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Quase ignorado santuário de montanha, dedicado à Virgem Maria, é este.
Capela da Senhora da Alegria exterior
Poucos autores se lhe referem, com exceção do Pe. Luiz Cardoso no seu Dicionário Geográfico de 1747. E, no entanto, a sua antiguidade é incontestável. Situa-se no cimo de um cômoro, donde se vislumbra e sente uma infinidade de aldeias em redor, circundado pela ribeira afluente do Dueça e agora pela autoestrada 13. O acesso é ao presente facilitado por esta via e por caminhos alcatroados, outrora veredas rurais percorridas a pé por romeiros devotos.
O monte tem o sugestivo nome de Crasto ou Castro, a remeter-nos para eras de um passado remoto, com habitações pré-históricas ou fortificação de defesa na época da reconquista cristã, como aconteceu nesta região de Bera, designadamente na vizinha Torre de Bera. Fica-lhe de fronte a aldeia de Almalaguês, a cerca de um quilómetro. Por aqui ainda se pode ouvir o bater de um ou outro tear, mas esta atividade que outrora foi importante e fez de Almalaguês o maior centro de tecelagem artesanal da Europa encontra-se hoje decadente. Houvesse em Coimbra uma edilidade consciente dos valores culturais do seu território e teria protegido convenientemente a tecelagem de Almalaguês e o que resta da torre de Bera.
Capela da Senhora da Alegria interior
À falta de fontes escritas é a própria capela que ditará a sua história. O edifício é modesto, com uma só nave, de apreciável tamanho para uma ermida, capela-mor e sacristia adossada a norte. Sensivelmente a meio da nave encontra-se um púlpito de forma cilíndrica sobre coluna dórica, lavrado em pedra calcária, com caneluras e dois frisos de cabecitas aladas de anjos. Tem aposta uma inscrição onde se lê que a capela foi mandada construir em 1634 pelo pároco Teodósio Abreu. Na fachada abre-se um portal do século XVIII, atestando outra intervenção. Esta tem certa nobreza na sua austeridade: porta encimada por frontão triangular e decorada com brincos laterais, na tradição da época de D. João V, cunhais vincados de cantarias e discreto campanariozinho.
No topo da nave erguem-se dois altares colaterais em popular e tardio neoclassicismo. O arco cruzeiro, de cantarias, abre-se para a capela-mor onde avulta o retábulo com a imagem da titular. Tem duas colunas espiraladas por banda, recobertas por folhagens, cachos de uva e aves debicando os bagos. O remate é uma composição de elementos diversos coroados por um medalhão com as iniciais AM. Pena é que tudo isto se encontre repintado de branco e purpurinas, apenas restando alguma policromia antiga em certas cabeças de anjo.
Cobria o teto da capela-mor um revestimento de madeira com vinte caixotões, do qual apenas existe atualmente uma pequena parte envolvendo o retábulo. Os caixotões, da reforma do século XVIII, ostentavam pinturas e dísticos de alegorias à piedade, mansidão, prudência, justiça, fortaleza, temperança, caridade, humildade e pureza. Os que restam, colocados em volta do retábulo ilustram algumas litanias da Virgem Maria.
Capela da Senhora da Alegria capela-mor
Reveste as paredes da capela-mor um encantador alizar de azulejos recortados da segunda metade do século XVIII, da oficina coimbrã de Salvador de Sousa e Carvalho. As cenas representadas são: a Adoração dos Magos, Adoração dos Pastores, e Nossa Senhora da Conceição; Nascimento da Virgem, Anunciação e Visitação.
A Senhora da Alegria, bem como uma santa mutilada, do século XV, num retábulo colateral, atestam a antiguidade deste lugar sagrado. A imagem da Senhora, de madeira, é de uma época difícil de definir, talvez século XIV ou mesmo XIII. Só um exame científico poderá ajudar. Ampara o Menino no antebraço esquerdo e com a mão direita faz um gesto de bênção. Apresenta uma ligeira curvatura à direita, que pode ter sido um aproveitamento do tronco em que foi esculpida.
Outro motivo de interesse deste santuário são os ex-votos, dos séculos XVIII e XIX.
Já aqui não mora o ermitão de que nos fala Luiz Cardoso, mas a Senhora da Alegria continua a receber devotos, nos dias da sua festa, que é segunda feira da Pascoela, e sempre, como pudemos testemunhar. Permanece o mesmo encanto espiritual que tanto atraiu as gentes dos séculos passados.
Nelson Correia Borges
In: Correio de Coimbra, n.º 4718, de 2018.12.06
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