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Ao longo do texto de Carneiro da Silva As Estalagens Coimbrãs e do seu termo, para além das três estalagens mencionadas na entrada anterior, são ainda referidas:
- Estalagem de Santa Clara, primeira
… nas reuniões da Câmara de 22 de julho de 1642 e na de julho de 1644, se discutiram os problemas que o estalajadeiro … criava na sua «Estalagem de Santa Clara» … por estar notificado não usasse de venda nem de agasalho pessoa alguma em sua casa, de «mau viver», e ele fazia o contrário.
- Estalagem de Santa Clara, segunda
Panorâmica do bairro de Santa Clara. Notar a estrada para Lisboa, e no extremo esquerdo da gravura [não identificada] o que foi segunda estalagem de Santa Clara
Em 1674, Cosme Francisco Guimarães, morador em Sansão, pagava o foro de 200 reis de explorar aquela estalagem no Rossio de Santa Clara [a qual fora construída] «para substituir outras que se tinham arruinado com as cheias perto da ponte.»
- Estalagem na Rua da Sofia
Na passagem do século XVI existiu na Rua da Sofia, na vizinhança da entrada da Rua Nova [uma estalagem que] Diogo Marmeleiro de Noronha … fizera … para agasalho dos passageiros e caminhantes com muito gasalhos e camaras fechadas para fidalgos e pessoas graves.
- Estalagem da Quinta da Portela
Em 16 de Dezembro de 1624 «Diogo Marmeleiro de Noronha me enviou dizer por sua petição que ele queria fazer junto à sua Quinta e lugar da Portela uma estalagem que seria de grande comodidade dos passageiros que caminhavam por aquela estrada que era das mais seguidas da dita cidade por ser a de Madrid e por naquela paragem passar uma barca o rio Mondego, que quando no inverno com alguma cheia não podia passar a dita barca, e os que então caminhavam ficavam dormindo pelos pés das árvores sem terem nenhum agasalho pelo que me pedia lhe fizesse mercê de lhe privilegiar a dita estalagem e mandar passar seu privilégio».
Para além destas surgem, ainda, as seguintes outras referências a estalagens:
- Estalagem das Cardosas
No Paço do Conde … onde hoje está [esteve] uma casa de brinquedos, e onde serviu uma Mariana que há muito deve atender os viandantes do céu.
- Estalagem do Lopes ou Hospedaria do Caes Novo
Situava-se nas imediações do atual Banco de Portugal, visto que tinha outra entrada pela Rua do Sargento-Mor, e ter particularidade de ser pouso de estudantes endinheirados, acabados de chegar, até se mudarem para o seu território da Alta.
Na parte final do texto o Autor refere ainda que Camilo esteve hospedado na «Marquinhas do Leite Morno», na Rua Larga … e que pelos séculos XVII, XVIII e XIX existiram no burgo as estalagens «do Galego» … do «Fernando» mais conhecida pela «Estalagem do Inferno» a do «Raimundo da Teodora» … a do «Francisco Lopes de Carvalho», próximo da ponte, e a hospedaria do «João de Aveiro» que um incêndio destruiu em 1902.
Aqui e ali, muitas vezes nas proximidades das estalagens, existiam também as «albergarias».
Silva, A.C. As Estalagens Coimbrãs e do seu termo. Separata da Munda. 1988.
O problema da instituição e administração das estalagens ou «estaos», era antigo e frequentemente levantado pela administração municipal junto do poder régio. É assim que D. Duarte numa sua carta de 1436, «mandamos que taes pessoas pousem nos Estaos que há pelo caminho, ou da dita cidade [de Coimbra] e não nas aldeias e casais que estão fora das estradas».
Estalagem de caminho. De salientar os diferentes tipos de meios de transporte
Estalagem de caminho em Espanha
Nas Cortes de Lisboa de 1440 pediu-se o «estabelecimento de estaos para pousadas nas cidades, vilas e aldeias e a taxa dos mantimentos, camas e mais serviços presentes neles».
…. Há notícia da existência na cidade, nos princípios do século XVI de três estalagens, da sua localização e nomes dos proprietários:
- Estalagem Nova
Capela do Senhor do Arnado que se situava cerca do local onde hoje se encontra o monumento a Cindazunda
Situar-se-ia na entrada da cidade para quem viesse do norte, próximo da «goleta» [Então o «porto dos oleiros», teria algum pequeno canal que ligava ao rio, e assim o topónimo «goleta»], próximo do local onde existia um crucifixo em pedra, a céu aberto, que levou à edificação da Capela do Arnado no meado do século passado [século XIX]
Aquela zona era desde a Idade Média domínio dos oleiros, até que no século XVIII se mudaram para a zona do Terreiro de Santa Justa e foram ali substituídos pelos cordeeiros vindos da sirgaria de Santa Clara, destinada a outros fins.
- Estalagem do Pintor
A quinhentista estalagem do Pintor, que no século XIX era estalagem da Donata
[Situava-se] na, na Rua de Tinge-Rodilhas, depois Rua da Louça … que muito anos depois seria conhecida pela «estalagem da Donata», alojada em edifício ainda hoje existente, muito degradado, e que merecia recuperação para fins turísticos.
Nota 1
Quando era muito jovem, as camponesas que vinham vender à praça – ao Mercado D. Pedro V – guardavam neste edifício os burros onde transportavam os legumes, as galinhas, os ovos e a fruta destinados a serem ali comercializados. Atualmente, e depois de obras de recuperação, com entradas pela Rua da Moeda e pela da Louça, funciona no edifício um estabelecimento que vende, entre outras vitualhas, leguminosas, batatas e rações para animais.
Nota 2
De assinalar que esta estalagem na parte inicial do texto é designada por «Pintor» e na parte final do mesmo texto por «Prior».
- Estalagem do Paço do Conde
No centro do casario quinhentista, o gravador [Hoefnagel] fez ressaltar o Paço do Conde de Cantanhede com seu claustro, depois Estalagem do Paço do Conde.
Em 1662 estabeleceu-se uma das melhores estalagens do país no que fora o rico paço do Conde de Cantanhede, D. Pedro de Menezes, no centro mais vivo da cidade, próximo da praça, da Câmara, dos açougues, da «casa-do-ver-do-peso», ponto de reunião obrigatório a mercadores e vendeiros, por ali chegarem e estacionarem os carros e azémolas que vinham do sul, do norte e das Beiras com a maior parte dos géneros de que se alimentava a cidade. Era o terminal dos grandes carroções, já que eles, por disposição camarária não podiam ir até à Praça.
O edifício magnífico, fora construído nos anos do meado do século XVI …. Parece que a ocupação do edifício por tão nobre família não chegou a efetivar-se … nos primeiros meses do ano de 1622, escreveu a Filipe III … «que fizera uma estalagem para agasalhar os passageiros e caminhantes e almocreves com muitos aguazalhados [quartos] e camaras fechadas para fidalgos e pessoas graves que fica sendo dos melhores deste reino por estar na melhor passagem da cidade e junto da praça dela…».
Silva, A.C. As Estalagens Coimbrãs e do seu termo. Separata da Munda. 1988.
A IGREJA DO CONVENTO DO LOURIÇAL
Só a proteção régia de D. Pedro II e sobretudo de D. João V teria permitido a edificação de uma igreja e dependências adjacentes do convento do Louriçal com o esplendor que ali se pode observar. D. Pedro II mandou ao Louriçal o arquiteto João Antunes para traçar a planta da primeira edificação, sendo encarregado das obras Francisco de Lousada Ribadaneira. A igreja era de pequena dimensão, pelo que D. João V decidiu ampliá-la, encarregando Carlos Mardel do novo projeto e António Andrade do Amaral de dirigir os trabalhos. Mardel terá seguido o projeto de João Antunes com as necessárias adaptações às novas dimensões da igreja. Em 27 de Outubro de 1739 estavam as obras concluídas e procedeu-se à inauguração.
O corpo da igreja encontra-se deslocado em relação ao núcleo das dependências conventuais. O acesso faz-se por uma porta lateral, como é habitual nos conventos femininos, encimada por um medalhão com a adoração do Santíssimo Sacramento.
Igreja do Convento do Louriçal
O interior, de nave única retangular, com os ângulos da cabeceira cortados, coberta de abóbada de berço, é um exemplar notável da arquitetura da época de D. João V. A capela-mor, separa-se da nave por arco cruzeiro com as armas reais, encostando em vigorosa cornija, que percorre todo o espaço da nave, e tendo na parte superior um nicho de volutas ao estilo de João Antunes, com uma imagem de S. Miguel. Uma abóbada de caixotões em meia laranja cobre a luminosa capela-mor. Aqui se encontra o túmulo de madre Maria do Lado. A abóbada do corpo da igreja é decorada com pinturas já ao gosto rococó, onde se mostra a adoração do Santíssimo Sacramento e o êxtase de S. Francisco e Santa Clara.
O corpo da igreja tem dois altares laterais e dois colaterais. Todos têm retábulos de mármores polícromos, lavrados e esculpidos por João António Bellini de Pádua, estatuário italiano que ao tempo trabalhava em Portugal. Compõem-se de colunas laterais com anjos nos remates.
Igreja do Convento do Louriçal, altar-mor
O altar-mor destaca-se pelo trono e baldaquino onde permanentemente se expõe a custódia eucarística.
No topo da igreja, junto à porta de entrada, situam-se os coros, alto e baixo, defendidos por grades de pontas. O coro alto, de teto abobadado, é revestido de azulejos com cenas bíblicas. O coro baixo, acessível aos visitantes, também se encontra revestido de azulejos, com cenas da vida de Santo António.
Toda a igreja é azulejada, desde o solo até à cornija, numa sucessão de quadros e motivos decorativos verdadeiramente invulgar. Valentim de Almeida será o seu autor. O pintor azulejista mostra aqui um nível superior, de traço perfeito e perfeito domínio da técnica da aguada. Os quadros apresentam ciclos sequenciais. Na nave, ao nível inferior, o ciclo da vida de S. Francisco de Assis, com oito quadros; ao nível superior, separado por leve cornija, o ciclo da Paixão da Cristo, formado por dez painéis. Na capela-mor, preenchendo os tímpanos das paredes norte sul, situa-se o ciclo da vida da Virgem, com quatro painéis, e, nos restantes espaços, o ciclo da vida de Santa Clara, com doze painéis.
Igreja do Convento do Louriçal, imagem
O coro baixo, também completamente azulejado, apresenta grandes cenas enquadradas por motivos arquitetónicos e decorativos, formando outro ciclo, agora dedicado a Santo António. Nesta sala se encontra, deitada na sua naveta, uma formosa imagem de Nossa Senhora da Boa Morte, oferecida ao convento pelo rei D. José.
A igreja do convento do Louriçal ilustra bem o conceito de arte total, tão caro do barroco. A arquitetura, a pintura, a escultura, os relevos, a azulejaria cristológica, mariana e de exaltação da Ordem Franciscana, formam um conjunto plástico coerente, em que o tema unificador é o Santíssimo Sacramento.
Entrámos ali num fim de tarde, quando as freiras entoavam no coro o ofício de vésperas, com o Santíssimo Sacramento exposto no trono. Apanhados entre os dois fortíssimos focos espirituais, sentimos quão grande é a diferença entre uma casa religiosa em pleno uso das suas funções e tantas outras dispersas por este país fora, abandonadas, degradadas, vazias ou adaptadas sabe Deus a que fins!NELSON CORREIA BORGES
In: Correio de Coimbra, n.º 4727, de 14 de Fevereiro de 2019.
Breve explicação: o Convento do Louriçal, embora já esteja para lá do distrito de Coimbra, sempre esteve muito ligado à nossa Cidade e integra a sua diocese, razões pelas quais aqui publicamos este belo texto que traça a sua história.
O CONVENTO DO LOURIÇAL
O desejo do ser humano de se retirar da sociedade para se dedicar a um ideal de perfeição divina é transversal a todas a grandes religiões. No cristianismo as primeiras manifestações deste ideal datam da segunda metade do século III e surgem com características bastante semelhantes em diferentes partes do mundo cristão. Conheceram várias experiências importantes: o movimento anacorético e o cenobitismo egípcio, os protótipos sírios e orientais, o monaquismo com feição própria da Gália, da Irlanda e da Península Ibérica. Foi o monaquismo beneditino que trouxe a racionalização e humanização das primitivas estruturas, criando um tipo de complexo monástico que os cistercienses aperfeiçoaram e as restantes ordens religiosas adaptaram às suas características. Mesmo as ordens mais voltadas para a intervenção na sociedade organizaram as casas de forma a propiciar aos seus membros um constante estado de intimidade com os mistérios divinos, quer sob a forma individual e privada, quer litúrgica ou coletiva.
Convento do Louriçal, vista exterior e portaria
O convento do Louriçal é um exemplo disso, mas fruto de condições específicas que estão na origem do seu aparecimento nesta vila do concelho de Pombal e outrora ela própria sede de um concelho, extinto em 1855.
A sua história está intimamente relacionada com a da fundadora, a madre Maria do Lado. Maria de Brito, que na religião adotou o nome de Maria do Lado, nasceu no Louriçal em 1605, numa família da pequena nobreza local. De educação profundamente religiosa, aderiu à Ordem Terceira Franciscana em 1626 e ficou muito impressionada com a profanação e vandalização do sacrário da igreja de Santa Engrácia, em Lisboa, em 1630. A necessidade sentida de desagravar este desacato levou-a a instituir as Religiosas Escravas do Santíssimo Sacramento fundando no Louriçal o Recolhimento de Terceiras em 1631. Maria de Brito faleceu em 1632. Recebeu o nome de Maria do Lado já no seu leito de morte, por devoção à chaga lateral que Cristo recebeu na cruz. A sua vida, povoada de visões místicas, provocou a veneração popular, pelo que, logo em 1633, se iniciou o processo de beatificação que teve interrupções várias e atualmente se encontra reaberto e em curso.
A comunidade sofreu vários contratempos com as invasões francesas e a extinção das ordens religiosas em 1834. Na implantação da República o edifício foi ocupado por forças militares e as freiras expulsas. Em 1927, cinco antigas religiosas, ainda vivas, decidiram comprar o convento e regressar, restaurando assim a comunidade.
Inicialmente o Recolhimento funcionava na casa de Maria do Lado, o que condicionou toda a organização espacial.
Convento do Louriçal, porta da Igreja
A construção da igreja iniciou-se em 1640. Não seria mais que uma simples capela. Só em 1688 se pensa e aprova transformar o Recolhimento em Convento. D. Pedro II dá o apoio régio, mandando ao Louriçal o arquiteto João Antunes para desenhar o projeto dos edifícios, cuja primeira pedra se lança em 9 de março de 1690. Foi, porém, D. João V, por um voto feito em 1700, quem ordenou a edificação do que existe. Sob a sua proteção integrou a comunidade na Regra de Santa Clara, dando assim origem às Clarissas do Desagravo.
Para quem esteja habituado a observar em planta a orgânica de mosteiros e conventos, com o claustro como motivo ordenador, em cujos lados se erguem a igreja, o dormitório, o refeitório e outras dependências, a solução adotada no Louriçal é irregular. O claustro, do tipo de arcadas sequentes sobre pilares, tem um só piso e ao centro do espaço reticulado, a fonte de traçado curvilíneo fortemente escultórico. Bordejam-no várias dependências utilitárias, designadamente o refeitório, abobadado em arco abatido. Todo este conjunto de edifícios se encosta em diagonal à zona da capela-mor da igreja. A torre campanário situa-se ao lado dos coros. Para além deste núcleo estende-se a cerca, onde se encontra uma capela de meditação.
A portaria, com portal de bom desenho, rematado por volutas envolventes das armas reais, ergue-se próximo da cerca o que acentua o caracter diferenciado da planta do convento.
Voltaremos ao Louriçal, para a obra de arte total que é a igreja.
NELSON CORREIA BORGES
In: Correio de Coimbra, n.º 4723, de 17 de Janeiro de 2019.
Vista geral da Alta, antes das demolições
Durante o primeiro terço do século XX, os grandes projetos de remodelação urbana centravam-se na Baixa, mas foi na Alta que, quase subitamente, eles se começaram a aplicar. Por razões que não cabem neste momento explicar, o Estado Novo encetou em 1942 um vasto projeto de reconstrução das instalações universitárias, que ocasionou a demolição de mais de duzentos prédios e a construção de grandes blocos destinados a Faculdades.
Prédios demolidos durante as obras da Cidade Universitária segundo o número de pisos
Tipos de prédios Número Percentagem
Um piso 1 0,5
Dois pisos 10 5,0
Três pisos 46 22,8
Quatro pisos 95 47,0
Cinco pisos 49 24,3
Seis pisos 1 0,5
TOTAL 202 100,1
Localização dos prédios demolidos
…. Na véspera da construção da cidade universitária, a Alta era mais importante do que hoje não só por razões simbólicas, mas também pelo número e proporção de habitantes relativamente ao total de Coimbra e pelo superior relevo económico. O crescimento urbano verificado até 1940 não diluíra a polarização Alta-Baixa e o incremento da circulação automóvel ainda não tornara obsoletas as suas íngremes e estreitas ruas.
Ao contrário do que pretendeu e em grande parte realizou o Estado Novo, durante séculos não houve segregação entre zonas residenciais e escolares. A vizinhança entre os locais de ensino e os quarteirões de habitação, associada à dispersão dos colégios e dos próprios estudantes, implicava as zonas mais afastadas da Alta na atividade universitária sem que, no seu núcleo, fosse sentida qualquer necessidade de isolamento. Mas o plano de Cottinelli Telmo, responsável pela revolução urbanística realizada ao longo dos anos quarenta e sessenta, no seguimento de sugestões anteriores, assumiu a ideia de monofuncionalizar a área universitária.
A demolição sistemática da zona superior da Alta permitiu construir o Arquivo (1943-1948), a Faculdade de Letras (1945-1951), a Faculdade de Medicina (1949-1956) e os edifícios da Matemática (1964-1969) e de Física e Química (1966-1975): quatro imóveis de estudada monumentalidade, que provocaram uma profunda rutura urbanística e arquitetónica. E ainda ficou por construir o hospital previsto para o local dos Colégios de S. Jerónimo e das Artes, e os pórticos unindo os edifícios.
Alta de Coimbra. Rua Larga. Década de 40
Vista geral da Alta, depois das demolições
…Toda a zona se encontrava vivificada por um ativo comércio, ocupando o rés-do-chão de inúmeros prédios, vocacionando para a satisfação das necessidades diárias e ocasionais da população. Lucília Caetano … concluiu pela existência, na área demolida, dos seguintes «artesãos e pequenas empresas artesanais»: em 1942, havia seis alfaiatarias, duas modistas de vestidos, um marceneiro e restaurador, quatro encadernadores e douradores, duas tipografias, duas latoarias, cinco barbearias e uma relojaria. De acordo com a mesma autora, havia em 1910 sessenta e sete estabelecimentos comerciais e artesanais na Alta destruída e quarenta e sete fora dela.
… O plano de Cottinelli Telmo não alterou apenas o rosto da acrópole universitária. Devido ao âmbito das expropriações e à inerente necessidade de realojamentos, o seu impacto estendeu-se ao resto da cidade.
Vista geral do Bairro de Celas
Em 1952, o reitor Maximino Correia calculou em dois a três milhares o número de pessoas que foram obrigadas a abandonar a Alta, ou seja, cerca de 5% da população da cidade, que em início dos anos quarenta rondava os cinquenta mil habitantes. A construção de bairros de realojamento apressaram e em parte definiram esse desenvolvimento urbano.
Rosmaninho, N. Coimbra no Estado Novo. In: Evolução do Espaço físico de Coimbra. Exposição. 2006. Câmara Municipal de Coimbra. Pg. 65-92.
«Por 1850, Coimbra continuava ainda o velho burgo académico, iluminando-se a candeeiros de azeite, sem águas canalizadas, nem esgotos, nem vias férreas, nem estradas, nem escolas, dormitando letargicamente à sombra da Universidade e restabelecendo-se penosamente e com lentidão do enorme abalo sofrido com a extinção das congregações religiosas que mantinham aqui nada menos de 7 mosteiros e 22 colégios».
Assim escreve José Pinto Loureiro, em 1937, no preâmbulo dos «Anais do Município de Coimbra».
… Eram de facto estas as características da vida urbana. Mas Coimbra não era exceção nem caso isolado. Era a regra. Durante a primeira metade de oitocentos muitas cidades portuguesas e mesmo a capital do reino encontravam-se, quanto ao desenvolvimento urbano, tal como as da grande maioria dos países europeus, expectantes.
Cidade de Coimbra. Pinho Henriques. Séc. XIX
… A construção das infraestruturas é um tema caro às politicas liberais. Como resultado destas iniciativas, a partir da segunda metade do século, Coimbra ganha outro protagonismo dentro da rede urbana nacional. A mala-posta, em 1855, servindo-se de uma estrutura viária renovada, volta a ligar a cidade ao Carregado, retomando-se um serviço de transporte rápido e regular. Mas o tempo de comunicação da informação ainda mais se encurta quando, em 1856, no mesmo ano em que a cidade se ilumina a gás, se inaugura o telégrafo elétrico entre Lisboa e Coimbra, e depois Porto, anunciando a chegada do comboio. No entanto, é apenas em 1864 que a cidade passa a integrar a rede ferroviária com a inauguração do troço entre Taveiro e Vila Nova de Gaia, completando-se a linha do norte. Paralelamente a administração pública municipal vai-se modernizando, de acordo com a lei de 25 de novembro de 1854, reduzindo em número as freguesias e regularizando as suas fronteiras.
Criaram-se, assim, as condições para a implementação dos melhoramentos necessários a Coimbra.
Projecto para instalação de canos de abastecimento à cadeia da Portagem. Joaquim José de Miranda. Séc. XIX
Projecto da estrada entre as ruas da Calçada e da Sofia. João Ribeiro da Silva. 1857
Ponte de Santa Clara
…Como parte do programa de regularização e subida da cota dos cais incluiu-se o redesenho do largo da Portagem e a construção de uma nova ponte. O largo ganhou uma dimensão moderna como entrada urbana e como rótula de distribuição viária, depois de vagas de demolições e obras de regularização. A ponte construiu-se em ferro, no ano de 1875, depois da demolição da antiga ponde de pedra, em 1873,
…. Pela nova ponte continuou a conduzir-se o tráfego que ligava, pelo litoral, o norte ao sul do país, cruzando o largo da Portagem e percorrendo as ruas até Santa Cruz, e daí até à saída pela rua da Sofia, prolongada na rua Fora de Portas. Era este o caminho urbano da estrada real na ligação de Lisboa ao Porto e por aqui passavam as carruagens ao serviço da mala-posta.
Macedo, M.C. Coimbra na segunda metade do século XIX. In: Evolução do Espaço físico de Coimbra. Exposição. 2006. Câmara Municipal de Coimbra. Pg. 43-64.
No contexto ibérico, o sítio de Coimbra – cartograficamente assinalado com um caprichoso meandro do rio Mondego – é um módulo de importância nevrálgica entre o norte e o sul, o interior e o litoral. Já ao nível do território de transição entre o Baixo e o Alto Mondego, especificidades da colina que hoje designamos por «Alta» ou «Almedina» ditaram um precoce despontar do aglomerado que, desde logo, o processo de romanização fez florescer como cidade. Eram elas as características defensivas naturais, o domínio do Mondego, e dos vales nele concorrentes, a exposição ao rio pelos quadrantes mais favoráveis em termos solares, o fácil acesso fluvial ao mar e ao interior, os recursos aquíferos do subsolo, etc.
Réplica da pedra gravada do MNMC, 395 ou 396 da era cristã
… Hoje estável e controlado, o rio foi de facto até há pouco menos de dois séculos um rebelde elemento de perturbação do quotidiano e [do] desenvolvimento urbanos de Coimbra. Correndo sobre um leito cujo perfil ainda não se encontrava estabilizado, o Mondego autoproduziu esse incontornável equilíbrio através de consecutivas, torrentosas e, por vezes, trágicas cheias, condicionando durante séculos – em especial durante a Idade Moderna –, todo o desenvolvimento urbanístico da «Baixa» da cidade e, por reflexo, o da própria «Alta». Em média, a cota do seu leito subiu até então 8 centímetros por década, destruindo e/ou açoreando diversos conjuntos edificados nas suas margens durante a Idade Média e, claro, a ponte instalada pelo menos desde a fundação da nacionalidade.
Conimbriae. J. Jansonus. C. 1620
…. Sabemos, por exemplo, que é a cerca de uma dezena de metros de profundidade que, sob o Largo da Portagem, jaz o pavimento de acesso à ponte primitiva.
Illustris Ciutatis Conimbria in Lusitania. Georg Hoefnahel/Hogenbeerg, colorida por Braun, 1598
… Mas a influência da plasticidade global do suporte territorial na evolução morfológica da cidade torna-se particularmente relevante se melhor nos focarmos sobre a própria colina (…) tem ela uma expressão morfológica planimétrica algo em ferradura com abertura a poente (…) Continuando, inevitavelmente, a acentuar as principais características topográficas da colina, da dinâmica da dualidade habitante-invasor acabou por resultar do penúltimo dos casos da ocupação estranha – o do invasor islâmico nos últimos séculos do primeiro milénio – uma estrutura palatina sobre o extremo mais proeminente da tal virtual ferradura. Também então se reformava o perímetro defensivo que, de uma forma geral, consistia na linha definida pela intersecção entre as encostas de declives praticáveis e impossíveis. No fundo a muralha acabou por acentuar a já clara individualidade da colina, da cidade ou, se assim o quisermos, da «Almedina». Mas complementarmente também salvaguardou o aceso seguro às zonas baixa e ao rio.
Pormenor da cópia manuscrita da planta do castelo de Coimbra
Protegendo a retaguarda e simultaneamente o acesso mais fácil ao topo pelo festo do Aqueduto [de S. Sebastião], implantou-se e desenvolveu-se também pela primeira dobragem do milénio o castelo, o qual em articulação com o palácio, clarificou o desenvolvimento daquele que ainda hoje é o principal eixo viário da «Alta», a Rua Larga.
Rossa, W. O Espaço de Coimbra. In: Evolução do Espaço físico de Coimbra. Exposição. 2006. Câmara Municipal de Coimbra. Pg. 17-42.
O Concelho de Coimbra com 31 freguesias e uma área aproximada de 317 km2, teve uma evolução populacional apreciável, entre os anos sessenta do século XIX e os anos sessenta do século XX. Os censos de 1864 … indicavam uma população de 40.681 habitantes; cerca de cem anos depois, a estatística de 1960, apresenta uma população concelhia de 106.404 habitantes…. Atualmente, [2001], a população do concelho atingiu os 148.443 habitantes.
Mappa topográfico do Bispado de Coimbra com todas as vilas, parochias e Lugares. José Carlos Magne 1797
…. No que respeita apenas à Cidade, existem elementos cartográficos desde 1845.
… A malha urbana da cidade encontrava-se espartilhada por duas cintas: a primeira, a conventual, e a segunda formada por um enorme conjunto de quintas. No século XIX, deram-se grandes alterações na estrutura produtiva da maioria dessas grandes quintas que rodeavam a cidade de Coimbra, com as suas casas solarengas, das quais algumas ainda resistem como, por exemplo, a do Regalo, Espertina, Portela e das Lágrimas, algumas absorvidas pelo crescimento urbano, outras ainda em ruínas expectantes.
A cintura de mosteiros, mais junto da cidade, tornou difícil o desenvolvimento urbano de Coimbra durante muitos séculos: mosteiros como os de S. Domingos, de Celas, de Santa Cruz, Santa Ana, Santa Clara, S. Francisco e Santa Teresa, impediram diretamente a expansão da cidade.
A Cidade de Coimbra. Evolução do espaço urbano
Relativamente à cidade é mais fácil determinar com rigor o seu crescimento, quer pela existência de elementos edificados datáveis, quer pela existência de cartografia [feita] com rigor, desde 1873. A área urbana cresceu 10 vezes entre 1873 e 1940, e passou de 1.106 ha (1940) para 3.000 ha (Plano Diretor Municipal – 1944).
…. Nos finais deste século [séc. XX], a cidade conheceu um crescimento importante da sua população (40% em 30 anos), sem que se assistisse ao crescimento da sua área urbana, que nas primeiras décadas do século XX aumentou consideravelmente.
Se nos finais do século XVI, a Rua da Sofia é o suporte do desenvolvimento urbano, nos finais do século XIX é a Avenida Sá da Bandeira que serve de eixo de desenvolvimento: arruamento desanexado à Quinta de Santa Cruz aonde, a partir de 1880, são postos à venda lotes de terreno.
…. Entre 1900 e 1930, a área urbana da cidade duplicou. Com este crescimento aumentou também o número de indústrias na parte baixa da cidade e posteriormente ao longo da via férrea e da Estrada Nacional n.º 1. A zona da «Baixinha» ressentiu-se com esta deslocação de atividades e desde então começou-se a sentir a necessidade de algum planeamento. São desta época os primeiros planos para a sua reestruturação.
Plan d’Aménagement et d’extension – Rapport génerale. Étienne de Groër. 1940
…. Um certo imobilismo das administrações local e central levou a que somente em 1839, se adjudicasse um primeiro plano, de carácter geral, ao Arq. Étienne de Groër.
…. Em termos futuros, a atenção de todos nós, deverá concentrar-se nestas áreas suburbanas em termos de requalificação. Embora o Centro Histórico necessite de urgente reabilitação, a sua concretização está mais dependente da resolução de problemas financeiros e de vontade política, do que de grandes estudos teóricos, dado que as metodologias de intervenção são já aceites há muito por todos.
Faria, J.S. Evolução do Espaço Físico de Coimbra. In: Evolução do Espaço físico de Coimbra. Exposição. 2006. Câmara Municipal de Coimbra. Pg. 9-16.
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