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O vendedor de Cristos (Cliché de Joaquim Olavo)
O Homem dos Cristos passeava todas as ruas e becos da cidade sobraçando uma enorme quantidade de Cristos, trabalhados em barro, muito toscos, mas que conseguia vender depois ele os ter lambido todos, de alto a baixo, para provar que não largavam a tinta, que eram fixes como ele dizia. E quantas e quantas vezes nos atirava com o Cristo quase à cara e bradava num misto de raiva e de troça: quem me compra este diabo?!...
Poeta Maximiano Veiga (Cliché de Joaquim Olavo)
Maximiano Veiga, irmão do grande poeta operário Adelino Veiga, era um impagável ratão que se dedicava a compor guarda-sóis e a trabalhar em metal amarelo. Nunca lhe deu na bolha para fazer versos, troçava até do irmão nas
suas horas de bom humor, mas uma vez, como o Adelino Veiga não dispusesse de ocasião para escrever uma poesia que lhe tinha sido pedida pelo António Portugal, mais tarde o tenor Portugal, que fez parte da companhia do teatro da Trindade e foi morrer ao Pará, o Maximiano quis suprir a falta e saiu-se todo ancho com esta versalhada que ainda hoje corre de boca em boca:
Do rio Zêzere o Barão
É cunhado da liberdade;
Os soldados são fenómenos,
São filhos da santidade.
Vou cantar de Mahomerio,
Qu'as trombas do rhinoceronte
Cantigas do Oriente
Nas barbas do despautério,
Nas campas do cemitério
Norbargue de Norbão
Terrónicos do trovão
Famílicos da humanidade
E' um machucho da maldade
Do rio Zêzere o Barão.
…………………………………
…………………………………
?!...
O Pedra do Pifano
Agora mesmo acabo eu de ler que morreu o Pedro do pifano, supondo-se que envenenado pela mulher com quem vivia. Era galego e mudava de nome à medida que as gerações académicas lho trocavam. Para uns foi o Manuel da Sanfona, quando apanhou um par de bofetadas do lente dr. Pedro Penedo por se lhe pôr á porta cantando versos alusivos á sua pessoa, feitos expressamente pelos discípulos. Para outros foi o homem do realejo, por trazer um instrumento que há anos deixou numa tasca de Dameiras empenhado por meio litro de vinho... Agora era o Pedra do pifano, por se fazer acompanhar desse instrumento que tocava por qualquer preço. Como tivesse um grande reportório, o Pedro perfilava-se e perguntava com uma certa pose: – O que quer Vossa Senhoria que eu toque?! O Hymno dos Caloiros... diziam-lhe, por ser uma coisa que não existe... O Hymnodos Caloiros... dos caloiros... dos caloiros... começava ele entoando numa voz cantarolada que vinha a terminar com meia dúzia de sons arrancados desalmadamente do pifano e pronto… eis como executava todas as músicas que lhe pediam... Era um pobre diabo este Manuel Fortunato Lopes, usando do seu verdadeiro nome!
E julgo terminada assim a vasta galeria dos mortos.
– Se, entre eles, nos aparecem tipos interessantes, entre os vivos, que apontarei a largos traços, não os há, decerto, menos curiosos e menos dignos de estudo ...
O Manuel das Barbas (Cliché de Silva e Sousa)
É ver o velho litógrafo de sebentas, o conhecido Manuel das Barbas, que figurou no Centenário da Sebenta, e a quem com uma louvável antecedência fizeram já o epitáfio:
Aqui jaz Manuel das Barbas,
Trabalhou muito e bebeu…
Litografava «sebentas»,
Mas foi feliz…nunca as leu…
Monteiro, M. Typos de Coimbra, In Illustração Portugueza, 40, Série II, Lisboa, 1907.01.28.
O Orfeão Académico, cuja fundação se deve a João Arroio, em de Outubro de 1880, apresentou-se pela primeira vez em público a 7 de Dezembro, no Teatro Académico.
Orfeão Académico sob a direção de João Arroio
... No programa dos festejos académicos para a inauguração do monumento a Camões, em 1881, constava a 5 de maio, um passeio fluvial até à Lapa dos Poetas. Os barcos largavam do cais da Portagem e, em homenagem à Rainha e a todas as damas que auxiliaram os bazares académicos, partia uma segunda embarcação “conduzindo a sociedade choral do orphéon académico, cantando o hymno de sua Magestade a Rainha e canções populares portuguezas”.
No dia 6 de Maio, teria lugar o ”grande concerto da sociedade choral, orphéon académico” e, nessa noite, no pátio da Universidade iluminado a “sociedade choral do orphéon academico, e uma orchestra de cem a cento e vinte executantes, executarão musicas de compositores portuguezes, canções populares do Minho e Douro, hymnos patrioticos, etc.”.
É no entanto efémera a vida desta primeira formação orfeonista considerada o primeiro grupo coral académico e primeiro orfeão português, já que em 21 de Maio de 1881, realiza a sua última exibição pública.
... Em 1899, o Orfeão Académico, agora sob a fugaz direção de Luís Pinto de Albuquerque, participava no sarau realizado por ocasião do “Centenário da Sebenta”.
... Animado de novo impulso, o Orfeão, em 1908, agora com a entrada de novos estudantes, retomava o ritmo dos ensaios, e, sob a regência de António Joice, então um brilhante aluno do 5.º ano de Direito, tem nesse ano a sua primeira atuação no Teatro Circo em Coimbra... Realizaram ainda viagens a Lisboa, Paris e participaram nas festas comemorativas do centenário de Alexandre Herculano.
Esta segunda formação acabaria igualmente por se dispersar... No entanto, uma importante obra, que felizmente perdura, ficou para testemunho da sua existência, pois aos donativos recolhidos nas suas diversas atuações se deve a edificação do Jardim Escola João de Deus, inaugurado em 2 de Abril de 1911.
O Orfeão ressurgirá de novo, sob a direção de Elias de Aguiar, em 1915.
Orfeão Académico em 1918
... É a partir de 1919 que adquire um caráter de existência permanente, desenvolvendo grande atividade através de inúmeros recitais; nos programas dos concertos consta com regularidade que “o produto das festas organizadas pelo Orfeon Académico de Coimbra reverte a favor do seu cofre de beneficência”, atestando a mesma persistência na ação benemérita em favor de tantas instituições de carácter assistencial.
Arquivo da Universidade de Coimbra. Boletim do Arquivo da Universidade de Coimbra. Vol XI e XII.1989/1992. Coimbra, Arquivo da Universidade de Coimbra, pg. 317-318
O França Rolié
O França Rolier-Catecnemaquilitanas, como ele se dizia, era um cocheiro que estava encarregado de conduzir as malas do correio á estação do caminho de ferro e por tal forma se desempenhou da sua missão que tenho aqui à vista todos os atestados que por várias vezes lhe foram passados pelo diretor dos correios, enchendo-o de louvores. Mesmo no pino do verão, o França andava sempre vestido com quanto fato possuía, acrescentando a isso tudo, no inverno, um capote com certeza maior do que a arca de Noé. Tendo a seu cargo, todos os anos, o segurar o S. Jorge na procissão do «Corpus Christi», fazia nisso imensa gala e apresentava-se impávido aos olhos de toda a gente que via lá ele alto da sua magnanimidade. Chegava a levar a sua autoridade ao ponto de dizer ao comandante da força quando se deviam dar as descargas! Homem robusto, que numa voz grossa, mascando o seu charuto, metia palão de meia noite, depois de ter desempenhado o glorioso papel de lente da faculdade das tretas pelo Centenário da Sebenta, jamais largou a chapa que então mandara fazer para ornamentar o bonnet. Dias depois da sua morte, lembro-me de ter visto o seu perfil em O Cauterio, que dizia pouco mais ou menos isto:
Da Lusa-Atenas o mais popular,
E também, decerto, o mais intrujão:
Na boca sempre um charuto a chupar,
Olhando todos com ar refilão.
Vários empregos tem, duvidosos,
O nosso herói, este velho traquinas;
E se non hay - negócios rendosos
O ... coça d'encontro às esquinas.
É alto bastante, obeso e pançudo,
E só tem esse defeito massudo
De pregar mentiras, blagues e petas.
Que mais direi? É um pobre coitado,
E ele próprio se chama e é chamado,
O Rolié ou o França das Tretas.
Acima de tudo, o França era um homem fiel, muito honrado e não foram poucas as carteiras e os valores importantes que ele encontrou perdidos e fez chegar às mãos dos seus donos. Ouvi dizer que esta palavra Rolié, que adotava como nome, teve a sua origem na porta do Hotel dos caminhos de ferro quando um francês, ao subir para a sua carruagem, pôs nas mãos do corretor urnas moedas de prata para o França que lhe tinha tratado da bagagem, com o roulier (carroceiro). Apanhada esta palavra no ar, ei-la na boca dos garotos para designar o França e daí a resolução que tomou em a adotar como sobrenome…
O Quatorze
Disse eu há pouco que o França era um homem honrado, mas já não direi o mesmo do célebre intrujão que dava pelo nome de Quatorze. Muito alto, magro, ora aparecia de chapéu de abas largas, de grosso bengalão, ora de carapuça, de facha preta à cinta, de calças justas e esguias, a fazer-se amigo íntimo e conhecido velho de quantos bacharéis formados pressentia de visita a Coimbra, sempre importuno, à mira de uns vinténs, capaz de, por dez réis de mel coado, prestar-se a qualquer patifaria. Outras vezes apresentava-se carregando um cesto de verga repleto de ananases, cocos e bananas, que vendia lançando o pregão em voz forte e retumbante: ananás! ananás! coco! coco! Ah, rica bánâna da ilha da Mádéra!...
Monteiro, M. Typos de Coimbra, In Illustração Portugueza, 40, Série II, Lisboa, 1907.01.28.
Às portas da cidade de Coimbra e da Bairrada se situa a antiga vila de Eiras.
Foi concelho extinto em 1836, com sua câmara, vereadores, juiz, escrivães, meirinhos e todas as usuais burocracias. Nos últimos tempos Eiras cresceu quase sem medida, encontrando-se praticamente ligada a Coimbra. Mas o seu centro histórico mantém carácter aprazível, detendo ainda um apreciável número de casas antigas, por vezes nem sempre bem intervencionadas, com trechos sugestivos e encantadores.
O largo principal é de fazer inveja a algumas cidades.
Igreja de Santiago de Eiras
Para ele voltam a fachada a igreja matriz, a fonte e a capela do Espírito Santo. Merece especial destaque o chafariz, ao lado da igreja, composição de grande efeito, mandado fazer por D. João V, em 1743. Lá se podem ver as armas do reino e o selo da vila, envolvidos no corpo central, rematado por pirâmides.
Fonte de Eiras
A igreja paroquial domina o largo, com a sua fachada monumental de duas torres, tendo, do lado oposto, a não menos interessante capela do Sacramento ou do Espírito Santo. É dedicada ao apóstolo Sant’Iago. Sobre a porta principal, entre o frontão curvo interrompido, vêem-se as armas reais, tendo, no escudete das quinas, gravada a legenda Vivat Rex Ioseph, que elucida a época da construção.
Trata-se de um edifício edificado na segunda metade do século XVIII para substituir a antiga igreja que, em 1721, ainda se encontrava fora da povoação e em estado de avançada degradação, no sítio hoje chamado Passal. O antigo templo remontava aos alvores da nacionalidade, pois fora mandado edificar por D. Afonso Henriques, sendo bispo de Coimbra D. Vermudo. Em 1306 D. Dinis concedeu ao mosteiro de Celas a vila de Eiras, por troca com a terça parte da vila de Aveiro, que as monjas detinham por doação da sua fundadora, Santa Sancha. Assim ficaram as monjas de Celas como donatárias da igreja e do território, cabendo-lhes a jurisdição cível e a apresentação do pároco.
Em dezembro de 1728 o cabido autorizou a demolição da velha igreja e construção da atual. Porém, o processo arrastou-se durante muitos anos, com incidentes vários que se podem ver na excelente monografia de João Pinho. Só por meados do século se teria iniciado a construção, com planta delineada por Gaspar Ferreira, virtuoso arquiteto e entalhador, com muitas obras espalhadas pela região e Beiras. A obra de pedraria foi arrematada por Manuel Francisco, de lugar de Sá (Esgueira). Em 13 de abril de 1758 foi benzida a parte da igreja que já estava capaz. O edifício deveria estar pronto no essencial em 1767, pois, em 19 de outubro desse ano, o carpinteiro Manuel Gonçalves contratou fazer toda a obra interior: retábulo da capela-mor, dois retábulos colaterais, dois retábulos no corpo da igreja, conforme planta e risco, com muita probabilidade também de Gaspar Ferreira, e ainda cinco portas, um púlpito e grades da comunhão.
Igreja de Santiago de Eiras interior
Manuel Gonçalves não era um banal carpinteiro, pois sabemos da sua intervenção na feitura de outros retábulos, com riscos de Gaspar Ferreira e Domingos Moreira para as igrejas de Taveiro, S. Pedro de Coimbra e mosteiro de Lorvão. Era natural de Adães (Barcelos) e morador na rua da Trindade, em Coimbra.
No vasto espaço da nave única e luminosa desta igreja impressiona o conjunto dos retábulos marmoreados, numa unidade estilística deveras invulgar. De quatro colunas o principal e duas os restantes, todas de fuste liso e belos capitéis compósitos. Os remates, de movimentados frontões interrompidos, contrastam com as linhas calmas e clássicas dos corpos inferiores. Decoram-se com glórias solares, mas, no retábulo-mor, esta zona é obviamente enriquecida com figuras de anjos sentados, segurando palmas, e outros elementos. Rasga-se nele a boca da tribuna, outrora preenchida por uma tela com o martírio de Sant’Iago e agora exibindo o trono eucarístico de cinco degraus curvos.
Igreja de Santiago de Eiras imagem de S. Tiago
Ainda se conservam algumas imagens, vindas da igreja antiga. De salientar é o Sant’Iago, no altar colateral esquerdo, boa e expressiva obra da renascença coimbrã.
O estilo retabular do rococó coimbrão, gerado a partir do retábulo de Santa Cruz, tem em Eiras um cunho deveras interessante, a merecer cuidados na sua preservação, porque expressão estética de uma época em que os artistas de Coimbra deixaram a sua marca em todo o centro do país.
Nelson Correia Borges
In: Correio de Coimbra, n.º 4695, de 07 Junho 2018, p. 8.
O Horta
O Horta, esse então, ás vezes pouco amigo da limpeza nos seus feitos e um pouco, para não dizer bastante. desbragado nos seus ditos, não deixava de ser um velho endiabrado cujas partidas tinham alguma coisa de original e de espirituoso.
De lunetas encavaladas quase na ponta do nariz, levado pela necessidade que, segundo ouço dizer, é a mãe de todos os vícios, bebia azeite por pregar a sua peça. Só se não pudesse! Mas para isso, para chegar a essa conclusão de não poder, era preciso que tivesse já esgotado todos os recursos da estratégia, e tal facto seria quase inacreditável! Uma vez, ao entrar numa padaria que havia nesse tempo e parece-me que ainda existe no Arco de Almedina, o Horta, olhando de relance para o forno, deparou com uma caçoila vidrada coberta com um papel, de onde se exalava um cheiro delicioso a certos temperos que lhe haviam de ser muito gratos ao paladar... Desatou a correr para casa á procura de uma caçoila parecida. Encheu-a de pedras, pôs-lhe um papel por cima, tal qual como na outra que vira, e ei-lo que volta à padaria a pedir com muito empenho para lha colocarem também no forno. Prometendo voltar a uma certa hora, algum tempo antes da hora em que sabia que o saboroso pitéu seria retirado, foi dar o seu passeio para passar tempo, até que, voltando novamente ao forno, embarrilou o moço da padaria dizendo-lhe ser a outra caçoila a sua… E pernas para que te quero... Lá foi ele até casa numa correria louca saborear um belo pastelão de carne que o acaso lhe oferecera. E o verdadeiro dono do acepipe ao vir buscar a caçoila apenas a encontrou cheia de pedras ...
Como esta, contam-se dele inúmeras proezas que o fizeram tomar por doido, sendo, dentro em pouco, internado no hospital Conde Ferreira, pois que ninguém o podia suportar.
Regressando, mais tarde, a Coimbra, pouco tempo demorou a reeditar as cenas doutrora e é assim que ele aparece, numa tarde de inverno, em Santa Clara, ao fim da ponte, a meter num bolso das calças certa encomenda que encontrou à beira do caminho.
Ele que o fez é porque alguma coisa ruminava, é porque lá tinha as suas razões para o fazer... Terminada essa operação, limpando as mãos a uns arbustos que ali estavam perto, induziu um rapazito que passava a que fosse dizer ao guarda-barreira que ele, Horta levava contrabando no bolso das calças. E o rapazito lá foi cumprir a sua missão enquanto sua excelência a passo largo, muito sereno, marchava olimpicamente a caminho da cidade.
Mal tinha tempo de pôr o pé fora da ponte quando o guarda se lhe pôs na frente intimando-o com uma voz de trovão:
– Deixe ver o que leva aí.
– Não deixo, diz o Horta, fingindo-se muito comprometido.
– Deixe ver, já lhe disse.
– Não deixo.
– Ah, não deixa?!
E assim estiveram, neste dize tu, direi eu, até que o guarda resolveu levá-lo à presença da autoridade superior. Foi dito e feito.
Como a autoridade não era para festas, com uns modos façanhudos, arrumou-lhe logo esta à queima roupa:
– Mostre já o que leva aí.
– Não mostro, replicou o Horta com teimosia.
– Mostre, mando eu.
– Não mostro.
– Ai, não mostra? Eu já lhe vou dizer se mostra ou não!
E, dizendo isto, enfia-lhe a mão pelo bolso das calças para tirar de lá o contrabando… Faça-se agora uma pequena ideia da cara com que ficou a autoridade e principalmente como ficaram os dedos!... O Horta era um vivo diabo!
Monteiro, M. Typos de Coimbra, In Illustração Portugueza, 40, Série II, Lisboa, 1907.01.28.
O primeiro batalhão académico a ser formado na Universidade organiza-se em 1644... Invocava-se a defesa do País, após os acontecimentos que culminaram na Restauração da Independência e na aclamação de D. João IV, em 1640.
A lealdade da Academia à causa pátria e a sua participação no esforço de conservação da autonomia de Portugal veio posteriormente a encontrar novas oportunidades de se ver confirmada.
No final de 1807, com efeito, os exércitos napoleónicos, comandados por Junot, invadem o território português.
Imagem comemorativa da conquista do forte da Figueira da Foz
A proximidade do teatro de guerra relativamente á cidade de Coimbra, leva a que a Universidade encerre as suas portas em 27 de Julho de 1808. Alguns estudantes universitários aderem prontamente à iniciativa de libertar o forte da Figueira da Foz, ocupado por militares franceses... retomam de facto o forte de S-ta Catarina, na Foz do Mondego, em 26 de Junho de 1808, sob o comando do 1.º sargento de artilharia e aluno da Universidade, Bernardo António Zagalo.
A escassez de munições necessárias à defesa da cidade de Coimbra é colmatada pelo fabrico artesanal de projeteis no Laboratório Químico da Universidade... Organiza-se então na Universidade um Corpo Militar constituído por lentes, opositores, doutores e professores e um outro de Voluntários Académicos, que adotaram como legenda, ostentada no emblema, “Vencer ou Morrer por D. João VI”.
Medalha comemorativa dos Voluntários Académicos de 1808
Como reconhecimento do nobre desempenho da sua missão, o Corpo de Voluntários Académicos foi autorizado ... 22 de Julho de 1808, a usar a insígnia representando os símbolos da Universidade aureolados pela legenda “Pro Fide, Pro Patria, Pro Rege”.
Cumpridas as missões realizadas em Leiria, Tomar e Lisboa, regressaram os bravos combatentes, vitoriosamente, a Coimbra, onde, no final de Setembro, a cidade e a Universidade os festejaram e cumularam de louvores.
Expulsas as tropas francesas do país, logo no ano seguinte, perante a eminência d segunda invasão... é ordenado novo alistamento de lentes e estudantes, pela Carta Régia de 2 de Janeiro de 1809... o encerramento da Universidade que havia reaberto as suas portas a 1 de Novembro de 1808. Em Setembro do ano seguinte, retomam-se as aulas... é concedido “perdão de ato” aos estudantes que se alistaram.
... Ao terminar o ano de 1810, a terceira invasão francesa... vem justificar nova mobilização armada de universitários que, pouco tempo volvido, após a retirada das tropas invasoras, perde razão de ser, sendo o Corpo Militar dissolvido, por Aviso de 15 de Abril de 1811.
... A revolta liberal do Porto em 16 de Maio de 1828, motivou o alistamento de um corpo de voluntários académicos cuja atuação não foi bem sucedida, acabando por provocar o abandono da Universidade e mesmo a emigração de elementos seus. Do mesmo modo a revolução liberal de 1834 veio a afastar aquele que haviam aderido à causa de D. Miguel.
Foi um momento conturbado este, em que a Universidade se viu transformada em teatro de lutas intestinas, dividindo professores e alunos. Em 1846-47, organizou-se novamente o Batalhão Académico que incluiu também alunos do Liceu.
... Numa última formação, interveio o Batalhão Académico nos episódios de confrontação armada, em 1919, aquando da tentativa de restauração do regime monárquico, conhecida por “Monarquia do Norte”.
Arquivo da Universidade de Coimbra. Boletim do Arquivo da Universidade de Coimbra. Vol XI e XII.1989/1992. Coimbra, Arquivo da Universidade de Coimbra, pg. 305-307
Catedral Histórica de Coimbra
A Catedral mais Portuguesa de Portugal (Século XII)
GUIA PARA VISITA À CATEDRAL E CLAUSTRO
Planta da Catedral e do Claustro Gótico
De transição do Românico para o Gótico, levantado entre 1218-1223 (reinado de D. Afonso 11). A sua construção estava prevista no testamento de D. Afonso Henriques.
O Claustro da Sé Velha de Coimbra começou a ser construído em 1218, sobretudo graças a legados pios deixados pelos 3 primeiros reis de Portugal (D. Afonso Henriques, D. Sancho I e D. Afonso II). Será, no entanto, D. Afonso II quem dará um maior incentivo à construção do Claustro da Sé, até porque pretendia que os restos mortais do Chanceler Julião Pais (autor do primeiro código de leis portuguesas) aí fossem colocados. No claustro da Sé funcionou também a primeira Escola Catedralícia portuguesa (fundada em 1086, por intermédio do bispo D. Paterno). Seria ainda no claustro da Sé que ficariam alojados (a partir do século XVI) os restos mortais de D. Sesnando Davides, conquistador da cidade, em 1064, e um dos fundadores do Cabido de Coimbra em 1080. As naves do claustro possuem vários arcos geminados de volta perfeita (românicos) encimados por um arco envolvente de ponta quebrada (góticos). Várias rosáceas, todas elas diferentes, marcam uma equilibrada transição de um estilo para o outro. Na parte superior do Claustro, já demolida, existiu um importante scriptorium, onde trabalhavam os monges copistas, bem como uma rica biblioteca.
Sé Velha, claustro
18- Retábulo da Natividade (c. 1580). Oficina de João de Ruão.
19- Capela de São Miguel, única do claustro de arquitectura românica. Local escolhido para alojar os restos mortais de Julião Pais e da sua família.
20- Capela de Santa Maria. Utilizada como Sala Capitular (séc. XIII e XIV). Primeiro espaço onde funcionou a Misericórdia de Coimbra. Ao centro um cruzeiro em pedra policromada do século XIV.
21- Capela de São Nicolau. Arca tumular de D. Afonso de Castelo Branco, grande mecenas das artes e da cultura coirnbrãs, e Vice-Rei de Portugal durante o reinado de Filipe II.
Arca tumular de D. Sesnando
Ao lado, túmulo de D. Sesnando, conquistador e primeiro governador cristão de Coimbra. Grande diplomata responsável pela coexistência pacífica das comunidades muçulmanas, cristãs e judaicas da cidade.
EXTERIOR DA CATEDRAL
«Porta Especiosa» e «Porta de Santa Clara» são renascentistas; inscrição Árabe; Oliveira Milenar.
22- Expressão em árabe: "Um dia, a minha mão perecerá mas fica a marca da minha amargura". Característica única da catedral de Coimbra face a outras catedrais europeias.
23- Oliveira Milenar. Símbolo de Paz e Harmonia.
Comissão Fabriqueira da Sé Velha de Coimbra. Guia para visita à Catedral e Claustro.
Há dias fui mostrar a Sé Velha ao meu neto Alexandre.
À entrada foi-me disponibilizado um excelente guia para uma visita, editado pela Comissão Fabriqueira da Sé Velha de Coimbra que, pelo seu interesse, aqui se reproduz integralmente. Isto, no propósito de lembrar a todos a importância de, quando em vez, revisitar os locais onde se encontram as raízes de Coimbra.
Catedral Histórica de Coimbra
A Catedral mais Portuguesa de Portugal (Século XII)
GUIA PARA VISITA À CATEDRAL E CLAUSTRO
Sé Velha antes da primeira intervenção de restauro
A Sé Velha de Coimbra foi edificada no século XII (c. 1139-1184), durante o reinado de D. Afonso Henriques. A fase construtiva mais acelerada aconteceu no bispado de D. Miguel Salomão (1162-1176), prelado que se assumiu como um importante mecenas. No local onde atualmente se ergue existiu, desde o século IX, um outro templo com a invocação “Mariae Virginis” (conserva-se a sua pedra fundacional no interior da Sé Velha). A cidade de Coimbra foi definitivamente conquistada aos muçulmanos, a 9 de julho de 1064, por intermédio de Fernando Magno (Rei de Leão e Castela) e de Sesnando Davides (moçárabe natural da região de Tentúgal); este último tornou-se o primeiro Governador cristão da cidade.
Dedicada a Santa Maria de Coimbra, a construção da Sé Velha deve ser entendida dentro de uma estratégia de afirmação da autonomia e da independência nacional. Coimbra, «cidade Real», onde estava instalada a Corte de D. Afonso Henriques, via-se assim dotada de uma catedral digníssima, que honrava não só a cidade como também a primeira geração de portugueses que então se afirmava.
De estilo românico, uma verdadeira «Catedral Fortaleza», erguida com técnicas construtivas de elevada execução tanto na forma como nos materiais, conhecem-se apenas o nome de 3 dos seus mestres pedreiros: Roberto (de Clairmont), Bernardo e Soeiro. Coimbra, capital do novo reino, ganhava um baluarte de fé capaz de ombrear com as melhores catedrais europeias.
EVANGELIZAR PELAS FORMAS
PERCORRENDO NOVE SÉCULOS DE HISTÓRIA
Planta da Catedral e do Claustro Gótico
Planta em cruz latina; 3 naves; 12 pilares; 5 tramos; cruzeiro; torre lanterna e transepto. 3 capelas: principal com retábulo Gótico Flamejante dedicado à Assunção da Virgem; capela de São Pedro (esquerda); capela do Santíssimo Sacramento (direita). Trifório (galerias superiores), característico das igrejas de peregrinação do Caminho de Santiago.
1- Conchas Tridácmas, originárias do Oceano Índico (Indonésia). Oferta do Governador de Timor Loro-Sae em 1930.
2- Azulejo "mudéjar". Adquirido em Sevilha (bairro de Triana) no princípio do século XVI por Olivier de Gand sob mecenato do Bispo D. Jorge de Almeida. Imagem barroca de Nossa Senhora do Rosário. Século XVIII.
3- Túmulo do bispo D. Vasco Rodrigues (século XIV). Antigo bispo da Guarda e de Coimbra.
4- Interior da «Porta Especiosa». Autoria de João de Ruão. No exterior é possível contemplar este portal renascentista com o seu belíssimo medalhão da Virgem com o Menino. A sua denominação deriva da antífona medieval "Speciosa Maria est" que se
cantava nas procissões. O tema principal é a Anunciação da Virgem.
5- Pinturas barrocas de Santa Úrsula e de Santo António. Final do século XVII, autor desconhecido.
6- Túmulo da princesa bizantina Vataça Lascaris. Dama de Corte da Rainha Santa Isabel. Túmulo apresenta várias águias bicéfalas (símbolo do seu sangue real). Este túmulo (século XIV) é da autoria de Mestre Pêro, também ele responsável pela construção do túmulo da Rainha Santa Isabel.
7- Túmulo do bispo D. Egas Fafes (século XIII). Único bispo de Coirnbra nomeado arcebispo de Santiago de Compostela.
8- Altar de Santa Clara (final do século XVI). Resta apenas a imagem de São Cristóvão
com o Menino Jesus ao ombro.
9- Capela de São Pedro. Retábulo renascentista da autoria de Nicolau de Chanterene. Ao centro (em cima) representação da cena Quo Vadis. Na parte inferior do retábulo (ao centro) o momento da morte de São Pedro, crucificado de cabeça para baixo. Aos pés do retábulo sepultura em campa rasa do bispo D. Jorge de Almeida. Para além de ser o bispo que na História de Portugal mais tempo assumiu uma diocese (1483-1543) foi também o primeiro Inquisidor-mor do reino.
10- Retábulo gótico flamejante (inícios do século XVI). Concebido na Flandres por Olivier de Gand e Jean D'Ypres. Motivo central: Assunção da Virgem Maria. O mecenas da obra foi o bispo D. Jorge de Almeida e o seu escudo de armas encontra-se representado por 3 vezes.
11- Pedra fundacional do templo dedicado a Santa Maria que anteriormente existiu neste local e foi, supostamente, destruído por um ataque árabe em 1117. Pode ler-se nela a inscrição Mariae Virginis.
12- Capela do Santíssimo Sacramento, da autoria de João de Ruão. Datada de 1566. Representação de Cristo ao centro, em concílio, a dialogar com os 12 apóstolos presentes na Última Ceia. Em baixo, à direita, os 4 evangelistas. No lado oposto, a Virgem Maria com o Menino Jesus ao colo acompanhada por São José. O mecenas desta magnífica capela foi o bispo D. João Soares que esteve presente no Concílio de Trento.
13- Pia Baptismal (séc. XVI). Concebida em pedra de Ançã por Diogo Pires-o-Moço (artista régio). Possui 3 motivos centrais: o Baptismo de Cristo no rio Jordão; Moisés, ainda criança, a ser salvo nas margens do rio Nilo; e o escudo de armas de D. Jorge de Almeida.
14-Túmulo com jacente do bispo D. Pedro Martins.(final do século XIII).
15- Pintura barroca da Rainha Santa Isabel com a representação do Milagre das Rosas. Natural do reino de Aragão tornou-se Rainha de Portugal devido ao seu casamento com D. Dinis. Foi canonizada em 1625. Em baixo, arca tumular de D. Tibúrcio (século XIII), o primeiro bispo a ser sepultado no interior da Sé de Coimbra.
16- Pintura de São Sebastião (final séc. XVII). Em baixo, arca tumular de D. Estêvão Anes Brochado (séc. XIV).
17- Escultura barroca da Imaculada Conceição. Da autoria de Frei Cipriano da Cruz (séc. XVIII). Em baixo, réplica do documento que instituiu a primeira missa celebrada em Portugal, em 1320, dedicada à Imaculada. Esta missa decorreu na Catedral de Santa Maria de Coimbra (Sé Velha).
Comissão Fabriqueira da Sé Velha de Coimbra. Guia para a visita à Catedral e Claustro.
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