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- Visita de estudo orientada por Regina Anacleto (Duração prevista: 75 minutos)
- Data do evento: 28.04.2018, sábado, às 10h30
- Organização: A’Cerca de Coimbra (blogue)
- Apoios na divulgação:
Câmara Municipal de Coimbra
Clube de Comunicação Social de Coimbra
Bairro Norton de Matos (blogue)
Coimbra, menina e moça (blogue)
Coimbra livre e aberta a todos (blogue)
Coimbra Moderna (blogue)
"Cromos", Personalidades e Estórias de Coimbra (blogue)
Fotos de Coimbra (blogue)
Penedo da Saudade Tertúlia (blogue)
Público-alvo
Todos os interessados na história e cultura coimbrã
Visita livre (sem prévia inscrição)
Objetivos
- Sensibilizar para a necessidade de valorizar e preservar o nosso património arquitetónico, artístico e cultural.
- Identificar os diversos monumentos situados ao longo do itinerário.
- Analisar o espaço físico onde se insere a movimentação estudantil.
- Integrar o conjunto arquitetónico e vivencial oitocentista no respetivo contexto socioeconómico.
- Estabelecer uma ligação afetiva entre a cidade, entendida no seu todo, e os que nela vivem ou a visitam.
Programa
- Concentração dos participantes no Largo João Paulo II, no passeio junto à antiga sede da AAC (Casa da família Marta)
- Breve enquadramento da iniciativa
Percurso
Observação e identificação dos diversos monumentos com particular incidência nas arquiteturas neomedievais e ecléticas
Itinerário
Como todas as cidades antigas, Coimbra é para ser vista de fora; porque colocada em anfiteatro o seu prospeto é formoso; mas vistas interiormente as ruas são tortuosas, e em grande parte tristes. Há ali um cunho de decrepitude; sem haver, salvo em raros edifícios, a majestade dos séculos. A bondade, porem, dos ares, a barateza do sustento, a amenidade dos campos e hortas vizinhas a tornam cómoda e agradável. Os habitantes são em geral alegres e folgazões, ao que os aconselha e inclina o céu e o ar e o solo que a Previdência lhes deu. Quando a natureza ri á roda de nós, alegra-se e folga o coração do homem, e o sorriso vem habitar nos seus lábios.
O Mondego que sumiu grande parte da antiga Coimbra, assentada na planície, ao sopé do monte onde hoje campeia o principal da cidade, é o maior rio dos que nascem em Portugal. Tem as suas fontes nos altos da serra da Estrela, e correndo por mais de vinte léguas, vem meter-se no oceano junto á vila da Figueira. – A sua pequena correnteza na proximidade de Coimbra, e o passar entre montes, cuja terra se esboroa e vem ao leito do rio com as torrentes do inverno, tem feito com que o álveo se vá alteando, de modo que nas grandes cheias os campos ficam inundados. Entretanto na cidade baixa a corrente impetuosa faz notáveis estragos, deixando as casas em sitio. Felizmente estas cheias desmedidas são pouco frequentes: mas a tortuosidade do rio que contribui para que as areias fiquem retidas, fará no decurso dos tempos com que a baixa Coimbra se converta num areal, se a arte não souber pôr barreiras invencíveis ás irrupções das águas.
Já desde os fins do século passado se trabalha por obviar a este dano certo, e aos estragos que as cheias causam nos campos de Coimbra, areando-o, e tornando-os inférteis; mas o mal não foi ainda remediado. Nos anos demasiadamente chuvosos as estacadas de encanamento são rotas e derrubadas, ficando perdido num dia o trabalho de uns poucos de anos, e o rio se estende como vasto mar por aquelas dilatadas campinas.
Rio Mondego ponte de pedra
Sobre o Mondego está lançada a formosa ponte que se vê na nossa estampa, e que une a cidade com a margem esquerda do rio, dando para a estrada de Lisboa. Foi edificada por el-rei D. Afonso Henriques; mas o tempo e as aluviões do rio sepultaram a primitiva fabrica. Segundo o testemunho do historiador Barros já pelo seu tempo se haviam submergido duas pontes: a que existe, obra, quase toda, de el-rei D. Manuel, apesar de sucessivos reparos, também já vai tendo entulhados os primeiros e últimos arcos, e com o andar do tempo ficará provavelmente sepultada, como as antigas, debaixo das areias do rio.
Rua da Sofia
Quem entra na cidade pela estrada do Porto vem desembocar na mais formosa rua da cidade, a «Sofia», rua bordada quase só de conventos, ou colégios, de diversas ordens monásticas. Estes conventos, hoje desertos, serão em breve montes de ruínas. Em Coimbra, cidade de pouco trato, não se achará quem compre estes edifícios vastíssimos; e a rua da «Sabedoria», [Sofia] orlada de paredes desmoronadas, será a imagem epigramática do estado intelectual do nosso país.
O Panorama. Número 51. 21 de Abril de 1838. Pg. 121-122
Esta entrada, que reproduz um artigo publicado na revista O Panorama, carece de uma explicação.
O Panorama. Jornal litterário e instructivo da Sociedade Propagadora dos Conhecimentos Uteis, foi publicado aos sábados, entre 1837 e 1868, estando a digitalização dos seus índices e das revistas disponível em:
http://hemerotecadigital.cm-lisboa.pt/OBRAS/OPanorama/OPanorama.htm.
Folha do rosto de O Panorama
A maioria dos artigos ali publicados não são assinados, embora a sua paternidade seja comumente atribuída a Alexandre Herculano, a alma e o motor deste projeto.
Daí o título aposto à entrada, que reproduz na íntegra um texto ali publicado – cuja ortografia foi atualizada para facilitar a sua leitura – e que consideramos de uma grande beleza.
Importa sublinhar que se trata de uma síntese, escrita em 1836, onde se dá conta dos conhecimentos de então relacionados com a história de Coimbra e com a de alguns dos seus monumentos; os conhecimentos atuais relacionados com estas temáticas são muito mais aprofundados e desenvolvidos.
O artigo em causa insere uma gravura onde também se não vislumbra a assinatura do autor, mas cuja autoria poderá ser atribuída a Manuel Maria Bordalo Pinheiro ou a José Maria Baptista Coelho, porque foram estes dois artistas que, maioritariamente, colaboraram na revista.
Coimbra xilogravura de autor desconhecido. In O Panorama, n.º 51
O Panorama esteve entre as primeiras publicações portuguesas que inseriram gravuras, a impropriamente chamada xilogravura, ou seja, a gravura aberta em blocos de madeira; mas utilizou a “xilogravura de fio”, também conhecida como madeira à veia ou madeira deitada, porque o bloco foi cortado longitudinalmente em relação ao caule da árvore e trabalhado com canivete ou goiva, procurando aproveitar as fibras rígidas e salientes. Posteriormente, noutras publicações, passou a ser utilizada a “xilografia de topo”, porque o bloco que vai ser utilizado se obtém cortando a madeira no sentido horizontal; esta trabalha-se com buris das mais variadas secções, semelhantes aos utilizados pelo gravador na chapa de metal.
Por último uma nota pessoal. Dos textos de Alexandre Herculano que tenho lido ressalta o pouco apreço do autor por Coimbra e, principalmente, pelo ensino que então se ministrava na Universidade. O texto ora apresentado vai, inequivocamente, nessa linha.
Apesar do profundo respeito pela figura maior que Herculano é, não posso esquecer que foi ele o responsável pela saída de Coimbra das duas cousas mais importantes que havia no convento [de Santa Cruz e que] eram a livraria e o sanctuario: as preciosidades d’um e d’outro foram levadas para a cidade do Porto.
COIMBRA
Depois de Braga é Coimbra, em nosso entender, a mais bem assentada cidade de Portugal; e até não sabemos se a vizinhança do Mondego lhe dá a primazia sobre a antiga capital do Minho. É verdade que as sendas [o nome de estradas não o merecem] que de várias partes conduzem a Braga, acompanhadas em quase toda a sua extensão de vales cultivados, de ribeiros deleitosos, de montes selvosos, de pequenas povoações, não contrastam com o painel que descobrimos ao aproximarmo-nos da cidade; enquanto as estradas que do Porto ou de Lisboa conduzem a Coimbra, comumente por brenhas cerradas, descampados inférteis, pinhais extensíssimos, mas sem majestade, e povoações pobres e derramadíssimas, preparam o caminhante com hábitos de tristeza e de tédio, para contemplar a cena de Coimbra, que, semelhante a uma pirâmide esculpida, se levanta dominadora dos seus fresquíssimos e saudosos arredores, e do tranquilo Mondego, que se revolve mansamente a seus pés, como uma fita branca, lançada por meio de um tapete de verdura.
Da «Collimbria», «Conimbrica» ou «Conimbriga» dos romanos já não existem há seculos, senão umas gastas ruinas, no sitio chamado Condeixa velha, a duas léguas da moderna Coimbra. Esta, fundada por Ataces, segundo dizem, só data do tempo da dominação dos Alanos e Suevos. Da época da sua fundação pretendem alguns ainda sejam as armas atuais da cidade; mas semelhante crença tem todos os visos de fabulosa.
No tempo da invasão dos mouros, Coimbra, como todas as demais povoações de Portugal, caiu debaixo do jugo dos conquistadores. Seguiu-se a longa luta dos cristãos com os muçulmanos: no mesmo século Coimbra foi resgatada; mas no século seguinte tornou ao poder dos infiéis, até que em 1064 D. Fernando o Magno, rei de Castela e Leão, a conquistou pela última vez. Parece que os monges beneditinos de Lorvão, que tinham trato com os cristãos da cidade, ajudaram D. Fernando a levá-la de salto, entrando pela porta da traição. – Houve aqui grande estrago de mouros, e querem afirmar que o arco de Almedina é um monumento desta vitória, dando aquela palavra a significação de «porta do sangue»; mas nem esta é a verdadeira tradução do vocábulo arábico, nem por certo o arco que existe junto á igreja de S. João d’Almedina, é de tão remota antiguidade.
Divididas as conquistas de D. Fernando entre seus filhos, guerrearam uns com os outros por causa da herança paterna, pertencem essas guerras á historia de Espanha. Basta saber que no tempo de D. Afonso 6.º de Leão, neto do conquistador de Coimbra, a cidade foi entregue ao conde D. Henrique com o resto de Portugal, dado em dote da rainha D. Tareja, sua mulher. Desde este tempo até o de D, João 1.º Coimbra foi o principal assento da corte dos reis portugueses; porque a sua posição geográfica, a salubridade do clima, e a fertilidade do território lhe davam jus a semelhante primazia. Lisboa, entretanto, crescia em poder e riqueza, que lhe atraía o seu porto magnifico, propriíssimo para o trato de comércio, e nas cortes celebradas na mesma Coimbra, em tempo de D. João 1.º, os povos pediram a el-rei mudasse a residência da corte para a cidade do Tejo.
O Panorama. Número 51. 21 de Abril de 1838. Pg. 121
Na Catedral de Nossa Senhora dos Remédios, localizada em San Cristobal de la Laguna, na ilha de Tenerife (Canárias, Espanha), existe uma representação da Rainha Santa quase desconhecida da generalidade dos portugueses e da maior parte dos conimbricenses.
Catedral de Nossa Senhora dos Remédios
O referido quadro destinava-se a ser colocado na nova catedral de La Laguna (Tenerife) ao lado do de São Fernando, ambos declarados, a par com São Cristóvão, antigo orago, padroeiros do templo. As telas foram encomendadas ao pintor sevilhano António Quesada e chegaram à ilha ao mesmo tempo.
Maria Isabel de Bragança era filha de D. João VI e de D. Carlota Joaquina, irmã mais velha de Fernando VII que, ao casar-se em segundas núpcias com a sobrinha, a converteu em rainha de Espanha. Estes monarcas solicitaram insistentemente ao Papa Pio VII a criação da nova diocese canária com sede em La Laguna.
Na antiga catedral dos Remédios existia a capela de Nossa Senhora do Carmo que possuía um retábulo ornamentado com diversas pinturas, cuja temática, na atualidade, se desconhece.
Quando, no século XIX, a cidade se tornou sede da nova diocese e o templo alcançou a dignidade de catedral começaram a venerar-se novos santos levando a que as pinturas de António Quesada, ao chegarem à ilha, fossem montadas na capela de Nossa Senhora do Carmo, substituindo as anteriores telas.
Retábulo atual da capela de Nossa Senhora do Carmo
A escolha da Rainha Santa Isabel e de São Fernando para co-padroeiros da catedral de La laguna decorre da interferência régia no aparecimento da nova diocese e a opção pela primeira encontra-se reforçada através da devoção da rainha, princesa de Portugal, a Isabel de Aragão, a Rainha Santa.
Isabel de Bragança, rainha muito acarinhada pelo povo espanhol e responsável pela criação de um museu real, o futuro Museu do Prado que foi inaugurado em 1819, um ano após a sua morte, reinou escassos dois anos e foi mãe de uma menina que viveu cerca de quatro meses. Engravidou de novo e, em dezembro de 1818, durante um parto difícil e prolongado, já debilitada pelo grande esforço, teve um ataque de epilepsia e entrou em coma. Os médicos não se aperceberam da situação e, desejosos de retirar o bebé ainda com vida, iniciaram uma cesariana funesta, porque a rainha recobrou os sentidos e lançou enormes gritos de dor; mãe e filha acabaram por morrer poucas horas depois.
Santa Isabel. António Quesada. Óleo sobre tela. 1834
No quadro em questão Santa Isabel é representada coroada, com vestes medievais, segurando o cetro com uma mão e apoiando a outra no peito. Toda a tela aponta para a sua dignidade régia.
No segundo plano, de um dos lados pode ver-se representada uma montanha, possível referência ao Teide e, no outro, um edifício que reproduz a fachada remodelada da catedral.
A tela que representa a Rainha Santa mostra bastante originalidade e uma técnica aceitável. O artista utiliza no fundo um colorido escuro a contrastar com os tons cálidos apostos na figura, de modo a captar a atenção do observador para além da própria personagem. O sevilhano mostra-se preocupado com a expressão e procura que a obra transmita serenidade e doçura através do rosto de Santa Isabel.
La Huella y la Senda, Islas Canarias, 2004, p. 661-662. [Catálogo]
O foro académico foi uma instituição, que muito enalteceu a Universidade medieval portuguesa, acolhendo sob a sua égide protetora os lentes, escolares e oficiais, e bem assim os respetivos familiares, que todos, de certa época em diante, eram isentos da jurisdição de quaisquer autoridades estranhas à Universidade, e só pleiteavam perante o tribunal benévolo, carinhoso e paternal dos seus Juízes privativos. Como autores e como réus, nas causas cíveis e nas causas crimes, a nenhum outro foto estavam sujeitos, nenhum outro Juiz tinha jurisdição para conhecer dos seus pleitos, a não ser que houvesse recurso, e salvo o caso de se dar motivo às intervenções do Corregedor.
Por isso toda a gente ambicionava entrar em o número dos «privilegiados» da Universidade, e os profissionais dos diversos mesteres suplicavam com grande empenho e honra e mercê de serem contados entre os fornecedores (como hoje se diria) da Universidade, comprometendo-se por vezes alguns a anda receber pela mão-de-obra dos fornecimentos e consertos que fizessem. Ourives, livreiros, impressores, e bem assim carniceiros, vinhateiros, padeiros, etc. etc., disputavam o grande benefício de serem inscritos no quadro do pessoal universitário, para gozarem os respetivos privilégios, entre os quais avultava o do foro académico.
Fundada a 1 de março de 1290 por diploma de D. Dinis, expedido de Leiria, a Universidade foi confirmada e privilegiada pela bula de Nicolau IV «de satu regni Portugaliae».
Na carta de fundação prometia el-Rei a sua proteção eficaz aos escolares do novo «Estudo geral», chegando a dizer-lhes que, se fossem por alguém ofendidos ou vexados, recorressem sem hesitação à sua «Alteza Real».
... Pelo seu lado o Papa, na bula citada, isentou do foro leigo ou comum, em todas as causas crimes em que fossem réus, não só os mestres e escolares, mas também os seus serviçais, ficando todos sujeitos ao foro eclesiástico.
... Foi no outono de 1308 que se realizou a transferência da Universidade para Coimbra.
D. Dinis. In: Compendio de crónicas de reyes
A 15 de fevereiro de 1309, outorgou-lhe D. Dinis a «Carta magna privilegiorium», na qual a isenção do foro comum foi consideravelmente ampliada.
... 1.º Proíbe ao alcaide Coimbra e aos seus oficiais que, em qualquer ocasião e seja por que motivo for, obrigarem os estudantes a comparecer perante os tribunais seculares;
2.º Permite-lhes apenas que os prendam em delito de homicídio, ferimento, furto ou roubo, rapto de mulher, ou fabricação de moeda falsa; com a condição porém de, o mais breve possível e sem dificuldades, independentemente de qualquer requisição, fazerem entrega deles à autoridade eclesiástica para esta os julgar.
E assim ficaram as coisas nos primeiros tempos da Universidade em Coimbra. As pessoas universitárias eram isentas da jurisdição as autoridades comuns, tanto nas causas crimes como nas cíveis, e sujeitas à jurisdição de um Juiz próprio, que, por escolha e determinação del-Rei, era a autoridade eclesiástica.
Neste mesmo diploma é criado na Universidade... o novo oficio... da Conservatória do Estudo.
Documento da criação foro académico
Diz o Rei, que quere que sejam escolhidos dois homens probos da cidade de Coimbra, que tenham por obrigação vigiar solicitamente pela honra e cómodo do Estudo e dos estudantes, que inquiram e relatem a el-Rei o que lhes parecer conveniente ao mesmo Estudo e estudantes; e que, enfim, se esforcem por conservar fielmente as imunidades, privilégios e liberdades da Universidade e de cada um dos seus alunos.
Verdeal prendendo um académico
Manteve-se o foro privativo da Universidade, até ao advento do regime constitucional, implantado em Coimbra a 8 de maio de 1834.
A jurisdição deste foro privativo residia, como vimos, na Conservatória judicial da Universidade. Havia nesta, além do magistrado judicial, que era o Conservador, o pessoal seu subordinado: 2 almotacés, 1 meirinho de vara branca, 2 escrivães, e outros oficiais. Tinha o meirinho às suas ordens 10 homens armados com «suas chuças ou partezanas» (as atuais alabardas), homens que vulgarmente se chamavam «verdiais» (os archeiros de hoje) por serem de cor verde as casacas dos seus uniformes. O Conservador erguia a sua vara banca de um magistrado judicial, não só nos edifícios das Escolas, mas em toda a cidade de Coimbra; e casos havia em que lhe era licito alçar a vara «em todas as partes do Reino, onde a Universidade tem suas rendas ed dividas».
Vasconcelos, A. 1987. Escritos Vários Relativos à Universidade de Coimbra. Reedição preparada por Manuel Augusto Rodrigues. Volume I e II. Coimbra, Arquivo da Universidade de Coimbra, pg. 297-299, 302-304, do Vol. I
Como os outros Colégios construídos sobre as muralhas de Coimbra (os de Jesus e Artes, de S. Jerónimo, e o dos Militares), também este (o Colégio de Santo Agostinho ou da Sapiência, ou Colégio Novo, ou Colégio dos Órfãos, agora Faculdade de Psicologia) possuía uma cerca encostada à muralha, na Ribela, mas situada para além da Porta Nova, que era contígua à fachada oriental do Colégio.
Colégio de S.to Agostinho, com ligação à cerca, fotogradia de Arsène Hayes
Era inconveniente uma tal situação: para os colegiais irem à cerca tinham de sair à rua.
Obviaram os crúzios a este inconveniente, construindo um arco, por cima do qual estabeleceram uma comunicação entre o Colégio e a cerca.
O Autor, na página 260 acrescenta: O Colégio da Sapiência comunicava com a respetiva cerca por um passadiço sobre o arco de Santo Agostinho ou porta Nova, e perfurava a parte inferior da contígua torre de defesa, ultimamente transformada em casa de habitação; e tinha também comunicação direta com o mosteiro de Santa Cruz, por um corredor subterrâneo abobadado e com escadas.
Arco e passadiço, lados Sul e Norte
Sobre o arco via-se, numa e outra face, um nicho em estilo renascença, ladeado por 2 frestas, que davam luz ao passadiço. Destacavam-se nos 2 nichos as estátuas em vulto – na face que olhava para N, de S.to Agostinho revestido de pontifical; na que olhava para S, de S.to Teotónio, vestindo sobrepeliz e murça.
A figura 1 (a do lado esquerdo) representa a face S. do arco, tal como foi construído no princípio do séc. XVII.
Depois os cónegos crúzios ligaram por passagem subterrânea o seu mosteiro com a cerca do seu Colégio universitário de S.to Agostinho, e assim ficaram com comunicação entre o mosteiro e o Colégio por intermédio do passadiço do arco.
Mas este passadiço era acanhado, quase tocavam com a cabeça no teto os que por lá transitavam; e algumas vezes por ali passavam o próprio Dom Prior Geral, e outras pessoas de alta categoria. Para obviarem a este inconveniente, lembraram-se de dar maior pé-direito ao passadiço, rebaixando-lhe o pavimento. Substituíram então o arco, que era de volta plena, por um de volta abatida, o que aumentou consideravelmente a altura do passadiço.
Em 1613 já estava realizada a modificação, ficando o arco como se vê na figura 2 (a da direita).
Arco e passadiço, fotografia
Nota 1:
Em ordem à fotografia da ligação do Colégio à Cerca – da autoria de Arsène Hayes – tendo nascido nesta no ano de 1942, relevo: a casa onde nasci, uma arrecadação adaptada a habitação, ainda apresenta aquele que poderá ter sido o seu aspeto inicial; a existência, na parte inferior da Cerca, de construções que já não conheci e que poderão ter sido a saída da referida passagem subterrânea de ligação do Mosteiro ao Colégio pela Cerca; a subsistência da parte da muralha e das habitações sobre a mesma construídas, pelas quais passava a ligação do Colégio à Cerca, a qual poderá corresponder às quatro pequenas janelas visíveis na fotografia. Importa, ainda relembrar que foi no decurso da demolição destas construções que foi encontrada a pedra votiva que identificou Coimbra com Emínio, cuja localização foi assinalada com o castanheiro que ainda lé existe.
Nota 2:
O meu Pai entrou ao serviço do Colégio dos Órfãos em 1938 e conhecia profundamente o edifício. Um dia no pátio que estava para lá do átrio da portaria e onde funcionava a cozinha, mostrou-me o início de uma escadaria com cerca de dois metros de largura e muito íngreme que ia para uma sala abaixo que se encontrava atulhada. Disse-me, então que era o início da ligação Colégio ao Mosteiro de Santa Cruz. Afirmação que hoje reconheço não devia corresponder à realidade, pois como decorre do texto citado, a ligação se deveria fazer pela Cerca do Colégio. Isto, se não vierem a ser revelados documentos que confirmem outra realidade.
Vasconcelos, A. 1987. Escritos Vários Relativos à Universidade de Coimbra. Reedição preparada por Manuel Augusto Rodrigues. Volume I e II. Coimbra, Arquivo da Universidade de Coimbra, pg. 403, do Vol. I
Deu-se neste edifício (o do Colégio dos Grilos)... um facto extraordinário e estrondoso, que muito deu que falar, e que eu descrevi há anos num periódico de Coimbra. É interessante. Aqui reproduzo quase integralmente esse meu artigo, com o título que o encimava. Ei-lo:
«Uma tempestade num copo de água»
Entre os numerosos Colégios universitários, suprimidos em 1834, contava-se o dos eremitas descalços de S.to Agostinho, vulgarmente chamados «Grilos», erguido na rua deste nome. Expulsos os proprietários ... foi depois alugado a uma república de estudantes ... Foi em 1844 que o Dr. Forjaz realizou a compra da casa dos Grilos, onde imediatamente se instalou com a sua família, adaptando o vasto edifício a vivenda particular, na qual recebia fidalgamente. Eram afamados, em especial, os bailes que todos os anos dava na noite de Natal.
Querendo aproveitar devidamente a referida sala, que havia sido capela, e que se achava desfeada por um tabique, erguido pelos frades a vedar a janela fronteira à porta de entrada, mandou demolir essa vedação, mas qual não foi a surpresa quando, por trás dela, no grande vão cavado na espessura da parede, se encontrava um altar, cuja urna tinha à frente um vidro, pelo qual se via a gentil figura, ricamente vestida de brocados, de um jovem reclinado, cingindo espadim, bela máscara de cera, abundante cabeleira negra, caindo-lhe em anéis sobre os ombros! Através dos coturnos, das luvas, das vestes divisavam-se os ossos de um esqueleto, embutidos na massa que dava a forma ao corpo.
Era evidentemente um desses esqueletos de Mártires, retirados as catacumbas de Roma, admiravelmente preparados como só lá o sabem fazer, e remetidos de presente pela Santa Sé a algumas igrejas beneméritas.
Martírio de Frutuoso, Eulógio e Augúrio. Séc. XVIII. Pintura catalã
Guardou-se em segredo o precioso achado... Eram as relíquias de S. Frutuoso Mártir, com este nome enviadas de Roma no meado do século XVIII para o Colégio dos Grilos, ao mesmo tempo que vieram também... para o Seminário, as relíquias de S. Liberato, S. Fortunato e S. Clemente, igualmente preparadas, e igualmente autenticadas.
... durante alguns dias observou relativo segredo; mas foram-se abrindo algumas exceções... Rapidamente alastrou pela cidade o rumor de que no colégio dos Grilos aparecera um autêntico Santo de carne e osso; da sensacional notícia irrompeu naturalmente o desejo, em toda a gente, de ir ver por seus olhos tamanha maravilha.
... Não se tratava já do cadáver incorrupto dum Santo: era um Santo vivo, autenticamente vivo, que passava os dias a dormir na urna do seu altar, mas de noite acordava, erguia-se e passeava pelos corredores, umas vezes vestido com o hábito de eremita agostiniano, outras vezes de guerreiro; e ai do atrevido que se arriscasse a aproximar-se, para curiosamente o apalpar! Uma tremenda bofetada do Santo castigava o atrevimento curioso.
Então começam a vir ranchos, multidões, não só da populaça de Coimbra, mas de muitas léguas ao redor; estacionam junto ao edifício dos Grilos, e em gritaria desordenada, e em tumulto ameaçador, exigem que as portas se lhe abram. Tornou-se necessário consentir, dando ingresso, por turnos de doze visitantes; depois duma turma ter visto e orado, saía, e então entrava outa dúzia.
Mas o povo não se sujeitava de boa mente a estas entradas a conta-gotas, e forçavam a porta, e invadiam tumultuariamente a casa, vexando os seus proprietários. Por esta forma o Santo misterioso ia dando ocasião a tumultos graves, a sedições populares perigosas .. Era insuportável a situação... começam a afluir ao paço episcopal requerimentos de várias paróquias e confrarias de Coimbra, a pedirem que lhes seja confiado o corpo milagroso do Santo; pois deve saber-se que já a esse tempo se atribuíam ao famoso Santo grandes milagres, e as ofertas dos beneficiados começavam a afluir em abundância, que prometia rápido aumento.
... resolveu que o Santo fosse trasladado solenemente para o Seminário, onde ficaria exposto à veneração na igreja. Marcou-se para o ato de trasladação o dia da festa da Ascensão do Senhor, 16 de maio daquele ano de 1844.
Foi um ato soleníssimo, que entusiasmou os habitantes de Coimbra, e trouxe muitos milhares de pessoas dos arredores.
... E daí em diante todos os anos, em quinta-feira da Ascensão, vinham numerosos ranchos dos arredores de Coimbra ao Seminário, visitar S. Frutuoso, orar junto dele... esta romaria anual era ainda muito concorrida nos meus tempos de estudantes, e muito depois, até há poucos anos.
Vasconcelos, A. 1987. Escritos Vários Relativos à Universidade de Coimbra. Reedição preparada por Manuel Augusto Rodrigues. Volume I e II. Coimbra, Arquivo da Universidade de Coimbra, pg. 282-286, do Vol. I
Edifício magnífico, a principal obra dos arquitetos irmãos Álvares, que Haupt supõe dever em especial atribuir-se a Baltasar Álvares, construtor do mosteiro de S. Bento em Lisboa.
Planta e alçado de mais de metade da fachada principal, voltada a N. Desenhos de A. Haupt.
A fachada era simples, mas elegante. Estava já incompleta, quando eu a via pela primeira vez, em 1869, tal como se manteve até ser demolida, faltava-lhe o remate do tímpano, e os corpos superiores das torres que a ladeavam, assim como as imagens, que devem ter ocupado os três nichos do corpo central. Ao pórtico davam ingresso três belas portas de ferro forjado.
Face da nave do lado do Evangelho. Desenhada também por Haupt.
Era magnífico, belo, sumptuoso e grave o interior da igreja de S. Bento, que ainda conheci completo, tal como se manteve enquanto ali se exerceu o culto. Tinha uma única nave, e 3 capelas de cada lado; além disso nave transeptal, e grandiosa capela-mor; sobre o transepto erguia-se majestoso zimbório.
Colégio de S. Bento reconstituição
Toda abobadada em caixotões, sendo ornamentadas as abóbadas das capelas laterais, muito mais profusamente as do transepto, e com superabundância e da capela-mor, na qual, entre complicadas esculturas, havia imagens de Anjos e de Santos. Nas paredes, onde abundavam as cantarias, toda a superfície da alvenaria era revestida de azulejos, sendo policrómicos os da capela-mor. Todas as capelas tinham o seu fundo coberto pelo retábulo do altar, obras de talha sumptuosas, ricamente douradas. Era admiravelmente grandioso o altar-mor, com o seu trono para as exposições. A capela do Santíssimo, que era a segunda do lado da Epístola, foi reconstruída e ampliada no século XVIII, com o teto em cúpula, profusamente ornamentado com estuque, e pintura a fresco.
... Deveria, sem dúvida, conservar-se como Monumento Nacional este belo templo; mas, quando expirava o século passado e ao principiar o presente (séc. XX) fizeram-se grandes obras no edifício de S. Bento, aplicado a Liceu.
... Depois de muito ponderado o assunto, foi resolvido, pelas autoridades competentes, que se demolisse a igreja, profanada há mais de 30 anos, e já sem altares nem retábulos, sem as balaustradas de pau-preto e bronze, sem azulejos, sem mobiliário, reduzidas às paredes e abóbadas; mas a obra de demolição realizar-se-ia com todos os cuidados. Escolher-se-ia previamente um local apropriado, onde se reerguesse logo o edifício com o mesmo material, para instalação dum museu de reproduções em gesso, cuja falta se fazia sentir nesta cidade. Aperar-se-iam as pedras. E erguer-se-iam no local novo, com as devidas cautelas, e sem deterioração.
Igreja de S. Bento em demolição
Houve protestos, e foi-se protelando o início da obra, a qual veio a realizar-se noutras condições em 1932. Demoliu-se então a igreja, e completou-se o edifício do Liceu; mas a isto se limitou a ação do pessoal dos Edifícios Públicos e dos Monumentos Nacionais.
Há o direito a perguntar: - como se aproveitaram as magnificas cantarias aparelhadas e profusamente ornamentadas, que constituíam os arcos e a abóbadas? E, quanto ao resto: Que registo gráfico, ao menos, se fez do grandioso edifício, de formas tão nobres e tão belas, que representava uma época?
Em resposta aponto apenas este facto: - Para eu poder agora dar alguma ilustração gráfica, relativamente a este documento, tive de recorrer aos desenhos que, passando por Coimbra em outubro de 1888, o alemão Albrecht Haupt traçou, e depois publicou na cidade de Francforte sobre o Meno, em 1890.
Vasconcelos, A. 1987. Escritos Vários Relativos à Universidade de Coimbra. Reedição preparada por Manuel Augusto Rodrigues. Volume I e II. Coimbra, Arquivo da Universidade de Coimbra, pg. 400-401, do Vol. I
Há uma bela vista de Coimbra, desenhada pelo artista florentino Pieri Maria Baldi, que visitou Portugal vindo na comitiva do príncipe Cosme, herdeiro do soberano Gran-Duque da Toscana... demorando-se em Coimbra três dias, no mês de Fevereiro de 1669. Foi nestes dias que fez o desenho.
Gravura de Baldi
Nele se sê a verdadeira feição do afamado arco romano de Belcouce, que é, pura e simplesmente, a porta principal do «oppidum» Emínio; as casas que lhe ficam por trás e ao lado, ocupando precisamente o local do velho palácio (que em 1537 pertencia ao Reitor Garcia de Almeida que mandou dar as lições das Faculdades jurídicas e médica em salas do seu próprio palácio, onde residia, sito à Estrela, próximo da torre e do arco romano «de Belcouce»), são casas vulgares apenas.
[Aquando da construção do Colégio de S. António da Estrela], das antigas edificações, que aqui havia, foi poupado o arco romano, que permaneceu a Sul do novo edifício, e a parte inferior, que restava, da célebre torre quinária de Belcouce, ficando mais de metade do seu corpo embebida na alvenaria da fachada ocidental, de modo que se conservou à vista, a salientar-se, o ângulo ocidental; aproveitou-se habilmente para mirante o terraço triangular que sobre ela ficou descoberto. Também pouparam a interessante inscrição comemorativa da construção da torre, que se edificou por ordem de D. Sancho I. Para datar esta construção, esculpiram-se na lápide comemorativa três elementos cronológicos, que não se adaptam bem entre si, embora a discrepância não seja grande: o início do reinado de D. Sancho I, a tomada de Coimbra aos mouros por Fernando Magno de Leão, e a era hispânica de 1249. Oscilam entre os anos de 1209 e 1211. Parece que aquela primeira data se reporta ao começo da obra, e esta ao assentamento da inscrição, quando se havia concluído a torre, na era de 1249 a.D. 1211. Muito se discreteou sobre a concordância destes três dados cronológicos.
Arco romano, apresentação de Isabel Anjinho
... A 10 de Junho de 1778, mandou a Câmara demolir o arco romano da Estrela! Assim desapareceu estupidamente o monumento histórico mais precioso e interessante no seu género que Coimbra possuía; mas, em compensação, exultou a vereação por ter aumentado com esta desastrada medida a receita municipal deste ano, entrando em cofre a quantia de 30$000 reis, que pagou Miguel Carlos pela compra da pedra da demolição!
Pormenor da gravura de Hoefnagel, apresentação de Isabel Anjinho
É possível marcar-se aproximadamente o local onde se erguia o arco, tendo em consideração que esse local foi depois da demolição aproveitado pelos frades para ali construírem uma casa suplementar ao Colégio, na extremidade sul deste, a qual se vê em estampas que ilustram este capítulo. Ainda existe, no jardim... um marco de referência precioso: um cubelo de suporte da muralha, que se encontra à mão esquerda, quando da Couraça se transpõe a porta de entrada do jardim. Este cubelo se vê nas respetivas estampas, marcando o vértice do ângulo S-O da dita casa.
Colégio de S. António da Estrela
As fachadas ocidental e meridional estende-se nesta estampa quase lado-a-lado, no 1.º plano, desde a parte posterior da igreja, à nossa esquerda (onde se salienta a pequena capela-mor, e ao lado a pequeníssima sacristia com as suas 2 janelas), até ao topo S, quase completamente escondido detrás duma casa com três filas de 5 janelas em cada um dos seus 2 andares, e por baixo destas mais outra fila de janelas simuladas. Esta casa foi construída, no último quartel do século XVIII, a ocupar o local onde se erguia o afamado arco romano ou de Belcouce; ficou quase encostada ao topo meridional do Colégio, construindo- entre um e outro edifício a porta larga e a passagem de entrada para o grande pátio do Colégio, e para esta nova casa. Um cubelo, que se vê no ângulo deste pequeno prédio, ainda hoje existe, e serve de marco para fixarmos o lugar da casa, e consequentemente do arco de Belcouce.
O Colégio era composto de 2 corpos contíguos, um com a orientação S-N, o outro E-O, formando assim um ângulo reto. No topo ocidental deste último corpo, divisa-se a parte restante da torre de Belcouce.
Esta fotografia foi tirada do areal do rio, a montante da ponte, alguns anos depois do incêndio que devorou o edifício em a noite de domingo, 27 de janeiro de 1895, deixando ficar somente as paredes.
Vasconcelos, A. 1987. Escritos Vários Relativos à Universidade de Coimbra. Reedição preparada por Manuel Augusto Rodrigues. Volume I e II. Coimbra, Arquivo da Universidade de Coimbra, pg. 274-276, 404 do Vol. I
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