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A' Cerca de Coimbra



Quinta-feira, 29.03.18

Coimbra: Capela da Universidade

Com a transferência da Universidade para Coimbra é utilizada para a Capela da Universidade a antiga Capela Real de S. Miguel dos Paços da Alcáçova, cuja tradição remonta, com esta invocação, a D. Afonso Henriques, existindo já na Acrópole Coimbrã. 

... O aspeto arquitetónico com que hoje se apresenta a Capela da Universidade resulta de diversas transformações que a mesma sofreu, tendo-se iniciado a sua construção, no ano de 1517. À sua reestruturação dedicaram um significativo contributo artistas como Diogo de Castilho, Gabriel Ferreira, Simão Rodrigues, Domingos Vieira Serrão, etc., os quais, em obras de pedraria, azulejaria e pintura, ajudaram na valorização do edifício.

Universidade. Capela de S.Miguel.jpg

 Capela da Universidade

 

... 1845, Abril, 15 - Decreto que estabelece os exercícios divinos na Real Capela da Universidade

1.º A Purificação de Nossa Senhora, aos 2 de Fevereiro;

2.º A Anunciação de Nossa Senhora, aos 25 de Março;

3.º Os Ofícios da Semana Santa;

4.º As exéquias solenes d’El-rei, o Senhor D. João 3.º aos 11 de Junho;

5.º O préstito e função da Rainha Santa isabel, aos 3 e 4 de Julho;

6.º A Missa solene de abertura das Escolas, conjuntamente com a solenidade de S. Miguel, que fica transferida para esta ocasião, no 1.º de Outubro;

7.º A Imaculada Conceição de Nossa Senhora, aos 8 de Dezembro.

 

... Para o serviço Divino da Capela da Universidade, além do Tesoureiro de Mestre de Música, haverá oito Capelães Presbíteros.

... As Missas e mais Ofícios solenes serão sempre acompanhadas a Órgão pelo Mestre de Música. 

Capela Universidade Orgão.jpg

  Órgão da Capela da Universidade

 No seu interior deve destacar-se hoje o órgão cuja construção se iniciou em 1728, além de obras de imaginária e de ourivesaria.

A maior parte destes objetos artísticos. Muitos deles saídos das mãos dos ourives da Universidade (cálices, custódias, cruzes processionais, píxides, etc.) fazem hoje parte do Museu de Arte Sacra anexo à Capela.

Após a implantação da República em 1910, a capela esteve encerrada ao culto.

A capela é declarada monumento nacional por Decreto de 21 de Janeiro de 1911, ordenando-se que aí se instale um museu de arte, cujo património será formado com os objetos  e alfaias litúrgicas da capela. A direção deste Museu foi confiada ao Diretor do Arquivo da Universidade, então o Dr. António de Vasconcelos... Só em 8 de Dezembro de 1972 é inaugurado junto à Capela o Museu de Arte Sacra.

 Arquivo da Universidade de Coimbra. Boletim do Arquivo da Universidade de Coimbra. Vol XI e XII.1989/1992. Coimbra, Arquivo da Universidade de Coimbra, pg. 135-137, 143-144.

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por Rodrigues Costa às 11:14

Quarta-feira, 28.03.18

COIMBRA DO ROMANTISMO: DOS ARCOS DO JARDIM AO MERCADO D. PEDRO V

COIMBRA DO ROMANTISMO: DOS ARCOS DO JARDIM AO MERCADO D. PEDRO V

(Duração prevista: 60 minutos)

                                                                                  Visita de estudo orientada por:

Regina Anacleto

 

Data do evento:

28.04.2018, sábado, às 10h30

 

Casa da Sé.TIF

 Casa de Sé

 

Organização

A’Cerca de Coimbra (blogue)

 

Apoios

Câmara Municipal de Coimbra – Pelouro da Cultura

Clube de Comunicação Social de Coimbra

Bairro Norton de Matos (blogue)

Coimbra livre e aberta a todos (blogue)

COIMBRA MODERNA (blogue)

"Cromos", Personalidades e Estórias de Coimbra (blogue)

FOTOS DE COIMBRA PARA O MUNDO (blogue)

Penedo d@ Saudade – TERTÚLIA (blogue)

 

 

Público-alvo

Todos os interessados na história e cultura coimbrã

Visita livre (sem prévia inscrição)

 

Casa da Sé pormenor.TIF

 Casa da Sé pormenor

 

Objetivos

- Sensibilizar para a necessidade de valorizar e preservar o nosso património arquitetónico, artístico e cultural.

- Identificar os diversos monumentos situados ao longo do itinerário.

- Analisar o espaço físico onde se insere a movimentação estudantil.

- Integrar o conjunto arquitetónico e vivencial oitocentista no respetivo contexto socioeconómico.

- Estabelecer uma ligação afetiva entre a cidade, entendida no seu todo, e os que nela vivem ou a visitam.

Programa

- Concentração dos participantes no Largo João Paulo II, no passeio junto à sede da AAC

 

- Breve enquadramento da iniciativa

. O desenvolvimento económico e as modificações sociais da segunda metade do século XIX conduziram a uma transformação da mentalidade.

. As referidas transformações e a expansão demográfica então verificadas levaram ao alargamento do espaço urbano.

. A quinta de Santa Cruz como espaço ideal da expansão urbana do final do século XIX.

. A relação entre a inexistência, na cidade, de escolas de Belas Artes e a difícil integração dos artistas locais dentro das novas correntes estéticas.

. A capacidade de superar essas dificuldades.

. A arte do ferro — Coimbra “a cidade das grades”.

. O papel desempenhado pelos azulejos na decoração das fachadas.

. A valorização e preservação de monumentos e conjuntos arquitetónicos integrados no gosto oitocentesco e romântico.

. Referência a construções desaparecidas que se erguiam ao longo do percurso.

 

- Percurso

Observação e identificação dos diversos monumentos com particular incidência nas arquiteturas neomedievais e ecléticas

Itinerário

. Rua Alexandre Herculano

. Início das ruas Oliveira Matos, Lourenço Almeida Azevedo e Garrett

. Praça de D. Luís (Praça da República)

. Avenida Sá da Bandeira

. Mercado D. Pedro V

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por Rodrigues Costa às 22:14

Terça-feira, 27.03.18

Coimbra: Cidade bela, mas também cidade vandalizada

Há dias realizamos um curto passeio pela zona do Jardim Botânico e verificámos que a maior parte dos muros e dos portões, muitos deles recentemente recuperados, apresentavam uma enorme degradação decorrente dos escritos que lhe haviam sido apostos.

Concluímos que estávamos perante atos de puro vandalismo, pois trata-se apenas de destruir ou danificar a propriedade alheia, pública ou privada, de forma intencional e sem qualquer outro motivo aparente que não seja o propósito de, sem permissão do dono, causar prejuízos e desfigurar o existente.

A denominação “vandalismo” foi, num primeiro momento, atribuída pelos romanos às ações praticadas por um povo bárbaro germânico, oriundo da Europa Central, que se caracterizava por atuar de maneira selvagem, descontrolada e sem respeito para com nada. Na sequência, essas gentes, acabaram por ser formalmente chamados de Vândalos. Não é por acaso que esse nome, com o tempo, tivesse sido transferido para nossa língua, a fim de denominar as pessoas ou os grupos que se comportam de maneira caótica e, por vezes, violenta.

A comunidade acaba por ser a mais afetada pela destruição referida, na medida em que a situação atinge diretamente os lugares públicos que fazem parte do cotidiano de todos nós.

Estes grupos atuam, na maioria dos casos, pela calada da noite, altura em que a segurança não é tão eficaz, permitindo-lhes uma maior liberdade e dando-lhes a possibilidade de não serem apanhados em flagrante delito.

As inscrições feitas em paredes são vulgarmente chamadas de grafite, grafito ou grafíti, pois trata-se de uma inscrição caligrafada ou de um desenho pintado ou gravado sobre um suporte que não se destina a essa finalidade.

Os grafitos foram olhados durante muitos anos como assunto irrelevante ou como mera infração considerada de pequena gravidade, mas a sua significação tem variado, ao longo dos tempos de acordo com a evolução da sociedade e, atualmente, nalguns casos, já os consideram como uma forma de expressão incluída no âmbito das artes visuais, mais especificamente, da street art ou “arte urbana”, em que o artista aproveita os espaços públicos, criando uma linguagem intencional destinada a interferir na cidade.

Contudo, há quem não concorde e equipare os grafitos à pichação, ou seja, ao ato de escrever ou rabiscar sobre muros, fachadas de edificações, asfalto de ruas ou monumentos, usando tinta em spray aerossol, dificilmente removível, marcadores ou mesmo rolo de tinta. Regra geral escrevem frases de protesto ou de insulto, assinaturas pessoais ou mesmo declarações de amor. Para transmitir a sua mensagem podem utilizar grupos de letras que funcionam como abreviaturas, símbolos e logotipos.

A praga é velha e até já foi pior.

Mas, lentamente, vai voltando e trata-se de uma praga que – em nosso parecer – para ser combatida carece de trabalho persistente levado a cabo, nomeadamente pelas escolas, destinado a alertar os mais jovens para a salvaguarda de um património que é de todos.

Embora o rápido apagar destes “escritos” deva ser uma preocupação das Autoridades, julgamos que a resolução do problema passa, num primeiro momento e primordialmente, pela formação cívica a que deve ser incutida em todos os cidadãos e que estes têm a obrigação de vivenciar.

Aqui fica o nosso protesto acompanhado de elucidativas imagens. 

Ladeira das Alpendurada casa recentemente recupera

 Rua dos Combatentes/Ladeira das Alpenduradas, casa recentemente recuperada

 

Alameda Júlio Henriques.JPG

 Alameda Júlio Henriques

 

Alameda Júlio Henriques, muro do jardim dos patos

 Alameda Júlio Henriques, muro do jardim dos patos

 

Jardim Botânico, muros exteriores.JPG

 Jardim Botânico, muros exteriores

Rua dos Combstentes portão de garagem.JPG

 Rua dos Combatentes, portão de garagem

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por Rodrigues Costa às 10:20

Quinta-feira, 22.03.18

Coimbra: Carnaval doutros tempos 2

No âmbito da organização do “seu” Carnaval, o Comba-Club fez publicar no jornal Resistencia, em 10 de fevereiro, um “Relatório” com as seguintes carnavalescas instruções regulamentares que os sócios do Comba-Club têm de observar nos dias dos festejos.

Carnaval de 1907 01.jpg

 Carnaval de 1907, chegada do cortejo à rua Visconde da Luz

 

Relatório

 Senhor: — Nos países civilizados, tais como o Tovim, Arregaça, Coselhas, S. Martinho do Bispo, Casas Novas, etc., o povo dessas regiões tão longínquas têm verdadeira predileção pela dança, onde há lojas perfeitamente adequadas para tal coisa, a que dão o pomposo nome de — «Casa do sobrado ou Casa da pandega» —.

As particularidades desta «santa» gente são muitas, tais como: indivíduo da cidade que ao domingo lhes caia nas «garras» é convidado; se porventura há namoriscos de permeio, calcadela nos pés do parceiro, seguindo-se logo o «Fiat lux (apagou-se» a luz), e aqueles Brutos, munidos de um pau ferrado, a que vulgarmente chamam «lápis», atiram-se ao seu semelhante como o gato se atira a bofe.

Nessa ordem de ideias, e como o Comba-Club tem projetadas grandiosas festas para tornar o carnaval civilizado, temos a subida consideração de propor à sanção de Vossa Majestade as instruções que o «Comba-Club», sociedade de que com algumas exceções fazem parte quase todos os habitantes desta cidade, tencionam observar e que constam do seguinte:

Decreto

 Eu «El-rei Carnaval», atendendo ao que me representou o «Comba-Club», hei por bem aprovar o seguinte:

 Art. 1.º A sociedade do recreio mais importante e de maior força nesta Coimbra e seus domínios é, sem duvida, o «Comba-Club», instituição que conta no seu núcleo grande parte de «Benfeitores».

 Art. 2.° Para ser bom sócio é necessário satisfazer ás seguintes prescrições:

             1.º Comer bem;

             2.º Beber do melhor;

             3.º Evacuar com facilidade.

 Art. 3.º Levantar-se ao mata-bicho e espetar com um «cagão» na mala.

 Art. 4.º É expressamente proibido a qualquer sócio chamar pelo «gregório» mais do que uma vez por semana.

 Art. 5.º Qualquer sócio que se sinta «perturbado», deverá imediatamente recolher a casa, molhar as fontes da caveira e tomar um copo de água com algumas gotas de amoníaco.

 Art. 6.º Evitar o mais possível qualquer manobra, para não dar trabalho à polícia.

 Art. 7.º Fica revogada toda a legislação em contrário.

 Paço, 6 de fevereiro de 1907.

Carnaval. 1907.jpg

 Carnaval de 1907, carro do Comba-Club

 Nesse ano o cortejo foi brilhante e, passados uns dias, no estabelecimento do sr. Augusto Fonseca, sito na Rua da Sofia, vendia-se uma coleção de sete postais que reproduziam alguns aspetos do cortejo composto por carros de reclame, alegóricos e de fantasia, por mascarados, cavaleiros, bicicletas e cégadas. O cortejo desfilou entre o Largo do Príncipe D. Carlos [Portagem] e a Praça 8 de Maio.

Coche reclamo da casa comercial Gaitto e Cannas 02

 Carnaval de 1907, coche reclamo da casa comercial Gaitto e Cannas

 A imprensa local deve ter noticiado amplamente o evento e a revista Illustração Portugueza, através da máquina do fotógrafo José Bastos dos Santos, também reproduziu um dos carros alegóricos conimbricenses. 

Illustração Portugueza, 52, Lisboa, 1907.02.18, p. 200; Resistencia, 1181 e 1183, Coimbra. 1907.02.10 e 1907.02.21.

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por Rodrigues Costa às 09:33

Terça-feira, 20.03.18

Coimbra: Carnaval doutros tempos 1

O primeiro documento que conseguimos encontrar sobre os festejos do Carnaval em Coimbra é o anúncio que a seguir se reproduz:

Carnaval. Baile 02a.jpgCarnaval de 1894, anúncio de baile carnavalesco

 

Na sua edição de 21 de fevereiro de 1907, o jornal Resistencia, escrevia que (atualizamos a grafia), a sociedade Comba-Club [fundada numa data que escapa ao nosso conhecimento, mas composta essencialmente por comerciantes e industriais] tinha decidido meter ombros, com bem pouca probabilidade de sucesso nesta sonolenta Coimbra, à organização de festejos tendentes a “civilizar o carnaval”.

 De acordo com o articulista, provavelmente Joaquim Martins Teixeira de Carvalho, o conhecido Quim Martins, “civilizar o carnaval é uma frase feita, mas má”, porque o carnaval não se civiliza, o carnaval fica o que foi ou desaparece.

Carnaval. Baile 01a.jpgCarnaval de 1907(?), anúncio de Baile de Mascaras

 

O carnaval não tinha sido sempre a festa licenciosa, suja, brutal e sem graça vivida na época medieval, mas no período renascentista evoluiu e apareceu, nessa altura, o cortejo e a mascarada espirituosa que encheram a rua de alegria decorativa e de um grande exibicionismo artístico.

Portugal não acompanhou a evolução acontecida nos outros países onde se passou de uma cerimónia seiscentista á graça amorosa, espirituosa e fina do século XVIII.

Contudo, o nosso amor aos jogos, danças e torneios a cavalo, veio dar ao entrudo nacional uma feição própria que ainda, no final do século XIX, fazia do carnaval uma ocasião de ostentação artística, materializada em jogos de destreza capazes de provocar o sorriso e de, por vezes, gerar uma alegria ruidosa face às surpresas das cavalhadas.

Do programa proposto pelo Comba-Club salientavam-se os bailes organizados na sua sede e na “Casa do sobrado” ou “Casa da pandega”, situada na periferia, bem como cavalhadas e récitas no Teatro-Circo. O cortejo carnavalesco constituía o ponto alto dos festejos.

Carnaval de 1907 02.JPG

 Carnaval de 1907, carro das Especialidades de Coimbra a passar na Praça do Comércio

Illustração Portugueza, 52, Lisboa, 1907.02.18, p. 200; Resistencia, 1181 e 1183, Coimbra. 1907.02.10 e 1907.02.21.

 

 

 

 

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por Rodrigues Costa às 09:23

Quinta-feira, 15.03.18

Coimbra: As Escolas da Sé e de Santa Cruz

Antecedendo o movimento de fundações universitárias que caracterizou o “Renascimento Medieval” e se estendeu a Portugal nos finais do século XIII, verifica-se a existência mais ou menos constante e conseguida, de um sistema de ensino que, durante largo período de tempo, garantiu a transmissão do saber.

Substancialmente ligadas à Igreja, na sua génese, no seu quadro orgânico e nos objetivos programáticos, as instituições escolares apresentavam-se sob duas modalidades fundamentais: as escolas catedralícia e as escolas monásticas.

De entre umas e outras, importa salientar aquelas que manifestaram mais estreita ligação à Universidade. Sã elas a Escola da Sé de Coimbra e as Escolas de Santa Cruz e de Alcobaça e ainda a Colegiada de Guimarães. 

Filósofo medieval, Grandes Chroniques de France.j

Filósofo medieval In: Grandes Chroniques de France

 A Escola da Catedral de Santa Maria de Coimbra – embora a data da sua fundação não possa ser estabelecida com rigor – terá sido criada entre 1082-1086, por iniciativa do bispo conimbricense, D. Paterno. Um documento de doação datado de 1008 traz a subscrição de um tal Petrus Grammaticus e, mais tarde, em pedra tumular conservada hoje no Museu Machado de Castro, uma inscrição com a data de 1102, fez chegar até nós o nome de João «mestre-escola» - o prebendado que superentendia na lecionação relativa ao trivium e quadrivium. Esta escola, onde se trabalhava a Gramática e a Dialética e, obviamente, a matéria teológica, tradicionalmente designada por «sacra pagina», destinava-se institucionalmente à preparação dos candidatos às ordens sacras. Os estudantes, reunidos em regime de vida comum, debaixo da regra de S.to Agostinho, habitavam em casas da dependência da sé ou do cabido.

Honorius of Autun’s Imago Mundi in a private col

 Honorius of Autun’s Imago Mundi

 ... A Escola de Santa Cruz, implantada no mosteiro do mesmo nome, que data da 2.ª metade do século XII, cedo se transformou num centro de formação e irradiação cultural, cujo papel foi decisivo para a consolidação da consciência da nacionalidade. É interessante notar que, no grupo de fundadores, figura o nome de D. João Peculiar, cónego e mestre da Escola da Sé conimbricense.

Relativamente ao quadro curricular, muito pouco se conhece ao certo; não andaria, porém, longe do esquema delineado, no seu «Didascalion», por Hugo de S. Vítor, de quem existiam diversas obras no «armarium» de Santa Cruz.

Seja como for, o ensino parece ter atingido grande amplitude e projeção funcionando as disciplinas profanas como propedêuticas do acesso à Teologia; é mesmo verosímil que as próprias ciências fossem abordadas, nomeadamente a medicina. De resto, a existência de um hospital na dependência do mosteiro recomendaria o estudo daquela ciência.

Conhecem-se alguns dos mestres que funcionaram nesta escola e alcançaram renome, como D. Frei João, teólogo, D. Frei Raimundo, profundo conhecedor em ciências diversas, D. Frei Pedro Pires, eminente na Gramática, Lógica, Medicina e Teologia. Para falar também de estudantes, basta citar Fernando de Bulhões, o futuro Frei António, já então frade franciscano, canonizado e declarado Doutor da Igreja Universal.  

 Arquivo da Universidade de Coimbra. Boletim do Arquivo da Universidade de Coimbra. Vol XI e XII.1989/1992. Coimbra, Arquivo da Universidade de Coimbra, pg. 10-21

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por Rodrigues Costa às 09:52

Terça-feira, 13.03.18

Coimbra: O Santo Cristo do Arnado

O Professor Doutor Nelson Correia Borges acaba de divulgar este excelente texto sobre o Santo Cristo do Arnado. Consideramos que as informações nele contidas, dada a sua importância, merecem uma mais ampla difusão e não devem ficar confinadas ao círculo restrito dos leitores do jornal onde foi publicado.

Santo Cristo do Arnado.JPG

 Senhor Santo do Arnado. Claustro da Sé-Velha de Coimbra

 

Era um cruzeiro de caminhos, como tantos outros que assinalam a entrada das localidades. Situava-se na antiga entrada de Coimbra, para quem vinha do Norte.

A velha estrada do Porto correspondia à atual rua da Figueira da Foz. Passava à Gafaria de S. Lázaro, fundada e dotada pelo rei D. Sancho I e, antes de chegar à rua da Sofia, aberta por Fr. Brás de Braga para a construção dos colégios universitários, derivava para o lado do rio em terreno de areais que deram o nome ao sítio: Arnado. Foi nos campos do Arnado que o mesmo rei D. Sancho I, ainda infante, fez o seu alardo em 1181, isto é, reuniu os homens de Coimbra que com ele partiram para combater vitoriosamente no Alentejo um rei mouro de Sevilha. O largo ainda hoje mantém aproximadamente o mesmo espaço de outrora. Dele partia uma viela para o porto de Santa Justa, no Mondego, a que corresponde a atual rua do Arnado; uma outra azinhaga, mais a sul, conduzia ao porto dos Cordoeiros. Daqui se entrava na cidade pela rua Direita, uma das mais importantes de Coimbra, onde se estabeleceram violeiros e cordoeiros.

Bem no meio do largo, no século XVI, os frades do convento de S. Domingos, que ficava próximo, erigiram o cruzeiro, cobrindo-o com uma cúpula sobre quatro colunas. Esta solução construtiva ainda hoje se pode ver em Arazede, Assafarge, Pocariça, Ventosa do Bairro, Vila Nova de Anços e em outras povoações da região.

Em 1652, um devoto, de seu nome Gaspar Mendes ou Gaspar dos Reis, decidiu fazer-lhe algumas benfeitorias: ergueu mais o cruzeiro por causa do assoreamento, ou levantando os degraus antigos ou construindo novos degraus; fechou o espaço entre colunas por três lados, colocando no da frente uma grade. Em 12 de Julho de 1655 os padres de Santa Justa-a-Antiga fizeram uma procissão com o Santo Cristo do Arnado até à sua agora capelinha, sinal de que as obras se prolongaram até esta data, tendo sido durante elas a imagem guardada na igreja de que agora só restam vestígios no Terreiro da Erva.

A imagem rapidamente ganhou fama de prodigiosa. Constou-se mesmo que em 1 de agosto de 1722 suara sangue e água, o que gerou grande afluência de devotos. Logo se tratou de ampliar o espaço reduzido que continha o cruzeiro, transformando-o em capela de uma nave com capela-mor, circundada de sacristia e arrumos. As obras começaram em 1723 e terminaram em 1729, sendo, entretanto, benzida em 1727.

A capela do Santo Cristo do Arnado foi demolida pela Câmara nos primeiros decénios do século XX, para obras de urbanização. Há anos atrás, quando se abriram rasgos para colocar o coletor grande da cidade, pudemos ver os seus restos destroçados e recolher um azulejo de fabrico local, para recordação. As lápides com inscrição relatando a história da capela foram recolhidas ao Museu Machado de Castro e o cruzeiro antigo levado para o claustro da Sé Velha, onde se encontra.

O conjunto escultórico, talhado em pedra de Ançã, é impressionante.  A cruz eleva-se sobre uma coluna de fuste liso com capitel coríntio renascentista, tendo no ábaco a cruz de Cristo. Lateralmente colocaram o brasão de armas da Ordem de S. Domingos e na frente as armas reais com uma píxide sobre a coroa. A cruz é de secção retangular e ergue-se sobre uma base de rocha com uma caveira e tíbias cruzadas. A escultura mostra um corpo emaciado, com os sofrimentos da Paixão patentes, o rosto desfalecido e sereno. Não poderia deixar de ter produzido grande impressão e fervor religioso quando se encontrava na sua casa. Se pensarmos que no século XVIII deve ter havido alguma intervenção na imagem, fácil nos é relacioná-la com o Cristo dos Olivais, de autoria comprovada de João de Ruão. Trata-se de uma obra que seguramente teria saído das oficinas do mestre escultor francês.

Recentemente procedeu-se ao arranjo urbanístico do Largo do Arnado. Foi pena não se ter aproveitado o ensejo para ali colocar uma qualquer memória de um culto que foi marcante no passado da cidade e que marcou muitas gerações de conimbricenses. A lendária Cindazunda já tem lugar de maior honra no brasão de Coimbra.

Nelson Correia Borges

 

Correio de Coimbra, n.º 4.683, de 2018.03.08

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por Rodrigues Costa às 09:01

Quinta-feira, 08.03.18

Coimbra: Previsões falhadas de Alexandre Herculano

No século XIX, aquando das intervenções levadas a cabo sobretudo na zona das catedrais, destruíram-se as construções que as rodeavam, quebrando todo o diálogo com a malha urbana, a fim de abrir praças capazes de possibilitar a inclusão dos templos nas máquinas fotográficas dos turistas ou então para que, como refere causticamente Alexandre Herculano a vadiagem possa estirar-se regaladamente ao sol.

Nem a igreja de Santa Cruz escapou ao desejo, felizmente não concretizado, de ser destruída para dar lugar a uma praça; quem no-lo dá a saber é Alexandre Herculano.

Levaram-nos a Coimbra no ano de 1834 obrigações de serviço publico: aí residíamos quando foi suprimido o mosteiro de Santa Cruz. Correu então voz publica de que houvera quem se lembrasse de pedir que este belo edifício fosse entregue á municipalidade. Ninguém imaginará para que. Era para esta o mandar arrasar, e fazer uma praça. Não veio a lume este projeto nefando, mas não foi por mingua de bons desejos. Uma praça no lugar onde estivera Santa Cruz; uma praça calçada com os umbrais esculpidos do velho templo, com as lajes quebradas dos túmulos de D. Afonso Henriques, de D. Sancho 1.º, e de tantos varões ilustres que ali repousam!”.

Planta de Magne pormenor.jpg

 Planta de Magne pormenor

Mas se, no século XIX, a ideia chave passava pela construção de praças, no séc. XX transferiu-se para a instalação de shoppings e o camartelo da incúria e da ignorância passou a derrubar edifícios carismáticos para satisfazer interesses que, sob a capa de modernidade, não passam de puramente economicistas ou demagógicos.

O texto citado terminava de uma forma sarcástica.

Há, acaso, quem compreenda a sublimidade deste pensamento; quem avalie a infinita superioridade de um terreiro a um edifício-monumento, onde apenas há história, arte, poesia, religião? – Confessamos que tão desmesurada força de engenho não há em nosso acanhado espirito, que possamos conceber a majestade e a importância de um terreiro do século décimo nono, comparado com um edifício de seis séculos, que não tem a seu favor senão alguns primores de arte, e algumas recordações de história.

Pelos longes que tem tomado o vandalismo podemos sem receio assegurar que dentro de cinquenta anos não haverá em Portugal um monumento.

Felizmente a pessimista previsão de Herculano não se cumpriu.

No que respeita a Santa Cruz houve na realidade um pedido da Edilidade para a cedência de parte do Mosteiro, quando em 3 de Janeiro de 1835, a Camara delibera encarregar... O Vereador Fernandes de redigir [a necessária petição]… indicando-se-lhe para casa das sessões, arquivo etc. da Camara uma parte do edifício do Mosteiro de Santa Cruz, que forma um quadrilongo, e cuja frente lança para o terreiro de Sansão, e se estende do cunhal da Igreja, até ao da porta do carro do mesmo Mosteiro… compreendendo parte do Dormitório de S. Francisco; para casa de Audiência dos Jurados o Refeitório do mesmo Mosteiro; para passeio publico a parte recreativa da quinta; para quarteis de tropas os extintos Colégios de S. Bento, e da Graça; para cemitérios as cercas dos Jesuítas unida á do Colégio de S. Jerónimo; e alem da ponte a cerca de S. Francisco; e para matadouro de gados, o necessário terreno junto á fonte nova. 

Petição sobre a cedência de parte do Mosteiro S

 Petição sobre a cedência de parte do Mosteiro Santa Cruz

Petição que viria logo a ser aprovada na sessão seguinte e enviada às Cortes.

Mas isto é outra história à qual pretendo voltar se a tanto a saúde e o engenho me ajudarem.

 

O Panorama. N.º 70, de 01.09.1838, pg. 276; Vereações n.º 76, 1834-1836, fl. 24v-25;

 Títulos originais, f. 1-2v.

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por Rodrigues Costa às 09:33

Terça-feira, 06.03.18

Coimbra: Centenário da Sebenta ou a história de um monumento efémero

Mário Torres tem vindo a publicar na sua página do FB uma excelente recolha de imagens e de textos relacionados com o “Centenário da Sebenta”.

O “Centenário da Sebenta”, festa académica acontecida em Coimbra nos dias 28, 29 e 30 de abril de 1899, teve por objetivo fazer uma crítica – violenta – ao principal instrumento de ensino então utlizado, a sebenta litografada.

O programa dos festejos consubstanciava uma paródia aos muitos centenários cívicos, todos eles imbuídos de forte matriz política, que, nos últimos anos do século XIX, vinham acontecendo em Lisboa e no Porto.

Apresentação1a.jpg

 Joaquim Martins Teixeira de Carvalho

 O Professor Doutor Joaquim Martins Teixeira de Carvalho – conhecido na cidade por Quim Martins – na altura em que passavam dez anos sobre a referida festividade académica relembrou-a, relatando no “seu” jornal Resistencia, órgão do Partido Republicano de Coimbra, que dirigiu entre 1895 e 1907, um episódio certamente desconhecido de muitos e que então ocorrera.

Trata-se de uma verdadeira obra-prima do espírito académico de então, para a qual fui alertado por uma Amiga que conhece bem este período, quando com ela comentei a recolha que Mário Torres vem meritoriamente fazendo.

É essa verdadeira pérola coimbrã que aqui se divulga.

Centenário da Sebenta. Monumento 01a(1).jpg

 Monumento à Sebenta. Busto de Alois Senefelder, inventor da litografia

 

O monumento da Sebenta

 

João Machado – esculptor

Dr. Quim Martins – architecto

 

E’ historico.

Ha dez annos.

Eu descia para a Baixa ao anoitecer.

Da escuridão do arco de Almedina avançou para mim o Xandre, esbaforido, a face da pallidez das sombras heroicas dos Elyseos...

– Vou ter com o Gonçalves para elle me fazer o monumento da 'Sebenta ...

– Para quando?

– D'aqui a quatro dias…

– Estás doido! Não faz. Agora é que tu pensas nisso...

– Tenho tido mais que fazer. Eu...

– Já sei. E's um homem arrombado

– Você, Quim, é que podia…

– Eu?!

– E' uma coisa simples. Quero um monumento todo de cebo, e em cima, de cebo tambem, um busto de Senefelder, inventor da lithographia, e portanto pae da Sebenta. Você ri-se? Não foi elle quem inventou?...

– Foi.

– Bem. Julguei que era asneira ...

– A asneira está em tu quereres um monumento de cebo.

– A ideia não é boa?

– E', mas deve ser feito em gesso, a fingir cebo…

– Como quizer. Mas encarregue-se d'isso, doutor! Salve-me. E'· salvar-me a honra, é mais que salvar-me a vida…

– Bem, pois então vamos lá a salvar essa honra D'esta vez não é preciso attestado?...

– O' doutor, eu nunca abusei…

– Deuses immortaes! Quem tal suspeita?...

–  Bem! Fico descançado. Não torno a pensar mais nisso. Gaste o que quizer. Paga-se tudo!...

No dia immediato, fui ter com o João Machado, levando já 'um mau retrato de Senefelder, e disse-lhe no que me metera.:

Ele poz-se a rir, e a contar os dias, e as horas de: trabalho pelos dedos.

Havia apenas tres dias, contando o da inauguração…

– Vamos a isso! disse elle, continuando a rir.

Chamou um aprendiz e mandou-lhe buscar carvão, papel, barro e gesso, comentando:

– Vem tudo de uma vez! Não ha tempo a perder. Ainda áhi estás? Corre. Avia-te!

Eu fui aos meus doentes. Voltei quatro horas' depois. João Machado tinha já o busto desenhado a carvão, numa linha de um desenho tão fino que eu perguntei-lhe:

– Foi o João Machado que fez isto?

– E' boa! Já o Sr. Pinto [Arquiteto Silva Pinto] se admirou tambem. Em pouco me têem os senhores…

–  E' que está muito bom, O que aqui está desenhado não é facil.

– E isto?...     

Voltei-me e dei com João Machado que, a rir, modelava o 'busto de Senefelder, já adiantado.

–  Palavra que está muito bom!

– Diga agora que aqui não ha talento!           

– Bom! Se o João 'Machado está alegre, o successo da obra é certo.

– Já viu? Tenho ali modelo vivo.

– Aonde?

– Ali! Na ratoeira…

– Um rato!...

– Pois! E' que ha de roer a sebenta e o cebo. Estudo ao natural, trabalho consciencioso ...

– Boa vae ella! Ha que tempo o não vejo tão satisfeito. Bom! Vou ver um doente e volto...

Fez-se o busto, e lá ficou como emblema decorativo o ratito preto, de

olhos tão vivos, que nunca mais tornei a ver…

João Machado, que me sabia afadigado, foi elle mesmo collocá-lo no

Largo do Museu, de noite.

Eu, nem quiz por lá passar ao saír do teatro e fui deitar-me a dormir algumas horas.

No dia irnmediato, levantei-me, fui ver, e desci a correr á officina do João Machado. Ainda lá não estava.

Entrava d'ahi a pouco, muito enroscado no casaco, porque a manhã estava fria.

– Fui ver a obra, disse eu.

– Passei lá quasi a noite toda.

– Obrigado. Mas é necessario irmos lá, senão perde-se o valor da sua obra.

–  Não posso! E' dia de féria. Tenha paciencia. sr. doutor ...

- Não póde, não póde! Acabou-se...

– Está-se a zangar. Eu não queria, mas não posso. Emfim, vá lá. Vou! Ao meio dia...

– Qual meio dia, nem qual carapuça! Já! Já! E leve homens, e madeira, e aboboras e cebolas...

– Seja! Vamos lá para casa do Benjamim Ventura.

Fomos. Elle poz-se a rir, e foi-nos ao quintal buscar uma couve

magnífica para o monumento. Eu pedi mais tres e um cabo de cebolas.

E lá foi a caravana a rir.

Chegámos ao largo do museu.

O Seneffelder que estava a olhar para o museu, voltou-se para o Largo da Feira, a entrada do largo.

Confiscou-se um carro de pedra que passava para uma obra e despejou-se para fazer a rocaille do jardim que havia de rodear o monumento.

A' Feira mandei comprar um alguidar verde para fazer o lago decorativo.

Os empregados -do museu riam, emquanto eu e o João Machado, muito serios, dispunhamos, 'em 'festões decorativos, cabos de cebolas, botas velhas, hortaliças varias, abanos, e laranjas.

–  Francisco, disse eu, chamando pelo meu velho servente de anatomia, faz-me um favor!

– Ora essa. Sr. Doutor!...

–  Vae ao mercado e compra-me um cisne, para o lago.

–  O' sr. Dr., mas no mercado não ha cisnes a vender...

– Compra-me um pato marreco…

– Lá isso ha...

- Então que é mais o pato que o cisne? O cisne é um pato, mais janota, de pescoço mais alto. Mais nada! Traga lá o cisne!

O Francisco foi-se a rir. e a encolher os hombros, comprar o pato.

 

– João Machado, vamos ás legendas. Ahi na frente escreva: Ao Mousinho da Sebenta a mucidade agardecida, Mocidade com u já se vê.

–   Isso não sr. dr., eu não escrevo isso

– Pois escrevo eu. Dê cá o pincel. E vae hagardecida, com h, pois então!...

O monumento ficou obra acabada

Sobre a piramide, cujas arestas cortadas eram decoradas com os rolos lithographicos a escorrer de tinta, levantava-se branco. de cebo, a

desfazer-se, o bom Senefelder que começara a vida a gravar música e por isso estava logicamente predestinado para descobrir o modo de reproduzir a Sebenta.

Do fundo do pedestal, adeantando medrosamente o focinho. olhava ironicamente para Senefelder o rato: que o havia de comer.

Pelo pedestal corriam com intenção decorativa as cebollas, as botas, as coisas mais estranhas que João Machado pintava de oxidações artisticas, dando-lhes a côr dos bronzes monumentaes

Não se ouviam senão murmurios de admiração.

Eu e João Machado, muito sujos, muito pingados de tinta, tinhamos o ar descuidado dos immortaes.

Alguem fez notar que era uma pena que dessem cabo de tão bella obra.

– Quem?

– Ora sr. dr., alguem por inveja. Elle anda por ahi cada um...

– O melhor era ir buscar um policia.

– Um policia?...

– Se o sr. dr. pedisse na esquadra, lá davam-lhe um...

– Vá, sr. dr., vá buscar um policia...

Eu fui á esquadra da Feira.

D'ahi a pouco entrava eu no largo do museu com um policia.

Ao fundo apparecia então o Francisco com o pato...

Uns gostavam mais do pato, outros do policia. 

Eu não escolhera. Trouxera o que me deram.         '

Um duplo triumpho.

 

Em breve nadava o pato no alguidar vidrado, que na frente do monumento simulava o lago simbolico em que melancholicamente se devia mirar o rosto pensativo de Seuefelder.

Ao pescoço sustentava o chocalhinho, emblema da commissão das

festas.

– Um pato da cornmissão?! dizia a rir um dos enthusiastas que chegava.

– Que queres?! Na commissão não poude encontrar-se um cisne!...

E mentalmente pedi desculpa ao Lopes Vieira da mentira vil que dizia para fazer um dito de espírito.

Já não era a primeira.

E tinha eu então menos dez anos…

Centenário da Sebenta. Monumento 02a.jpg

 Inauguração do busto de Alois Senefelder, inventor da litografia. Centenário da Sebenta, sábado, 29 de Abril de 1899, às 13h00

 

– Parabéns, doutor! Voltei-me era uma senhora, minha doente, que me estendia a mão. – V. ex.ª gosta?          ,

– Muito. Está um apetite…

E' de notar que a pobre senhora padecia do estomago.

Um apetite!.... Estaria curada'?

O' força dominadora da arte!...

T.C.

 

Resistencia, 1405, Coimbra, 1909.04.30.

Fontes das ilustrações: Carvalho, J.M.T. 1921. A livraria do Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra : estudo dos seus catálogos, livros de música e coro, incunábulos... Coimbra,  Imprensa de Universidade. Acedido em http://purl.pt/335/4/#/1; Sá, O. Álbum "Centenário da Sebenta - 1899, Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra (Cota: O.S. A.2).

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por Rodrigues Costa às 09:07

Quinta-feira, 01.03.18

Coimbra: Alexandre Herculano e a sua visão da cidade 3

Passada a Sofia, a primeira coisa notável que se encontra é o velho mosteiro de Santa Cruz, fundação do nosso D. Afonso Henriques. Da primitiva obra nada ou mui pouco resta. – Consta que o antigo mosteiro era um edifício cercado e torreado, como um castelo: o templo tinha três naves; os claustros eram três, as celas oitenta e quatro. Hoje é mui diverso o estado das cousas. Porventura as celas são mais numerosas, os corredores mais elegantes, as oficinas mais acomodadas, os claustros mais magníficos; mas a igreja pareceu-nos acanhada, mesquinha, mal traçada, e de mau gosto, porque a vimos depois de ter lido pomposas descrições dela. O que ainda se conhece que realmente foi bom, é o portal lavrado de laçarias, e vultos, e mil invenções curiosas. Cremos que infelizmente entalharam esta obra em pedra de Ançã, em lugar de pedra canto; e por isso está tudo estragado e carcomido.

Planta de Magne pormenor.jpg

 Mosteiro de Santa Cruz, pormenor da planta de Magne

 No corpo da igreja há muitas sepulturas de venerável antiguidade, e inscrições mortuárias que falam de nomes gloriosos: mas os mais notáveis sepulcros são os dos dois primeiros reis portugueses, D. Afonso e D. Sancho, colocados aos lados da capela-mor. Estes monumentos preciosos foram mandados fazer por el-rei D. Manuel, e aí se conservaram até o ano de 1832, em que D. Miguel os mandou arrombar, para ver o que continham: ainda no ano seguinte vimos as pedras quebradas, e os mal apagados sinais deste ato de barbárie.

As duas coisas mais importantes que havia no convento eram a livraria e o santuário: as preciosidades de um e de outro foram levadas para a cidade do Porto. Entre os quadros que adornavam o santuário dizem que estava uma «transfiguração» de Rafael, e a «adoração dos reis» de Rubens. Aí se mostrava uma espada, que se dizia ter sido de D. Afonso Henriques, e que se acha reunida á do moderno Afonso, o duque de Bragança, no museu do Porto, para onde também foi levada a escrivaninha e a pena com que assignaram os decretos do concilio tridentino, monumentos curiosos doados a Santa Cruz por D. Fr. Bartolomeu dos Mártires.

A quinta ou cerca de Santa Cruz é uma das mais extensas e maravilhosas de Portugal. Descrevê-la fora impossível na brevidade do nosso quadro. O lago é obra magnifica: mas as árvores que a rodeiam, cortadas em colunas e obeliscos, são apenas um dos mil exemplos de mau gosto dos antigos jardins. 

Sé Velha antes do arranjo.jpg

 Sé Velha, antes do arranjo

 A paroquia de S. Cristóvão, ou Sé Velha, é o monumento de Coimbra mais digno de atenção, porque é porventura o único que resta em Portugal do tempo dos godos. A sua arquitetura não se parece, portanto, com a de outro algum edifício conhecido. As suas paredes, vistas exteriormente, assemelham-se às de um castelo; é talvez o que resta da primitiva, e um escritor moderno se enganou inteiramente, supondo os lavores da porta lateral do templo obra de arquitetos godos, quando basta vê-los para conhecer que foram lavrados no 13.º ou 14.º século. Posterior ainda a esta época é o interior da igreja.

No alto da cidade, onde estão os fundamentos do observatório novo, começado pelo marquês de Pombal, e nunca levado a cabo, jazia o antigo castelo, que foi demolido, e de que restam apenas alguns fragmentos. Este castelo era célebre pela ação heroica do leal Martim de Freitas,

A universidade está onde antigamente eram os paços reais, chamados das alcáçovas; neste edifício ainda existem muitos vestígios da sua origem remota. Nada diremos aqui acerca desse estabelecimento literário, que tantos homens ilustres tem dado a Portugal, porque o guardamos para um artigo especial.

A Sé Nova era a igreja dos jesuítas: ampla, e ao primeiro aspeto majestosa, um exame mais miúdo faz descobrir nela o ferrete de todos os edifícios daquela ordem – mau gosto de arquitetura.

Muitos outros monumentos notáveis se encontram na antiga capital dos portugueses, mas a brevidade necessária nos veda falar deles. Entretanto há aí uma cousa curiosa, de que ninguém tratou ainda, e que vale a pena de se mencionar. É esta a inquisição. Ela ainda está em pé com os seus corredores escuros, os seus carceres medonhos, as suas «espreitadeiras». Ainda aí se vê a casa dos tratos, com as paredes cheias de arranhaduras, e de manchas escuras, que porventura são de sangue!  - E não se deveria conservar este monumento de fanatismo para os vindouros, a quem parecerão impossíveis os horrores que se contam acerca da inquisição!

Nos arredores de Coimbra, pode-se dizer que cada pedra, cada campo, cada bosquezinho é um monumento histórico. – A fonte do Cidral e o Penedo da Saudade, quem os não conhece? – Atravessando a ponte para o lado de Lisboa, encontram-se à esquerda umas ruínas, e atrás delas um campo coberto de arvoredos e de hortas. Aqui houve um mosteiro ilustre: este foi o de Santa Clara, fundado por S. Isabel, e que o rio fez desaparecer. D. João 4.º edificou o novo no monte ao ocidente de onde em perspetiva se descobre a cidade.

Naquela margem do Mondego está também a Quinta das Lágrimas, e a Fonte dos Amores. No palácio pertencente à quinta sucedeu, segundo dizem alguns, o trágico sucesso da morte de D. Inês de Castro. A Fonte dos Amores, rica de recordações e pobre de adornos, lá corre ainda caudal para um tanque meio entulhado. Descrita por poetas, viajantes, e historiadores, calará acerca dela a nossa mal aparada pena, e só faremos um voto para que a mão do homem não derrube os últimos cedros que a assombram, e que são testemunhas das memórias de muitos séculos.

O Panorama. Número 51. 21 de Abril de 1838. Pg. 122-123

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por Rodrigues Costa às 22:15


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