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O Luizinho das Pontas (Cliché de Silva e Sousa)
O Luizinho das pontas! Outro tipo curioso...
Não precisava de pedir porque a família tem alguma coisa e não quer que ele peça, mas de tal forma se acostumou a andar pelas ruas, apanhando pontas de cigarro, que daí lhe veio o hábito de pedir uns dez réis a este e àquele com quem fala. De vez em quando aparece com papeletas para o público subscrever com qualquer quantia para a ajuda de um varino, de um colete ou de umas calças. Dele conheço eu várias partidas, mas a que vou contar, francamente é muito superior a todas elas. Assistia-se ao sarau que uma comissão de académicos realizou no teatro Circo nessa época em que apareceu a ideia da receção dos novatos com festas. Representava-se, nesse momento, uma peça qualquer, feita por um dos vogais da comissão, na qual se simulava um tribunal. Ora o público e as testemunhas que se nos apresentavam no palco eram a malta, a crápula das ruas, esses tipos sebentos e grotescos, ao vivo e o Luizinho que também lá estava, farto, como a plateia, de ouvir o pseudo-advogado a falar, a falar, a falar, levanta -se como um raio, perfila-se e exclama com uma cara das mais curiosas deste mundo, naquela sua voz meio fanhosa e entrecortada: Arre! Que chatice medonha! Eu não sei como o teatro não caiu com a gargalhada forte, retumbante. que se ouviu então! É que o Luizinho naquela sua frase, vinda a propósito, tinha conseguido concretizar a opinião de toda a plateia!... E o mais engraçado foi que o Beb’água quis atirar-se à pancada ao Luizinho! Que quadro! Que cena!
O Beb'Água
O Beb’água, que por sinal bebe vinho e ás vezes o despeja pelas ruas é um distribuidor de prospetos, um magnífico exemplar ele transição, entre o homem e o macaco, sebento, mal alinhavado, todo ele a transpirar sabujice, que, por um defeito qualquer, fala somente por monossílabos. Aí vai uma frase para amostra quando vê um petiz a fumar: ai tu jà fú? Ló di tê pae!... Ainda assim de todos os tipos que conheço é precisamente o Luizinho das pontas o que dá menos sorte…
Um archeiro…que está dois furos acima do estudante e um abaixo de lente (Desenho de Álvaro de Lemos)
E se entrarmos na Universidade, sagrado templo da sabedoria, onde em vez de nos formarmos apenas nos conseguimos deformar...lá vos mostrarei certo archeiro, boa pessoa, que dá sorte por lhe chamarem Estópido desde aquele dia em que se dignou dizer que o archeiro estava dois furos acima de estudante e um abaixo de lente! o que equivale a dizer, neste meio repleto ele prosápia científica, que estava milhões de léguas acima da terra e apenas um palmo abaixo do céu!... Outro archeiro conheço eu, boa pessoa também, (os archeiros são sempre boas pessoas...) que todo se abespinha quando lhe chamam S. Pedra aludindo ás barbas brancas que possui. Na verdade, ele parece-se muito mais com um Cerbéro do que com o meu grande amigo S. Pedro, chaveiro lá de cima, pois que este velho santo vive às portas do céu, que dizem ser o Paraíso, e o outro, o archeiro, pespega-se á porta das aulas, que são um verdadeiro inferno!
Monteiro, M. Typos de Coimbra, In Illustração Portugueza, 40, Série II, Lisboa, 1907.01.28.
Orgulhoso e altaneiro, bem cioso dos direitos que representa, o pelourinho não desvenda com facilidade a sua origem, mas verificamos que a sua existência se estendeu a toda a Europa ocidental, cronologicamente até à implantação das ideias liberais e que, nalguns países, ultrapassou mesmo esta época. Sabemos também que atravessou os mares e se implantou no Novo Mundo por influência de portugueses, espanhóis e ingleses.
Herculano pretende ver a sua origem associada ao direito itálico (jus italicum) que consignava uma total organização municipal e permitia levantar no forum a estátua de Marsyas ou de Sileno com a mão erguida, símbolo da liberdade burguesa.
Pinho Leal, filia a origem destes monumentos na columna moenia, colocada pelo cônsul romano Moenio na praça, isto é, no forum que se estendia frente à sua casa, onde se realizavam os julgamentos feitos pelos magistrados (triumviros), se aplicavam os castigos públicos e se faziam as festas populares.
Teófilo Braga vê no pelourinho a representação do Genius Loci romano, patrono da independência municipal.
Luís Chaves filia o aparecimento do pelourinho na antiga imagem do poste pessoal ou coletivo de um clã, de um povoamento ou de um agrupamento religioso.
Mas a sua origem, provavelmente, tem de se ir buscar em tempos ainda mais recuados.
Todas as picotas, mais ou menos esbeltas, mais ou menos ricas na sua decoração, têm um elemento comum: a coluna.
… Monsenhor Nunes Pereira, nos idos de Quarenta, escrevia que os pelourinhos “testemunham a autonomia (jurisdicional, digo eu) que a terra goza ou gozou noutros tempos. Devem ser estimados, conservados e reconstituídos onde isso possa fazer-se”.
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O pelourinho de Coimbra transferiu-se do adro da Sé Velha, onde se encontrava junto à Casa do "Vodo" (casa da audiência da Câmara que se erguia frente à igreja da Sé [Velha] para a praça do Comércio nos finais do século XV (1498).
Retirado deste lugar, deslocou-se para o Largo da Portagem (1611), tendo então sido adaptado a fontanário. Aí permaneceu até 1836, ano em que o desmontaram e armazenaram até 1894.
Grimpa do pelourinho de Coimbra, original
Do original resta apenas a grimpa, conservada no acervo do Museu Nacional de Machado de Castro.
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Da sua reconstrução, ocorrida nos anos oitenta do século passado, posso dar testemunho.
Eu era, ao tempo, Chefe de Serviços de Turismo aos quais estava adstrito o Gabinete de Salvaguarda do Património, de que era responsável o arquiteto António José Monteiro.
Tendo sido determinado pelo então Presidente da Câmara, Dr. Mendes Silva, a recuperação da Praça do Comércio, na altura mais conhecida por Praça Velha, entendeu-se reinstalar ali uma reconstituição do Pelourinho, até porque ele, outrora, já estivera erguido naquele local.
Pelourinho de Coimbra na Portagem
Baseado em desenhos que se pensam ser fidedignos, o arquiteto António José Monteiro riscou uma proposta reconstrutiva e o saudoso Mestre Pompeu Aroso bateu as partes metálicas, copiando-as do original, existente no Museu Machado de Castro.
Pelourinho de Coimbra reconstituição
Praça Velha com reconstituição do pelourinho
Bibliografia
. Anacleto, R. 2008. Para que servem os pelourinhos? Conferência proferida nas I Jornadas de História local, Pampilhosa da Serra. Auditório Municipal, 2008.04.10 e 2008.04.11.
. Malafaia, E.B.A. 1997. Pelourinhos portugueses. Tentâmen de inventário geral. Col. Presenças de Imagens. Lisboa, Imprensa Nacional Casa da Moeda.
. https://pt.wikipedia.org/wiki/Pelourinho_de_Coimbra. Acedido em 2018.07.17
Oh, Pelourinho da Praça.
Travesseiro de quem ama.
Quantas vezes o meu amor
Lá terá feito a sua cama. (Quadra popular)
Os pelourinhos ou picotas, monumentos modestos e simultaneamente altivos, enxameiam Portugal de Norte a Sul e, desde sempre, atraíram sobre si as atenções de inúmeros estudiosos que, afora alguma pequena divergência, têm assumido uma enorme consonância quanto ao seu significado.
… Nas nossas aldeias, que se espalham a esmo por esse Portugal “quase incógnito”, frequentemente, são estas pedras velhas e enegrecidas de séculos o único elo que liga o presente com o passado; e se outras razões não houvesse, esta já nos permitiria chamar a atenção para a necessidade de preservar esses monumentos que se erguiam outrora, preferencialmente, frente à Casa da Câmara, ao palácio do Senhor, à Sé ou ao Mosteiro.
… “Ces poteaux [qui] auraient un charme trés grand” como afirma o Conde de Raczynski, não se podem considerar “padrões ou symbolos da liberdade municipal”, mas funcionavam como o sinal da jurisdição, da administração autónoma da justiça, face à autoridade central. …Os habitantes do aglomerado populacional deviam viver uns com os outros observando a ordem jurídica estabelecida e se algum, de entre eles, violava as normas, logo a assembleia municipal ou os seus magistrados … aplicavam justiça e faziam executar as penas em locais públicos, a fim de, pelo terror, impedir a repetição de atos criminosos.
… a de Coimbra [a Câmara] não lhe fica atrás: no titolo das coimas e das vynhas que se encontra no Livro da Correia e que foi coordenado em 1554, determinava-se que, quando o condenado não pudesse pagar a pena pecuniária esta fosse substituída por huma ora ao pee do pelourjnho, e desde as novas atee as dez horas com a fruyta com que foj tomado ao pescoço. A mesma Câmara, em novas posturas promulgadas em meados de seiscentos voltou a insistir na pena de exposição no pelourinho.
As Ordenações Afonsinas, Manuelinas e Filipinas não se eximem de legislar no sentido da utilização do pelourinho como local do cumprimento de penas.
Folha do rosto das Ordenações Afonsinas
… Na opinião de Paulo Pereira, o pelourinho, lugar onde se aplicava a justiça, a partir do século XV, pode ter deixado de estar associado à execução judicial, porque passou a ser o local do costume, onde se fixavam alvarás e éditos, defendendo mesmo aquele autor que a picota vai perdendo o cariz prático e utilitário que lhe esteve na origem para, no reinado de D. Manuel, conhecer uma revitalização capaz de lhe permitir adquirir um carácter prioritariamente simbólico e artístico.
Na realidade, a análise da documentação existente permite constatar que as notícias de aplicação de penas nos pelourinhos foram escasseando paulatinamente. No entanto, no século XVIII, ainda encontramos referências à aplicação de açoites naquele local.
…Os pelourinhos são, na realidade, o símbolo da administração autónoma da justiça local ou da jurisdição feudal e o ponto onde os criminosos, expostos à vergonha pública, sofriam os castigos.
Instrumento de tortura 1
Instrumento de tortura 2
Instrumentos de tortura 3
… A voz do povo também vem corroborar a nossa suspeição de que as picotas são verdadeiros postes de justiça. Não é verdade que frequentemente se ouve dizer: que venha a este pelourinho, ou então, hei-de levá-lo ao pelourinho?
… Pensa-se, por vezes, que o pelourinho desempenhava a dupla função de forca e de poste de castigo, mas, se assim fosse, não se compreenderia que os documentos aludissem de forma individual a estas duas estruturas e que permanecesse na toponímia a referência ao local onde a primeira se situava, sempre fora do centro populacional.
Em Coimbra, por exemplo, sabemos que o pelourinho, segundo uns, se encontrava na Portagem mesmo frente à cadeia e, se nos guiarmos por outras indicações, no largo da Sé Velha, mas a forca, essa estava implantada na zona da Conchada, onde ainda hoje existe a Ladeira da Forca.
… O pelourinho não servia apenas para nele se castigarem os delinquentes, mas também o pregoeiro aí dava publicidade a certos atos do concelho, o porteiro executava decisões de jurisdição civil ordenadas pelo alcaide e pelos outros magistrados, afixavam-se éditos, faziam-se até leilões; e, lá nos confins deste nosso Portugal, era ainda junto do pelourinho que o vizinho, quando recém-chegado da cidade ou de longínquas paragens para onde emigrara, contava as novas e punha a população em contacto com as realidades de um outro mundo em que eles viviam, mas do qual não faziam parte.
Bibliografia: . Anacleto, R. 2008. Para que servem os pelourinhos? Conferência proferida nas I Jornadas de História local, Pampilhosa da Serra. Auditório Municipal, 2008.04.10 e 2008.04.11.
Um trabalho original de José Maria Mudo
O José Maria, mudo, moço de litografia e tipografia, inteligente, serviçal em extremo, que, ao sentir falta de dinheiro, ou para dar as boas festas, é capaz de fazer o seu verso de pé quebrado ilustrando-o por seu punho.
O Bentinho Sapateiro (Cliché de Joaquim Olaio)
O Bentinho sapateiro, figura caricata e sobremaneira interessante, que se dá ao luxo de vestir à inglesa, indo todos os domingos a certa mercearia buscar um charuto de vintém, dadiva d'um seu amigo velho que andou a estudar em Coimbra e já se formou.
O Bamba
O bebedor emérito, devasso inexcedível, que uma vez arvorou em Rousseau e fez as suas confissões.
Conta-se dele um caso que não deixa de ter espírito. O Bamba queria batizar um filho e queria que o Dom Thomaz de Noronha fosse seu compadre. Para isso foi esperá-lo numa tarde aos Arcos do Jardim, expôs-lhe a sua pretensão e conseguiu ver dentro em breve realizado o seu maior, o seu constante desideratum. Restava, porém, escolher o nome que se devia dar ao petiz e o Dom Thornaz perguntou-lhe qual era o nome de que ele mais gostava e queria para o seu filho. Resposta do Bamba:
– O compadre não é o padrinho do rapaz?
– Sou…
– Não se chama Dom Thomaz?
– Chamo…
– Pois meu filho deve chamar-se Dom Thomaz!...
E após uma sonora gargalhada do padrinho, o petiz ficou sendo, na verdade, o Dom Thomaz…
O Barnabé
O Barnabé que parece ter o dom da ubiquidade, esse pobre diabo que aparece em toda a parte quase ao mesmo tempo. Há um fogo? Lá vai o Barnabé avisar os bombeiros antes que os sinos deem sinal. Há uma desordem? Lá vai o Barnabé avisar a polícia, porque esta só aparece quando é avisada.
Há necessidade de qualquer recado? Eis que surge o Barnabé. Há um batizado, um enterro, um casamento quase em segredo? Não importa. Mesmo assim lá aparece o Barnabé.Com certeza o Barnabé deve lá estar! E quando ele se perfila a uma esquina fazendo continência, de chapéu na mão, ao passar alguém conhecido que interpela sempre desta forma: faz favor de me deitar a sua bênção?... Então a minha mesada? – é certo que apanha dez réis.
Monteiro, M. Typos de Coimbra, In Illustração Portugueza, 40, Série II, Lisboa, 1907.01.28.
- Nos finais do séc. XI/ início de XII, existia uma edificação romano-bizantina, da qual ainda estavam inteiros dois pórticos, em 1894. Em 1131 aparece referida tendo por prior um D. Onorio. Até 1183 esteve sujeita ao Arcebispo de Compostela, e a partir daí passou a pertencer ao bispo conimbricense.
- Foi sagrada sob a designação de basílica em 1206, devido a profanação, reparação ou reconstrução.
- Em 1500, D. Manuel funda a Misericórdia em Coimbra. E, em 1526, esta muda-se para o celeiro da Igreja Paroquial de São Tiago. Em 3 de Junho de 1546 é lançada a primeira pedra da Igreja Velha da Misericórdia sobre uma das naves de S. Tiago, concluída em 1549, com capelas, retábulos e varanda de João de Ruão. No entanto acontecem divergências com a paróquia, e saem, e em 1571 começam mesmo a construir outro edifício na mesma praça, mas em 1587 suspendem os trabalhos. Voltam a S. Tiago em 1589. São retomadas as obras. Deu-se a deformação da frontaria com o acrescento de dois pisos. A rosácea é rasgada e convertida em janela de sacada. Em 1772 vão para a Sé Velha, mas pouco depois voltam para São Tiago. De facto, a Misericórdia tinha tido várias localizações, mas acabava sempre por voltar. No séc. XVIII nova reforma desfigurou-lhe completamente as naves interiores, tendo as suas paredes sido todas estucadas.
- Em 1841 a Misericórdia vai definitivamente para o Colégio da Sapiência, junto com o Colégio dos Órfãos.
S. Tiago antes das obras
- Em 1858, quando a Câmara procede ao alargamento da “tortuosa, escura e estreitíssima” Rua do Coruche, para a converter na atual Visconde da Luz, as absides da capela-mor e laterais foram cortadas e, portanto, as proporções da planta inteiramente alteradas. Além disso não se respeitou a disposição da antiga escadaria que dava acesso à porta principal, tendo sido introduzida como que uma escadaria “em trono”.
S. Tiago durante as obras
- Em 1861, é demolida a Capela-mor de São Tiago e parte do Adro da Misericórdia Velha. Para restabelecer o acesso às instalações, constroem-se umas escadas e um patim gradeados.
S. Tiago depois das obras
A antiga Igreja da Misericórdia vem a ser demolida em 1908. Em 1930, a igreja é visitada por um conjunto de especialistas, no sentido de serem tomadas opções para o restauro. No entanto o restauro só se conclui em 1935, pelos Monumentos Nacionais.
Anjinho, I. 2006. Da legitimidade da correção do restauro efetuado na Igreja de S. Tiago em Coimbra. Acedido em 2018.01.23, em https://estudogeral.sib.uc.pt/bitstream/10316/31091/1/
Adães Bermudes, em 1907, conhecia bem a arte desenvolvida pelos artistas de Coimbra, sobretudo pelos que se encontravam ligados à Escola Livre das Artes do Desenho (ELAD) fundada em 1897 por Mestre António Augusto Gonçalves; fazia-lhes os mais rasgados elogios e entregava-lhes trabalhos destinados a embelezar os edifícios erguidos sob a sua responsabilidade. Era, por isso, “de esperar que o novo edifício construído num belo local [fosse] ao mesmo tempo que um monumento da mais fina arte, uma prova também das extraordinárias aptidões dos artistas conimbricenses, cujos esforços para levantar a arte industrial portuguesa são conhecidos e vistos com aplauso por todo o país”.
O arquiteto, no projeto que riscou, deixou-se influenciar pela arquitetura tradicional coimbrã que ficou, desde o século XVI, impregnada pelo espírito da renascença, mas, no dizer do articulista do Resistencia é necessário “que se não entregue a obra ás mãos do primeiro sucateiro, e que se faça do novo edifício, colocado no melhor local de Coimbra, obra para honra e não para desdouro dos nossos artistas”.
Fig. 9 - João Machado
Os responsáveis pela Agência do Banco de Portugal conheciam bem a capacidade e as aptidões dos artistas mondeguinos e, por isso era de esperar que entregassem a empreitada a alguém credenciado.
Das notícias então publicadas em jornais citadinos deduz-se que o alarife encarregado de riscar o edifício da agência do Banco de Portugal “elaborou, ou pretende elaborar o projeto dentro das tradições da arte local, escolhendo para estilo do novo edifício o da Renascença” e o diretor do Resistencia acrescenta na sua folha que, quanto à concretização daquele tipo de decoração apenas João Machado seria capaz de o executar com a qualidade desejada.
Fig. 10 - A Agência do Banco de Portugal em fase de conclusão
Os outros cinzeladores da pedra a trabalhar na cidade reagiram desagradados à referência inserta no jornal, pensando, quiçá, que ela representava o eco de palavras proferidas por João Machado ou, dizemos nós, movidos por uma “doença” chamada inveja. Machado, seriamente desgostado, reagiu enviando uma carta ao periódico onde referia que “quando soube que um colega [seu], depois de ter conhecimento de que f[ora] convidado para executar esse trabalho” contactou os diretores do Banco, oferecendo os seus serviços, declarara que jamais se encarregaria de tal trabalho. E se bem o disse, fielmente o cumpriu, apesar do dr. Quim Martins em posterior edição afirmar que “se o sr. João Machado abandona a obra, o sr. João Machado falta à consideração que deve a quem justamente lhe aquilata o valor” e que o artista “não tem só a contar consigo, tem de contar também com a cidade que lhe festeja o talento que o enobrece”.
O artista manteve-se irredutível e o trabalho de cantaria acabou por ser entregue a Francisco António dos Santos, Filho, “canteiro que vem conseguindo créditos de artista em várias obras a seu cargo”.
Como normalmente acontece, o prazo estipulado para a construção do edifício sofreu uma derrapagem, até porque quando se começaram a abrir os alicerces as obras tiveram de parar, a fim de ser resolvido o problema originado pela existência de um vasto lençol de água que se torno necessário drenar.
Finalmente, com a presença de Adães Bermudes, a 24 de outubro de 1912 foi feita a entrega do novo edifício da Agência do Banco de Portugal, inaugurada a 1 de novembro desse mesmo ano.
Fig. 11 - A Agência do Banco de Portugal já concluída
No dia da inauguração os diretores da nova agência, Manuel Inácio Palhoto e Henrique Ferreira acompanharam a direção do Gazeta de Coimbra numa visita às instalações e estes “fica[ram] perfeitamente impressionados com as comodidades e o bom gosto ali reunidos, transpirando em todas as suas dependências um tom de modernismo que muito [lhes] agrad[ou]”.
Neste contexto, os visitantes cumprimentavam “os ilustres agentes desta nova agência” ao mesmo tempo que felicitavam “o público de Coimbra pelo excelente edifício agora inaugurado e que vem imprimir à cidade uma nota caraterística do seu progresso e desenvolvimento”.
Fig. 12 - Selo do Banco de Portugal. 1846. Desenho de Domingos António de Sequeira
ORIENTAÇÃO BIBLIOGRÁFICA
OBRAS DE CONSULTA
OBRAS DE CONSULTA
DAMÁSIO, Diogo Filipe Monteiro, Arquitetura do Banco de Portugal. Evolução dos projetos para a sede, filial e agências do Banco de Portugal (1846-1955), Coimbra, 2013. [Policopiado]
http://restosdecoleccao.blogspot.pt/2011/11/banco-de-portugal-em-coimbra.htmll
https://pt.wikipedia.org/wiki/Banco_de_Portugal
https://www.bportugal.pt/page/historia
Relatorio do Conselho de Administração do Banco de Portugal. Gerencia do anno de 1905. Balanço, documentos e parecer do Conselho Fiscal, Lisboa, Imprensa Nacional, 1906, p. 21.
https://www.bportugal.pt/sites/default/files/anexos/pdf-boletim/relatorioca1905.pdf.
PUBLICAÇÕES PERIÓDICAS
Architectura Portugueza (A), 4, Ano VI, Lisboa, 1913.04.00.
Gazeta de Coimbra, Coimbra, 1912.10.26; 1912.11.02.
Jornal de Coimbra, Coimbra, 1911.08.05; 1912.01.31; 1912.10.30.
Defeza, Coimbra, 1910.03.25.
Noticias de Coimbra, Coimbra, 1908.01.18; 1909.10.02.
Construcção Moderna (A), 273, Ano IX, n.º 9, Lisboa, 1908.10.10.
Resistencia, Coimbra, 1903.05.03; 1906,07,01; 1907.07.02; 1907.08.25; 1907.09.20; 1907.10.03; 1907.10.06; 1908.11.15.
Conimbricense (O), Coimbra, 1906.07.05.
Tribuno Popular (O), 4893; 5211, 6907, Coimbra, 1903.05.06; 1906.06.30; 1907.06.08
Finalmente decidiram-se por construir o prédio destinado á sua agência no Largo Príncipe D. Carlos, atual Portagem, e que em 1912, aquando da inauguração do imóvel fora, por via da implantação da República, renomado de Miguel Bombarda; mas, para tal, tiveram de comprar as casas dos senhores António José Vieira e Paulo Antunes Ramos, ligadas ao Café Montanha, já então a funcionar e negociar com a Câmara Municipal a cedência de algumas parcelas de terreno. Face ao acordo estabelecido entre as partes o Banco de Portugal tinha de pagar à edilidade a quantia de 12$000 réis por cada metro quadrado de terreno público que ocupasse.
Fig. 3 - Largo Príncipe D. Carlos (Portagem) c. 1890
Os diretores da entidade bancária encarregaram de riscar o projeto da agência da cidade do Mondego Arnaldo Redondo Adães Bermudes (Porto, 1863-Sintra,1948) que, em 1902, fora já o responsável pelo edifício da cidade de Bragança.
O arquiteto formou-se na Academia de Belas Artes do Porto e continuou o seu desenvolvimento académico em Paris, onde frequentou diversas escolas e ateliers, com particular destaque para a “École de Beaux Arts”. Regressou a Portugal em 1894 e instalou-se em Lisboa. Ao longo da vida profissional recebeu diversos prémios e distinções, além de ter exercido cargos relevantes no contexto da administração pública.
Fig. 4 - Arquiteto Adães Bermudes
Adães Bermudes, nas obras que projetava, não empregava um só estilo, e possuía a destreza e a habilidade necessárias para utilizar as mais diversas soluções, tendo sempre presente o contexto em que a obra se inseria e o fim a que se destinava.
Procurando apresentar desenhos funcionais e racionalistas recorria com idêntica desenvoltura a modelos relacionados com a arquitetura francesa, com o ecletismo ou com os neomedievalismos. Também não se eximia a aceitar as novas correntes arquitetónicas, quer estivessem relacionadas com o modernismo ou com a Arte Nova, nem marginalizava a introdução de «novos» materiais nas suas construções; estamos a falar do ferro, do vidro e do betão armado.
Adães Bermudes, enquanto arquiteto de seleção do Banco durante cerca de 20 anos, traçou 10 dos 17 projetos das agências então construídas e pode dizer-se que definiu a imagem de marca do Banco.
Fig. 5 - Projeto da Agência do Banco de Portugal em Coimbra
À construção do edifício mondeguino, posta em praça em outubro de 1909 com a base de licitação de 27.416$000 réis, apresentaram-se cinco concorrentes, mas a empreitada, com a obrigatoriedade de ser concluída no prazo de dois anos, acabou por ser arrematada por João Gaspar Marques das Neves pela quantia de 25.616$000 réis.
No dizer da revista “A Architectura Portugueza” o edifício da Agência do Banco de Portugal que se ergueu, a partir de 1908, na «Pérola do Mondego» “é (…) um belo trecho de arquitetura moderna, de linhas elegantes, corretas e harmoniosas, duma grande pureza de estilo”.
Devido ao facto de o edifício se encontrar implantado num terreno que apresenta um apreciável declive, dos três pisos existentes apenas dois se podem visualizar na fachada principal que, pode dizer-se sem grande rigor face à assimetria existente, se encontra dividida em três panos, separados por largas pilastras de cantaria esculpida.
No piso térreo que deita para a Portagem, na parte central, rasga-se uma enorme porta ladeada por aberturas que se multiplicam, também lateralmente, no referido nível e o piso superior apresenta-se rodeado por ventanas e sacadas decoradas com aventais e balaustradas de pedra trabalhada.
A porta (e, provavelmente, dizemos nós, utilizando um critério de similitude, toda a gradaria que veda as aberturas do piso térreo), “delicado trabalho de serralheria artística” saiu da forja de António Maria da Conceição (Rato), homem cuja atividade artística não se encontra bem documentada, mas que, com tantos outros “ferreiros” mais conhecidos contribuiu para o desenvolvimento da tão significativa arte conimbricense do ferro.
Fig. 6 - Portal e ventanas. Gradaria de ferro forjado
Mestre Conceição não se quedava confinado ao mérito artístico, mas assumia-se como cidadão prestante, pois durante mais de trinta anos desempenhou o cargo de comandante dos Bombeiros Voluntários.
Corre, na parte superior do edifício, uma platibanda de cantaria que, a espaços, suporta urnas e se interrompe, aqui e além, por pequenos frontões e por elementos esculturados.
Na zona central, a platibanda é descontinuada por uma pseudoarquitrave onde se pode ler «Agencia do Banco de Portugal».
Uma edícula, onde se destaca um relógio, sobrepujada por um frontão interrompido que contém, ao centro, as armas de Coimbra cingidas por uma coroa mural, termina o conjunto.
Fig. 7 - Agência do Banco de Portugal. Pseudoarquitrave e edícula com relógio
Refira-se a existência de um relógio na zona nobre do edifício, máquina, na época, omnipresente em fábricas, escolas, estações de caminho de ferro e muitas outras estruturas, utilizada até à exaustão depois do take off industrial, na medida em que obriga à passagem do tempo do pouco mais ou menos para o tempo da hora certa.
A agência mondeguina, como era comum, possuía caixas fortes que, devido ao já aludido grande desnivelamento do terreno, para além de se encontrarem instaladas no subsolo, “ocupam um vasto espaço e são construídas com a maior solidez em «béton» couraçado de ferro, com portas à prova de fogo, construídas pela Fábrica Portugal”.
No rés-do-chão, precedia um espaçoso hall ao redor do qual se instalavam as diversas secções da Agência com o pessoal especializado a desempenhar os serviços adequados, um longo vestíbulo e vários gabinetes destinados à receção do público.
Fig. 8 – Hall
Fechava o hall uma cobertura de ferro e vidro que exibia vitrais saídos da oficina de Cláudio Nunes, conhecido vitralista.
As colunas, de ferro fundido, foram executadas na oficina de José Alves Coimbra.
O edifício possuía um conforto que, para a época, se pode considerar fora do comum, passando pelo aquecimento central, instalado pela conhecida casa francesa de Felix Labat que “é das mais perfeitas”, e por uma iluminação que quase nos atrevíamos a apelidar de feérica a cargo da firma lisboeta Herrmann.
Encarregou-se dos serviços de canalização de água e de gaz, bem como do fornecimento dos artigos sanitários necessários Caetano da Cruz Rocha que tinha o seu estabelecimento na Calçada.
ORIENTAÇÃO BIBLIOGRÁFICA
OBRAS DE CONSULTA
DAMÁSIO, Diogo Filipe Monteiro, Arquitetura do Banco de Portugal. Evolução dos projetos para a sede, filial e agências do Banco de Portugal (1846-1955), Coimbra, 2013. [Policopiado]
http://restosdecoleccao.blogspot.pt/2011/11/banco-de-portugal-em-coimbra.htmll
https://pt.wikipedia.org/wiki/Banco_de_Portugal
https://www.bportugal.pt/page/historia
Relatorio do Conselho de Administração do Banco de Portugal. Gerencia do anno de 1905. Balanço, documentos e parecer do Conselho Fiscal, Lisboa, Imprensa Nacional, 1906, p. 21.
https://www.bportugal.pt/sites/default/files/anexos/pdf-boletim/relatorioca1905.pdf.
PUBLICAÇÕES PERIÓDICAS
Architectura Portugueza (A), 4, Ano VI, Lisboa, 1913.04.00.
Gazeta de Coimbra, Coimbra, 1912.10.26; 1912.11.02.
Jornal de Coimbra, Coimbra, 1911.08.05; 1912.01.31; 1912.10.30.
Defeza, Coimbra, 1910.03.25.
Noticias de Coimbra, Coimbra, 1908.01.18; 1909.10.02.
Construcção Moderna (A), 273, Ano IX, n.º 9, Lisboa, 1908.10.10.
Resistencia, Coimbra, 1903.05.03; 1906,07,01; 1907.07.02; 1907.08.25; 1907.09.20; 1907.10.03; 1907.10.06; 1908.11.15.
Conimbricense (O), Coimbra, 1906.07.05.
Tribuno Popular (O), 4893; 5211, 6907, Coimbra, 1903.05.06; 1906.06.30; 1907.06.08
Criado por decreto que D. Maria II assinou a 19 de novembro de 1846, o Banco de Portugal resultou da fusão do Banco de Lisboa, banco comercial e emissor, com a Companhia Confiança Nacional, sociedade de investimento especializada no financiamento da dívida pública.
O Banco de Portugal, para além da sua função de banco comercial, assumia-se também como banco emissor; fundado com o estatuto de sociedade anónima, até à sua nacionalização, acontecida em 1974, era maioritariamente privado.
Apesar de, a partir de dezembro de 1887, ter deixado de partilhar o direito de emissão de notas com outras instituições, só em 1891 é que passou efetivamente a deter o exclusivo da emissão de moeda, porque apenas então assinou um acordo com os outros bancos emissores.
Depois de uns primórdios atribulados, o Banco de Portugal entrou numa fase de crescimento pujante e acabou por se tornar o banco comercial mais importante do país.
Enquanto vigorou o padrão-ouro, ou seja até 1891, uma das suas principais preocupações passou por assegurar a convertibilidade das notas que emitia em moeda metálica.
Por via do contrato celebrado, em dezembro de 1887, entre o Banco de Portugal e a Coroa portuguesa, a instituição passou a exercer as funções de banqueiro do Estado bem como de caixa geral do Tesouro, obrigando-se a criar agências em todas as capitais de distrito, tanto do continente, como das ilhas.
A maior parte dessas agências acabou por se instalar em edifícios ocupados pelo Governo Civil, associando-se, desta forma, a uma entidade governamental passível de remeter para valores de respeitabilidade e de segurança.
Este organismo estatal ocupava, quase sempre, edifícios desamortizados que haviam sido outrora palácios ou conventos e, a fim de desempenhar funções bancárias tiveram de ser parcialmente adaptados, pois viram-se na necessidade de se inserir numa estratégia destinada a assegurar o estatuto de instituição de prestígio inerente ao Banco de Portugal.
Fig. 1 - Colégio dos Lóios onde funcionava o Governo Civil e onde esteve instalada a primeira Agência do Banco de Portugal
Na sequência da obrigatoriedade de criar agências nas capitais de distrito, em Coimbra, também se instalou, a 3 de fevereiro de 1891, uma filial do banco que, seguindo as normas comuns, se instalou no edifício onde se encontrava sediado o Governo Civil, ou seja, no antigo Colégio de S. João Evangelista, mais conhecido pelo nome de Colégio dos Lóios.
Ignoramos se Ricardo Loureiro foi o primeiro gerente da instituição, mas sabemos que cessou funções em 1904 e que a 18 de janeiro do ano seguinte tomou posse do cargo o dr. Guilhermino Augusto de Barros, ainda em funções no ano de 1908.
Em 1903 a entidade bancária, face à necessidade de autonomia e à evolução dos serviços, já pensava selecionar um edifício apropriado ou um local onde pudesse ser construído de raiz o imóvel destinado a instalar autonomamente, a agência daquele Banco e, para tal, fez deslocar a Coimbra o diretor Castanheira Neves.
O local de implantação do edifício e a escolha do estilo podem inserir-se dentro das decisões mais importantes a tomar quando, na época, se procurava erguer uma infraestrutura destinada a instituição bancária.
A primeira encontra-se diretamente ligada à preocupação em situar o Banco num local onde existisse uma atividade económica forte, facto que pressupunha e existência de uma elite social que, obviamente, permita exercer uma influência significativa sobre o comércio local. Esta decisão, que se inseria na chamada centralidade económica, conduzia à aquisição de terrenos ou imóveis situados estrategicamente.
A segunda, relacionava-se com a escolha de um estilo arquitetónico que correspondesse às necessidades complexas dos estabelecimentos bancários e que passava, também, pela criação de uma imagem de marca capaz de individualizar e valorizar a instituição. O estilo arquitetónico e a decoração utilizada deviam ser adequados e escolhidos de forma a agradar tanto aos utentes do Banco, como à população. Mais à frente, e no que respeita à agência mondeguina, iremos deter-nos mais pormenorizadamente sobre este assunto.
Fig. 2 - Localização do Colégio de Santo António da Estrela
A casa de José Guilherme, sita na zona da Sé Velha, merecia consenso, pois erguia-se num local de, ao tempo, reconhecida movimentação comercial. Posteriormente, também se perfilou como opção para a construção do imóvel o terreno do antigo Teatro Académico ou ainda o local outrora ocupado pelo Colégio de Santo António da Estrela; esta última escolha, onde mais tarde foi construída a casa do dr. Ângelo da Fonseca, posteriormente (até à sua extinção) ocupada pelo Governo Civil, acabou por ser abandonada devido a dificuldades relacionadas com a implantação do edifício.
ORIENTAÇÃO BIBLIOGRÁFICA
OBRAS DE CONSULTA
DAMÁSIO, Diogo Filipe Monteiro, Arquitetura do Banco de Portugal. Evolução dos projetos para a sede, filial e agências do Banco de Portugal (1846-1955), Coimbra, 2013. [Policopiado]
http://restosdecoleccao.blogspot.pt/2011/11/banco-de-portugal-em-coimbra.htmll
https://pt.wikipedia.org/wiki/Banco_de_Portugal
https://www.bportugal.pt/page/historia
Relatorio do Conselho de Administração do Banco de Portugal. Gerencia do anno de 1905. Balanço, documentos e parecer do Conselho Fiscal, Lisboa, Imprensa Nacional, 1906, p. 21.
https://www.bportugal.pt/sites/default/files/anexos/pdf-boletim/relatorioca1905.pdf.
PUBLICAÇÕES PERIÓDICAS
Architectura Portugueza (A), 4, Ano VI, Lisboa, 1913.04.00.
Gazeta de Coimbra, Coimbra, 1912.10.26; 1912.11.02.
Jornal de Coimbra, Coimbra, 1911.08.05; 1912.01.31; 1912.10.30.
Defeza, Coimbra, 1910.03.25.
Noticias de Coimbra, Coimbra, 1908.01.18; 1909.10.02.
Construcção Moderna (A), 273, Ano IX, n.º 9, Lisboa, 1908.10.10.
Resistencia, Coimbra, 1903.05.03; 1906,07,01; 1907.07.02; 1907.08.25; 1907.09.20; 1907.10.03; 1907.10.06; 1908.11.15.
Conimbricense (O), Coimbra, 1906.07.05.
Tribuno Popular (O), 4893; 5211, 6907, Coimbra, 1903.05.06; 1906.06.30; 1907.06.08
E a Marrafa, a Maria, essa bela quarentona, bem fornidinha de carnes, que também foi lembrada no aludido Centenário? Isso é que é uma mulher! Servente de estudantes, portadora de sebentas, lá no intimo amiga dos que usam capa e batina, interessa-se por eles todos e já me constou, não sei se com fundamento, que não raras vezes lhes vale com dinheiro nos momentos críticos, nas suas aflições. De grossos cordões de ouro ao pescoço, sempre sorridente, há quem diga que para um estudante se formar é preciso ter algumas relações com ela. Eu é que não sei se isto é verdade, mas, pelo sim pelo não, como sou estudante… não vá o diabo tecê-las!...
O Hermínio
Mas se por acaso alguns académicos se envergonham de ir pedir-lhe qualquer quantia emprestada, pelo que ela nada leva de juros, aparece-lhes logo o Herminio dos óculos, um rapaz franzino, magistral troca-tintas, que passa a vida inteira a transportar para as casas de penhor ou de prego, usando do calão, tudo quanto os estudantes lhe entregam para empenhar,… ou a trazer dessas casas para a rua grandes pechinchas, como ele diz para intrujar os papalvos, e que afinal não passam de fazenda avariada, duns monos sem extração que os penhoristas lá têm para um canto e dos quais se querem ver livres seja por que preço for…
Quer na Baixa quer na Alta, ele dia ou de noite, a cada passo se encontra uma criatura destas.
O Gaspar Engraxador
O agarotado Gaspar, engraxador, hoje em busca de uma casa para servir, falador dos quintos, que se aperaltava ao domingo para embarrilar certa incauta donzela que o foi surpreender um dia, em plena calçada, a engraxar as botas de um freguês...
O Santos Cego
O Santos cego, vendedor de cautelas, enjeitado, que concluiu o curso dos Liceus em 1868, segundo ele diz, à custa de uma família amiga e cegou nesse mesmo ano. Conhece todas as moedas apalpando-as, bem como os caloiros pelo pano da capa e fala de matemática como se estivesse sentado numa cátedra…
Monteiro, M. Typos de Coimbra, In Illustração Portugueza, 40, Série II, Lisboa, 1907.01.28.
Assisti ontem, em Coimbra, a um concerto notável realizado na Igreja de Santa Cruz por dois grupos que se mobilizaram conjuntamente, a fim de levar a cabo o evento.
Um– MOÇOS DO CORO – dirigido por um jovem maestro, integrava seis vozes femininas e seis vozes masculinas, na sua maioria jovens estudantes e professores de música. O outro – GRUPO VOCAL ANÇÃ-BLE – era composto por 5 elementos masculinos pertencentes a uma Família que, de alguma maneira, se encontra ligada a Coimbra.
Comecemos pela folha de sala, de evidente bom gosto:
O programa, tal como se mostra na imagem seguinte, encontrava-se arrolado no anverso.
Constava de quatro obras da autoria de Dom Pedro de Cristo e de quatro peças, escritas por cada um dos quatro jovens autores que se encontravam presentes; estes compositores, no respeito pela ambiência musical própria do polifonismo, conseguiram integrar nas suas obras traços significativos e significantes do tempo atual.
A interpretação, para além de aproveitar as excecionais condições acústicas existentes no templo, atingiu um nível de altíssima qualidade.
O público – onde sobressaía um significativo número de estrangeiros – quase encheu a igreja e, no final, manifestou o seu apreço pelo que lhe tinha sido dado ouvir com um justo e longo aplauso.
Depois de relatar o que me foi dado presenciar gostaria de partilhar aqui algumas reflexões que tenho tentado, em vão e na justa medida das minhas limitações, transmitir a quem de direito, a fim incentivar a cidade de Coimbra a aproveitar melhor o muito de bom que a ela se encontra vinculado; infelizmente apenas tenho esbarrado com um fechar de olhos e um virar de costas.
Essas reflexões vão traduzidas em forma de questões e começo por perguntar qual o número de Conimbricenses que sabe quem foi Dom Pedro de Cristo?
Eis algumas achegas para a resposta:
Dom Pedro de Cristo. Imagem extraída de
https://pt.wikipedia.org/wiki/Pedro_de_Cristo#/media/File:Pedro_de_Cristo.PNG
Dom Pedro de Cristo nasceu em Coimbra (Portugal) em c.1550. Passou a maior parte de sua vida em Coimbra, no Mosteiro de Santa Cruz, onde tomou hábito em 1571.
Mestre de capela do mosteiro, cargo de que foi titular a partir de 1597, Dom Pedro de Cristo foi ao mesmo tempo professor de música, cantor e tangedor de vários instrumentos, nomeadamente de tecla, harpa e flauta. Morreu em Coimbra, em 16 de dezembro de 1618.
Dom Pedro de Cristo - cujo nome secular era Domingos - pode ser considerado um dos maiores polifonistas do século XVI no domínio da música religiosa. É como compositor que tem o seu lugar na história, com a sua vasta obra vocal polifônica de 3 a 6 vozes, compreendida por inúmeros motetos, responsórios, salmos, missas, hinos, paixões, lamentações, versos aleluiáticos, cânticos e vilancicos espirituais.
Pouco conhecido, em virtude da sua obra não ter sido ainda publicada na quase totalidade, é possível, todavia, avaliar da qualidade e número de suas obras através do que foi publicado sobre ele por Ernesto Gonçalves de Pinho, com alguns dados biográficos inéditos e uma informação valiosa sobre as obras, ainda manuscritas deste frade crúzio.
- Outra questão: qual a razão porque Coimbra e as suas instituições não efetuam um trabalho de divulgação relacionada com um dos grandes vultos da cidade e com a sua importante obra?
- Mais uma pergunta: porque motivo estão por recordar e por homenagear tantos Conimbricenses ilustres?
- Ainda uma outra: porque não se aproveita o extraordinário património organístico existente em Coimbra e que tive o gosto de enumerar numa entrada deste Blog publicada vai para um ano, em 2017.08.17, sobre o título “Coimbra; Cidade ECHO?”. Nessa entrada propunha a adesão de Coimbra à Europae Civitates Historicorum Organorum, organização fundada em 1997, que tem como objetivo desenvolver, no contexto europeu, um papel unificador de projetos comuns levados a cabo no âmbito das cidades possuidoras de órgãos com valor histórico.
- Uma última questão, não despicienda, mas que, propositadamente, deixo sem resposta: qual a razão porque Coimbra é uma cidade tão madrasta para os seus Filhos?
Bibliografia:
https://acercadecoimbra.blogs.sapo.pt/coimbra-cidade-echo-109632
https://pt.wikipedia.org/wiki/Pedro_de_Cristo
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