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A' Cerca de Coimbra



Quinta-feira, 08.03.18

Coimbra: Previsões falhadas de Alexandre Herculano

No século XIX, aquando das intervenções levadas a cabo sobretudo na zona das catedrais, destruíram-se as construções que as rodeavam, quebrando todo o diálogo com a malha urbana, a fim de abrir praças capazes de possibilitar a inclusão dos templos nas máquinas fotográficas dos turistas ou então para que, como refere causticamente Alexandre Herculano a vadiagem possa estirar-se regaladamente ao sol.

Nem a igreja de Santa Cruz escapou ao desejo, felizmente não concretizado, de ser destruída para dar lugar a uma praça; quem no-lo dá a saber é Alexandre Herculano.

Levaram-nos a Coimbra no ano de 1834 obrigações de serviço publico: aí residíamos quando foi suprimido o mosteiro de Santa Cruz. Correu então voz publica de que houvera quem se lembrasse de pedir que este belo edifício fosse entregue á municipalidade. Ninguém imaginará para que. Era para esta o mandar arrasar, e fazer uma praça. Não veio a lume este projeto nefando, mas não foi por mingua de bons desejos. Uma praça no lugar onde estivera Santa Cruz; uma praça calçada com os umbrais esculpidos do velho templo, com as lajes quebradas dos túmulos de D. Afonso Henriques, de D. Sancho 1.º, e de tantos varões ilustres que ali repousam!”.

Planta de Magne pormenor.jpg

 Planta de Magne pormenor

Mas se, no século XIX, a ideia chave passava pela construção de praças, no séc. XX transferiu-se para a instalação de shoppings e o camartelo da incúria e da ignorância passou a derrubar edifícios carismáticos para satisfazer interesses que, sob a capa de modernidade, não passam de puramente economicistas ou demagógicos.

O texto citado terminava de uma forma sarcástica.

Há, acaso, quem compreenda a sublimidade deste pensamento; quem avalie a infinita superioridade de um terreiro a um edifício-monumento, onde apenas há história, arte, poesia, religião? – Confessamos que tão desmesurada força de engenho não há em nosso acanhado espirito, que possamos conceber a majestade e a importância de um terreiro do século décimo nono, comparado com um edifício de seis séculos, que não tem a seu favor senão alguns primores de arte, e algumas recordações de história.

Pelos longes que tem tomado o vandalismo podemos sem receio assegurar que dentro de cinquenta anos não haverá em Portugal um monumento.

Felizmente a pessimista previsão de Herculano não se cumpriu.

No que respeita a Santa Cruz houve na realidade um pedido da Edilidade para a cedência de parte do Mosteiro, quando em 3 de Janeiro de 1835, a Camara delibera encarregar... O Vereador Fernandes de redigir [a necessária petição]… indicando-se-lhe para casa das sessões, arquivo etc. da Camara uma parte do edifício do Mosteiro de Santa Cruz, que forma um quadrilongo, e cuja frente lança para o terreiro de Sansão, e se estende do cunhal da Igreja, até ao da porta do carro do mesmo Mosteiro… compreendendo parte do Dormitório de S. Francisco; para casa de Audiência dos Jurados o Refeitório do mesmo Mosteiro; para passeio publico a parte recreativa da quinta; para quarteis de tropas os extintos Colégios de S. Bento, e da Graça; para cemitérios as cercas dos Jesuítas unida á do Colégio de S. Jerónimo; e alem da ponte a cerca de S. Francisco; e para matadouro de gados, o necessário terreno junto á fonte nova. 

Petição sobre a cedência de parte do Mosteiro S

 Petição sobre a cedência de parte do Mosteiro Santa Cruz

Petição que viria logo a ser aprovada na sessão seguinte e enviada às Cortes.

Mas isto é outra história à qual pretendo voltar se a tanto a saúde e o engenho me ajudarem.

 

O Panorama. N.º 70, de 01.09.1838, pg. 276; Vereações n.º 76, 1834-1836, fl. 24v-25;

 Títulos originais, f. 1-2v.

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por Rodrigues Costa às 09:33


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