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Como todas as cidades antigas, Coimbra é para ser vista de fora; porque colocada em anfiteatro o seu prospeto é formoso; mas vistas interiormente as ruas são tortuosas, e em grande parte tristes. Há ali um cunho de decrepitude; sem haver, salvo em raros edifícios, a majestade dos séculos. A bondade, porem, dos ares, a barateza do sustento, a amenidade dos campos e hortas vizinhas a tornam cómoda e agradável. Os habitantes são em geral alegres e folgazões, ao que os aconselha e inclina o céu e o ar e o solo que a Previdência lhes deu. Quando a natureza ri á roda de nós, alegra-se e folga o coração do homem, e o sorriso vem habitar nos seus lábios.
O Mondego que sumiu grande parte da antiga Coimbra, assentada na planície, ao sopé do monte onde hoje campeia o principal da cidade, é o maior rio dos que nascem em Portugal. Tem as suas fontes nos altos da serra da Estrela, e correndo por mais de vinte léguas, vem meter-se no oceano junto á vila da Figueira. – A sua pequena correnteza na proximidade de Coimbra, e o passar entre montes, cuja terra se esboroa e vem ao leito do rio com as torrentes do inverno, tem feito com que o álveo se vá alteando, de modo que nas grandes cheias os campos ficam inundados. Entretanto na cidade baixa a corrente impetuosa faz notáveis estragos, deixando as casas em sitio. Felizmente estas cheias desmedidas são pouco frequentes: mas a tortuosidade do rio que contribui para que as areias fiquem retidas, fará no decurso dos tempos com que a baixa Coimbra se converta num areal, se a arte não souber pôr barreiras invencíveis ás irrupções das águas.
Já desde os fins do século passado se trabalha por obviar a este dano certo, e aos estragos que as cheias causam nos campos de Coimbra, areando-o, e tornando-os inférteis; mas o mal não foi ainda remediado. Nos anos demasiadamente chuvosos as estacadas de encanamento são rotas e derrubadas, ficando perdido num dia o trabalho de uns poucos de anos, e o rio se estende como vasto mar por aquelas dilatadas campinas.
Rio Mondego ponte de pedra
Sobre o Mondego está lançada a formosa ponte que se vê na nossa estampa, e que une a cidade com a margem esquerda do rio, dando para a estrada de Lisboa. Foi edificada por el-rei D. Afonso Henriques; mas o tempo e as aluviões do rio sepultaram a primitiva fabrica. Segundo o testemunho do historiador Barros já pelo seu tempo se haviam submergido duas pontes: a que existe, obra, quase toda, de el-rei D. Manuel, apesar de sucessivos reparos, também já vai tendo entulhados os primeiros e últimos arcos, e com o andar do tempo ficará provavelmente sepultada, como as antigas, debaixo das areias do rio.
Rua da Sofia
Quem entra na cidade pela estrada do Porto vem desembocar na mais formosa rua da cidade, a «Sofia», rua bordada quase só de conventos, ou colégios, de diversas ordens monásticas. Estes conventos, hoje desertos, serão em breve montes de ruínas. Em Coimbra, cidade de pouco trato, não se achará quem compre estes edifícios vastíssimos; e a rua da «Sabedoria», [Sofia] orlada de paredes desmoronadas, será a imagem epigramática do estado intelectual do nosso país.
O Panorama. Número 51. 21 de Abril de 1838. Pg. 121-122
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