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A existência de uma feira dos porcos, em Coimbra, poderá ter resultado de uma determinação municipal que proibia estes animais de vaguearem pelas ruas da cidade fazendo estragos e causando sujidades.
Outrora, essa feira, segundo Nelson Correia Borges, realizava-se nas imediações do atual local da capela, um pouco mais a montante na direção do Penedo da Saudade. Ali teria existido uma capela da invocação de Santo António, protetor destes animais na doença.
Quando, nos finais do século XIX e inícios do XX a cidade se começou a alargar e o Bairro de S. José iniciou a sua expansão foi construída no início da Rua dos Combatentes da Grande Guerra uma casa com risco neomanuelino que acoplou uma capela substitutiva da do largo da feira, entretanto demolida.
De acordo com o mencionado autor, o nome de “Bairro de S. José” deve-se à proximidade do colégio dos carmelitas descalços, isto é, ao colégio de S. José dos Marianos, mais comummente chamado de colégio das Ursulinas. E é assim conhecido, porque depois da desamortização de 1834 o edifício, a partir de 1850, foi ocupado pelas freiras Ursulinas do Real Colégio das Chagas que deixaram a sua casa de Pereira devido aos problemas de paludismo e, até 1910, ali fizeram funcionar um colégio destinado à educação de meninas.
Casa neomanuelina
A casa, propriedade que foi (ou ainda atualmente é) da família Ferreira D’Araújo, parece ter sido riscada por um dos proprietários e a sua construção, que se arrastou por alguns anos, aconteceu na década de vinte do século passado.
Adossada à casa, mas sem com a mesma comunicar, foi igualmente construída a atual capelinha popularmente designada por Santo Antoninho dos Porcos.
Capela de Santo Antoninho dos porcos
Recordo-me de, nos anos oitenta do século XX, me terem mostrado um registo, daqueles que os homens, nas romarias, costumavam colocar debaixo da fita do chapéu, com uma gravura da imagem do santo e relacionada com a feira. Desconheço o destino do dito registo, mas o seu sumiço é mais do que provável e poderá ter tido o “eterno descanso” num qualquer caixote de lixo.
No interior da capela existe um pequeno nicho retabular, trabalhado, provavelmente, em pedra de Ançã, mas atualmente dealbado, onde se insere a imagem de Santo António.
Nicho-retábulo da capela
Não se conhece qualquer documento que aponte para o nome do artista que lavrou a decoração pétrea do edifício da Rua dos Combatentes. Apenas fontes orais, transmitidas pelos proprietários e que merecem credibilidade, indicam o nome de José Barata. Este artista, ligado à Escola Livre das Artes do Desenho, foi o grande mestre do trabalho neomanuelino existente na cidade de Coimbra e não só. Sabe-se que a cantaria ornamental existente na casa neomanuelina que se ergue na Rua do Corpo de Deus, mandada construir pela família Ferreira D’Araújo, saiu do seu cinzel.
As colunas que se podem visualizar no nicho-retábulo da capela de Santo Antoninho dos Porcos apresentam grande similitude com as da porta axial da Sé Velha, esculpidas por José Barata, aquando do restauro levado a efeito naquele templo, nos finais do século XIX, sob a orientação de António Augusto Gonçalves.
Colunas do nicho-retábulo
As colunas que ladeiam o nicho-retábulo são diferentes entre si. O fuste da esquerda mostra uma decoração fitiforme com flores de quatro pétalas a preencher os espaços livres e a da direita apresenta um esquema geométrico, formando “losangos” com uma bola no centro. Os fustes rematam com capitéis de motivos vegetalistas.
Algumas destas informações sobre esta pequena jóia de Coimbra, escondida dos olhares de tantos que por ali passam, foram-me transmitidas por Regina Anacleto.
… Data de 1818 a aprovação do projecto para o portal principal do jardim, da autoria de José do Couto dos Santos Leal. Trata-se de um desenho a tinta da china e aguada sobre papel que se conserva no Museu Nacional Machado de Castro.
Projecto para o portal do jardim botânico. José do Couto dos Santos Leal. 1818
… O portal de entrada do lado dos Arcos foi levantado também nas primeiras décadas do século XIX.
…Em Outubro de 1854 foi aprovado o projecto geral da estufa, riscada pelo engenheiro francês Pedro José Pezerat, e um ano depois já estavam concluídos os alicerces para esta construção. Em Julho de 1857 celebrou-se com o Instituto Industrial de Lisboa o contracto para a execução da obra, tendo chegado a Coimbra, em Outubro de 1859, a primeira parte da estufa.
Estufa grande. Século XIX
Chegamos a 1873, data da atribuição a Júlio Augusto Henriques da regência da cadeira de botânica e da direcção do jardim (1873-1917). Professor dedicado, investigador incansável, notabilizou-se pela sua pedagogia activa e pelo seu empenho em engrandecer o jardim, o museu botânico e a sua biblioteca. A sua acção extravasa os limites temporais deste trabalho e assume-se como verdadeiro ponto de viragem na história e evolução do “Horto botanico”.
Planta do Jardim Botânico. Segunda metade do século XIX
Este começará a assumir, a partir de então, a forma que hoje conhecemos, embora caiba ao século XX, com a nova reforma da Universidade trazida pelo Estado Novo, a palavra final.
Brites, J.R.C. 2006. Jardim Botânico da Universidade de Coimbra: de Vandelli a Júlio Henriques (1772-1873), Coimbra, 2006 (Policopiado). [Trabalho escrito apresentado no seminário “Património e teorias do restauro”, integrado no Mestrado de História da Arte da Universidade de Coimbra e, depois de refundido, publicado pela autora, com o mesmo título, no Arquivo “Coimbrão. Boletim da Biblioteca Municipal”, Vol. XXXIX, Coimbra, 2006, p. 11-60].
…. Em 1805 o desenhador Gregório de Queirós era encarregado de delinear as obras que se projectava fazer no jardim. Em 1807 realizou-se finalmente a compra, por 1:800$00 reis, da parte da cerca dos Marianos, agendada há já 33 anos, sendo a sua incorporação definitiva no terreno do jardim bem expressa no plano elaborado nesse ano por José do Couto Santos Leal e Neves.
Plano elaborado em 1807 por [José do] Couto [Santos Leal] e Neves
É também deste ano o pronunciamento mais decisivo de Félix Avelar Brotero, encarregado desde 1791 da organização científica do Jardim e da regência da cadeira de botânica e agricultura , acerca do plano a seguir no jardim . O relatório enviado ao reitor, a 5 de Março de 1807, reveste-se da maior importância, quer pelo facto de nele Brotero precisar a definição e os objectivos deste tipo de estabelecimento, quer pela indicação das suas partes essenciais e secundárias, acompanhada do levantamento do que estava feito e do que havia de o ser.
Partes essenciais e secundárias num jardim botânico, segundo Avelar Brotero
Dela se depreende, concomitantemente, uma crítica velada às anteriores restrições pombalinas, as quais, embora na memória, seriam conveniente e conscientemente esquecidas com o passar dos anos e o avolumar de exemplos de similares jardins que outras universidades europeias vinham promovendo.
… O minucioso exame que acabámos de transcrever deixa transparecer não só o pragmatismo do docente, mas também o seu profundo conhecimento da realidade do dito recinto. Contudo, os tempos que se avizinhavam não viriam a permitir que este relatório assumisse o carácter de programa a levar à prática.
Planta do jardim botânico elaborada por [José do] Couto e datada de Outubro de 1807
Com efeito, aproximavam-se as invasões francesas e, com elas, todas as obras seriam interrompidas. O último apontamento que temos do ano de 1807, um plano do jardim elaborado com grande qualidade por José do Couto, ficaria na gaveta e só seria retomado após o fim da Guerra Peninsular.
Brites, J.R.C. 2006. Jardim Botânico da Universidade de Coimbra: de Vandelli a Júlio Henriques (1772-1873), Coimbra, 2006 (Policopiado). [Trabalho escrito apresentado no seminário “Património e teorias do restauro”, integrado no Mestrado de História da Arte da Universidade de Coimbra e, depois de refundido, publicado pela autora, com o mesmo título, no Arquivo “Coimbrão. Boletim da Biblioteca Municipal”, Vol. XXXIX, Coimbra, 2006, p. 11-60].
… A Relação geral do estado da Universidade redigida pelo reitor-reformador e remetida, em 1777, à soberana, materializa o intuito de não deixar cair por terra a reestruturação principiada … Este manuscrito tinha como complemento, segundo se crê, um volume intitulado, na encadernação, Riscos das Obras da Universidade de Coimbra, o qual compreende, além da descrição do estado em que se encontravam, em Setembro de 1777, os novos estabelecimentos, bem como da enumeração das despesas, uma série de trinta desenhos, relativos a essas construções. Os dois finais dizem respeito ao jardim botânico: um é o plano elaborado por Júlio Mattiazzi, sobre o qual já nos detivemos; o outro é o Risco das Estufas do Jardim Botanico da Universidade de Coimbra sem data ou assinatura.
Risco das Estufas do Jardim Botânico da Universidade de Coimbra. Sem autor. Sem data
Curiosamente, este último encontra também, na biblioteca do departamento de botânica, um desenho que muito se lhe assemelha. Titulado Risco das Estufas do Real Jardim Botânico da Universidade de Coimbra, o grandioso projecto apresenta, pese embora a sua visível deterioração, as plantas, alçados e cortes das estufas, cuja interpretação nos é facilitada pela legenda à esquerda do conjunto.
Risco das Estufas do Real Jardim Botânico da Universidade de Coimbra. Sem autor. Sem data
Por outro lado, o facto de tanto o plano do jardim como o das estufas que se acham na dita biblioteca encontrarem um “correspondente” nos desenhos enviados em 1777 à soberana, leva-nos a considerar a hipótese de ter havido, da parte do reitor, a tentativa de retomar a configuração outrora reprovada pelo ministro de D. José. Se assim foi, o intuito de D. Francisco de Lemos não vingou uma vez mais, pois nem estas estufas foram construídas, nem o jardim obedeceu ao grandioso feitio. O remediado plano seguido parece ter sido, afinal, o resultado da adaptação das linhas italianas às possibilidades económicas, às sensibilidades dos que sobre este espaço se foram debruçando, aos condicionalismos do terreno e das ocasiões e às necessidades pedagógicas que reclamavam um ponto final a este moroso processo construtivo.
… O projecto para as estufas no jardim botânico, assinado por Manuel Alves Macomboa e datado de Abril de 1791, articula uma resposta a esta necessidade.
Projecto para as estufas no Jardim Botânico. Manuel Alves Macomboa. 1791
Desconhece-se se este traçado veio a ser executado. No entanto … parece-nos que tal proposta veio a ter, de forma parcial, seguimento.
Projecto para o jardim botânico. Sem data nem assinatura
…. Em 1801 ordenou a construção das escadas do segundo plano. O desenho a tinta da china e aguada castanha e cinzenta sobre papel, não datado nem assinado, que se encontra na biblioteca geral da Universidade de Coimbra, constitui, com probabilidade, o projecto, guisado no final do século XVIII e posto em prática no começo da centúria seguinte, para o levantamento das escadas que “se andem fazer para subir do 2.º o 3.º plano”
Brites, J.R.C. 2006. Jardim Botânico da Universidade de Coimbra: de Vandelli a Júlio Henriques (1772-1873), Coimbra, 2006 (Policopiado). [Trabalho escrito apresentado no seminário “Património e teorias do restauro”, integrado no Mestrado de História da Arte da Universidade de Coimbra e, depois de refundido, publicado pela autora, com o mesmo título, no Arquivo “Coimbrão. Boletim da Biblioteca Municipal”, Vol. XXXIX, Coimbra, 2006, p. 11-60]
Esta planta apresenta uma notória semelhança com o Risco do Jardim Botânico para a Universidade de Coimbra, não datado, da autoria de Júlio Mattiazzi, publicado juntamente com outros Riscos das obras da Universidade de Coimbra, em 1983, pelo Museu Nacional Machado de Castro.
Risco do Jardim Botânico para a Universidade de Coimbra, Júlio Mattiazzi. Sem data
Este projecto foi, com probabilidade, formulado a jusante do primeiro, pois denota em relação a ele alguma simplificação.
… Num ofício de 5 de Outubro de 1773, o estadista rejeita veementemente o “dilatado espaço”, talhado “pelas medidas da (…) Fantasia”, o qual “absorberia os meyos pecuniarios da Universidade antes de concluir-se”.
… Os trabalhos acabariam por se iniciar sob planos mais modestos, mantendo, todavia, um traço tipicamente italiano. A Universidade tomou conta do terreno a 16 de Janeiro de 1774 e sem demora as obras foram avançando. Principiou-se a construção da muralha de suporte do lado da cerca dos Beneditinos, bem como as obras de terraplanagem. Para ambas foram aproveitadas grandes quantidades de pedra e entulho, provenientes de demolições de parte do edifício dos Jesuítas e do castelo.
Em Novembro desse ano o horto botânico estava pronto para receber as primeiras plantas, vindas por mar … Da sua plantação era encarregado Júlio Mattiazzi, jardineiro do Real jardim botânico da Ajuda, o qual deveria regressar à corte após o cumprimento de tal diligência, ficando João Luís Rodrigues responsável por delas cuidar, tornando-se este, assim, o primeiro jardineiro do novo jardim.
… Resta-nos a certeza de que, pouco depois da vinda do referido jardineiro, se realizaram alterações ao nível da área e nivelamento do jardim. De facto, entendendo-se necessário aumentar o terreno destinado às culturas, o Reitor estendeu, através da compra de um olival, a área do jardim até à estrada pública e pediu autorização ao Governo para adquirir mais terreno, com vista a conferir ao Horto uma forma mais regular. Concedida a licença a 7 de Dezembro de 1774, a compra foi ajustada com os frades marianos, apesar de só muito mais tarde ter sido realizada.
Em 1776 construiu-se uma pequena estufa, no valor de 82$265 réis, para se poder realizar a cultura de algumas plantas mais delicadas. A partir de 1777, com o falecimento do rei D. José I e a consequente morte política do Marquês, o abrandamento do ritmo das obras universitárias não deixou de se reflectir também na construção deste estabelecimento, apesar dos esforços movidos por D. Francisco de Lemos para cativar a atenção da nova rainha, D. Maria I.
Brites, J.R.C. 2006. Jardim Botânico da Universidade de Coimbra: de Vandelli a Júlio Henriques (1772-1873), Coimbra, 2006 (Policopiado). [Trabalho escrito apresentado no seminário “Património e teorias do restauro”, integrado no Mestrado de História da Arte da Universidade de Coimbra e, depois de refundido, publicado pela autora, com o mesmo título, no Arquivo “Coimbrão. Boletim da Biblioteca Municipal”, Vol. XXXIX, Coimbra, 2006, p. 11-60].
O jardim botânico de Coimbra nasce com a reforma pombalina da Universidade, constituindo um dos mais fiéis reflexos do espírito e objectivos que a impulsionaram.
… É certo que o projecto de criação de uma tal valência na cidade não era novo pois, durante o longo reitorado de Francisco Carneiro de Figueiroa, Jacob de Castro Sarmento enviara àquele reitor, um plano, idealizado pelo arquitecto E. Oakley, com data de 1731, para a realização de um jardim botânico.
Planta para um Horto Botânico delineada pelo arquitecto E. Oakley
A gravura apresenta quatro canteiros quadrangulares, cortados por oito ruas convergentes para uma fonte central de repuxo. Num dos topos, figura a planta e o alçado neoclássico da fachada principal da biblioteca de botânica.
… Não passaria, contudo, do papel, sendo necessário aguardar pelo pragmatismo férreo da «nova fundação» para que a formulação concreta de um horto botânico no espaço da Universidade visse a luz do dia.
… Os novos Estatutos foram publicados em 1772 …. Previa-se ainda a construção de diversos equipamentos … e o jardim botânico (agregados à faculdade de Filosofia).
… A 3 de Fevereiro de 1773, o reitor-reformador tranquilizava o ministro, noticiando-o de que “já se acham n’esta cidade os Doutores Ciera, Vandelli e Dalabella, e com elles e Franzini irei ámanhã ver o sítio que V.ª Ex.ª designou para n’elle estabelecer-se o Jardim Botanico.”.
… Finalmente, uma solução reuniu consenso: “a parte da mesma cêrca [dos monges beneditinos] que confronta de uma parte os Arcos da cidade, da outra com a estrada que vae para S. José dos Mariannos, e da outra com huma vinha dos ditos P.es Mariannos”.
Planta do terreno destinado para o Jardim Botânico, 1773(?)
... No espaço de meses, os professores italianos enviam para Lisboa uma sumptuosa planta para o jardim botânico da Universidade de Coimbra.
Planta para o Jardim Botânico da Universidade de Coimbra. 1773 (?)
Trata-se, presumivelmente, do desenho a tinta de china e aguada sobre papel que se encontra na biblioteca do departamento de botânica, sem data ou assinatura devido à falha que apresenta na sua parte central superior, onde se leriam essas informações, bem como as legendas do plano.
Brites, J.R.C. 2006. Jardim Botânico da Universidade de Coimbra: de Vandelli a Júlio Henriques (1772-1873), Coimbra, 2006 (Policopiado). [Trabalho escrito apresentado no seminário “Património e teorias do restauro”, integrado no Mestrado de História da Arte da Universidade de Coimbra e, depois de refundido, publicado pela autora, com o mesmo título, no Arquivo “Coimbrão. Boletim da Biblioteca Municipal”, Vol. XXXIX, Coimbra, 2006, p. 11-60].
Depois de um muro antigo, entra-se, por um portão do século XIX, na Quinta das Lágrimas, avança-se uma estrada sobrelevada que domina, de cada lado, os campos verdes que outrora foram de milho e hoje são relvados de golfe.
Quinta das Lágrimas, arco neogótico junto da Fonte dos Amores
Ao entrar neste lugar, do portão até ao sopé da encosta, donde saem, silenciosas, as águas da Fonte dos Amores, sente-se uma indefinível paz ligada ao desaparecimento do tempo; como num sonho, vamos pisando os lugares onde estiveram personagens, cuja história tantas vezes ouvimos e lemos. Inês e Pedro são os mais imediatos, mas, antes deles, também a rainha Santa Isabel ali terá estado. Terá sido com D. Dinis? Luís de Camões deu o nome à fonte e da nascente imaginou as Lágrimas em «Os Lusíadas», seguramente junto a ela se sentou a ver passar a água limpa sobre os musgos vermelhos que a lenda dizia ser do sangue de Inês.
A quinta era formada por uma encosta abrupta, que ladeava 20 hectares de terra fértil enriquecida pelas cheias do Mondego. A geologia calcária da encosta garantiu-lhe uma situação única: a abundância de nascentes no sopé da encosta que brotam em três pontos diferentes: duas nascentes concorrem para a Fonte dos Amores e uma sai da rocha nua formando a Fonte das Lágrimas.
... Com tantos atributos não é de admirar que o lugar fosse usado desde muito cedo... são os monges, neste caso os do Mosteiro de Santa Cruz, os conhecedores das melhores qualidades da paisagem, que a exploram e transformam na Quinta do Pombal. A mesma a que a Rainha Santa faz referência quando, por escritura datada de Junho de 1326, obtém para o Convento de Santa Clara o direito de condução da água das duas nascentes que brotavam na «costeira acima do pombal».
Quinta das Lágrimas, cano dos amores
Inicia-se, então, uma obra régia que conduz as águas através de um cano, que é, de facto, um aqueduto com cerca de 500 metros de longo, e ao qual se dará o nome, em documentos do século XIV, de “Cano dos Amores.
... Para além da Fonte dos Amores, é feita referência, na escritura de 1326, a «outras fontes que son mais chegadas contra o meio dia e chegadas à dita costa, as quaes ficão ao dito Mosteiro de Sta. Cruz».
... De uma outra intervenção há notícia na quinta das Lágrimas... a 27 de Maio de 1690... as freiras de Santa Clara ´, dando-lhe estas licenças para vedar inteiramente a sua Quinta do Pombal, mas ressalvando e acautelando o direito de propriedade, que as ditas freiras tinham sobre «hum cano de agua que vinha para a sua serqua».
... por volta de 1600... se refere a construção dos muros, reservatórios e canais formando um sistema hidráulico notável que servia um grande lagar de azeite e todo o sistema de rega por gravidade. Muitos melhoramentos foram feitos e toda a quinta foi cercada por muros e uma casa nobre foi construída com capela, lagar de pedra para o azeite».
... No século XIX, o romantismo latente em toda a quinta tomou forma nos lagos, nas lápides, nas ruínas neogóticas que se construíram para celebrar, do período medieval, o sublime encanto de todo o drama de Pedro e Inês.
Castel-Branco. C. Os jardins de Coimbra. Um colar verde dentro da cidade. In: Monumentos. Revista Semestral de Edifícios e Monumentos. N.º 25, Setembro de 2006. Lisboa, Direção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, pg. 182-184
A este espaço verde afluem, de todo o país e durante o ano, cerca de quatrocentos mil visitantes. Sendo um parque lúdico destinado à criança, atrai a si escolas e famílias, conferindo-lhe um sucesso que realiza em pleno a ideia fundadora do médico Bissaya Barreto. Reproduzir as arquiteturas de cada região, na sua forma popular, e as grandes obras de cada cidade a uma escala reduzida foi um conceito inovador e pode considerar-se o primeiro parque temático pensado para as crianças.
... O Portugal dos Pequenitos é constituído por uma rede de caminhos e pracetas, ladeados por réplicas em miniatura da arquitetura nacional, onde as crianças entram e brincam. Só um elemento destoa neste conjunto formado pelas crianças e pelas casinhas – as árvores cresceram ao seu porte final e são gigantes verdes neste universo liliputiano.
Portugal dos Pequenitos
O projeto de Cassiano Branco teve a sua primeira fase de construção entre 1938-1940, reproduzindo com rigor notável a arquitetura popular.
Numa segunda fase foram construídos os monumentos mais emblemáticos do país (a Torre dos Clérigos, a janela do Convento de Cristo em Tomar, o Arco da Rua Augusta ou a Universidade de Coimbra) e as imagens daí resultantes criam alguma confusão geográfica, como se o país se tivesse concentrado e encolhido, pois o Arco da Rua Augusta está a eixo com o Castelo de Guimarães.
A terceira fase, correspondendo ao final dos anos de 1950, apresenta a arquitetura tradicional das regiões que correspondem às antigas colónias: Macau, Timor, Angola, Moçambique e as atuais regiões autónomas da Madeira e Açores, revelando uma vontade política de afirmação e propaganda dos valores nacionais defendidos pelo Estado Novo.
Neste ambiente de miniaturas, em que nos adultos parecem estar a mais, foram ainda criados museus a uma escala de casa de bonecas: o Museu do traje, o da Marinha e do Mobiliário. Mas o ponto importante deste parque, mantido com um excelente nível, é a afluência que traz a Coimbra, confirmando uma importante obra do século XX.
Castel-Branco. C. Os jardins de Coimbra. Um colar verde dentro da cidade. In: Monumentos. Revista Semestral de Edifícios e Monumentos. N.º 25, Setembro de 2006. Lisboa, Direção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, pg. 180-181
Folheando, tempos atrás, dois catálogos impressos aquando da realização de exposições de fotografias antigas de Coimbra, pertencentes à coleção de Alexandre Ramires, escolhi, de entre muitas que ali observei, três que me pareceu interessante divulgar.
A primeira diz respeito à Sé Velha e foi retirada de Revelar Coimbra. Os inícios da imagem fotográfica em Coimbra. 1842-1900, Lisboa, Instituto Português de Museus, 2001, imagem 48.
Sé Velha antes do restauro
A vetusta catedral conimbricense encontrava-se em franca deterioração e António Augusto Gonçalves, a alma, o mestre, o mentor da Escola Livre das Artes do Desenho tudo fez para que uma intervenção de fundo, capaz de preservar as velhas pedras de séculos, se viesse a concretizar.
As obras iniciaram-se a 30 de janeiro de 1893 e o portal principal foi intervencionado, já em 1898, por José Barata, que se encarregou de esculpir as colunas e por João Machado que tomou sob a sua responsabilidade o trabalho das almofadas. Eram dois artistas formados pela referida Escola e que integravam aquela “plêiade de rapazes que começavam a fazer lembrar a idade áurea da Coimbra artística do século XVI”.
A imagem leva-nos ainda a reparar na atual falta de harmonia existente no edifício, resultado do desaparecimento do terraço. Gonçalves reduziu a área desta plataforma e os Monumentos Nacionais, na reforma levada a cabo em meados da centúria de XX, sumiram-na. Filosofias de restauro mais do que discutíveis que não cabe aqui analisar.
Uma chamada de atenção para a torre sineira, um acréscimo à construção primitiva, que albergava o chamado sino balão, levado para a Sé Nova e a existência de dois janelões laterais também abertos nas grossas paredes dos inícios. No interior da Sé acolhiam-se indivíduos fugidos à justiça régia, os homiziados, pois ali, tal como na zona das lajes, isto é no terraço que circundava o templo, existia o chamado “direito de asilo”.
A segunda imagem refere-se à Praça de Sansão, atual Praça 8 de maio e foi retirada de Passado ao espelho. Máquinas e imagens das vésperas e primórdios da photographia, Coimbra, Museu de Física da Universidade de Coimbra, Coimbra, 2006, p. 60.
Praça de Sansão mercado
A Praça de S. Bartolomeu, Praça Velha ou Praça do Comércio era um dos locais onde, em Coimbra, se realizavam as trocas e a venda de produtos. A partir do momento em que este espaço se tornou exíguo para responder às necessidades da população aeminiense, a comercialização, sobretudo de aves e de grãos, transferiu-se, num primeiro momento, para a Praça de Sansão, atual 8 de maio. Posteriormente este “mercadinho” deslocou-se para a zona fronteira à esquadra da PSP e, e depois de 1867, instalou-se definitivamente mercado D. Pedro V.
À direita, a igreja de S. João, paroquial da freguesia de Santa Cruz (atual café), já se encontrava desativada, fora desamortizada e ali funcionava, ao tempo, um Armazem de Tecidos.
A fotografia é anterior a 1876, porque nesse ano se iniciou a construção do edifício da Câmara Municipal de Coimbra que aniquilou a parte esquerda do mosteiro, ainda intacta na imagem.
A terceira imagem que nos chamou a atenção é uma “Panorâmica de Coimbra” e encontra-se no catálogo Revelar Coimbra…, imagem 14.
Vista geral, 1860 c.
A foto, da autoria de Alfred Fillon, foi tirada c. de 1860. Numa rápida amostragem diremos que nela se pode ver, à direita, a ponte de pedra sobre o rio Mondego, o Largo da Portagem, a zona da Universidade com o Observatório Astronómico, riscado por Manuel Alves Macomboa, erguido na extremidade do Pátio e o complexo que pertencera outrora aos Jesuítas; mais para a esquerda fica a Torre de Anto, o Colégio da Sapiência e a Torre dos Sinos do mosteiro de Santa Cruz.
Visível ainda na imagem a Rua da Sofia com alguns dos seus muitos colégios e, mais em cima, uma estranha estrutura que deve ser constituída por muros da cerca de alguns colégios e suportes murados a formar socalcos que suportavam um frondoso olival outrora ali existente.
Colégio de Nossa Senhora da Graça, de Eremitas Calçados de Santo Agostinho, mais conhecidos por gracianos. Fundado e dotado por D. João III, em 1543, já a igreja se encontrava pronta de arquitetura em 1555. Os frades gracianos foram os introdutores em Portugal do culto e das procissões dos Senhor dos Passos. Também em Coimbra se realizou esta procissão durante séculos, percorrendo as ruas da Baixa. Dela resta o passo da Verónica junto à igreja de S. Bartolomeu. Após a extinção das ordens religiosas foi a igreja entregue à Irmandade do Senhor dos Passos e a parte colegial ao Exército.
Na fachada da igreja sobressai o portal de linhas clássicas, encimado por um nicho com a escultura de Nossa Senhora do Pópulo, feita por Diogo Jacques, em 1543. O espaço interior ordena-se numa única nave abobadada e capelas nos flancos que comunicam entre si. Nestas se encontram interessantes retábulos da época rococó, mas é o retábulo-mor que imediatamente se impõe, preenchendo por completo a cabeceira da igreja.
Igreja da Graça, retábulo-mor
Assenta num soco de cantaria, onde se podem ver alguns símbolos marianos, acompanhados de inscrições. Apresenta uma estrutura predominantemente arquitetónica com colunas emparelhadas que se sucedem em três andares, numa conceção ainda inteiramente maneirista. Porém a escultura começa a adquirir aqui o protagonismo que irá ter mais tarde na época barroca, no terço inferior das colunas, no remate retabular e na predela, onde figuram religiosos e religiosas da ordem.
Imagem de Nossa Senhora da Graça
Também no primeiro andar se abrigam em nichos esculturas de Nossa Senhora da Graça e de Santo Agostinho vestido de eremita, de boa proporção e execução. No centro deste primeiro corpo do retábulo vê-se ainda uma tela do século XIX, representando o encontro de Cristo com a Virgem no caminho do calvário. Oculta ou ocultou o trono eucarístico, ainda sem a monumentalidade que viria a adquirir em tempos posteriores. Toda esta alentada obra de talha e marcenaria deve datar dos anos imediatamente anteriores a 1644. O seu executor deverá ter sido o marceneiro francês Samuel Tibau.
O segundo e terceiro corpo do retábulo servem de moldura a seis telas com a data de 1644, executas por Baltazar Gomes Figueira, constituindo o núcleo mais importante da sua obra conhecida e podem ser consideradas uma obra-prima. Baltazar Gomes Figueira fez a sua aprendizagem essencial em Sevilha, onde absorveu a linguagem naturalista que se observa nestas suas telas. Ao tempo deveriam ter sido novidade e motivo de admiração numa cidade ainda presa ao formalismo maneirista. Transmitiu também o gosto pela pintura a sua filha Josefa de Óbidos que, em fama, acabaria por ultrapassar o pai.
No segundo corpo do retábulo podemos admirar a “Imaculada Conceição”, o tema central da “Anunciação” e o “Nascimento da Virgem”; no terceiro, a “Visitação”, a “Coroação” e o “Repouso na fuga para o Egipto”. São cenas encantadoras, de desenho seguro e tonalidades diversificadas, infelizmente escurecidas pelo tempo. Os gracianos quiseram aqui prestar culto e homenagem à sua padroeira e conseguiram-no de uma forma superior.
O retábulo da Graça é o mais mariano e um dos mais monumentais de Coimbra e deve continuar a suscitar admiração e veneração.
Borges, N.C. 2017. O retábulo-mor da igreja da Graça, em Coimbra. In Correio de Coimbra, n.º 4672, 14.12.2017.
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