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Muitos de nós, especialmente os que têm mais de 60 anos, já ouviram falar da Lei das Sesmarias. Mas o que poucos sabem é que no Arquivo Histórico da Câmara de Coimbra se encontra guardado um exemplar dessa lei.
AHMC. Lei das Sesmarias, capa
Recordo que a palavra sesmarias, entre outros significados, diz respeito a terras não cultivadas ou abandonadas e que a Lei das Sesmarias foi promulgada em Santarém, em de maio de 1375, reinava D. Fernando.
Surgiu por força das grandes dificuldades decorrentes da peste negra que levou a uma forte redução da mão-de-obra nos centros urbanos, a uma subida dos salários dos artesãos e à consequente migração dos que trabalhavam a terra para as cidades.
O resultado foi que a seguir à peste, veio a fome por escassez de cereais. Daí o surgir de uma lei que tentava fixar os trabalhadores rurais e que tinha como a mais forte medida, a expropriação da terra se os seus donos a não trabalhassem.
De uma forma muito simplista é este o enquadramento da Lei das Sesmarias, cujos resultados efetivos se desconhecem.
Do exemplar coimbrão – que está guardado em Pergaminhos Avulsos e tem o número 29 – as Técnicas em serviço no AHMC fizeram:
. Transcrição paleográfica.
. Versão para português actual, complementada por um Glossário de Termos.
Trabalho que permite a qualquer um poder ler o documento, o qual se encontra dividido nos seguintes itens: Exórdio da ordenação da lavoura; Ordenação de como as herdades devem ser lavradas; Dos bois; Dos mancebos e Servidores; Dos pedintes e religiosos; Dos vedores e dos que hão de constranger para servir; Dos gados; Dos mercadores.
O exemplar coimbrão termina com o seguinte item.
AHMC. Lei das Sesmarias, folha 12 pormenor
Item cuja versão para português atual é a seguinte
Publicação de Coimbra
Era de mil e quatro centos e treze anos, primeiro dia de Junho na cidade de Coimbra, presentes Gil Anes, vassalo d’el rei e sobre juíz na Casa do Civel e Corregedor em essa casa e na dita cidade e Gonçalo Miguéis, ouvidor do crime e Gonçalo Anes, sobrejuíz e Gonçalo Martins, procurador nos feitos d’el rei e Afonso Martins Alvernaz, juiz por esse senhor na dita cidade e Outros muitos homens bons chamados e ajuntados para isto foram publicadas e lidas estas ordenações suso escritas. Eu Estevão Anes, escrivão da chancelaria da dita casa isto escrevi.
Egidius Johanis (assinatura autógrafa)
Arquivo Histórico Municipal de Coimbra. Lei das Sesmarias, 1375. Transcrição paleográfica. Versão para português actual e Glossário de Termos. Coimbra, sem data.
1441, Março, 9, Lamego
PT/AHMC/COI/ nº 64
Cartas Originais dos Infantes. 10/24
Carta de D. Afonso, intitulando-se rei de Portugal e do Algarve e senhor de Ceuta, assinada pelo infante D. Pedro, seu tio, tutor e curador e regente do reino, para o Corregedor da Comarca da Estremadura, Mendo Afonso e para os contadores Álvaro Anes, Lourenço Anes, Afonso Vasques e Fernão Vasques, mandando apregoar e registar no respectivo livro da câmara, o novo valor dos leais de prata, lavrados por el rei D. Duarte, (com o valor de um leal equivalente a dez reais brancos), ficando a valer desde agora, um leal doze reais brancos, devendo ser esse o novo valor para calcular o pagamento das rendas e dívidas à fazenda real.
selo: vestígio de dois selos grandes redondos [de D. Afonso ?] e com uma assinatura abreviada, do chanceler?.
escrivão: Rui Vasques
assinatura autógrafa: uma cruz, Infante Dom Pero
1447, Novembro, 23, Soure.
PT/AHMC/COI/ nº 76
Cartas Originais dos Infantes. 48/56
Carta do infante D. Henrique, aos juízes, vereadores, procurador e homens bons da cidade de Coimbra, pedindo que guardassem os privilégios, aos caseiros encabeçados da Ordem de Cristo, em Quimbres, que os escusam dos cargos e servidões do concelho, desculpando se de não remeter prova dos ditos privilégios, por estar o tombo guardado no convento da sua vila de Tomar.
escrivão: o próprio infante?
assinatura autógrafa: I. d. a.[Infante Dom Anrique]
remetente: por o infante dom Amrique duc de Viseu e Senhor de Covilha
[1471], Novembro, 7, Lisboa.
PT/AHMC/COI/ nº 77
Cartas Originais dos Infantes. 50/56
Carta da infanta D. Joana, filha de D. Afonso V, aos juízes, vereadores, procurador, fidalgos, cavaleiros e povo da cidade de Coimbra informando da tomada das praças de Arzila e Tânger aos mouros, e da satisfação do rei e do príncipe D. João e recomendando também aos povos que fizessem preces e estivessem preparados para a guerra.
escrivão: a própria infante
assinatura autógrafa: Infante
remetente: por a infante
Arquivo Histórico Municipal de Coimbra. Catálogo da Colecção. Cartas Originais dos Infantes. [1418]-1485. 2009. Coimbra AHMC.
1430, Abril, 11, Camarate.
PT/AHMC/COI/ nº 15
Cartas Originais dos Infantes. 34/44
Carta do Infante D. Duarte, ao concelho e homens bons da cidade de Coimbra, pedindo que escusassem dos encargos do concelho, Gil Gonçalves, morador em Coimbra, criado do Bispo de Maiorca, durante a ausência do Bispo, em Roma, em serviço do Rei.
escrivão: Garcia Rodrigues
assinatura autógrafa: Infante [D. Duarte]
remetente: por o infante [D. Duarte]
destinatário: Ao concelho e homens bons cidade de Coimbra.
1437, Fevereiro, 18, Paços de Tentúgal.
PT/AHMC/COI/ nº 38
Cartas Originais dos Infantes. 24/428
Carta do infante D. Pedro, aos homens bons da cidade de Coimbra, recomendando aos vereadores que acordassem onde melhor poderia ficar o caneiro real, e também que cumprissem a ordenação, quanto à eleição de Luís Geraldes, para o cargo de juiz, pois fora vereador no ano anterior, devendo por isso ser escusado de servir novamente.
selo: vestígio
escrivão: Bento Anes
assinatura autógrafa: Infante Dom Pero
1440, Dezembro, 1, Almeirim.
PT/AHMC/COI/ nº 53
Cartas Originais dos Infantes. 2/24
Carta da rainha D. Leonor, aos fidalgos e cavaleiros, juízes, vereadores, procurador e homens bons da cidade de Coimbra comunicando a todos os lugares o seu bom entendimento com o infante D. Pedro, duque de Coimbra e que com ele faria a regência do reino, na menoridade de D Afonso V.
selo: selo de chapa bem conservado com as armas da rainha
escrivão: Luís Eanes
assinatura autógrafa: a treste reynha
remetente: [por a reynha]
Arquivo Histórico Municipal de Coimbra. Catálogo da Colecção. Cartas Originais dos Infantes. [1418]-1485. 2009. Coimbra AHMC
No Arquivo Histórico Municipal de Coimbra existe uma coleção de 79 manuscritos originais às quais foi atribuída a designação de Cartas Originais dos Infantes. [1418]-1485.
Sendo as Cartas Originais maioritariamente subscritas pelo Infante D. Pedro, nela estão também incluídos manuscritos subscritos por D. João I (1), D. Duarte (3), D. Afonso V (1), Rainha D. Leonor (1), Infanta D. Joana filha de Afonso V (3) e Infante D. Henrique (2)
Dessa coleção foi elaborado pelas Técnicas que ali prestam serviço, em 2009, um Catálogo da Coleção do qual retiramos os textos referentes aos exemplos que apresentamos desta valiosíssima coleção.
[1418], Fevereiro, derradeiro dia, Évora.
PT/AHMC/COI/ nº 1
Cartas Originais dos Infantes. 6/44
Carta d’el rei D. João I, ordenando que para as cortes, que se realizarão em Santarém, no dia 1 de Maio seguinte, elegessem dois procuradores. As cortes eram convocadas para decidir sobre como proceder se o rei de Castela (D. João II) não jurasse o tratado de paz acordado entre as duas coroas.
escrivão: Martim Anes
assinatura autógrafa: não tem
remetente: por el rey
destinatário: Ao concelho e homens bons da cidade de Coimbra
1429, Janeiro, 9, Benavila
PT/AHMC/COI/ nº 2
Cartas Originais dos Infantes. 8/44
Carta do Infante D. Pedro recomendando aos juízes e homens bons da cidade de Coimbra que escusassem do cargo de procurador do concelho, Pedro Domingues, pedido feito por intercessão de Bento Martins, capelão do Duque.
selo: vestígio
escrivão: Bento Peres
assinatura autógrafa: Infante Dom Pero
remetente: [por o infante Dom Pedro]
[1429], Abril, 13, Aveiro
PT/AHMC/COI/ nº 7
Cartas Originais dos Infantes. 18/44
Carta do Infante D. Pedro ao concelho e homens bons da cidade de Coimbra, comunicando o resultado do acordo realizado entre si e o prior do Mosteiro de Santa Cruz sobre o abastecimento de água das Fontes d’el Rei e da Fonte da Rainha, Fonte Nova e Fonte de Sansão, ficando apenas a água desta última para o Mosteiro.
selo: vestígio
escrivão: Elias Gonçalves
assinatura autógrafa: Infante Dom Pero
Arquivo Histórico Municipal de Coimbra. Catálogo da Colecção. Cartas Originais dos Infantes. [1418]-1485. 2009. Coimbra AHMC
Os seguidores da regra instituída por São Francisco entraram na cidade de Coimbra em 1217, fixando-se, inicialmente, nas proximidades da pequena ermida de Santo Antão, numa circunscrição que podemos situar na atual igreja de Santo António dos Olivais.
O levantamento de instalações próprias iniciou-se 30 anos depois, a partir da edificação do complexo conventual junto à ponte, na margem esquerda do Mondego, próximo do hodierno estádio universitário. Mais tarde, em 1314, terá como vizinhança a morada das clarissas conimbricenses que professavam a mesma regra.
Se a intervenção do infante D. Pedro, já em 1247, nos parece fundamental no impulso dado à fundação e respetiva ereção do convento franciscano, os contributos monetários deixados, em testamento, pela sua irmã D. Constança Sanches (falecida em 1269), auxiliaram na continuação da referida empresa. Em 20 de janeiro de 1362, a igreja foi sagrada por D. Vasco, antigo arcebispo de Toledo, assumindo, à época, o cargo de administrador da Diocese conimbricense.
A austera vida quotidiana presente no medievo convento de São Francisco da Ponte contou, desde cedo, com as várias intempéries trazidas pelo Mondego, entre o assoreamento do leito e as consequentes inundações das margens. Da representação gráfica de Coimbra de George Hoefnagel, datada de 1581, transparecem tais dificuldades, uma vez que as águas ladeiam, já com alguma perigosidade, o seu edifício, bem como o análogo cercano pertencente às clarissas.
Na mesma fonte documental são visíveis os resultados nefastos das investidas fluviais, através da representação do mosteiro de Santa Ana - morada das cónegas regrantes de Santo Agostinho - já em ruínas, totalmente cercado por água, uma autêntica ilha no leito do Mondego.
Gravura da cidade de Coimbra nos finais do séc. XVI… George Hoefnagel
O abandono efetivo das instalações franciscanas mediévas ocorreu nos últimos anos do século XVI. Na centúria seguinte, mais propriamente a 2 de maio de 1602, lançou-se a primeira pedra para a edificação de um novo complexo conventual, nos terrenos na margem esquerda do rio, em local mais defensável das suas investidas
… Graças às esmolas recolhidas pelos fiéis, a construção do espaço foi avante, permitindo, já a 29 de novembro de 1609, a passagem dos religiosos para as novas instalações, ainda em fase de edificação
Epígrafe que invoca a construção do novo convento de Sâo Francisco (foto de António Cal Gonçalves), pg. 66
Em termos estético-estilísticos, podemos enquadrar a nova construção conventual nos cânones estéticos do maneirismo, bem presentes na fachada do edifício, de cuja descrição se encarregou o historiador de arte António Nogueira Gonçalves nos seguintes modos: “A frontaria da igreja, grande mas de simples composição de pilastras, divide-se em três zonas: a baixa, com os cinco arcos do átrio; a das janelas, mais estreita, acolitada de dois torreões cheios, terminados em obeliscos; a terminal, só com o grande nicho, onde se encontra uma fraca escultura da Senhora da Conceição, acompanhado de duas outras menores e independentes, S. Francisco e outro santo da Ordem [Santo Antônio]. A sineira fica recuada da linha da fachada; mostra uma ventana grande e, como apenso, uma outra muito menor, para sineta".
O programa estabelecido para o interior da igreja consubstanciou-se numa nave de grandes dimensões, ladeada por três capelas laterais em cada lado, com ligação à zona conventual no lado da Epístola, localizando-se ainda, sobre o nártex, um coro alto que detinha passagem para os espaços privados dos frades franciscanos.
Fachada principal do convento de São Francsco (foto de António Cal Gonçalves), pg. 67
Importa, de igual modo, compreender as restantes dependências que ladeavam a igreja, insertas numa fachada de três filas de janelas colocadas de modo simétrico. Neste quadrante encontram-se a casa do capítulo, a livraria (ou biblioteca), oficinas, os corredores dos dormitórios e respetivas celas, o claustro e nas suas proximidades outras demarcações de intuito doméstico, identificadas como sendo a cozinha, a dispensa, o ante-refeitório, o lavabo e o refeitório.
Na cerca do convento instalou-se uma pequena ermida, provavelmente dedicada a São João Batista, cuja datação surge marcada na entrada com o ano de 1624. Ainda no exterior, desta vez no adro de acesso à igreja, situou-se um cruzeiro datado da mesma centúria que a edificação do convento, embora, por razões de alteração do trajeto viário e, mais tarde, do foro estritamente funcional – uma vez que se achava implementado à entrada da fábrica -, este fosse apeado do local primitivo.
A ocupação dos espaços conventuais pelos frades franciscanos foi interrompida abruptamente pela lei da extinção das ordens religiosas, assinada por Joaquim António de Aguiar, em 30 de maio de 1834. Antes mesmo da referida data que modificou, sobremaneira, a vida dos seguidores da regra monástica assentes por todo o país e, em particular, o contexto religioso da própria cidade de Coimbra, não deverão ser esquecidas as vicissitudes que ocorreram no complexo conventual nos inícios de Oitocentos, sendo ocupado pelas tropas gaulesas - durante as invasões francesas a Portugal (1807-1811) -, que dele improvisaram um hospital de campanha militar.
Descobertas arqueológicas recentes confirmam a presença do referido contingente, uma vez que se exumaram, em valas comuns, cerca de 600 indivíduos do sexo masculino, cujos vestígios da sua indumentária nos reportam indubitavelmente para um contexto militar. Alguns relatos da época afiançam que foi a própria população conimbricense responsável por tais assassinatos, uma vez que após a saída para sul dos soldados liderados por André Masséna, os feridos da Batalha do Buçaco foram deixados nos aludidos hospitais, à mercê da fúria da população. Tais episódios da história da cidade ainda não se encontram devidamente esclarecidos, revestindo-se mais de "sombras" do que de "luzes", faltando ainda compreender a situação dos próprios frades franciscanos perante a ocupação do seu locus matricial.
Com a passagem dos bens religiosos das casas masculinas para o Estado, através do já referido decreto de 1834, o convento de São Francisco viveu tempos novamente tumultuosos, com a saída definitiva dos seus ocupantes, sujeitando-se, num período inicial, ao abandono e à rapacidade. Deste modo, o ciclo primordial fechou-se e um novo se abriu, onde o murmúrio das orações e de vida em comum ditada por uma regra será substituído pelos sons industriais das máquinas e dos trabalhadores.
Freitas, D. M., Meunier, P.P. e Mendes, J. A. (Cordenação e Prefácio). 2019. O Fio da Memória. Fábrica de Janfícios de Santa Clara de Coimbra. 1888.1994. S/loc, s/ed.Pg. 66-70
No passado dia 2, publiquei uma entrada com o título “Coimbra: Fábrica de Lanifícios de Santa Clara 2” e, relacionada com ela, um leitor questionou-me no sentido de saber que estrutura é aquela que se vê à frente do convento … seria alguma capela de alminhas/via sacra como existe na ladeira que desce de Sta. Clara-a-Nova?
Referia-se ao edifício quadrangular que se visualiza na fotografia então publicada.
Complexo industrial da Fábrica de Lanifícios em Santa Clara. Finais da década de 70 do século. Fotografia do arquivo particular de Pedro Planas Meunier, acedida, em https://www.publico.pt/2019/07/08/local/noticia/ascensao-queda-fabrica-coimbra-1878945
Dessa estrutura, a partir de uma outra fotografia, obtivemos o seguinte pormenor que a mostra numa posição frontal.
Presumível capela no antigo Rossio de Santa Clara, hoje Praça das Cortes (pormenor)
Col. Carlos Ferrão
Respondi que, embora ainda me lembrasse do edifício, nada sabia sobre o mesmo, razão pela qual iria tentar obter algumas informações.
A primeira ajuda veio-me de Carlos Ferrão que disponibilizou boa parte das fotografias utilizadas para ilustrar esta entrada e suscitou várias hipóteses referidas mais à frente.
Uma vez na posse das fotografias pedimos uma opinião a Nelson Correia Borges que nos adiantou o seguinte parecer: Relaciono essa construção com os torreões que existem no terreiro da nossa antiga escola [a Brotero, atual Jaime Cortesão], com um que ainda está a meio da Av. Sá da Bandeira e mesmo com os da entrada no jardim de Santa Cruz.
Antigo torreão da cerca do Mosteiro de Santa Cruz, localizado na Av. Sá da Bandeira
Imagem do Google Maps
Numa das fotos vê-se bem o cuidado tratamento que foi dado ao lintel da porta e ao óculo superior, pelo que não tenho dúvida que a construção será bem anterior à Fábrica. Estes elementos parecem poder ser datados da segunda metade do século XVIII. Para o que serviria? Inclino-me para uma finalidade de tipo religioso e poderia ter albergado o cruzeiro viário referido pelo Prof. Nogueira Gonçalves. É evidente que teve intervenção posterior, como se vê pelas janelas laterais que se detetam em fotografias. Trata-se, no entanto, de mera hipótese de trabalho.
Perante esta pista, guiados pela mão de Regina Anacleto, chegamos ao Inventário Artístico de Portugal. Cidade de Coimbra e a um texto de Nogueira Gonçalves.
O primeiro, o Inventário, descreve o local, dizendo que dava acesso à Igreja do Convento de S. Francisco uma escadaria dupla, paralela ao adro, existindo uma grande cruz no muro em posição medial.
Na estrada, havia um cruzeiro do século XVII, que pela modificação viária, ficou metido na entrada da fábrica. (In: Correia, V., Gonçalves, A. N. Inventário Artístico de Portugal – Cidade de Coimbra. Lisboa, 1947, pg. 91).
Edifício inserido na entrada da fábrica
DGARQ - Centro Português de Fotografia (Estúdios Tavares da Fonseca), pormenor
O segundo, de Nogueira Gonçalves, diz-nos que A região coimbrã teve predileção por certa variante de cruzei¬ros, aquela em que a cruz se abriga num templete, formado de quatro colunas e suportam cobertura hemisférica ou piramidal.
Na própria cidade levantaram se alguns.
A piedade que os ergueu foi os melhorando pelo tempo fora ordinariamente seguindo as seguintes fases.
Primeiramente deu se lhes uma lanterna ou lâmpada e uma caixa de esmolas. Fecharam se lhes depois três lados, por meio de paredes, e no quarto colocou se uma porta com gradeamento de ferro; valorizaram se as paredes internas com diversos reves¬timentos; dotaram se, nalguns casos, de altar. O santuariozinho completou se frequentemente com um corpo de capela, ou mes-mo, amparado de maior favor, foi substituído por uma autênti¬ca capela ampla. (In: A. Nogueira Gonçalves. Colaboração em publicações periódicas. Coordenação de Regina Anacleto e Nelson Correia Borges. 2019. Coimbra, Câmara Municipal, I vol., pg.231)
Foram estes textos que nos levaram a eleger o título da entrada; contudo, eles não nos dão a certeza de que, inicialmente, teria sido essa a finalidade do edifício em apreço.
Como referimos, também batemos à porta de Carlos Ferrão que analisou as possíveis e diversificadas utilizações da estrutura depois da extinção das ordens religiosas e, consequentemente do convento, concluindo:
Independente do que teria sido antes, nos anos 20 do século passado, a estrutura, é apontada como sendo um Posto de Transformação (PT) de eletricidade da rede publica ligado à Fábrica de Santa Clara. Posto que era bidirecional, recebendo e injetando energia elétrica na rede pública.
Outra imagem do edifício
Col. Carlos Ferrão
Importa recordar que em Coimbra, existiram 21 centrais elétricas, todas termoelétricas. Uma de serviço público, as outras de serviço particular como a de Santa Clara, da empresa Planas & Cª que funcionou entre 1942 e 1947, com uma potência de 144 kW.
A fábrica por ser também produtora, era vendedora e compradora de energia à Câmara Municipal.
Depois de exploradas estas pistas concluímos que algo se adiantou, embora as dúvidas continuem a persistir.
Decorre daí o facto de serem bem-vindas outras informações passíveis de continuar a aclarar o assunto.
Rodrigues Costa
A reconquista de Coimbra por D. Fernando Magno, em 1064, foi a viragem decisiva para a região, doravante definitivamente em posse dos cristãos. À frente da cidade de Coimbra e de toda a região, D. Fernando colocou um moçárabe, o alvasil D. Sisnando para que a povoasse e defendesse dos mouros. O sábio governo de D. Sisnando resultou em grande progresso para a região: foram construídos castelos, edificadas casas, plantadas vinhas e arroteadas terras. É neste contexto que surge a figura do abade Pedro, vindo da região em poder da moirama. A 26 de Abril de 1080, D. Sisnando dou-lhe terras a sul do Mondego que ele diligentemente repovoou. O abade Pedro edificou aí, próximo à cidade, a igreja de S. Martinho, dando origem a uma das mais populosas freguesias rurais do país, mas hoje plenamente absorvida no perímetro urbano de Coimbra.
Em 24 de Fevereiro de 1094 o abade Pedro doou os seus domínios à Sé de Coimbra, onde avultava a igreja edificada à sua custa e dotada com as casas necessárias, vinhas e outras árvores e ainda uma torre de defesa. Os bispos continuaram a obra de repovoamento e de valorização da igreja. Em 1104 o bispo D. Maurício concedeu carta de povoação, espécie de foral, reformada por D. Bernardo, em 1141. Aqui mantiveram os bispos de Coimbra uma quinta de veraneio e também se refugiaram das cheias do Mondego, no século XVI, as freiras do convento de Santana, numa quinta doada pelo bispo D. João Soares.
Da igreja medieval, que sabemos ter sido protegida por muros e torres de defesa, praticamente nada resta. Foi renovada em tempos posteriores, com se vê pela porta principal, seiscentista, de frontão curvo interrompido, e pela torre dos sinos, datada de 1733 por um discreto relógio de sol. A torre encontra-se afastada do corpo da igreja e em quase alinhamento com a porta principal. Sabe-se que houve obras na igreja e residência paroquial contratadas pelo carpinteiro de Coimbra Xavier Gomes da Costa em 19 de julho de 1739.
A igreja atual começou a edificar-se em 1754. Em 18 de novembro desse ano a obra das paredes e frontispício foi contratada pelos pedreiros José Ribeiro Facaia e José Francisco Botas, por 780$000 réis. Logo a 20 foi feito contrato com os carpinteiros Custódio Gonçalves, Domingos Gonçalves e José Gonçalves para a obra de carpintaria, por 290$000 réis.
Igreja S. Martinho do Bispo, exterior. Foto Nelson Correia Borges
A fachada é de simples traçado, com dois corpos laterais vincados por pilastras unindo-se ao central mais alto por arco decorativo. No corpo central rasga-se um arco de volta perfeita, formando pequeno átrio abobadado. Aqui se encontra sepultado o padre António da Cunha Rebelo, certamente o mentor da renovação da igreja, como o epitáfio de 1780 humildemente deixa entender.
O corpo da igreja é amplo, de larga nave com cobertura lígnea em caixotões retangulares, aparentado com o de S. Bartolomeu de Coimbra, da mesma época.
Igreja S. Martinho do Bispo, capela mor. Foto Nelson Correia Borges
A capela mor profunda segue o mesmo tipo espacial.
O topo da igreja, acima do degrau, constitui um outro espaço, outrora separado por teia, como área mais sagrada. Aqui se encontra o revestimento azulejar, os altares laterais e colaterais e a capela-mor.
O retábulo principal é da primeira metade do século XVIII, com colunas torsas de grinalda no cavado, remate de anjos segurando festões de flores e mostrando as insígnias de S. Martinho. O trono e o camarim incluem elementos anteriores e posteriores.
Igreja S. Martinho do Bispo, altar lateral. Foto Nelson Correia Borges
Os retábulos colaterais e laterais são excelentes exemplares do estilo rococó coimbrão. Os colaterais, geminados, foram executados pelo notável entalhador Domingos Moreira, autor de vários outros trabalhos de igrejas de Coimbra e da região, morador em Santa Clara, com contrato lavrado em 28 de março de 1757. Custaram 215$000 réis. Mostram colunas de capitéis compósitos, concheados sóbrios e remate elaborado de volutas sobrepostas, com querubins e cabecitas aladas.
Os laterais, de idêntica estrutura, têm remates mais movimentados, com volutas em avanço e glórias solares. Todos os retábulos se encontram marmoreados de lápis-lazúli com dourados, o que aliado à azulejaria confere ao conjunto uma interessante nota cromática.
Igreja S. Martinho do Bispo, azulejos pormenor. Foto Nelson Correia Borges
Os painéis de azulejo recortados são de fabrico coimbrão, provavelmente da oficina de Salvador de Sousa Carvalho. Na capela-mor representam S. Martinho celebrando e Aparição de Cristo a S. Martinho. No espaço dos retábulos, S. Domingos, Santo António e Última Ceia e Senhora da Conceição.
Entre as esculturas destaca-se a de S. Martinho, do século XVII e, da segunda metade do século XVIII, as de Senhora dos Remédios e Senhora da Conceição. Há ainda uma bandeira processional pintada por Pascoal Parente, em 1756 com Cristo crucificado e a Senhora do Rosário. A tela que preenchia o camarim do altar-mor, já de 1877, encontra-se agora no corpo da nave da igreja.
Nelson Correia Borges
In: Correio de Coimbra, n.º 4781, de 2 de abril de 2020
Os esparsos registos contabilísticos que chegaram até nós reportam-se, sobretudo, aos anos de 1960 - em particular a 1961 e a 1969 -, permitindo-nos, deste modo, certificar a situação financeira da firma e, ao mesmo tempo, compreender as decisões tomadas no início da década seguinte. O valor total da rubrica Balanço de 1961 - calculado a 31 de dezembro do referido ano - fixou-se em 20.590.641$73, onde se inclui o lucro geral do exercício assente em 26461$46.
Logotipo de Planas & C.ª. 1967. (APPM), pg. 54
… Na comparação possível com os valores registados em 1969, é notória a diminuição significativa do valor da unidade industrial, uma vez que o Balanço se fixou em 1 780 450$98, com a conta Ganhos e Perdas a registar um prejuízo de 55 793$75 … A solvabilidade da Fábrica de Lanifícios de Santa Clara encontrava-se comprometida e urgia uma tomada de posição por parte da gerência.
A crise não se cingiu somente à unidade conimbricense e deverá ser englobada num todo nacional e internacional do referido sector, uma vez que a massificação do pronto-a-vestir e a emergência das fábricas de confeção tornaram, de certo modo, obsoletos os métodos de negócio baseados, sobretudo, na venda de fazendas a grandes armazéns.
A alteração estrutural do mercado dos lanifícios já se notara nos finais dos anos de 1950 e tornou-se irreversivelmente mais forte na década seguinte.
...Tal como os artesãos que ajudara a eliminar, a Fábrica de Lanifícios de Santa Clara ia ser obrigada a reformular a sua forma de trabalho para produzir mais, mais depressa e mais barato, para tentar responder à solicitação de um mercado cada vez mais competitivo e menos sensível às simples gradações de cinzento de uma flanela".
A fundação, oficializada em 30 de Janeiro de 1970, da Dislan, de Lanifícios Santa Clara, Ld.", como unidade integrada na Planas & C.", tornou-se a resposta mais visível e direta, ainda que manifestamente tardia, face às novas exigências do mercado e dos consumidores.
Logotipo de Dislan, 1971, (APPM), pg. 56
O seu tempo de vida foi manifestamente curto, uma vez que os "novos tempos" e as "novas vontades" trouxeram mudanças substâncias na vida política, económica e social do país.
Logotipo da Planas & C.ª, 1974 (APPM), pg. 57
… A "Revolução dos Cravos", iniciada na madrugada de 25 de Abril de 1974, terminou com 41 anos de Estado Novo e lançou as bases para a instituição de um novo contexto político sedimentado numa democracia plural e representativa.
… A instabilidade vivida afetou igualmente as pequenas e médias empresas do foro privado, como foi o caso paradigmático da Planas & C.ª, que não conseguiu colher os frutos da reestruturação efetuada anos antes, sobretudo com a entrada em funcionamento da Dislan, Ld.". Num extenso ofício enviado ao Ministério do Trabalho, de 15 de Junho de 1974, a unidade fabril conimbricense expõe, nos seguintes moldes, as dificuldades de solvabilidade então vividas: «Actualmente, e devido à conjuntura económica nacional, aliado aos grandes investimentos efectuados nas nossas empresas, estamos a viver uma tal dificuldade de sobrevivência, que a nossa situação é muito grave e crítica».
… o processo de recuperação e dinamização da empresa, elaborado por George Meunier e com a anuência dos principais credores … não produziu qualquer efeito capaz de anular as extremas dificuldades financeiras da firma e a sua falência tornou-se um dado certo e irreversível.
Ainda assim, verificou-se, da parte da comissão de trabalhadores, a tentativa de reabilitar a unidade industrial através da criação de uma cooperativa, registada com o nome de Clarcoop - Tecidos e Confeções Santa Clara, SCRL, acordando, em 1978, com o administrador da massa falida da Planas & C.", o aluguer do espaço sito no antigo convento de São Francisco e a utilização das máquinas, utensílios e móveis existentes, de modo a prosseguirem com a atividade de fabrico de lanifícios e de confeção de vestuário masculino!".
Logotipo da Clarcoop. 1979 (APPM), pg. 59
A citada firma trabalhou até finais de 1994 e encontrou-se oficialmente em regime de laboração suspensa já no ano seguinte, terminando, deste modo, a existência de 106 anos da indústria de lanifícios no lugar do antigo Rossio de Santa Clara.
Freitas, D. M., Meunier, P.P. e Mendes, J. A. (Cordenação e Prefácio). 2019. O Fio da Memória. Fábrica de Janfícios de Santa Clara de Coimbra. 1888.1994. S/loc, s/ed.Pg. 64-70
A notícia da nova tentativa de criar uma unidade de lanifícios no antigo convento de Sâo Francisco da Ponte foi divulgada com regozijo pelo periódico «O Conimbricense», no dia 17 de março de 1888, invocando a oportunidade criada pela junção de «tres activos e habeis industriaes, todos de Sadadell, provincia de Catalunha, no visinho reino».
… A escritura de constituição da sociedade de comércio e indústria Peig, Planas & C.ª foi lavrada, em 24 de julho de 1888 … apresentando como finalidade «a fiação e manufactura de toda a espécie de tecidos de lã e estambre no edifício de São Francisco da Ponte».
... O período de montagem da estrutura fabril iniciou-se logo em abril de 1888, com a vinda de máquinas a vapor, caldeiras e teares mecânicos do estrangeiro, que, depois de montados nas salas do antigo complexo conventual, foram alvo de um período de testes para aferir o seu correto funcionamento, Finalmente, no dia 7 de dezembro, o periódico O Conimbricense anuncia «que se acha em plena laboração a fabrica de lanificios dos srs. Peig, Planas & C.ª, no edifício de S. Francisco além, da ponte. Estão trabalhando os differentes teares, fiações e cardas, e em geral todos os machinismos. Ainda bem que vemos em Coimbra a funccionar uma importante fabrica de lanificios, que pode vir a ser um forte incentivo para a creação de outras».
Pessoal da Fábrica em visita à Exposição Têxtil, no Porto. Fotografia de Lara Seixo Rodrigues, acedido em https://www.acabra.pt/2019/03/convento-sao-francisco-aborda-memorias-a-cores/
… Na aproximação da data comemorativa dos 50 anos de atividade (1938), os responsáveis pela empresa relembraram, em comunicado, a odisseia percorrida até então, enaltecendo a papel fundamental daqueles que nela labutaram e, em particular, as diligências iniciais dos sócios fundadores: «Se atendermos à vida difícil que têm atravessado as realizações industriaes portuguesas, particularmente nos lanifícios, o cincoentenário da Fábrica de Coimbra representa uma invulgar afirmação do valor conjunto dos seus dirigentes e dirigidos, pois todos se esforçaram atravez dos anos nem sempre fáceis e das circunstâncias quasi nunca propícias, por elevar sem descanso o progresso e o prestígio deste estabelecimento fabril».
… As mortes de Jaime Castanhinha Dória, em 9 de junho de 1956 e, no ano seguinte, de Vitorino Planas Dória (30 de junho) provocaram alterações significativas na direção da unidade fabril, a que se juntou o afastamento total de Luís Elias Casanovas, por já antever as dificuldades que o futuro dos lanifícios em Portugal, e da fábrica de Santa Clara em particular, teria com a emergência das unidades de confeção e do pronto-a-vestir. Entre saídas e decessos, podemos afirmar que se fechou um ciclo na gerência do estabelecimento fabril. Os novos tempos trarão novos donos, selecionados, uma vez mais, no seio familiar.
Complexo industrial da Fábrica de Lanifícios em Santa Clara. Finais da década de 70 do século. Fotografia do arquivo particular de Pedro Planas Meunier, acedida, em https://www.publico.pt/2019/07/08/local/noticia/ascensao-queda-fabrica-coimbra-1878945
… Após o período fatídico de sucessivos falecimentos, a sociedade concentrou-se nas mãos dos herdeiros de Vitorino Planas Dória, dividindo-se pelas suas filhas Maria Irene Dória de Aguiar Planas Leitão, Maria Emília Dória de Aguiar Planas Raposo e Maria Vitorino Dória de Aguiar Planas Meunier, casada com o engenheiro George Greenwood Meunier (1926-1996). Este último tomará o comando da gestão da unidade fabril e, a 14 de dezembro de 1962, ascendeu ao estatuto de sócio a partir da compra das quota-partes pertencentes às irmãs da sua esposa.
Freitas, D. M., Meunier, P.P. e Mendes, J. A. (Cordenação e Prefácio). 2019. O Fio da Memória. Fábrica de Janfícios de Santa Clara de Coimbra. 1888.1994. S/loc, s/ed. Pg. 37-59
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