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Como contributo para o encontro internacional de cafés históricos europeus que vai decorrer em Coimbra na próxima sexta-feira e sábado, iremos publicar hoje e amanhã mais duas entradas sobre o Café de Santa Cruz, um café com muita história.
Na fachada da igreja de S. João de Santa Cruz foram sendo, ao longo dos anos e, algumas vezes de acordo com as finalidades a que o espaço se destinava, levadas a cabo alterações, mas a mais vultuosa aconteceu aquando da adaptação do imóvel a Café-Restaurante.
Vista geral do Terreiro de Sansão em finais do século XIX
O facto de instalar num espaço outrora sacro um café de luxo (não uma “taberna de luxo”, como então o apelidou o jornal lisboeta A Epoca) levantou acesa polémica que pode ser seguida nos periódicos locais publicados na altura. O projeto da fachada do imóvel, da autoria do arquiteto Jaime Inácio dos Santos (Miragaia, 1874-Aveiro, 1942) inseria-se no gosto neomanuelino que, no âmbito nacional, se assumiu, num primeiro momento, como estilo revivalista por excelência, aqui serodiamente utilizado; mas, por razões várias, não conheceu a aprovação do Conselho de Arte e Arqueologia.
Primeiro projeto para a fachada do Café de Santa Cruz. Jaime Inácio dos Santos
A fim de a sua construção poder prosseguir, o alarife teve de “desmanuelizar” o desenho retirando-lhe os elementos decorativos normalmente utilizados naquele estilo.
Segundo projeto para a fachada do Café de Santa Cruz. Jaime Inácio dos Santos
Esta nova fachada apresenta um grande arco que alberga na zona inferior três aberturas retangulares sobrepujadas, cada uma delas, por pseudolunetos preenchidos com vitrais policromados e decorados com motivos vários. Contrariamente ao que a Gazeta de Coimbra de dezembro de 1922 informava, os vidros coloridos não saíram da oficina de nenhum vitralista belga, mas foram feitos em Coimbra sob a responsabilidade dos ceramistas Irmãos Almeidas e de Augusto Pessoa.
Fachada. Piso térreo
A decoração da fachada é diversificada e passa por motivos vegetalistas e por animais fantásticos (dragões e aves) que seguram dois enormes candeeiros de ferro forjado. Sobre o arco, lateralmente, no pano mural que se estende até ao nível do primeiro piso, o arquiteto substituiu os medalhões renascentistas que habitualmente se inserem naquele espaço por dois tondos onde se pode ver insculpido C, S e uma cruz, ornamento que passou a funcionar como logotipo do Café.
Fachada. Pormenor
No piso superior, apesar das advertências, abrem-se três janelas neomanuelinas, sendo a central geminada.
Contrariamente ao que seria de esperar, na fachada não foi utilizada a pedra de Ançã e substituiu-a o siderocimento.
O Conselho de Arte e Arqueologia da 2.ª Circunscrição recomendava que se devia ter em vista a conservação das abóbadas e que os azulejos soterrados encontrados no decorrer das obras, como não podiam ser acolhidos pelo Museu Machado de Castro, em virtude de os quadris figurativos se encontrarem incompletos, deviam ser utilizados no revestimento das paredes da igreja-café; mas tal não se verificou, porque o espaço foi revestido com um artístico lambrim e portas trabalhadas feitos em madeira de nogueira. Diversos elementos decorativos e estruturais existentes no velho templo, como capitéis e mísulas (para além de outros), também foram recuperados.
Adriano Lucas, Mário Pais e Adriano Cunha eram os proprietários do novo estabelecimento que teve com responsáveis pela construção o mestre-de-obras Augusto Monteiro e seu filho José.
O Café de Santa Cruz foi inaugurado, com pompa e circunstância, no dia 7 de maio de 1923. Assistiram ao ato e usaram da palavra representantes da Câmara, da Associação Comercial, da Sociedade de Defesa e Propaganda de Coimbra, da imprensa e muitos amigos dos proprietários.
Pormenor do interior
Nota – Nesta segunda das três entradas que estamos a publicar sobe este tema seguiu-se, em parte, o texto abaixo referido. No entanto, é de sublinhar que o mesmo foi enriquecido por outras fontes e diversas sugestões que nos foram feitas.
Alemão, G.C. 2004. Uma polémica acesa – o nascimento do Café de Santa Cruz. Trabalho apresentado no Seminário da Licenciatura em História da Arte, na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra (policopiado)
Academia (A), 12, Coimbra, 1923.05.20.
Despertar (O), 460; 469; 631 e 743, Coimbra, 1921.09.03; 1921.10.05; 1923.05.16 e 1924.06.21.
Gazeta de Coimbra, 1204; 1235; 1384; 1390 e 1445, Coimbra, 1921.09.13; 1921.11.26; 1922.11.30; 1922.12.14 e 1923.05.08.
Noticia (A), 79; 97; 98; 101 e 168, Coimbra, 1921.10.05; 1921.12.10; 1921.12.14; 1921.12.24 e 1923.05.24.
Restauração, 4; 23; 27; 30 e 34, Coimbra, 1921.07.07; 1921.11.22; 1921.12.24; 1922.01.19 e 1922.02.18.
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