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“O Progresso é barrigudo: não cabe em ruas estreitas”
Em 1870, Camilo Castelo Branco caricaturava assim a primeira intervenção de reforma urbanística de Coimbra do período liberal (1). Sucede que, afrontando o romantismo do escritor, tinha começado a delinear-se uma nova cidade e sobre a acanhada e insalubre Rua de Coruche tinha sido rasgada a nova e ampla Rua do Visconde Da Luz.
Projeto de abertura da futura rua Visconde da Luz. Arquiteto João Ribeiro da Silva. 1857
A par era inaugurada a Mala-Posta entre o Carregado e Coimbra [que não conheceu grande sucesso], o telégrafo elétrico, a iluminação a gás e estudava-se a expansão da cidade para norte. Intervenções de reforma da cidade que, de resto, encontram paralelo, ainda que noutra escala, no que se passava nas principais cidades nacionais e um pouco por toda a Europa.
Serviço de Mala-Posta entre Lisboa e Porto. In: https://whotrips.com/2018/05/14/lisboa-porto-em-34h/
A emergência da cidade industrial e a consciencialização dos seus problemas de insalubridade tinham conduzido à sua crítica e a um conjunto de intervenções de reforma urbana, onde se destacaram as intervenções de Londres (1848-1865), as grandes obras de Haussmann em Paris (1853-1869), o “Ring” de Viena (1857) ou o ensanche de Barcelona (1859).
Em Portugal, país periférico e assolado pelas invasões francesas e, depois, pela Guerra Civil [entre absolutistas – D. Miguel e liberais – D. Pedro], o processo de industrialização foi muito lento e este tipo de problemas urbanos atingiram uma escala mais reduzida. Todavia a situação das cidades nacionais estava longe de ser a desejada. Ruas estreitas, não pavimentadas, formadas por casas sem ventilação nem iluminação. O abastecimento de água a partir de fontes e chafarizes escasseava na estação seca, o saneamento era praticamente inexistente, a recolha de lixo era feita para montureiras públicas situadas por vezes demasiado próximo das habitações. Nestas condições eram frequentes as epidemias. Compreende-se, por isso, que com o novo Regime liberal, a par de uma politica de fomento económico assente na melhoria das vias de comunicação e das trocas comerciais, se encetassem as primeiras intervenções de reforma e melhoramento urbano emulando as experiências europeias.
… escolheu-se para objeto de estudo [a cidade de] Coimbra. Esta escolha justifica-se pela dimensão média da cidade, mas fundamentalmente por ter sido, até ao século XIX, a sede do único estabelecimento de ensino superior nacional. Facto que conduzira à monofuncionalização da cidade em torno da Universidade e dos seus Colégios, limitando-se o seu desenvolvimento industrial, mas por outro lado, conferindo-lhe um papel de destaque por formar os bacharéis que governavam e ditavam os destinos do Império e lhe permitia arrogar o estatuto de terceira cidade nacional. A partir desta particularidade interessou-nos avaliar em que medida as relações internacionais estabelecidas entre a Universidade e as mais prestigiadas instituições cientificas europeias provocaram alguma interferência no desenvolvimento da cidade e no seu planeamento. Porque, se até à Revolução Liberal a representação da Universidade nos destinos da cidade era obrigatória por lei, no período liberal a presença de professores universitários na vereação municipal foi conquistada pelo mérito. De facto, foram estes, conhecedores das reformas urbanas em curso na Europa e das principais inovações tecnológicas que passaram a dirigir os destinos de Coimbra.
(1): Este escritor muito dentro da época caracterizou-se pelo recurso recorrente à sátira. Neste caso particular a critica não se limita ao progresso que exigia ruas largas, mas trata-se de uma crítica à mudança de toponímia deliberada pela edilidade [alteração do nome da Rua de Coruche, para Rua Visconde da Luz].
Joaquim António Velez Barreiros, 1.º Visconde da Luz. In: https://geneall.net/pt/nome/28201/joaquim-antonio-velez-barreiros-1-visconde-de-nossa-senhora-da-luz/
A designação adotada prestava homenagem ao Diretor Geral de Obras Públicas que tinha auxiliado neste projeto, mas foi muito contestada pela população.
Calmeiro, M.I.B.R. 2014. Urbanismo antes dos Planos: Coimbra 1834-1924. Vol. I. Tese de doutoramento em Arquitetura, apresentada à Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra, pg. 17-20.
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