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... a grande aglomeração de rapazes, que descia a escadaria, (da Via Latina) soltando frases de indignação, encabeçada por um pequeno grupo que erguia em ombros o licenciado José Eugénio Dias Ferreira. Aquela multidão de estudantes saiu pela Porta Férrea, meteu pela Rua Larga e desceu para a Baixa e, sempre a engrossar, seguiu para a Arregaça, para casa de José Eugénio, onde se ouviram discursos inflamados.
Dias Ferreira fora tratado de forma indigna e reprovado por unanimidade no ato de conclusões magnas, o que já se prenunciava, pois corria na cidade o rumor de que o doutorando – que na sua tese adotara uma metodologia positivista e exarara uma dedicatória a Teófilo Braga – seria reprovado.
Esse foi o rastilho que fez rebentar o grave conflito que ficou conhecido como a questão académica de 1907.
A assembleia magna da academia, reunida nessa noite, deliberou a falta às aulas no dia seguinte. O Governo de João Franco, reagindo desproporcionadamente, fez publicar, logo no dia 2 de Março, um decreto que suspendeu as atividades académicas até que fossem julgados os processos disciplinares a instaurar, relativos aos acontecimentos. O subsequente encerramento da Universidade e o envio de fortes contingentes policiais para Coimbra transformou aquilo que começou por ser apenas um incidente referido à reprovação de Dias Ferreira em um movimento reivindicativo de âmbito muito mais vasto, que se insurgia contra o anquilosamento da instituição universitária e reclamava a reforma profunda dos estudos.
... a deslocação a Lisboa de uma delegação da academia de Coimbra, encabeçada por António Granjo e composta por mais de quatrocentos estudantes, mandatada para apresentar ao Governo e ao presidente da Câmara dos Deputados exposições críticas sobre o ensino universitário, deram projeção nacional à questão académica. A causa coimbrã foi secundada pelas instituições universitárias de Lisboa e do Porto e pelos estudantes dos liceus. Os deputados republicanos, especialmente António José de Almeida, levaram o debate sobre a crise académica e sobre o ensino à Câmara dos Deputados e Hintze Ribeiro interpelava o Governo sobre a questão na Câmara dos Pares ... Bernardino Machado, figura de grande prestígio, que, por solidariedade para com os estudantes expulsos, pedira a exoneração do seu cargo de professor catedrático da Faculdade de Filosofia ... Confiando no efeito dissuasor das penas disciplinares decretadas, João Franco determinou que a Universidade reabrisse no dia 8 de Abril.
Enganou-se. A greve geral foi plenamente retomada a partir desse dia e a solidariedade com a Academia de Coimbra estendeu-se às escolas superiores de Lisboa e do Porto. Na semana seguinte, o Governo mandou encerrar todos os estabelecimentos do ensino superior e técnico do país. E, em 18 de Abril, foi nomeado ... um novo Reitor.
... O decreto de 23 de Maio veio definir os termos para encerramento de matrícula e admissão a exame. O mesmo diploma vedava a permanência na cidade de Coimbra aos estudantes que aí não residissem com as suas famílias ou que não frequentassem os cursos livres, então improvisados. Oitocentos e oitenta e seis estudantes, submetidos a pressões de múltipla ordem, acabaram por requerer exame. Os que se negaram até ao fim a fazê-lo – os Intransigentes – foram cento e sessenta.
O decreto de 26 de Agosto de 1907 veio comutar as penas de expulsão em repreensão e censura e permitir a submissão a exames a todos os que o pretendessem. Apesar da sua meia-derrota, a luta generosa desta geração de estudantes ficou gravada na memória da Academia.
Ribeiro, V.A.P.V. 19. 2011. As memórias de Belisário Pimenta. Percursos de um republicano coimbrão. Dissertação de Mestrado em história Contemporânea. Coimbra, Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. Pg. 19 a 21
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