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A' Cerca de Coimbra



Terça-feira, 25.07.17

Coimbra: a Inquisição e as suas instalações

O sanguinolento e ominoso tribunal teve seu começo em Coimbra em 1541 ... principiaram a exercer as suas funções de roubo e infâmia no dia 15 de Outubro do apontado ano. Em 1572 começaram a ocupar os colégios de Todos os Santos e de S. Miguel, na rua da Sofia, onde persistiu aquela mansão tenebrosa durante duzentos e oitenta anos, pois foi abolida por decreto de 31 de Março de 1821.

Colégio das Artes. Inquisição. Mateus do Couto.

 Planta das instalações da Inquisição

A trinta e um de Maio deste último ano, foram abertas as portas do edifício, e toda agente pode invadi-lo e penetrar nesses calabouços horrivelmente infectos, onde faziam apodrecer os desgraçados, quando não eram conduzidos através dos negros corredores à sala da tortura, para aí serem deslocados os membros na «polé» ou por outro semelhante meio, para lhes rasgarem as carnes com dentes de ferro, para lhes quebrar os ossos das pernas a maço e cunha, para lhes queimar os pés a fogo lento, ou para os conduzir à praça pública, para servirem de espetáculo à multidão embrutecida, ardendo como pinhas inflamadas, à maneira dos cristãos que serviam de fachos para iluminar os banquetes e os jardins do execrável filho da segunda Agripina.

"No quintal do prédio ... situado entre e a Rua da Sofia e o Pátio da Inquisição, ainda hoje existem, do lado norte e parte do nascente ... dois corredores (do antigo edifício), com as arcadas.

A primeira ordem, ou andar de carceres estava ao nível do quintal ... O segundo andar dos carceres foi transformado em dois espaçosos celeiros, ambos com entrada pelo Pátio da Inquisição. Em seguida à casa dos «tratos» havia um outro carcere, mais baixo, para o qual se descia por uma escada. Era de todos o mais escuro e apertado, sem luz, nem ventilação alguma. Passava-lhe por baixo um cano de água, que o conservava em continua humidade. Chamavam-lhe o carcere do «Inferno» ... Os carceres do andar superior eram chamados da «Judia». Segundo as informações dos que em 1826 arremataram o prédio da inquisição havia ali para cima de 100 carceres, distribuídos em dois pavimentos.

Inquisição argola do polé.JPGSala dos tratos e argola da polé

A já referida casa dos «tratos» estava colocada no fim de um corredor, tendo 4,44 m de largo, por 4,11 m de fundo. Era de abobada, com cimalha, rosetas e florões pintados, num mesmo gosto dos carceres: isto é, a preto e branco. Nos florões do teto dos carceres achavam-se disfarçadas algumas espreitadeiras, por onde os presos eram vigiados. Contigua à casa dos «tratos», e dividida apenas por um arco de volta redonda, estava outra casa mais pequena, com uma janela gradeada, onde se colocava a mesa dos inquiridores e notário, que assistiam á tortura. No teto desta última casa achavam-se pintadas as conhecidas armas da inquisição.“ (O Conimbricense, n.º 3.967, de 29 de Agosto de 1885).

... O edifício da inquisição da cidade de Coimbra tinha três entradas: pelo Pátio da Inquisição em Montarroio; pelo pátio de S. Miguel que abria sobre a praça de Sansão; e pela porta da Bica, na rua da Sofia.

O Pátio de S: Miguel tinha duas frentes, uma para o largo de Sansão e outra para Rua da Sofia ... Foram neste recinto celebrados alguns autos de fé, e lá se fizeram também muitas publicações das sentenças menos solenes do maldito Ofício.

Figueiredo, A. C. B. 1996. Coimbra Antiga e Moderna. Edição Fac-similada. Coimbra, Livraria Almedina, pg. 28-33

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por Rodrigues Costa às 10:58

Quinta-feira, 20.07.17

Coimbra: Mosteiro de Santa Clara-a-Velha, vicissitudes 2

Depois de abandonarem o primitivo mosteiro, as religiosas procuraram a sua rentabilização, através do arrendamento a particulares que transformaram o espaço monástico em exploração agrícola.

... Na sequência da desamortização dos bens das ordens religiosas, o Estado liberal vendeu o velho mosteiro e a cerca em 1853.

... às vésperas da implantação da República, em 1910, o edifício foi decretado Monumento Nacional e, em 1925, era arrendado pelo Estado Português.

 ... Dentro da ideologia do restauro vigente, e na tentativa de recuperar e dignificar este espaço, foram destruídas as adulterações decorrentes do aproveitamento do local como quinta agrícola... O monumento passou, então, a estar aberto aos visitantes.

... Readquirido pelo Estado Português, em 1976, o antigo mosteiro manteve-se sem alterações até 1989, altura em que foi lançado... o “Concurso de ideias para a valorização e recuperação da igreja de Santa Clara-a-Velha” ... O início da execução do projeto determinou a realização de um acompanhamento arqueológico

 ... Em finais de 1995, detetaram-se as estruturas arquitetónicas do claustro (com o aparecimento de colunelos e de capiteis «in situ») que pela sua dimensão e importância, determinaram a ampliação da intervenção arqueológica... implicaram o abandono do projeto aprovado em 1989.

O processo de escavação, que decorreu até ao ano de 2000, foi feito em moldes invulgares. Em 1995, procurou-se retirar os sedimentos através de um sistema «air-lift», com recurso a um mergulhador. Este processo foi rejeitado... O sistema adotado em seguida foi o da colocação de duas bombas de submersão, em catorze furos de captação. Obteve-se, assim, o rebaixamento do nível freático... Foram, então, postas a descoberto estruturas arquitetónicas até aí enterradas e submersas.

mosteiro_santa_clara12.jpg Ruinas e centro interpretativo

 ...em finais de 1998, o Ministério da Cultura assumiu publicamente a decisão de manter a estruturas do mosteiro a seco. A solução técnica ... foi a construção de uma cortina de contenção periférica em profundidade ... Não obstante, continua a ser necessário o funcionamento permanente de um número reduzido de bombas, que vão retirando a água que se infiltra subterraneamente.

Foi assim, lançado novo concurso com vista à elaboração do projeto de valorização do mosteiro e terrenos envolventes. Para além do restauro das ruínas, da dotação do monumento e do espaço envolvente com circuitos de visita, o projeto prevê ainda a construção de um novo edifício, destinado à guarda e à musealização dos acervos encontrados durante a escavação.

Côrte-Real, A. (coordenação). 2009. Mosteiro de Santa Clara de Coimbra. Do convento à ruína, da ruína à contemporaneidade. 2.ª edição. Coimbra, Direção Regional de Cultura do Centro, pg. 68-70, 75-79

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por Rodrigues Costa às 10:46

Terça-feira, 18.07.17

Coimbra: Mosteiro de Santa Clara-a-Velha, vicissitudes 1

A fundação do primeiro mosteiro de Santa Clara, em Coimbra, foi obra de uma dama da nobreza, D. Mor Dias ... a escolha do local ... na margem esquerda do Mondego, estaria provavelmente relacionada com a proximidade do mosteiro franciscano que lhe deveria assegurar a assistência eclesiástica. Próximo ficava também o Mosteiro de Santa Ana ou das Celas da Ponte ... Obteve autorização para a fundação a 13 de Abril de 1283.

 ...a 2 de Dezembro de 1311 ...ocorre a extinção do mosteiro de Santa Clara.

... o interesse da Rainha D. Isabel no projeto de D. Mor subsistiu, tendo solicitado ao Papa a devida autorização para fundar uma casa de Ordem de Santa Clara, em Coimbra.
... Entre 1314 e 1318, o mosteiro iniciou um novo capítulo da sua história, graças à refundação conseguida pela Rainha.

220px-Mosteiro_de_Santa_Clara-a-Velha.jpgMosteiro de Santa Clara-a-Velha, planta

  ... A sagração da nova igreja do mosteiro ... realizou-se a 8 de Junho de 1330 ... No ano seguinte, a 18 de Fevereiro, uma grande cheia do Mondego, inundava o templo e submergia o túmulo, que já ali se encontrava. Por este motivo, D. Isabel mandou construir um piso sobrelevado que se estendia transversalmente, entre a igreja e o coro ... Ao centro, do lado da igreja, mandou colocar a sua arca tumular.

... No século XVI, o complexo monástico foi objeto de algumas intervenções de caracter estético que adequaram o espaço ao gosto da época. Na igreja, as paredes, e abside e os absidíolos foram revestidos com azulejos hispano-árabes.

... o nível dos pisos foi sendo alteado na igreja, no coro, no claustro e no refeitório, fazendo assim face à invasão das águas. O espaço do cadeiral, na nave central do coro, sofreu uma subida de sete degraus, utilizando-se esse aterro para o sepultamento das religiosas.

... Em princípios do século XVII, houve necessidade de tomar outras medidas ... Dentro da igreja, foi construído a meia altura um piso que se prolongou em toda a sua extensão o plano do coreto e da capela sepulcral da rainha ... No claustro procedeu-se, igualmente, à mudança das capelas que estavam na planta térrea, agora abandonada, e colocadas no novo terraço construído sobre os arcos e as abóbadas do claustro ... Outros espaços, como a sala do capítulo, foram também dotados de um piso superior.

... Em 12 de Dezembro de 1647, o rei emite um alvará, no qual manda “que se mude e tresllade o dito côvento” para o vizinho monte, chamado da Esperança.

Santa Clara a velha com cheia.jpg

 ... A transferência das Clarissas ficou concluída em Outubro de 1677, com a trasladação do corpo da Rainha Santa, em procissão solene, embora desde, pelo menos, 1672, a comunidade já se encontrasse as habitar o novo mosteiro ... A partir daqui Santa Clara (a-Velha) entrou em definitiva agonia ... “assim se vão desfazendo os maiores edifícios que pareciam eternos, representando todos, para nosso desengano, a semelhança da morte, que em nós não tem falência”.

Côrte-Real, A. (coordenação). 2009. Mosteiro de Santa Clara de Coimbra. Do convento à ruína, da ruína à contemporaneidade. 2.ª edição. Coimbra, Direção Regional de Cultura do Centro, pg. 19-25 , 63-66

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por Rodrigues Costa às 10:52

Sexta-feira, 14.07.17

Coimbra: a evolução da Cidade 2

 

Debalde aquele Rei (D. Afonso III) procurou acudir com remédio poderoso a esta despovoação da «cerca» de Coimbra, concedendo grandes privilégios e isenções, por carta de 10 de Fevereiro da era de 1307 (an.1269) aos moradores de almedina. Consistiam tais privilégios em não serem obrigados a executar serviços, nem a servir na guerra, ainda que vencendo soldo, a não ser que o Rei fosse em pessoa; ficarem dispensados de quaisquer tributos, inclusive da «anúduva», isto é, da contribuição de serviço braçal, ou pecuniária, para a construção e reparação dos castelos, torres, muros, cavas, fossos e outras semelhantes obras de defesa; serem garantidos de que jamais se lhes tomariam, contra vontade, as suas palhas, lenhas, camas, roupas, porcos, galinhas e mais haveres; se houvesse necessidade de se aproveitarem as suas camas, ser-lhes pago o respetivo aluguer, cuja taxa ficou expressamente estabelecida; não terem obrigação de dar hospedagem a ninguém, a não ser de sua livre vontade, e no caso de haver necessidade de nos seus prédios se recolherem cavalos ou jumentos, receberiam por cada um certa e determinada taxa diária.

ph_afonso3.jpg

Afonso III

 Era de prever que viessem a surgir conflitos, por causa destes privilégios, entre os moradores da Almedina, isentos de todos esses serviços e contribuições, e os seus vizinhos, habitantes do bairro baixo ou arrabalde, que estavam sujeitos a todos os encargos; por isso D. Afonso III cominou logo na referida carta que, se alguém atentasse contra estes privilégios, ou contra algum deles, pagaria o dano em dobro ao ofendido, e à coroa 6.000 soldos, ficando por inimigo do Rei, e sujeito a penas corporais e pecuniárias. Mas, para gozar tais benefícios, era condição impreterível a residências permanente em almedina de Coimbra; e tão rigorosa era esta clausula que, se algum morador tivesse uma casa dentro da muralha e outra fora, havia de habitar na da cerca, aliás perdia os privilégios, e no caso de alguém ter necessidade de sair, embora por breves dias, e ainda mesmo que fosse apenas para fazer a recolhença dos seus cereais, ou para vender os seus géneros, era obrigado a não fechar a casa, deixando nela sua mulher e filhos, e se os não tivesse, pelo menos os seus criados ou alguma outra pessoa.

Pois, apesar destas vantagens e destes estímulos oferecidos por D. Afonso III, o abandono de almedina de Coimbra continuou a fazer-se sentir, como atestam vários documentos dos anos seguintes. Em tempo de D. Dinis havia «intramuros», especialmente na parte mais alta, muitos «pardieiros» a desabar em abandono, muitas casas «derribadas», assim como outras «de aluguer», para as quais parece que não abundavam inquilinos.

Vasconcelos, A. 1987. Escritos Vários Relativos à Universidade de Coimbra. Reedição preparada por Manuel Augusto Rodrigues. Volume I e II. Coimbra, Arquivo da Universidade de Coimbra, pg. 83-88, do Vol. I

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por Rodrigues Costa às 08:17

Terça-feira, 11.07.17

Coimbra: a evolução da Cidade 1

Edificada numa colina, e cingida pelo forte círculo de altas e espessas muralhas, tendo lá ao cimo a alcáçova real, o castelo onde residia o Alcaide, e o paço do Bispo, a formarem como que os vértices de um triângulo aproximadamente equilátero, a cidade estendia-se pela encosta ocidental do monte quase até ao sopé.

Alta antes das demolições vista aérea.jpg

A alta antes das demolições do séc. XX

Desde o século XII que a população, extravasando-se pela porta ocidental e principal da cidade, situada onde ainda hoje perdura a denominação de «arco de Almedina», fora construir novas habitações pelo arrabalde, umas pertencentes a comunidades religiosas, outras a pessoas leigas. Assim se edificaram grupos de casaria, como que acostados aos templos que aqui se viam erguidos: os de S. Bartolomeu, S. Tiago e Santa Cruz, formando na planície uma linha quase paralela à muralha, e pouco distantes desta; o de Santa Justa (no que é hoje o Terreiro da Erva) um pouco mais afastado para NO, à beira do caminho que conduzia ao campo do Arnado; finalmente o de S. Domingos, fronteira a Santa Justa, junto ao rio, um pouco abaixo do local onde hoje se encontra a estação do caminho-de-ferro (as ruínas estão sob o Hotel Almedina).

Planta da Cidade 1845 2.jpgPlanta da cidade 1845

Próximo das igrejas de S. Bartolomeu e de S. Tiago, é que o casario mais se apinhava, constituindo um bairro bastante populoso.

Como havia a ponte a ligar entre si as duas margens do rio, já as edificações se tinham estendido para a orla esquerda do Mondego, onde se viam, junto deste, a jusante da ponte o convento de S. Francisco (o primitivo, não o atual); a montante o de Santa Ana (cujas ruínas ainda são visíveis na gravura de Baldi), e um pouco mais afastado o grupo de construções incompletas, modestas e acanhadas, do projetado mosteiro clarista de Santa Isabel de Hungria, começado a edificar por D. Mór Diaz, e que fiaria incompleto (posteriormente incorporado no Conventos de Santa Clara-a-Velha).

Coimbra 38 Vista áerea.jpgVista área da Cidade nos inícios do século XX

Ora essa parte baixa ou suburbana, o arrabalde, que se estendia a Oeste e Noroeste de «almedina de Coimbra», tornara-se o bairro mais apreciado e estimado das famílias coimbrãs; para aqui vinham residir aqueles mesmos que possuíam casas velhas, mais ou menos mesquinhas, no bairro alto, e que ficavam em regra abandonadas, por não aparecer quem as alugasse.

Outro facto concorreu para o grande decrescimento da população da «cerca de almedina», ou bairro compreendido dentro das muralhas. Durante os quatro primeiros reinados fora em Coimbra a residência mais aturada dos monarcas, nos paços da alcáçova, que formavam a coroa da cidade; por isso era então lá o bairro nobre, onde preferiram viver com suas famílias os grandes, os fidalgos, os funcionários palatinos. Quando, em tempo de D. Afonso III, Coimbra deixou de ser a sede habitual da corte, a população cortesão abandonou esta cidade, e devem ter-se fechado por isso muitas das casas da almedina.

 

 Vasconcelos, A. 1987. Escritos Vários Relativos à Universidade de Coimbra. Reedição preparada por Manuel Augusto Rodrigues. Volume I e II. Coimbra, Arquivo da Universidade de Coimbra, pg. 82-83, do Vol. I

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por Rodrigues Costa às 09:26

Sexta-feira, 07.07.17

Coimbra: a Família dos Rabaldes

Iniciado o seu percurso e afirmação com o conde D. Henrique, a família dos Rabaldes apaga-se um pouco durante o governo de D. Teresa e de Fernão Peres de Trava (1121-1128).

O apoio a Afonso Henriques na luta contra sua mãe e o subsequente protagonismo de Coimbra, refletido no papel diretivo que a cidade desempenha na Reconquista desde a década de 1130, faz a família recuperar poder e prestígio. Filhos e netos de Rabaldo frequentam a alcáçova régia e acompanham Afonso Henriques nas guerras ofensiva e defensiva, de Santarém e Lisboa ao Alentejo. Alguns perdem aí a vida. E com a perda da varonia rapidamente a linhagem desaparece.

A guerra, as funções militares na fronteira e a colaboração no repovoamento propiciam-lhes riqueza e a constituição de um pujante património.

Outros almejam e logram mobilidade social e poder na carreira eclesiástica, no bispado do Porto, sob a sombra protetora do arcebispo de Braga, D. João Peculiar, seu parente.

As filhas de Rabaldo fazem bons casamentos, com cavaleiros do mesmo nível ou de superior posição social, proporcionando, assim, uma maior segurança à família. As boas posições desses esposos no xadrez político-militar ocasionam substanciais doações por parte do rei ....

E muitas são as compras e escambos que ... fazem, com seus maridos.

Por presúria, compras e doações se constrói o património da linhagem; por múltiplas partilhas sucessórias, o mesmo se desagrega; enfim, por doações e vendas, no mosteiro de Santa Cruz de novo se reunifica.

Rabaldo vende terras de Enxofães.jpg

Rabaldes, filho de Rabaldo vende uma propriedade a Santa Cruz de Coimbra

A guerra de fronteira que o ajudara a construir obriga, por vezes, à sua alienação.

A mesma guerra, matando também os genros de Rabaldo, propicia os recasamentos das suas filhas, cujo elevado grau de fertilidade gera uma fortíssima subdivisão do património e a sua progressiva desvalorização.

À semelhança de outras famílias de Coimbra, da mesma posição na mesma época, assinala-se a presença, nas várias gerações da linhagem, de importantes cavaleiros do exército régio, com funções militares ou administrativas (vigários, mordomos, juizes), e, simultaneamente, de outros com cargos eclesiásticos, nomeadamente bispos...

Na Corte e na Igreja se construíram, pois, alguns percursos familiares que a documentação régia ou a eclesiástica nos foi revelando e permitiu reconstituir. Porque na Corte ou na Igreja exerceram cargos. Porque na Corte receberam bens e mercês, e na Corte combinaram casamentos. Porque à Igreja doaram ou venderam bens, e pela Igreja foram rememorados.

Ventura, L. 2003. O Elemento Franco na Coimbra do Século XII: a Familia dos Rabaldes. In Revista Portuguesa de História t. XXXVI (2002-2003), pp. 89-114 (vol. 1), pg. 108-109

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por Rodrigues Costa às 09:58

Quarta-feira, 05.07.17

Coimbra e as suas personalidades: Rabaldo

É desconhecida a exata origem e proveniência de Rabaldo, importante cavaleiro de Coimbra e iniciador da família dos Rabaldes. A acreditar na sua origem franca, terá vindo para a Península com D. Raimundo ou, mais provavelmente, com D. Henrique. Era esse um tempo de renovação do conjunto demográfico de Coimbra, com particular incidência do elemento franco. Integrando-se no séquito ou na comitiva de fideles do conde, Rabaldo é ... um dos primeiros a chegar ao território de Coimbra e um dos seus mais estreitos colaboradores

... Rabaldo aparece igualmente destacado pelas suas funções político-militares. Terá, com certeza, substituído alguns quadros deixados vagos pelo afastamento de moçárabes, caso de Martim Moniz, genro de D. Sesnando, de João Gondesendes e outros, sobretudo na zona mais litoral. Através da fidelitas, prestou ajuda militar e assumiu vicarialmente funções de governo com responsabilidades político-militares, fiscais e judiciais. Promovido social e politicamente, ao ser integrado na cúria vassálica de D. Henrique e D. Teresa, está, desde 1102, presente na documentação condal e como vicarius do conde, em Coimbra, em 1109.

D. Henrique.jpg

Henrique, conde portucalense

Nessas mesmas funções, ter-se-á mantido com D. Teresa, a ajuizar por documento desta, de 1113, em que testemunha em primeiro lugar. O facto de exercer funções militares na fronteira e de ser detentor de autoridade faz com que o seu nome seja utilizado como elemento de referência importante para certos atos. No entanto, a outorga do foral de Coimbra de 1111, que inviabilizava a detenção de cargos importantes pelos não naturais da cidade, tê-lo-á levado a preferir a zona de Lafões e/ou de Viseu, talvez a zona de origem de sua esposa, e de cujo grupo de barones et infanzones fazia parte em 1117. Depois disso, não o voltamos a encontrar na documentação.

Poderá ter sido morto em algum confronto com os Almorávidas ou, o que é mais provável, a entrega da fronteira de Coimbra a Fernando Peres de Trava terá levado a um ofuscar da família, pelo menos entre 1121 e 1128. Se D. Henrique privilegiara os conselheiros francos, D. Teresa fê-lo apenas num primeiro momento, porque cedo entregou a condução dos assuntos político-militares e administrativos a barões portucalenses e galegos, em especial aos últimos.

Ventura, L. 2003. O Elemento Franco na Coimbra do Século XII: a Familia dos Rabaldes. In Revista Portuguesa de História t. XXXVI (2002-2003), pp. 89-114 (vol. 1), pg. 1-3.

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por Rodrigues Costa às 09:38

Segunda-feira, 03.07.17

Coimbra e as suas Personalidades: Sesnando Davides

Não temos qualquer dado sobre quando e aonde o alvazil nasceu, ou onde passou a infância, todavia esse facto não impediu de numerosos investigadores de afirmarem que Sesnando tinha a sua origem em Tentúgal.

... como teria Sesnando Davides, passado de Coimbra para Sevilha? ...  Dozy diz que “O Cadi “de Sevilha” fez renderem-se dois castelos...tendo sido assim aprisionado em 1026..., e levado para a corte sevilhana de Abu al-Hacim Mohamed. Contudo, Luis de Parga... aponta a data de 1041-1042.

...recebeu – o cargo de vizir ou wazir era reservado para os mais letrados da administração central árabe-islâmica – sendo o homem mais respeitado dentro da corte sevilhana.

A partir de 1060 deve ter-se juntado a Fernando, o Magno...teria sido o conselheiro que aliciou o rei a conquistar Coimbra logo em 1064...naqueles dias, o próprio rei tendo exortado com honra, o grande príncipe naquele lugar, duque e cônsul fiel, dom Sisnando...sobre a própria cidade, para que a povoe e defenda da gente pagã.

... Sesnando Davides foi um cônsul respeitado por todos, incluindo-se neste campo Fernando o Magno e Afonso VI, permitindo que o alvazil governe Coimbra com uma total autonomia deixando que o moçarabismo florescesse na cidade e na região, cunhando Igrejas e Mosteiros com o nome de diversos santos da liturgia visigótica romana. Foi um homem que nunca se libertou do título de alvazil fazendo questão de o deixar marcado nos documentos não só de Coimbra mas de Leão e Castela, sendo a referência política para os não cristãos. Mas não era só um administrador, era também um guerreiro, um dux, que servira tanto de diplomata como de líder militar em expedições sobre os Reinos de Taifa do al-Andaluz

... Como homem Sesnando terá sido assim um dinamizador, um guerreiro, um diplomata, um conselheiro, um justo juiz, isto à luz dos cronistas árabes como Ibn Bassam, tendo um papel fulcral nos destinos do Termo de Coimbra, e no futuro Condado de Portucale.   

Isaac, F.M.B. 2013. Sesnando Davides. Alvazil, Cônsul, Estratega e Moçárabe. Dissertação de Mestrado em História. Lisboa, Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, pg. 111-114, 144-145.

 

Mausoléu de D. Sesnando.jpg

Mausoléu de D. Sesnando

 Singular osteoteca (no claustro da Sé Velha) de Dom Sesnando, genial alvazir e destacado governador de Coimbra, fautor da reconquista cristã de 9 de Julho de 1064. Data do século XV-XVI. Na cabeceira tem uma composição vegetal e, no frontal, uma simples orla de folhagens a cercar a legenda, feita num gótico minúsculo, de letras ressaltadas, a recordar as qualidades daquele homem memorável, e do sobrinho Pedro, falecido na juventude, cujas cinzas repousam com as do tio Dom Sesnando, no mesmo monumento.

Coutinho, J.E.R. 2001. Catedral de Santa Maria de Coimbra (Sé Velha), Coimbra, Gráfica de Coimbra, 2001, p. 93-94.

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por Rodrigues Costa às 09:52


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