Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]

A' Cerca de Coimbra



Quinta-feira, 23.01.20

Coimbra: Rua das Covas 1

(As minhas) Memórias da Rua das Covas

Rua das Covas, vista do lado da Sé Velha.jpgRua das Covas, vista do lado da Sé Velha

Em 1883 a Câmara Municipal de Coimbra decidiu rebaptizá-la com o nome de Rua Borges Carneiro, em homenagem a um dos activistas da Revolução de 1820 - de seu nome próprio Manuel -, que, por volta de 1800, passara pela cidade, a licenciar-se em Cânones. E o nome lá perdura, agora em azulejos, à esquina do Largo da Sé Velha.

Rua das Covas, placa toponimica.JPG

Rua das Covas, placa toponimica

Mas não teve grande efeito a decisão dos edis citadinos, porquanto, como observa José Pinto Loureiro, para toda a gente, a declivosa via continuou sempre a manter o vetusto nome de Rua das Covas, vindo já dos tempos da formação da nacionalidade. Há quem diga que o topónimo se originou nas covas de sepultura que se abriam no adro da Sé, mesmo no fundo da rua. Mas há igualmente quem pense, talvez mais avisadamente, que as tais covas não seriam outra coisa senão as galerias do criptopórtico romano, que permaneceriam abertas para o ar livre, ou parcialmente entulhadas, nos baixos do paço episcopal.

Rua das Covas, vista do lado da Sé Nova.jpg

Rua das Covas, vista do lado da Sé Nova

Fosse como fosse, covas nas ruas nunca faltaram em Coimbra, e certo é que a Rua das Covas sempre foi de capital importância na mobilidade de pessoas e coisas entre a Baixa e a Alta que Deus Haja, em eixo natural concertado com o Quebra Costas e o Largo da Sé Velha, aproveitando a linha de água entre a colina do Paço e a do Salvador.
Muitas são as memórias que pairam em seu redor e, por certo, serei eu a pessoa menos indicada para delas falar.

Rua das Covas, casa demolida.jpg

Casa onde vivi, demolida com as obras de ampliação do Museu

Para o miúdo tímido de finais dos anos 1940, que era eu, vindo de uma casa de aldeia, de loja e sobrado, para morar num terceiro andar, acima dos beirados, tudo parecia estranho e fantástico: o enfadonho pico-pico dos alvenéis talhando a silharia da nova Faculdade de Letras; as manhãs enevoadas, com o arrulhar misterioso das pombas na Sé Velha e em S. João de Almedina; o insólito atirar de trastaria velha para a rua, na noite de fim de ano, por entre o ensurdecedor bater de testos; as agitadas quintas-feiras da Ascensão, com multidões de aperaltados camponeses a corrupiar pelas varandas do Museu Machado de Castro; os regressos do Espírito Santo, com o festivo tilintar das campainhas de barro; as espantosas festas da Senhora da Boa Morte, na Sé Nova e o seu sino temeroso; as serenatas a desoras, junto à casa fronteira que alugava quartos a meninas estudantes. Olhos e ouvidos eram ávidos de apreender todas estas novidades estranhas. Até a linguagem e a forma das coisas: - ouvir dizer boa noute, ou nomear pote a um cântaro com duas asas junto à boca, ou chamar meninas a senhoras que podiam ser minhas avós ...
Na Rua das Covas morei num prédio com andar acrescentado acima dos beirados, como outros prédios dessa rua. Da rua não eram visíveis estes andares espúrios, nem tão pouco dos mesmos se alcançava a rua, devido ao avanço dos beirados e à estreiteza da mesma: era como um mundo à parte, uma janela indiscreta, a comunicar com o vizinho da frente e donde até se podiam lançar ditos de escárnio e maldizer, pelo Entrudo, a coberto da ocultação.
Ali viviam à volta de três dezenas de famílias. Um simples quarto, dos vários dispostos em cada andar, ao longo de comprido corredor, era abrigo suficiente para solitários e casais, ou, mesmo mais pessoas.
Nelson Correia Borges (continua)

 

Autoria e outros dados (tags, etc)

por Rodrigues Costa às 11:00


Mais sobre mim

foto do autor


Pesquisar

Pesquisar no Blog  

Subscrever por e-mail

A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.

calendário

Janeiro 2020

D S T Q Q S S
1234
567891011
12131415161718
19202122232425
262728293031