Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]

A' Cerca de Coimbra



Terça-feira, 31.01.17

Coimbra: Uma Escola de Canteiros 4

Coimbra: Uma Escola de Canteiros 4

António Carolino – Verga de uma fresta manuelin

António Carolino – Verga de uma fresta manuelina

 Dos outros lavrantes expositores, apenas não é discípulo de João Machado o Sr. António Carolino, artista de dotes naturais, que se tem desenvolvido á vontade, longe de qualquer direção, e que é um dos sócios mais recentes da Escola Livre das Artes do Desenho.

Expôs a verga de fresta manuelina, que reproduzimos e foi feita, como aliás todos os trabalhos de canteiro de que teremos a ocupar-nos, para o palácio que faz atualmente construir em Sintra o Sr. Dr. Carvalho Monteiro.

O desenho foi bem compreendido, num desenvolvimento gradual e natural das linhas, sem hesitações; a modelação é vigorosa, o corte largo, e planos bem acentuados e bem graduados.

José Ferreira – Gárgula.png

José Ferreira – Gárgula

A gárgula de José Ferreira é, pela conceção, uma das obras expostas em que mais se acentua o espirito da Renascença, pela visagem dolorida da máscara terminal.

Não é uma obra forte, como as gárgulas do Jardim da Manga ou do Colégio de S. Tomás, em que o espirito gótico se vê ainda bem na nitidez dos planos, no grotesco das figuras, na acentuação caricatural dos detalhes anatómicos; é antes um trabalho de completo espirito do renascimento na conceção e na sua realização técnica, de uma execução, de uma doçura exageradas talvez.

A boca é enigmática como a compreendeu a arte do renascimento; ri e chora, ao mesmo tempo, misteriosamente.

A anatomia, de visão, dá bem a carne, saindo viva do tufo de plantas que prende a gárgula ao edifício.

O movimento, escolho em que tantas vezes se embaraçam os artistas modernos, que tentam criar tipos novos d'estas delicadas fantasias artísticas, é bem achado: a figura adianta-se numa atitude natural, graciosa, em pleno equilíbrio no gigante de que espreita.

João das Neves Machado – Pia de água benta.png

 

João das Neves Machado – Pia de água benta

João das Neves Machado, primo de João Machado tem um modo de talhar a pedra, com decisão, em planos largos e encontrados, de um belo efeito decorativo. É um artista de recursos naturais, cuja individualidade se acentua dia a dia, conhecendo bem a natureza da pedra em que trabalha, e sabendo utilizar todas as suas qualidades nos efeitos decorativos que obtém.

A sua execução pode dizer- se colorida, tais são os efeitos de luz e sombra que procura, já pela disposição dos planos e volumes, já por particularidades de técnica que modificam o aspeto da pedra, nas esculturas de outros, uniformemente branca e monótona.

Carvalho, J.M.T. Uma escola de canteiros, In Illustração Portugueza, 2.º semestre, 2.ª série, Lisboa, 1906, p. 162-165.

Autoria e outros dados (tags, etc)

por Rodrigues Costa às 10:54

Sexta-feira, 27.01.17

Coimbra: Uma Escola de Canteiros 3

João Machado é o mais completo discípulo de António Augusto Gonçalves, quer na sua arte, quer na orientação geral do seu espirito.

E uma alma de artista formada já, um temperamento que começa agora a contar-nos as suas visões artísticas.

Expõe duas obras - a predela em execução, e um estudo em gesso, ambas para o altar de Nossa Senhora da Conceição na igreja da Santa Cruz, que, como as obras de arte capitais do convento, foi delineado em estilo do renascimento.

É seu o desenho como a execução da obra. João Machado conhece a Renascença bem de muito a ter estudado, e nesse estudo tem feito a educação do seu espirito que é, apesar de tudo, apaixonado por todas as tentativas modernas de arte.

A Renascença é na verdade a mãe da escultura contemporânea: Donatello e Miguel Ângelo são os ascendentes diretos de Rodin.

Muito cedo diretor de uma oficina, João Machado tem versado toda a vida problemas de arquitetura; daí o equilíbrio de todas as suas obras, ou sejam o plano de um grande edifício, ou o desenho de uma pequena joia para o capricho de um ourives.

Os maiores artistas do renascimento italiano começaram por ourives; só mais tarde passaram a escultores, revelando sempre o seu trabalho o amor que lhes ficou ao seu primeiro mister.

Com João Machado deu- se o fenómeno inverso: foi do estudo e contemplação demorados das obras da Renascença que lhe nasceu, pela admiração, o amor às artes do metal.

Assim é que hoje são numerosas as obras feitas em ferro forjado por desenhos seus; e mais de um tem feito para obras de ourivesaria.

Assim se criou e completou nele o espirito da Renascença, que domina a maior parte da sua obra decorativa.

Mas, apesar de tão intimamente consubstanciado com a alma dos artistas da Renascença, João Machado é um artista de hoje, como o prova a sua larga obra.

A sua alma moderna vê-se mesmo através dos seus mais perfeitos trabalhos do renascimento.

João Machado – Predela de um retábulo.png

João Machado – Predela de um retábulo, em estilo Renascença, para a igreja de Santa Cruz de Coimbra

Na predela tudo revela a posse em que está deste estilo: a composição na linha geral e nos detalhes, a disposição das figuras dos doutores, os baixo relevos, a riqueza dos baldaquinos, a variedade dos capitéis, a delicadeza dos medalhões, a beleza com que a Renascença vestia a admiração pelos camafeus antigos, os frisos decorados, o corte das molduras, a sua disposição, as suas penetrações.

O altar de João Machado é bem uma obra da Renascença pelo espirito, pela linha, pela beleza e pela harmonia.

É-o também pela análise subtil dos movimentos fugidios que animam todas as figuras, coisa tão própria da Renascença a que, no apostolado da Sé Velha, dá a unidade, a intensidade dramática que nos domina naquela obra de arte excecional.

Pela riqueza da decoração e pelo seu espirito, a obra da predela é da Renascença francesa e lembra por uma aproximação fácil a do púlpito de Santa Cruz, não faltando quem erradamente iguale João Machado ao artista genial que lavrou aquelas formosas pedras.

Os dois artistas são, porém, dois temperamentos opostos, em duas situações diversas de vida.

O autor do púlpito é um torturado, conhecendo bem toda a miséria da carne, toda a alucinação que persegue os artistas franceses muito para além do período gótico.

O seu trabalho condensa, é um artista reprimindo-se, cortando por exuberâncias.

João Machado é um tranquilo, uma natureza que se expande alegre, nas primeiras horas da sua vida de artista.

As figuras de João Machado aparecem-nos tranquilas, a sorrir, quando evocadas; as do autor do púlpito perseguem-nos.

É que ao artista de hoje falta o meio de então.

Só assim se poderiam gerar obras iguais de sentimento e intenção decorativa.

Para fazer as gárgulas do Jardim da Manga, é necessário ter visto os corpos deformados pela histeria, ter visto o diabo nos corpos dos possessos, na crispação das mãos e dos pés, torcendo o olhar, convulsionando a garganta num grito satânico.

Para se sentir assim a pompa dos brocados raros, a leveza aristocrática das linhas preciosas era necessário ver e admirar todo o esplendor do culto antigo no convento de Santa Cruz.

João Machado não tem tido tempo de se encontrar com Deus ou com o Diabo, que nestes tempos se furtam mais á analise; o seu talento criou-se na adoração do seu lar modesto.

Por isso é vulgar encontrar, em imagens da Virgem que ele faz, as feições queridas da mulher estremecida, e ver o sorriso, a boca fresca dos filhos nos anjos que voam em volta dela.

João Machado é um artista do seu tempo e é hoje pelo amor á sua arte, pelo conhecimento que tem da sua evolução histórica, pela sua técnica delicada, pela sentimentalidade fina da sua alma de artista, o primeiro canteiro do seu país.

Há na exposição uma pequenina obra, que mostra que o seu espirito inquieto, na ânsia de saber, aspira a mais alguma coisa. É o busto da filha, trabalho incompleto, mas em que a frescura da boca, a delicadeza de modelação do colo e da parte superior do peito, revelam uma tendência nova do seu espirito.

Deve segui-la.

Modele do natural pertinazmente, como tem modelado de obras de arte e encontrará pela admiração da carne a revelação do pensamento, como a admiração do mármore o levou á revelação da carne e da vida.

Carvalho, J.M.T. Uma escola de canteiros, In Illustração Portugueza, 2.º semestre, 2.ª série, Lisboa, 1906, p. 162-165.

 

Autoria e outros dados (tags, etc)

por Rodrigues Costa às 10:52

Quarta-feira, 25.01.17

Coimbra: Uma Escola de Canteiros 2

A Escola Livre das Artes do Desenho não passa, porém, o seu tempo a copiar estilos seguindo a norma do ensino clássico.

Os discípulos de António Augusto Gonçalves, canteiros ou serralheiros, sabem executar os mais modernos caprichos da arte.

É certo, porém, que os discípulos da Escola Livre das Artes do Desenho dão às interpretações dos diversos estilos um encanto; que raras vezes outros conseguem dar, e que os fazem justamente estimados e apreciados por Manini, Raul Lino, e todos enfim para quem o culto do passado não é esterilizador das fecundantes energias modernas.

Eu, por mim, nunca vi obra de estilo antigo, em capricho moderno de artista, que me desse a impressão estética das de António Augusto Gonçalves ou discípulo dele.

Deve-se isso á natureza: do seu ensino, que nos estilos passados, corno nas grandes obras da antiguidade clássica, procura apenas a intenção artística e a sua realização prática dentro da beleza.

A antiguidade clássica, o objeto de arte exótico, até as tentativas artísticas abortadas são para este mestre excecional fonte de ensino vitalizador e forte.

António Augusto Gonçalves não ensina a copiar um estilo, ensina a compreende-lo. E, na transcrição de qualquer motivo decorativo, os discípulos de Gonçalves metem sempre um pouco da sua alma.

Por isso as obras que produzem, na adoração dos velhos estilos, são vivas e não paradas e mortas como os pastiches que o romantismo e o mercantilismo da indústria moderna têm vulgarizado.

Os discípulos de António Augusto Gonçalves conhecem a unidade de espirito característica de cada estilo e a fôrma como se traduz na visão da linha, da superfície e do volume, na utilidade da luz e sombra, e sabem assim dar a uma planta rara de jardim, capricho moderno de floricultor curioso, a graça antiga com que os velhos escultores vestiam amorosamente as plantas humildes dos campos.

 

Alberto Caetano Ferreira – Sacrário de altar.pn

Alberto Caetano Ferreira – Sacrário de altar

 Carvalho, J.M.T. Uma escola de canteiros, In Illustração Portugueza, 2.º semestre, 2.ª série, Lisboa, 1906, p. 162-165.

 

Autoria e outros dados (tags, etc)

por Rodrigues Costa às 10:11

Terça-feira, 24.01.17

Coimbra: Uma Escola de Canteiros 1

Iremos aqui relembrar um artigo que Joaquim Martins Teixeira de Carvalho - Homem que em Coimbra foi, na transição do século XIX para o século XX, professor da Universidade, arqueólogo, crítico de arte, jornalista, diretor do jornal A Resistência, polemista, entre muitas outras coisas, conhecido então apenas por Quim Martins - publicou na conceituada revista Illustração Portugueza, no segundo semestre de 1906, a propósito de uma exposição promovida, em Lisboa, pela conimbricense Escola Livre das Artes do Desenho.

O texto, de excelente recorte literário e com ilustrações magníficas, revela também um profundo amor a Coimbra e ao que de melhor aqui, então, se fazia. Para uma mais fácil compreensão decidimos proceder a pequenos acertos e à atualização da grafia.

UMA ESCOLA DE CANTEIROS

Em Coimbra, a arte de canteiro é uma eflorescência do solo, criou-se pelo amor ao calcário brando, que se vê alvejar à flor da torra, mal passa a chuva forte do inverno.

E é opinião que aqui teria nascido e florescido naturalmente a mais bela escola de escultores se não fosse o que muitos julgam a ventura da arte em Portugal – o glorioso movimento da Renascença, que é mais uma página da histeria da arte estrangeira do que propriamente um movimento decisivo e determinante de progresso na evolução da arte nacional.

O delicioso claustro de Celas, tão tocante de sentimento popular e de ingenuidade artística, as obras, assinadas ou não, de dois Pires, o velho e o moço, as de Pedro Anriquez e do irmão, as dos Alvares, as estátuas anónimas que o acaso depara às vezes esquecidas, os lábios num sorriso enigmático, os olhos pequeninos a rir, cobertas de ouro, como ídolos preciosos, de um lavor gótico cheio de intenção, inquieto, revelando num detalhe mínimo sempre a vontade de progredir, palpitando da vida da consciência artística nacional em formação, muitas vezes me têm feito adivinhar a gloriosa escola de escultores que poderia ter sido a honra de Portugal e que morreu no meio dos esplendores da Renascença como as crianças fracas ao beber à vontade um leite abundante e forte.

Os canteiros de Coimbra foram sempre os primeiros de Portugal, e são-no ainda hoje, como demonstrou a exposição que vamos analisando ao correr destas sumárias notas.

Pelos trabalhos expostos não pode fazer-se ideia completa nem das aptidões dos artistas nem da sua orientação.

A exposição foi organizada com as obras em elaboração no momento, em estilo determinado, com destino certo.

O acaso fez por isso que as obras expostas tenham o cunho do estilo manuelino, ou da Renascença francesa.

JazigoNeoRenascentista.png

João Machado – Fragmento de um retábulo Renascença, em gesso

Carvalho, J.M.T. Uma escola de canteiros, In Illustração Portugueza, 2.º semestre, 2.ª série, Lisboa, 1906, p. 162-165.

 

Autoria e outros dados (tags, etc)

por Rodrigues Costa às 11:04

Quarta-feira, 18.01.17

Coimbra e as prisões que aqui existiram: a Cadeia Penitenciária

No limite da Quinta de Santa Cruz em Coimbra, onde outrora estava assente o Colégio da Ordem de Cristo ou de Tomar, foi construída a Cadeia Geral Penitenciária de Coimbra no fim do séc. XIX.

... Em 1876, dá-se inicio à construção do edifício da Cadeia Geral Penitenciária de Coimbra, destinada a condenados a penas correcionais daquele distrito e de distritos vizinhos, seguindo um projeto-tipo de penitenciária-distrital, da autoria do Engenheiro Ricardo Júlio Ferraz. Porém, o projeto da Cadeia Geral Penitenciária de Coimbra, é da autoria de Adolpho Ferreira de Loureiro ... Inicialmente, este projeto seria para uma cadeia distrital comarcã mas, por volta de 1884, uma nova legislação que regulamentava o funcionamento de sistemas prisionais veio alterar o cenário. A 29 de Novembro desse mesmo ano é, então, publicado o Regulamento Provisório da Cadeia Geral Penitenciária do Distrito da Relação de Lisboa, o qual estabelece as bases de funcionamento de uma cadeia penitenciária, em moldes semelhantes aos adotados em Coimbra.

... em 1888, a penitenciária é adquirida pelo Governo que “promove as adaptações necessárias ao seu funcionamento como penitenciárias nacionais”.  No final de 1901 a Penitenciária de Coimbra abre as portas aos primeiros 10 reclusos que iriam cumprir pena naquele estabelecimento.

... Oitenta anos volvidos, e várias obras de reabilitação e alterações estruturais feitas no edifício, e a designação do equipamento é alterada para Estabelecimento Prisional de Coimbra.

... Em 1997 são construídos três pavilhões pré-fabricados na plataforma inferior do recinto prisional e com acesso independente através da rua de Tomar. Estes pavilhões seriam para instalar, provisoriamente, o Estabelecimento Prisional Regional de Coimbra.

O Estabelecimento Prisional de Coimbra é um conjunto de edifícios implantado num terreno de planta irregular, bem no centro do espaço da antiga Cerca do Colégio de Tomar e cuja maior dimensão se localiza no eixo Nordeste-Sudoeste.

... O perímetro exterior é integralmente delimitado por um muro alto, com ameias na face exterior e é pontuado por seis torres de vigilância. No interior deste perímetro existem outras cinco torres que complementam as anteriormente referidas e que estão localizadas em pontos estratégicos do perímetro interior de segurança. O muro referido é “parte integrante e indissolúvel do conjunto” e é ele que “confere um evidente efeito de filtragem em relação ao espaço urbano envolvente: um efeito que não sendo retórico, nem só literal, nem só funcional, é um dos mais fortes traços de carácter que esta tipologia carcerária desenvolveu.”

... O Estabelecimento Prisional Central é composto... por nove edifícios e o acesso principal ao complexo efetua-se através do corpo das antigas casas de função, por um portão na rua de Infantaria Vinte e Três. Este edifício tem volume e alçados simétricos, dois pisos e uma planta cujo eixo transversal corresponde à portaria e ao acesso automóvel ao logradouro e, através deste, à zona prisional... edifício central, caracteriza-se por um grande octógono central, marcado por uma monumental cúpula, de estrutura em ferro, a partir da qual se desenvolvem quatro alas, desenhando uma planta em cruz latina. No entanto, nos pisos inferiores, as restantes quatro arestas do octógono formam, igualmente, quatro alas, mais baixas e mais curtas, dando corpo, então, a uma disposição radial. Cada uma das alas tem três pisos, com acesso através de galerias, suportadas por consolas em aço, e os respetivos corredores são panóticos, sendo “rasgados no sentido longitudinal de modo a criar um espaço único de altura integral, facilmente vigiável a partir de qualquer pavimento.”... sobre o tambor do octógono, “ergue-se a cúpula, perfurada por óculos e fechada, a 39m de altura, por lanternim octogonal em ferro e vidro”

O Estabelecimento Prisional de Coimbra é uma cadeia penitenciária do séc. XIX e inscreve-se na arquitetura civil judiciária. Construída segundo o modelo panótico radial de planta em cruz latina ... predominantemente em ferro madeira e vidro e, formalmente, caracteriza-se por elementos de inspiração neogótica.

Martins, J.M.M. 2011. Penitenciária de Coimbra. Permeabilidade e inserção no espaço urbano. Coimbra, Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra. Departamento de Arquitetura. Pg. 45-47, 48-50.

Autoria e outros dados (tags, etc)

por Rodrigues Costa às 09:47

Terça-feira, 17.01.17

Coimbra e as prisões que aqui existiram: o Aljube e a Cadeia da Universidade

 

O Aljube do Bispo, ou apenas Aljube, estava localizado na Alta, em frente da entrada do Paço Episcopal.

Tinha capacidade para 14 a 20 presos e possuía, como a prisão da Portagem, uma pequena capela em frente, encostada à igreja de S. João de Almedina.

Foi convertido em prisão oficial para os presos comuns depois da vitória liberal, mas já anteriormente se recorria a esse espaço, quando a sobrelotação da Portagem o impunha. Além disso, era regularmente utilizado como local de detenção das mulheres presas por ordem da Universidade.

Em 1835 decidiu-se ...  remover para aqui os presos com culpas mais leves e ainda todas as mulheres detidas na Portagem, mas só dois anos depois foram ordenadas obras de restauro.

Em Fevereiro de 1838 obteve-se licença do Vigário Capitular para efetuar reparações e para a Câmara Municipal poder lá instalar todos os presos que fosse possível. Em Novembro a prisão estava pronta e foi nomeado o carcereiro. Um ano depois foram também para aí transferidos, provisoriamente, os estudantes detidos na cadeia da Universidade.

Em 1841 o Aljube encontrava-se novamente carente de obras e em finais de 1846 ou inícios de 1847, os estudantes, que aí permaneciam, denunciaram a total falta de condições: os alojamentos destinados não eram próprios nem para os piores criminosos e os universitários estavam misturados com os presos políticos e com os ladrões ...

 

... A cadeia da Universidade era destinada à população académica detida à ordem do Conservador da Universidade, a quem pertencia a jurisdição do foro privativo da Universidade, e do reitor (ou vice-reitor) que detinha a autoridade policial.

Esta cadeia, localizada por baixo da sala dos capelos até à reforma pombalina, transitou depois para as caves da biblioteca.

Existe, de Janeiro de 1779, um requerimento do carcereiro informando que a mudança dos presos acabou de se fazer. O seu ordenado era então de 36 réis ao dia mais as carceragens pagas pelos presos, 380 réis.

No ano seguinte, nova petição do carcereiro declara a cadeia insegura e sem dispor de cloaca.

Em 1782 lamentava-se a falta de duas ou três casas de segredo, de algumas grades e de duas latrinas e em 1787 surgem novas queixas sobre a falta de segurança.

O decreto de 25 de Novembro de 1839, com o Regulamento da Polícia Académica, manda alojar os estudantes presos num compartimento decente da cadeia do Aljube, enquanto se não aprontar uma casa de detenção própria. Como vimos, os alunos aí detidos não consideravam estar acomodados com o mínimo de decência ... “duas janellas de grades sinistras, que deixam passar á vontade pelas portas crivadas de fendas as injurias do tempo, quatro paredes immundas, um tecto afumado, e de barrotes descarnados, um soalho carcomido, a vizinhança de uma latrina, eis ahi a cadêa dos estudantes!”, escreve-se na Revista Académica, nº 22, s. d., p. 352. 36

Só em 1855 se ordenou a instalação da cadeia da Universidade no extinto Colégio de S. Boaventura, o da Alta.

Lopes, M.A. 2010. Cadeias de Coimbra: espaços carcerários, população prisional e assistência aos presos pobres (1750-1850). In Araújo, M.M.L., Ferreira, F.M. Esteves, A. (orgs.) Pobreza e assistência no espaço Ibérico (séculos XVI-XIX), [Porto], CITCEM – Centro de Investigação Transdisciplinar “Cultura, Espaço e Memória”, 2010, pp. 101-125. Pg. 8-9, 10-11

 

 

Autoria e outros dados (tags, etc)

por Rodrigues Costa às 10:18

Quinta-feira, 12.01.17

Coimbra e as prisões que aqui existiram: a cadeia da Portagem

...A cadeia da Portagem datava de finais do século XVI.

Era a prisão real, a verdadeira prisão pública da cidade, com carcereiro nomeado pela Câmara Municipal. Só não detinha clérigos, estudantes e os perseguidos da Inquisição, pois para estes existiam cadeias próprias.

Até ao Liberalismo várias entidades podiam ordenar voz de prisão na Portagem: juiz do crime, corregedor, provedor, capitães-mores, sargentos-mores, alferes, mestres de campo, conservador da Universidade, reitor e almotacés da Câmara.

Esta prisão, como o nome indica, ficava no Largo da Portagem, encaixada na encosta, por baixo do convento da Estrela. Dispunha no exterior, do outro lado do pequeno largo, de uma capela feita pela Misericórdia em 1660/61 e reedificada em 1737/1739. Os presos assistiam à missa das janelas da prisão. Em 1836 foi demolida e em 1849 a Santa Casa mandou fazer um altar portátil.

... O fidalgo escritor Francisco de Pina e Melo [1695-1773] esteve preso na Portagem durante algum tempo nos últimos anos da sua vida. De lá dirigiu uma representação ao juiz da Inconfidência ... “Esta he aquella habitação que se deve chamar Inferno temporal. O ruido continuo dos grilhões, a companhia dos facinorosos, os gritos, os estrondos, a confusão, e os malignos vapores das immundicias, as repetidas calamidades, que sofrem todos os sentidos, ¿quem póde negar que o representão como huma horrivel semelhança do abysmo? Até o dia entra escassamente pelas frestas, não para luzir, mas para se conhecer melhor a escuridade. [...] Aqui se aggravão precipitadamente as doenças, e todas as miserias humanas, em que não ha soccorro, nem Médico, nem Medicina: aqui acabão os moribundos, sem se lhes dar n’aquelle último transe sequer uma guia, que os encaminhe para a eternidade: aqui se vêm todos cobertos dos insectos mais asquerosos; aqui se vive, ou se morre em uma região tão desgraçada como desconhecida. Este tremendo sepulchro dos vivos ainda se faz mais intoleravel com a soberba inhumana dos Carcereiros, que pelos frequentes objectos das calamidades costumão os seus olhos a todo o genero de impiedade. A consciencia se perturba, as paixões se envenenam, os pensamentos se irritão, os pezares se estimulão, as impaciencias se amotinam, e não ha affecto, que não conspire com o desfalecimento, ou com a desesperação. Esta finalmente he a habitação do susto, do tormento, da amargura, aonde nunca se acha alivio nem confôrto, nem consolação, nem descanço, nem suavidade”.

... a cadeia da Portagem albergava, em princípio, detidos em prisão preventiva. Os seus segredos subterrâneos, continua o juiz do povo, são horrorosos. Não está dotada de nenhuma enfermaria, é local ideal para a propagação de epidemias, sobretudo no tempo quente, não dispõe de casa destinada aos juízes, não tem capacidade para os soldados recrutados, para os presos enviados de outras cadeias da comarca ou para os que vêm em leva com destino ao degredo no Ultramar. Enfim, basta um dia de prisão para os presos ficarem “quasi podres, cheios de bolor, e de bichos, e cercados de mizeria indiziveis”.

... A 12 de Maio de 1855, Diogo Forjaz, deputado por Coimbra, denuncia no Parlamento as condições deploráveis das duas cadeias coimbrãs ... havia sido projetada uma nova cadeia a edificar no sítio do Castelo, aproveitando-se as arcadas do inacabado observatório astronómico ... optando-se ultimamente pela adaptação da antiga hospedaria de St.ª Cruz, a chamada casa vermelha.

Em Setembro de 1856 os presos foram transferidos para a casa vermelha.

Lopes, M.A. 2010. Cadeias de Coimbra: espaços carcerários, população prisional e assistência aos presos pobres (1750-1850). In Araújo, M.M.L., Ferreira, F.M. Esteves, A. (orgs.) Pobreza e assistência no espaço Ibérico (séculos XVI-XIX), [Porto], CITCEM – Centro de Investigação Transdisciplinar “Cultura, Espaço e Memória”, 2010, pp. 101-125. Pg. 1 a 4, 9, 11 a 13

 

Autoria e outros dados (tags, etc)

por Rodrigues Costa às 10:38

Terça-feira, 10.01.17

Coimbra: as prisões que aqui existiram

Em meados do século XVIII existiam em Coimbra cinco prisões públicas: dois aljubes (um do Bispo e outro do mosteiro de Santa Cruz, que era isento da jurisdição episcopal), os cárceres da Inquisição, a cadeia da Universidade e a cadeia da Portagem

... Com o Liberalismo e a abolição das justiças eclesiásticas, desapareceram os dois aljubes e os cárceres da Inquisição. A Universidade perdeu a seu jurisdição, mas continuou a poder deter os estudantes prevaricadores através do seu corpo policial e, ainda, as mulheres consideradas escandalosas ou de mau exemplo que vivessem da porta de Almedina para cima.

... Entre Agosto de 1768 e o final de 1779, onze anos e cinco meses, foram efetuadas na cadeia da Portagem 2.798 detenções, sendo 490 de mulheres e 2.308 de homens.

... Entre os motivos de prisão documentados, predominam em ambos os sexos os de âmbito económico, mas com assinalável diferença, já que 27% dos homens e 47% das mulheres se integram nesse tipo de delito. 18% dos homens eram réus do foro militar.

... As condições de vida na prisão dependiam dos apoios que os presos tinham no exterior ou do dinheiro que eles próprios possuíam. Não nos esqueçamos de que o sistema prisional da época não fornecia alimentação, vestuário ou medicamentos aos detidos. Mais: eram obrigados a pagar a carceragem e o alvará de soltura. Os que não dispunham de uma “retaguarda” (família, protetores, economias), mesmo que não fossem pobres, acabavam por cair na miséria por falta de rendimentos. Em 1770, uma mulher de Vale do Cântaro (Assafarge), isolada em Coimbra, viu-se obrigada a empenhar a própria saia por 10 tostões para se manter. Quando foi solta, não pôde sair porque, além de não ter dinheiro para a carceragem, estava praticamente nua.

Os presos pobres obtinham, por vezes, licença para mendigar pelas ruas da cidade, acompanhados por um homem da vara a quem tinham – porque na prisão tudo se paga – de remunerar pelo serviço.

Quem que não era de Coimbra, sempre que podia requeria a transferência para as cadeias dos pequenos concelhos vizinhos. Muitos conseguiam-no, mas teriam de pagar à guarda que os conduziria.

... O compromisso da Misericórdia de Coimbra consagrava o seu capítulo XI à assistência aos presos, obra que merecia especial cuidado até porque foi “a primeira obra, em que se empregárão os primeiros Irmãos, que instituírão esta Irmandade”.                                  

Para se ser incluído no rol dos presos da Casa era necessário: 1º - ser pobre e desamparado; 2º - não estar preso por dívidas e fianças nem por incumprimento de degredo a que já tivesse sido condenado anteriormente; 3º - estar detido há pelo menos 30 dias.

Eram os mordomos dos presos que se encarregavam de os visitar duas vezes por semana, às quartas-feiras e domingos. Tratariam da assistência espiritual, jurídica e física. Assim, fariam que se confessassem e comungassem pela Quaresma e pelos quatro jubileus do Bispado, dar-lhes-iam duas vezes por semana pão suficiente para todos os dias e ainda uma posta de carne e uma escudela de caldo às quartas e domingos”.

Lopes, M.A. 2010. Cadeias de Coimbra: espaços carcerários, população prisional e assistência aos presos pobres (1750-1850). In Araújo, M.M.L., Ferreira, F.M. Esteves, A. (orgs.) Pobreza e assistência no espaço Ibérico (séculos XVI-XIX), [Porto], CITCEM – Centro de Investigação Transdisciplinar “Cultura, Espaço e Memória”, 2010, pp. 101-125. Pg. 1, 11 a 14

 

Autoria e outros dados (tags, etc)

por Rodrigues Costa às 10:20

Quinta-feira, 05.01.17

Coimbra e as suas personalidades: António de Vasconcelos

O Doutor António Garcia Ribeiro de Vasconcelos nasceu ... em 1860 em S. Paio de Gramaços.

... Em 1878 matriculou-se na Faculdade de Teologia ... A 12 de Maio de 1886 defendeu conclusões magnas, que existem impressas, e a 27 de Junho doutorou-se, tomando como tema da sua dissertação ... uma tese sobre o divórcio.

... Em 1887 concorreu ao professorado, apresentando como dissertação um trabalho bíblico-linguístico sobre a «Pluralização da Linguagem. Por despacho de 26 de Maio, era nomeado para a regência das cadeiras de «Estudos Bíblicos» e «Direito Eclesiástico».

... Mas era a história que o havia de seduzir mais vincadamente ... Em 1894 apareceram os dois grossos volumes sobre «A Evolução do Culto de D. Isabel de Aragão».

... Também no Cartório da Universidade, que se encontrava em estado de total abandono, a sua devotada ação foi marcante ... foi com o Doutor António de Vasconcelos que se passou a uma fase nova da vida do Arquivo. Com o seu labor exaustivo e abnegado ergueu praticamente do nada uma obra que ficaria para sempre marcada pelo seu impulso decisivo. Nomeado em 1901 diretor do Arquivo, declarado pela primeira vez organismo autónomo, independente da secretaria, nele havia de trabalhar, incansavelmente até 1927. A série de incorporações que conseguiu fazer vieram a tornar o Arquivo da Universidade de Coimbra no segundo maior do País, tendo, além disso, feito dele um importante centro de estudos.

... Também a Capela da Universidade mereceu entranhado carinho, lutando com vigor e discrição para a defesa dos seus riquíssimos tesouros.

... Encerradas as matrículas na Faculdade de Teologia em 1910, viria ... a encetar uma nova fase da sua carreira ao serviço da Faculdade Letras, criada em 1911, da qual foi o primeiro diretor.

... Professor de História de Portugal, Paleografia, Diplomática, Epigrafia, Numismática e Esfragística, impôs-se pela sua vasta ciência e erudição, e pelos seus excelentes dotes pedagógicos e invulgares qualidades humanas.

... Jubilado em 1930 ... passaria a dedicar-se sempre com o mesmo afinco à investigação. Publicou, entretanto, os três volumes da «Sé Velha».

Mas o Doutor António da Vasconcelos exerceu também trabalho notável como sacerdote, ao serviço do Centro Académico da Democracia Cristã e do Refúgio da Rainha Santa, obra que criou, para só recordar algumas facetas da sua atividade sacerdotal.

... Em 1937 era nomeado presidente da Academia Portuguesa de História.

... No Verão de 1941 falecia aquele que dedicara uma vida inteira ao estudo, ao trabalho e à prática do bem.

Vasconcelos, A. 1987. Escritos Vários Relativos à Universidade de Coimbra. Reedição preparada por Manuel Augusto Rodrigues. Volume I e II. Coimbra, Arquivo da Universidade de Coimbra, pg. II-VI, do Vol. I

Autoria e outros dados (tags, etc)

por Rodrigues Costa às 20:13

Terça-feira, 03.01.17

Coimbra: A Refundação da Universidade em 1308

A Universidade estabeleceu-se em Coimbra no ano de 1308.

Não é agora difícil a reconstituição dos factos.

A Universidade não dera em Lisboa os resultados que D. Dinis esperava ... A rapaziada distraia-se muito e estudava pouco, por isso o aproveitamento não podia ser grande.

... Para atalhar estes males, e tirar do seu querido Estudo as maiores vantagens, lembrou-se então D. Dinis de criar uma «cidade universitária», um meio especial apropriado ao desenvolvimento das letras e das ciências. No qual se implantasse o Estudo «irradicabiliter», como parte integrante, essencial e característica do seu organismo.

... Olhou para todo o país ... e neste relancear de olhos fixou-se-lhe desde logo a vista numa cidadezinha minúscula mas cheia de encantos, emoldurada num quadro surpreendente de verdura, com recamos e matizes de frutos e de flores, por onde serpeava o mais poético de todos os rios: um quadro esse tão belo, qual a sua viva imaginação de trovador nunca sonhara outro que mais lindo fosse.

Coimbra era a terra portuguesa, que melhores condições reunia para poder ser a cidade universitária.

Situada no centro do país, a sua posição geográfica facilitava à juventude de uma e de outra extremidade de Portugal o virem ao Estudo. O Mondego que lhe corria ao pé, de leito estreito e fundo, ainda não entulhado pelas areias, navegável umas poucas de léguas para o interior, e dando fácil acesso pela foz aos barcos de navegação costeira, que aproveitavam as marés que então se faziam sentir até Coimbra, era uma boa via de comunicação a aproveitar no transporte de géneros e manutenções para a população académica.

A suavidade do clima, que aqui se gozava, muito superior à de hoje, efeitos das grandes florestas que vestiam as montanhas e serranias, próximas ou distantes, que cerravam o horizonte; o encanto desta terra e da sua paisagem, iluminada por uma luz suavíssima, de tons infinitamente variados ; a poesia do seu rio, orlado de belos arvoredos, irrigando campos fertilíssimos e matizados de flores, o que, tudo junto, fez exclamar a um estrangeiro visitante, fr. Vicente Justiniano, geral da ordem de S. Domingos, depois de ter contemplado a cidade e seus arrabaldes - «Vidimus urbem úndique ridentem»; as lendas poéticas, graciosas ou heroicas, a ela vinculadas; as tradições de valor, de virtude, de patriotismo, que entreteciam a sua história gloriosa: todos estes predicados reunidos faziam de Coimbra uma terra eminentemente apta a ser transformada em cidade universitária, onde a juventude encontraria um meio admirável para o estudo das ciências e das letras, para a educação das faculdades intelectuais e afetivas, para formação do caráter.

Pequena, de vida tranquila e pouco movimentada. Esta cidade não continha no seio, como Lisboa, elementos perturbadores, que arrancassem os estudantes às suas lucubrações escolares.

A índole boa, pacífica, ordeira dos habitantes prometia que a conjugação dos dois elementos heterogéneos, o antigo elemento popular, e o elemento universitário que de novo nela se introduzisse, se realizaria naturalmente, sem atritos de gravidade. Escolas havia já aqui, onde se professavam as ciências eclesiásticas com mais ou menos desenvolvimento, na catedral, no mosteiro de S. Cruz, e nos conventos de S. Domingos e de S. Francisco: eram elementos de valor a aproveitar, para complemento da instituição universitária, que até agora, em Lisboa, vegetara pobre e raquítica.

Vasconcelos, A. 1987. Escritos Vários Relativos à Universidade de Coimbra. Reedição preparada por Manuel Augusto Rodrigues. Volume I e II. Coimbra, Arquivo da Universidade de Coimbra, pg. 78-82, do Vol. I

Autoria e outros dados (tags, etc)

por Rodrigues Costa às 09:44


Mais sobre mim

foto do autor


Pesquisar

Pesquisar no Blog  

Subscrever por e-mail

A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.

calendário

Janeiro 2017

D S T Q Q S S
1234567
891011121314
15161718192021
22232425262728
293031