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Com esta entrada pretendo chamar a atenção de todos aqueles que, como eu, se assumem como coimbrinhas, sejam salatinas, chibatas ou da baixa, para um livro recentemente reeditado, com o título Por portas travessas. Histórias de miúdos da velha Baixa de Coimbra. É um relato, escrito na primeira pessoa, das vivências de infância e juventude do Carlos António Pinto dos Santos, nado e criado na Rua das Padeiras.
Estou convicto que o gostarão de ler.
Por Portas Travessas, capa
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A cabra equilibrista
O toque alegre do pandeiro atrai a nossa atenção. Chegam e instalam-se no largo, mas não há um apresentador que nos diga quem são, de onde vêm, em que cama de estrelas dormiram, que estradas tomarão ao amanhecer de outro dia.
O espetáculo desenrola-se à altura dos nossos olhos que captam, ao pormenor, o esforço abnegado dos artistas em conquistar mais do que a mera simpatia da assistência.
O profissionalismo surpreendente da cabra, a esmerar-se no seu número de equilíbrio, girando as quatro patas sobre a pequena base; a agilidade do macaco, fazendo por ignorar a tensão da corrente que o agarra àquela forma de vida; o som virtuoso do pandeiro a marcar o ritmo dos acrobatas.
O Homem do pandeiro, a cabra Lolita e a macaca
(Na Alta era chamada de Dona Fabela)
A Lolita, equilibrista, ė a estrela da companhia. Altiva no seu papel, sabe da vida que hoje é estrela, amanhã pele de pandeiro.
Mas o macaco, que se limita a levar as mãos à cabeça, a dar cambalhotas no chão e a saltar para os ombros do homem, dá-lhe a graça do palhaço pobre que vive das gargalhadas infantis.
A carreira artística, que lhes roubou a quietude e os largos horizontes só alcançáveis do alto das montanhas e do cimo das árvores, é uma opção antinatural ditada pela necessidade de sobreviverem juntos por estradas e lugares que lhes são estranhos. O homem pouco fala, mas parece ter um sotaque raiano, e o macaco parece interrogar-nos com o olhar, sobre o porquê de o chamarmos de Barnabé.
Entregues ao seu ofício, mal se dão conta do prestígio que é estar ali, em representação de uma antiga arte de rua que não se rende.
Termina o espetáculo. Ninguém recusa as palmas e, respondendo à nossa súplica silenciosa para que desabe uma chuva de prata sobre quem tanto precisa e merece, caem, condescendentes, umas quantas moedas pretas no púcaro empunhado pelo macaco, deixando-nos abalados e pensativos sobre o poder efetivo das preces.
O homem do pandeiro agradece descobrindo a cabeça, volta a colocar o chapéu, pega no banco às costas e os três, seguidos pela miudagem, dirigem-se rua abaixo ao encontro de um mundo mais generoso, que pode estar ali mesmo, ao virar da esquina.
E é assim até ao fim do dia. Talvez até ao fim da vida.
Santos, C.A.P. 2018. Por portas travessas. Histórias de miúdos da velha Baixa de Coimbra. 2.ª edição. Coimbra, Edição de autor
O livro pode ser adquirido pela módica quantia de 5,00 €. Para o fazer basta contactar o autor Pinto dos Santos (Toni) nas redes sociais. É uma excelente sugestão de oferta de Natal, para quantos viveram Coimbra.
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