização foi contraído um empréstimo de 6 000 contos que permitiu, nomeadamente, a encomenda do «material para a instalação de oito quilómetros de novas linhas de tracção elétrica, incluindo a duplicação da via desde a Rua Visconde da Luz aos Arcos do Jardim um grupo convertidor, de mercúrio, para o serviço da Central Eléctrica; 5 carros motores abertos e dois fechados, sendo estes últimos do tipo "alI -steel" da Casa J.G.Brill».
De referir que anteriormente, em 1925, tinha sido decidido adquirir com os saldos da exploração que se verificaram a partir de 1923, um carro eléctrico e uma zorra destinada ao transporte do carvão utilizado na Central Eléctrica.
Posteriormente, mas ainda dentro deste período, foram efectuadas as seguintes aquisições: em 1930, os 3 únicos carros eléctricos de fabrico europeu, adquiridos em Famillereux, na Bélgica; em 1934, o carro eléctrico nº 19, construído nas oficinas aos Serviços Municipalizados, a partir de um chassis e de motores importados.
No que concerne à expansão da rede no período de oiro foram efectuados os seguintes melhoramentos: em 1928, instalação de linha dupla desde o Arco de Almedina até aos Arcos do Jardim, e abertura da linha até ao Matadouro [atualmente junto à Igreja de Nª Sª de Lourdes]; em 1929, abertura da linha Arcos do Jardim - Calhabé, que permitiu a circulação ainda hoje [1986] em existente, de troleicarros por S. José, e abertura da linha Cumeada - Olivais; em 1932, prolongamento da linha dos Olivais até à Igreja de St. º António, construção da linha da Rua Abílio Roque, e prolongamento da via dupla até à Universidade; em 1934, construção da linha na Rua de S. João que permitiu a circulação pela Universidade.
Elétrico n.º 4 com “chora”. Col. Pedro Rodrigues Costa
1.4 - A opção pelos troleicarros
Quando no Relatório referente ao ano de 1938 se afirma que «sendo de desejar o aumento da rede de transportes, também é cada vez menos de aconselhar que ele se faça pelo sistema de carros eléctricos sobre carris», estava a iniciar-se o ciclo que conduziu ao abandono da utilização dos carros eléctricos em Coimbra.
A alternativa pretendida é referida pela primeira vez quando em 1943 se decide que nas «novas extensões da rede de transportes urbanos a estabelecer quando houver oportunidade - Santa Clara, Calhabé e Bairro do Loreto - deve adotar-se o sistema de «trolley-omnibus» em vez de via férrea».
Tal projecto começou a ser concretizado em 1946, com o início da montagem da linha aérea para Santa Clara, a qual viria a ser inaugurada 6 de agosto de 1947 e foi assim referida [Suíça Técnica]
«Graças à iniciativa dos Serviços Municipalizados da Cidade de Coimbra, Portugal está a ser dotado duma primeira linha de "trolleybus". Para experimentar este novo modo de transporte os Serviços Municipalizados escolheram uma pequena linha, de 2,5 km de comprimento ... a encomenda dos dois carros, foi dada à casa S.A. dos Ateliers de Sécheron de Genebre, Suíça, como empreiteira geral e fornecedora da parte eléctrica, e à casa S.A. Adolphe Saurer, de Arbon, Suiça, como fornece dora do chassis e da carroçaria.
A execução da linha de contacto foi confiada à Casa Kummler & Motter, de Zurique».
De salientar que, no entretanto, a elevada capacidade técnica atingida pelas oficinas dos Serviços Municipalizados tinha permitido, no ano de 1940, a construção do último carro eléctrico: o carro eléctrico nº 20, resultante da transformação da zorra adquirida nos anos 20.
Igualmente haverá que assinalar que ainda em 1940, foram efectuadas as obras que permitiram dar satisfação à conclusão de que «havendo três linhas próximas umas das outras, como se encontravam as da Cumeada, Olivais e Montes Claros, seria proveitoso ... a ligação destas linhas».
Neste período foi igualmente iniciada a utilização, por parte dos Serviços Municipalizados, de autocarros.
A primeira carreira foi a de Coimbra - Taveiro, com partida junto ao mercado, para a qual foram adquiridas, em 1938, 3 viaturas automóveis.
Posteriormente, em 1947, foi criada uma nova carreira que partindo do mesmo local reforçava as linhas de eléctricos para os Olivais. Quanto a aquisições assinale-se a aquisição, em 1948 de um autocarro de marca MACK e dois da marca DAIMLER.
1.5 - O declínio da utilização dos carros eléctricos
O início da década de 50 é caracterizada pelo declínio da utilização dos carros eléctricos. Primeiro, em Abril de 1951 foram os carros eléctricos substituídos por troleicarros, na linha nº 5, a actual carreira de S. José. Seguidamente, em 1954, a substituição é feita por autocarros, na linha nº 2; a da Estação Velha.
Isto, não obstante, ter sido neste período, em 1954, que foram realizadas as duas últimas alterações significativas nas linhas de carros eléctricos, a saber: a inauguração da carreira para o Tovim; e a montagem da linha na Rua Dr. Manuel Rodrigues, Av. Fernão de Magalhães e Largo das Ameias, permitindo a circulação da «Baixa».
Tendo sido ultrapassada neste período pela primeira vez, a barreira dos 10 milhões de bilhetes vendidos no decurso de um ano, o de 1952, o futuro para o sistema de transportes urbanos de Coimbra estava já traçado como decorre das aquisições efectuadas.
Em 1949, aquisição de 6 troleicarros; em 1953, encomenda de 3 troleicarros que entraram ao serviço no ano seguinte; em 1956, aquisição de 4 troleicarros e 1 autocarro; em 1957, aquisição de 4 chassis para troleicarros que carroçados nas oficinas dos Serviços Municipalizados, entraram ao serviço no ano seguinte; e aquisição de um autocarro.
Em 1959, o sistema de transportes urbanos de Coimbra era constituído pelas seguintes carreiras, que utilizam os tipos de veículos que se referem:
CARREIRAS VEICULOS UTILIZADOS
1 – Universidade Carros Eléctricos
1 – Museu “
1 – Penedo da Saudades “
3 – Cumeada-Olivais “
4 – Cruz de Celas “
7 – Tovim “
8 – Santo António “
5 – S. José - Av. Fernão de Magalhães Troleicarros
5 – S. José - Praça 8 de Maio “
5 – Portagem - Estádio “
5 – Praça da República - Liceu “
6 – Portagem - Almas de Freire “
– Coimbra - Taveiro Autocarros
– Estação Velha - Loreto “
De notar que, no decurso de 1959, se verificou a substituição da carreira 1 – Universidade por 1 - Penedo da Saudade, tendo igualmente sido efectuada a fusão das carreiras 3 – Cumeada - Olivais e 3 – Celas - Olivais, bem ·como a criação da carreira 8 – Santo António.
1.6 – O fim de um período
A Administração dos Serviços Municipalizados de Coimbra, no início da década de 70, referia o carro eléctrico como o «tipo de transporte que o progresso vai tornando obsoleto e por cuja eliminação das ruas da cidade muitos pugnam - e que acarreta menor prejuízo por ser o que exige menor dispêndio na manutenção e conservação».
Este entendimento, sequência de anteriores decisões, condicionou o desenvolvimento da rede de transportes colectivos de Coimbra.
Na realidade tendo a rede, na zona urbana, adquirido as dimensões adequadas à dimensão da Cidade, a partir do final da década de 60 assistiu-se ao seu alargamento às zonas suburbanas, e mesmo à zona rural.
Tal alargamento feito, essencialmente, com recurso a autocarros levou a um rápido crescimento do número de passageiros transportados. Assim, tendo em 1963 sido ultrapassado o número de 15 milhões, logo em 1967 o sistema transportava, pela primeira vez, num ano, mais de 20 milhões de passageiros.
Bilhete de carro elétrico
Este período e no que respeita à frota utilizada é caracterizado pelo sucessivo abate ao efectivo de carros eléctricos e pelo rápido aumento do número de troleicarros e autocarros disponíveis.
Assim existindo em 1969 20 carros eléctricos, 27 troleicarros e 31 autocarros, quando em 9 de Janeiro de 1980 os carros eléctricos deixaram de ser utilizados, era a seguinte a frota: 12 carros eléctricos; 27 troleicarros; e 70 autocarros.
De notar que contrariamente à entrada em funcionamento, o desaparecimento dos carros eléctricos das ruas da Cidade, foi quase que ignorado pelos Órgãos de Comunicação Social.
Museu dos Transportes Urbanos de Coimbra, vista geral
Museu dos Transportes Urbanos de Coimbra, pormenor da forja e da exposição documental
Deles resta o Museu dos Transportes Urbanos e a certeza, na opinião de um estudioso de que «para trás ficaram 69 anos de bons serviços tendo o sistema manifestado uma eficácia e uma resistência invulgares».
Costa, A.F.R. Museu dos Transportes Urbanos de Coimbra. Um contributo para a salvaguarda do património industrial. In: I Encontro sobre o Património Industrial. Coimbra – Guimarães – Lisboa. 1986. Actas e Comunicações. Associação Portuguesa de Arqueologia Industrial. Coimbra Editora, Limitada. Volume I, Coimbra, 1990. Pg. 265-278.
Foi recentemente divulgado na internet um trabalho intitulado O Museu Municipal de Coimbra: Contributos para o Programa do Núcleo Museológico do Carro Elétrico.
Trata-se do Relatório de Estágio de Mestrado em Política Cultural Autárquica, apresentada em 2016 ao Departamento de História, Estudos Europeus, Arqueologia e Artes da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, por Ana Filipa de Jesus Pereira. Estágio que teve como orientadora a Senhora Professora Doutora Maria Margarida Sobral Neto e como acompanhante responsável a Senhora Dr.ª Elisabete Carvalho.
Por razões éticas, dado que nos últimos 25 anos da minha carreira profissional exerci funções docentes, não irei discutir o mérito do referido trabalho, sem, contudo, deixar de sublinhar que a autora dispunha de fontes primárias e de informadores qualificados que marginalizou.
A obra apresentada tem, nas palavras da autora, como “principal objetivo contribuir para o enriquecimento dos conteúdos do futuro Núcleo do Carro Elétrico do Museu Municipal de Coimbra” o que a faz partir de um pressuposto errado.
Existe um Museu dos Transportes Urbanos de Coimbra, que ocupa a antiga oficina de reparações da rua da Alegria e que foi criado por decisão do Conselho de Administração dos Serviços Municipalizados, em 1982, apenas concretizada dois anos mais tarde, quando o seu Regulamento foi aprovado e os respetivos corpos diretivos empossados, ficando, desta forma, o Museu dotado de personalidade jurídica e de autonomia financeira. Ora, não tendo conhecimento de uma decisão formal da sua extinção e ainda que, lamentavelmente, as suas portas continuem vai 16 anos encerradas, a maioria do espólio que lhe dá razão de ser continua ali guardado.
O que seria de esperar é que a autora, depois de contextualizar a formação do Museu procurasse dar um contributo positivo para a sua revitalização e apontar caminhos que se inserissem no contexto das novas filosofias museológicas.
Face à minha intervenção no processo, considero ter o dever de comentar algumas situações que se encontram expressas ao longo do referido Relatório.
Desempenhava, na altura, o cargo de Diretor do Departamento de Cultura, Desporto e Turismo da Câmara Municipal de Coimbra e, nesta qualidade, fui chamado a exercer as funções de Diretor do Museu dos Transportes Urbanos de Coimbra, cargo que desempenhei durante os cinco primeiros anos de vida do mesmo.
As intervenções e trabalhos desenvolvidos no Museu durante o tempo em que fui responsável por aquela Instituição foram objeto de uma comunicação que apresentei ao “I Encontro sobre Património Industrial”, acontecido em Coimbra, Guimarães e Lisboa no ano de 1986 e publicada em 1990 no primeiro volume das Actas e Comunicações, pg. 265-278.
Irei republicar essa comunicação neste espaço, prometendo, desde já, se a minha saúde o permitir e logo que o Covid nos deixe, numa das conferências que vimos organizando, voltar a abordar o tema relacionado com o Museu Municipal de Coimbra,
Aqui, torna-se pertinente recordar que, em 2007, escrevi no livro Troleicarros de Coimbra. 60 anos de História que na minha perspetiva, o Museu dos Transporte Urbanos de Coimbra foi uma iniciativa que se pretendia como o primeiro núcleo de um projeto, ainda, tão necessário: o da criação de um Museu da Cidade, polinucleado, que abranja as múltiplas facetas de que o passado da nossa cidade se reveste.
Acresce que o Museu dos Transportes Urbanos de Coimbra esteve aberto ao público durante 13 anos, assentou num trabalho de recolha e investigação e ali estava guardado e exposto um património valioso, parte do qual foi recuperado e mantido no propósito imposto pelo respetivo Regulamento, o de poder vir a ser utilizado numa sonhada e nunca concretizada linha histórica.
Um Museu que tem a sua história e um trabalho que no livro em apreço foi resumido, na página 34, do seguinte modo: Importa por fim referir que neste espaço funcionou de 1982 a 1995 o Museu dos Transportes Urbanos de Coimbra, tendo sido o seu primeiro diretor António Rodrigues da Costa.
Perante o exposto, fica demonstrado que o principal objetivo da autora do trabalho não tem razão de ser, pois a haver um futuro Núcleo do Carro Elétrico, o mesmo terá que resultar da transformação do Museu dos Transportes Urbanos de Coimbra.
Aliás, é patente ao longo do Relatório, não só a intenção de passar uma esponja sobre o passado, cujo porquê não quero qualificar, bem como a tentativa de perspetivar um projeto salvífico que, como se disse, o poderia ser, mas com coordenadas bem diferentes das que foram apresentadas.
Embora desconhecendo as condições em que este tipo de estágio se efetua e não desejando formular processos de intenção, seja-me permitido, no entanto, manifestar a minha estranheza perante a (des)informação, nada compreensível, manifestada pela responsável deste trabalho efetivado no Museu Municipal de Coimbra, departamento de cuja equipa fazem parte Técnicos que ao tempo integravam o quadro de pessoal do Departamento de Cultura, Desporto e Turismo, que não podiam ignorar o que então se passou.
Quero ainda afirmar que um Museu não pode ser estático, tem de se ir transformando e adaptando, tanto à evolução das técnicas, como das novas filosofias museológicas que, entretanto, se vão desenvolvendo. Decorre destes pressupostos a necessidade de surgirem novos projetos, devidamente enquadrados, capazes de marcar o rumo dessa evolução; não se pode, contudo, esquecer o acervo existente, razão da sua existência, acervo esse que se torna necessário salvaguardar e manter. Qualquer museu, e este em especial devido às suas características, exige um trabalho permanente e persistente de investigação capaz de completar e explicar com maior profundidade a sua história e simbolismo.
Quero ainda de chamar a atenção para a legenda de figura 4 que afirma tratar-se da Fachada da Remise / Futuras instalações do núcleo do carro elétrico.
Em primeiro lugar direi que “remise” é uma palavra francesa que tem como um dos significados mais arcaicos e menos usuais o de garagem, cocheira e recolha e que manda a verdade que esse termo foi utilizado por algumas pessoas para designar o local de recolha dos carros elétricos. Mas, também, manda a verdade que se diga que usualmente era usada a palavra portuguesa recolha.
Vista geral das instalações. 1911 c. Col. Carlos Ferrão
Acontece, ainda, que o termo inicialmente utlizado para designar o local destinado a guardar os carros elétricos, foi o de cocheira, como se pode verificar numa fonte secundária, o Noticias de Coimbra datado do início de janeiro de 1911, onde se pode ler que a cocheira, situada junto à Central, tem espaço para recolher onze carros, tendo junto a oficina de reparações, o atelier de pintura e os armazéns de material.
Ora, a zona fotografada no livro em apreço, diz respeito à área da oficina de reparações e como tal foi salvaguardada aquando da abertura do Museu. Daí, a legenda estar errada.
Por último recordo que existiram em Coimbra três locais de recolha dos carros elétricos.
A primeira foi atrás referida, a qual com a expansão da frota, foi transferida para a antiga fábrica de produção de gás de iluminação, na rua Figueira da Foz.
Recolha dos carros elétricos na fábrica do gás. Coleção Carlos Ferrão
Com a cedência desses terrenos ao Ministério da Justiça e a criação das oficinas na margem esquerda do rio Mondego, a recolha dos elétricos voltou à rua da Alegria, mas ocupou um outro local como se documenta na imagem que seguidamente se publica.
Recolha de elétricos na zona da Alegria
Rodrigues Costa
Num dos seus passeios de fim-de-semana um nosso familiar deparou-se com um edifício localizado a sul de Tentúgal e como tal no concelho de Montemor-o-Velho que lhe despertou a atenção pela sua grandiosidade e estado de destruição em que se encontra. Do mesmo fez, entre outras, com as seguintes imagens.
Paço de Tentúgal, 1. Foto Dora Matos
Paço de Tentúgal, 2. Foto Dora Matos
Paço de Tentúgal, 3. Foto Dora Matos
Paço de Tentúgal, 4. Foto Dora Matos
Paço de Tentúgal, 5. Foto Dora Matos
Paço de Tentúgal, 6. Foto Dora Matos
As fotografias vinham acompanhadas de um desafio: “deve dar para uma entrada do seu blogue”. Desafio que pelo presente assumo.
As fotografias são – segundo o site www.monumentos.gov.pt – do Paço do Infante D. Pedro, também designado por: Quinta do Paço, Paço dos Condes de Tentúgal, Paço dos Duques de Cadaval e Paço de Tentúgal.
Mais ali é referido que se trata de um imóvel classificado por Portaria de 31 de julho de 2013, como MIP – Monumento de Interesse Público e está localizado em zona "non aedificandi", sendo o monumento assim descrito:
O Paço de Tentúgal, originalmente constituído por casa, eira, celeiro e capela, já referidos em documentação do último terço do século XV, fazia parte da extensa Quinta do Paço, integrada nos férteis campos do Mondego, tudo indica doada em 1413 por D. João I ao Infante D. Pedro, futuro duque de Coimbra, e que em 1417 obteve a jurisdição da vila.
O conjunto arquitetónico terá sido reconstruído por D. Pedro na mesma época, quando patrocinou igualmente a construção da igreja matriz local, cujo portal principal apresenta modelo muito semelhante ao da capela do paço. Apesar das obras de reedificação levadas a cabo no século XIX, que se seguiram a duas centúrias de abandono e vandalização, tendo alterado profundamente as suas características estruturais, e embora atualmente se conservem apenas as paredes da capela e do celeiro e uma parte do paço, é ainda possível distinguir no notável conjunto, de volumetria intacta, diversas estruturas quatrocentistas e quinhentistas de grande interesse.
Nelas se inclui a capela tardo-gótica, dedicada a São Miguel, de que restam as paredes, de altura invulgar, e o pórtico ogival, que constitui talvez o primeiro exemplar de um ciclo arquitetónico que abrange a igreja do Convento de Santiago de Palmela, igualmente patrocinada por D. Pedro.
O palácio, um dos raros paços conservados em Portugal, é composto por diversos corpos pontuados pela disposição das aberturas ogivais e pelas altas chaminés, dominando um pátio nobre formado por um conjunto de arcadas com capitéis ornados de folhagem e motivos de inspiração andaluza que se repetem nas colunas de mármore branco da loggia de gosto renascentista. No vasto celeiro situado à direita do paço, já datado de finais do século XVI, destacam-se o portal clássico e o curioso interior, com três naves separadas por colunas dóricas com arcos de volta perfeita, tipologia única em construções de caráter agrícola.
Para quem estiver interessado em aprofundar o seu conhecimento sobre este imóvel, poderão ser consultados os seguintes sites:
http://www.monumentos.gov.pt/Site/APP_PagesUser/SIPA.aspx?id=5214, para além de apresentar 11 fotografias e um mapa são referidos outros dados.
Onde, nomeadamente, é referida a existência de uma eira (com 100 m de comprimento por 60 m de largura), onde, em tempos idos, se granjeava não só o milho, como se procedia à secagem dos dízimos. Atualmente, este local está ocupado por uma vinha.
Um artigo publicado pelo Doutor Rui Lobo da Universidade de Coimbra, sob o título Paço Ducal de Tentúgal: património a proteger com urgência (2011), no qual é contada a história do imóvel e do processo que levou à sua classificação onde, nomeadamente, é referido que o conjunto foi muito alterado ao longo dos anos. Estaria já em ruínas em 1721, tendo sido incendiado pelos liberais em 1834. Foi depois reconstruído sem critério, ainda no século XIX, na forma atual.
Antes de terminar não posso deixar de lamentar, profundamente, que um edifício tão carregado de história esteja na situação em que se encontra, não se vislumbrando um fim feliz para o mesmo.
Rodrigues Costa
Para os mais velhos, ao falar do Coro D. Pedro de Cristo está, sempre, associado o nome do Dr. Francisco Faria.
Recorda Maria do Rosário Pericão, uma das fundadoras do Coro.
Com efeito o Dr. Francisco apresentava já, naquela época [aquando do início do Coro] um notável curriculum como fica demonstrado nos dados biográficos então divulgados e que nos permitimos transcrever.
«Nascido em S. Paio de Seide (V.N. de Famalicão) no ano de 1926, Francisco Faria começou os seus estudos no Seminário Diocesano de Braga, tendo como professor seu irmão o compositor Manuel Faria e continuou os seus estudos musicais em Coimbra ao mesmo tempo que cursava Direito o que concluiu em 1954 … em 1961 foi nomeado professor de História da Música da Faculdade de Letras de Coimbra.
Durante a sua permanência em Coimbra e ainda estudante, participa em todas as manifestações musicais que culminaram na criação do Coral dos Estudantes da Faculdade de Letras de que foi Diretor Artístico e à frente do qual durante quase dezasseis anos deu o melhor do seu trabalho e saber conduzindo-o aos maiores sucessos no país e no estrangeiro.
Homenagem do Coro e do Instituto de Justiça e Paz que atribuiu o nome de Francisco Faria, à sala de ensaios. 06.07.2016
Tendo sido honrado com o pedido de um curto depoimento para esta obra ali figura o seguinte texto.
Acompanhei o nascimento do Coro D. Pedro de Cristo, mas o meu relacionamento com o grupo assumiu outra dimensão depois de ter passado a exercer as funções de primeiro Diretor do Departamento de Cultura da Câmara Municipal de Coimbra, Foi no exercício desse cargo e da amizade então cimentada com o Dr. Francisco Faria - pessoa com quem tanto aprendi - que aprofundei o meu conhecimento acerca das escolas de música que outrora existiram em Coimbra, da importância do Patrono do Grupo na música coral portuguesa e da pertinência deste tipo de música.
Posso afirmar a qualidade do Coro recordando uma pequena história, No âmbito da geminação de Coimbra com Poitiers, o Coro D, Pedro de Cristo, em permuta com o Chorale Josquin des Prés, deslocou-se àquela cidade, onde atuou. O nível artístico atingido mereceu, na imprensa local, lisonjeiras referências.
Retribuindo a visita, o referido Chorale deslocou-se a esta cidade e realizou um concerto na Sé Nova. Recordo a «zanga» de Francisco Faria, quando, no decurso da atuação do grupo constatou que o mesmo, a fim de atingir uma qualidade semelhante à patenteada pelo grupo português, tinha sentido necessidade de se socorrer da colaboração de profissionais do canto. Fica o meu testemunho.
Concerto de Reis dedicado aos utentes e funcionários do Solar das Chãs. 05.01.2020
Medalha comemorativa do cinquentenário do Coro D. Pedro de Cristo
Pereira, I.B., Pedro, I., Figueiredo G.T. Coordenadores. Coro D. Pedro de Cristo. 50 anos: memórias e história(s). 1970-2020. Coimbra, Coro D. Pedro de Cristo – Associação Cultural.
O antigo coralista Dr. Francisco José Jacob Neves salienta que o Coro D. Pedro Cristo ao optar claramente por incluir música antiga no seu reportório leva a que o coro continue a interpretar regularmente ainda os «Quatro Responsórios de Natal» de D. Pedro da Esperança, compositor da mesma escola. Nas largas dezenas de folhas de sala que o coro possui no seu arquivo vemos ainda obras dos cancioneiros tardo-medievais e maneiristas ibéricos e obras de todas as épocas até ao séc. XXI de compositores portugueses e estrangeiros.
… A influência musical e o gosto especial que o coro tem pela música de produção nacional tem também origem nas apostas do seu primeiro diretor que marcaram um estilo que ainda hoje se mantém. Quatro grandes compositores se destacam neste âmbito: o patrono do coro, D. Pedro de Cristo, o seu irmão e compositor Padre Manuel Faria, o professor e compositor Mário de Sousa Santos e o compositor e etnomusicólogo Fernando Lopes-Graça.
Concerto no Colégio de S. Teotónio em Coimbra. 16.03.1979. Op. cit. Pg. 201
Senhor de um grande historial o Coro tornou-se ao longo dos anos uma grande família com uma atividade notória e com uma intervenção musical, cultural e social muito significativa.
Não havendo registo sistemático e global de todos os concertos … foram levadas a cabo 670 atuações comprovadas … destas cerca de 35 foram no estrangeiro.
Digressão do Coro a França – Região da Alsácia. Março e Abril de 1980. Op. cit. Pg. 208
Apresentou mais de 350 obras de 72 autores nacionais e estrangeiros. Participaram nestas atividades cerca de 520 coralistas, aproximadamente entre 40 a 60 por ano,
Leonor Martins de Almeida, único elemento ativo desde a fundação do Coro, recorda de forma emocionada a vivência que nele se vive, salientando que ao mesmo tempo que o Coro se foi afirmando pela sua qualidade artística, o grupo foi-se tornando mais coeso, um verdadeiro grupo de amigos … Em particular, nos naipes geraram muitas amizades para a vida.
Recorda ainda como foi assegurada a continuidade. Inevitavelmente, a idade já um pouco avançada do nosso querido «Chefe», obrigou-o a procurar por vários momentos, uma alternativa para a sua substituição como maestro do Coro. A Cristina Faria surgia sempre com a alternativa óbvia, mas ela entendia não ser ainda o seu tempo e o «Chefe» lá se foi mantendo e, finalmente, em 2009, a Cristina acabou por aceitar ficar como maestrina, a pedido insistente do Coro e do seu Pai.
Concerto de Reis, no Conservatório de Música de Coimbra. 11.01.2020. Op. cit. Pg. 175
Via a Cristina Faria ainda criança, no início do Coro a deambular pela sala dos ensaios e, mais crescida, como soprano quando entrou para o Coro, em 1976. E que soprano! Uma voz belíssima … E agora ali estava ela, a dirigir o Coro, uma maestrina com muita «garra», com o seu estilo próprio.
Pereira, I.B., Pedro, I., Figueiredo G.T. Coordenadores. Coro D. Pedro de Cristo. 50 anos: memórias e história(s). 1970-2020. Coimbra, Coro D. Pedro de Cristo – Associação Cultural.
Foi recentemente pulicado o livro Coro D. Pedro de Cristo. 50 anos: memórias e história(s). 1970-2020. Com estas três entradas – constituídas por textos e imagens ali publicadas – queremos homenagear um Coro que tem honrado a cidade de Coimbra e levado o seu nome por esse Mundo fora. Pelo meu lado, simplesmente: OBRIGADO.
Coro D. Pedro de Cristo. 50 anos: memórias e história(s). 1970-2020, capa
No programa do seu 1.º concerto, realizado em 16 de maio de 1970, era referido.
O Coro D. Pedro de Cristo, para além da cultura dos seus componentes e convivência através do canto, propõe-se contribuir para a animação e renovação das liturgias, bem como para a difusão da arte musical para um público que geralmente não participa em espetáculos.
Tudo tinha começado quando o Doutor José Antunes, um dos elementos fundadores do Coro, em Março de 1970, ao ter conhecimento de que o Dr. Francisco Faria se encontrava desvinculado da direção artística do Coral de Letras da Universidade de Coimbra, procurei, de imediato, o bom e grande amigo de longa data. Encontrámo-nos, e em conversa muito franca e cordial, comunicou-me que muito ambicionava fundar um Coro. Dada tão peculiar coincidência de planos e até de objetivos entre ambos, sugeri então ao distinto maestro que poderia levar por diante o seu auspicioso projeto, criando e integrando um Coro do Centro de Estudos Teológicos, como prolongamento da cadeira de Liturgia, comprometendo-me, pela minha parte, a proporcionar condições favoráveis e sede própria. E foi assim que com um misto de bom entendimento e de júbilo, surgiu, em boa e ditosa hora, o grupo coral denominado (por feliz sugestão do Dr. Francisco Faria), Coro de D. Pedro de Cristo. Um nome, aliás, recebido com plena satisfação por todos os seus primeiros componentes, porquanto evocava e prestava merecida homenagem a um insigne e grande compositor português, dos finais do século XVI e princípios do século XVII, o Cónego Regrante D. Pedro de Cristo (1550-1618), verdadeiro "esplendor musical" do prestigiado Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra.
Concerto em 19.06.1970. Claustros do Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra. Op. cit. Pg. 178
Não admira, por isso que um bom grupo de jovens universitários, constituído por crentes e não crentes, assim como outros elementos fora da Universidade, tenham aderido, de imediato, ao Coro D. Pedro de Cristo, logo que surgiu como grupo, no meio académico, desejosos de levar a todos os recantos a boa arte musical, bem conscientes, como hoje, de que a difusão do belo não tem fronteiras.
Basílica de S. Pedro em Roma, 02.12.2010. Depois da participação na missa. Op. cit. pg. 256
Pereira, I.B., Pedro, I., Figueiredo G.T. Coordenadores. Coro D. Pedro de Cristo. 50 anos: memórias e história(s). 1970-2020. Coimbra, Coro D. Pedro de Cristo – Associação Cultural.
O arco de honra, igualmente conhecido por Arco de São Sebastião, está disposto obliquamente devido à posição da artéria pública sobre a qual passa, diferenciando-se dos restantes pelo tratamento material e composição artística. Dispõe, pois, na verdade, de um conjunto de inscrições e esculturas, de cariz religioso, que em muito o enobrecem.
Aqueduto. Arco de S. Sebastião
Assim, em cada uma das faces da cornija superior, logo acima do fecho do último arco do extremo sul, foram aplicados, em posição central, o escudo com armas reais portuguesas, ladeadas em posição inferior com as lápides referentes à construção do aqueduto com os textos encomiásticos divididos em duas tábuas, datados de 1570. Na face sul, orientada para a Alameda Doutor Júlio Henriques, a inscrição surge em latim, e na face norte, virada para a Praça Papa João Paulo II, a respetiva tradução em português.
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Resumindo o conteúdo dos testemunhos epigráficos, podemos salientar o cuidado do monarca em dotar de água potável a principal zona urbana frequentada pela comunidade escolar, que fora responsável pelo crescimento imediato do núcleo urbano conimbricense.
Aqueduto. Arco de S. Sebastião, templete
A coroar o respetivo arco principal, sobre o canal adutor, ergue-se um pequeno templete, de planta trapezoidal, composto por colunas dóricas que suportam uma cúpula e lanternim superior. Em cada um dos flancos, cada um dotado com o respetivo nicho, encontra-se as esculturas dos oragos do aqueduto: a de São Sebastião disposta na face sul, e a de São Roque, na face norte.
Aqueduto. Arco de S. Sebastião, imagem de S. Roque
Aqueduto. Arco de S. Sebastião, imagem de S. Sebastião
Desconhecemos, no entanto, o nome do arquiteto responsável pelo projeto, assim como o dos mestres-de-obras que conduziram os diversos trabalhos construtivos.
Pacheco, M.P.D. Do aqueduto, das fontes e das pontes: a arquitetura da água em Coimbra de Quinhentos. Acedido em https://www.academia.edu/37539380/DO_AQUEDUTO_DAS_FONTES_E_DAS_PONTES_A_ARQUITETURA_DA_ÁGUA_NA_COIMBRA_DE_QUINHENTOS
Se o leitor bem reparar, na imagem de S. Sebastião vêm-se dois orifícios no tronco, onde estavam inseridas duas setas que, quanto se dizia, eram de prata.
Um dia um estudante, disseram logo as más línguas de Coimbra, condoído com o “sofrimento” secular da imagem, arranjou maneira de subir até lá e “retirou” as setas, deixando um letreiro: Basta de tanto sofrer!
Plagiando os italianos esta história se é verdadeira, tem graça. Para além de reveladora de um certo espirito académico que, com os anos, tem vindo a desaparecer.
Assumindo-se hoje como um dos marcos históricos mais emblemáticos da cidade, o mais antigo aqueduto de Coimbra, de duplo orago sebástico – pois foi reconstruído por ordem régia do monarca D. Sebastião e dedicado ao mártir romano São Sebastião –, tem as suas origens numa construção que remonta ao período da romanização do território que é hoje Portugal.
Arcos do Jardim. 1920 c. Coleção Regina Anacleto
Esta estrutura de abastecimento de água potável à cidade, localizada entre a colina onde se erguia o desaparecido Colégio de Nossa Senhora da Conceição e o atual Convento de Santa Teresa e o Fontanário dos Bicos, no Largo da Feira dos Estudantes, em plena Alta Universitária, possui ainda um segundo orago, São Roque, santo que, com São Sebastião, assume o papel de especial protetor contra o flagelo da peste. A escolha destes dois santos patronos está intimamente ligada ao surto pestífero que grassou em Coimbra nos finais da década de 1560, período da construção do aqueduto. Contudo, vingou na história da cidade o patrono onomástico do monarca.
No decorrer da obra, D. Sebastião enviara, em 1568, o desembargador Heitor Borges com ordens diretas para proceder ao aprovisionamento da água necessária a distribuir à cidade e à comunidade monástica de Santa Cruz, detentora de grande parte das nascentes urbanas.
Contudo, os Cónegos Regrantes, reagindo ferozmente contra as decisões régias, acabaram mesmo por excomungar os oficiais envolvidos e entrar em esgotantes demandas judiciais com a Coroa, levando a sucessivos atrasos nas obras de construção, que, mais tarde, seriam assumidas por um outro desembargador mais enérgico, Martim Gonçalves da Câmara.
Igualmente excomungado, este oficial não só iria continuar a obra com a celeridade necessária, como iria enfrentar o potentado crúzio, aplicando-lhe pesadas multas pelos entraves causados à obra real, e, sobretudo, pela água usurpada ilegalmente ao município. No seguimento dos trabalhos construtivos, foram demolidos alguns setores do muro da cerca monástica e cortado o arvoredo envolvente junto dos pontos de captação de água para proceder à edificação de pequenas torres, em alvenaria, onde ficariam instaladas as arcas de armazenamento do precioso líquido. Além das expropriações e demolições efetuadas, o oficial régio mandara ainda arrasar o chafariz de São João do Largo de Sansão, que fora erguido em frente à igreja de Santa Cruz durante o priorado de D. Afonso Martim de 1392 a 1414.
AHNC. Livro II da Correa, Mapa. Com indicação das fontes que abasteciam o aqueduto
Rua Pedro Monteiro, claraboia onde se juntava a água que ia o aqueduto
Denominadas de fontes de el-Rei e da Rainha, as nascentes que iriam abastecer o centro da cidade com água potável estavam localizadas junto do quinhentista Colégio de Tomar, sobre o qual foi levantado o edifício da Penitenciária de Coimbra nos finais do século XIX, e, nas proximidades da estrada para Celas. Em local próximo encontrava-se ainda a denominada Fonte da Nogueira, atualmente no Jardim da Sereia que, por alvará régio lavrado em 4 de Abril de 1588 e mais tarde reconfirmado em 20 de Abril de 1736, deveria ser vistoriada anualmente pelos oficiais camarários.
Inicialmente com uma extensão de aproximadamente de um quilómetro, o aqueduto de São Sebastião, popularmente conhecido como Arcos do Jardim, é hoje constituído por apenas vinte e um arcos dispostos ao longo da Calçada Martim de Freitas e da Praça João Paulo II. Superando uma relativa depressão territorial, os arcos, uns semicirculares e outros abatidos, estão assentes em robustos pilares de faces externas dispostas em degrau que, por sua vez, suportam no topo o canal adutor. Este, coberto por abóbada de berço, só seria desativado no século XX, por volta do ano de 1942. Quanto ao aparelho construtivo podemos indicar a presença de alvenaria de pedra calcária, fixada com argamassa e reboco, recentemente beneficiado.
A partir do setor nascente do atual edifício do Departamento de Matemática da Universidade de Coimbra, a estrutura aquífera continuaria o seu percurso subterraneamente até alcançar o Largo da Feira dos Estudantes, junto da concatedral.
Largo da Feira dos Estudantes, Fontanário dos Bicos
Entretanto, nos finais da década de 1940, no seguimento da reorganização urbanística da Alta para a construção da Cidade Universitária de Coimbra, alguns dos arcos seriam destruídos para a abertura da atual rua do Arco da Traição, enquanto outros, junto ao Jardim Botânico, acabariam por ser desobstruídos do casario habitacional que havia sido edificado ao longo dos tempos. Quando a Academia Nacional de Belas Artes lançou, em 1947, o Inventário Artístico de Portugal, dedicado à cidade de Coimbra, denunciava-se que “o estado do aqueduto é de meio abandono; encontrando-se bastante prejudicado pelas infiltrações da água do cano”, ou seja, ainda se encontrava em funcionamento.
Pacheco, M.P.D. Do aqueduto, das fontes e das pontes: a arquitetura da água em Coimbra de Quinhentos. Acedido em https://www.academia.edu/37539380/DO_AQUEDUTO_DAS_FONTES_E_DAS_PONTES_A_ARQUITETURA_DA_ÁGUA_NA_COIMBRA_DE_QUINHENTO
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