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A' Cerca de Coimbra



Quarta-feira, 30.11.16

Coimbra: a Baixinha 1

Da observação ao tecido urbano da Baixinha são detetados alguns padrões morfológicos das cidades medievais, formalizados segundo percursos, largos, praças e quarteirões irregulares... O seu aspeto formal reflete as dinâmicas do urbanismo medieval, onde o espaço sempre teve funções de encontro, de troca e de circulação de bens e ideias. O carácter multifuncional, dado na altura, contribuiu para que os elementos estruturadores do espaço fossem agregadores de todas as atividades sociais, económicas, políticas e religiosas da urbe. A rua e a praça eram por isso, os elementos principais do sistema, assumindo o carácter central e identificador para cidade.

O núcleo da Baixinha desenvolveu-se precisamente na borda Poente da colina em contacto direto com a via fluvial. O local estava inserido numa rede viária de comunicação terrestre, criada na altura de expansão e difusão do Império Romano, funcionando para que todo o tipo de informação, acontecimentos e bens materiais fossem difundidos pelo território peninsular. O poder relacional da via tornou-a no principal agente de divulgação e consolidação urbanas. Assim, a via litoral da Península Ibérica Oissipo-Bracara Augusta foi uma ferramenta do sistema urbano nacional, importantíssima para o processo de assentamento e aglomeração urbanística, pois funcionou como um canal de ligação e como ponto de encontro junto dos aglomerados e promoveu o suporte às relações urbanas. Neste sentido, a Baixinha, é o reflexo formal da aglomeração implantada em torno de uma via de passagem às portas de entrada da muralha da cidade propriamente dita.

O processo de fixação e estruturação do território não foi espontâneo nem casual, uma vez que obedeceu à lógica da implantação das Ordens e Comunidades religiosas e fixação das suas agregações em porções de terrenos delimitados por cercas. A regra de localização das capelas e igrejas foi ditada ao longo da via principal, aquela pela qual “todos” passavam, podendo assim fazer cumprir as suas obrigações de assistência no apoio aos peregrinos e de quem mais precisasse. Assim, o arrabalde passou a ser definido pela colocação de igrejas ao longo do eixo viário, direcionando todo o espaço urbano. Implantaram-se quatro templos: Santa Justa, S. Tiago, S. Bartolomeu e o convento Crúzio. Os conventos foram as grandes estruturas organizadoras do arrabalde, tendo a sua fundação gerado importantes aglomerações, dentro de novas circunscrições religiosas. O casario crescia de forma compacta em torno dessas igrejas paroquiais. Destes espaços abertos nasceu uma tipologia urbanística que vive ainda nos nossos dias: o terreiro e o adro sempre foram espaços ancestrais de encontro e troca na cidade medieval. Poder-se-á dizer que são um elemento espacial identificador da cultura citadina. Os aglomerados populacionais reuniam-se à volta de uma paróquia como suporte institucional e espiritual da vida em comunidade.

... Enquanto arrabalde, a zona da Baixinha era considerada um bairro fora de portas, pertencente ao subúrbio da povoação da cidade alta, fora dos limites administrativos, mas com forte vocação mercantil. Situado entre a calçada romana e o rio, a zona fixava todas as atividades relacionadas com o comércio. Os mercadores instalavam-se ao longo da via, fora do perímetro amuralhado, onde os produtos não estavam sujeitos a taxas e onde havia espaço mais amplo, mais barato e de maior acessibilidade. O percurso mais direto entre a ponte e a porta da cidade foi o ponto propício ao início do fluxo de atividade comercial, donde resultou a chamada Rua dos Francos. Era o local onde se cobravam os direitos de “portagem”, quando as mercadorias ficavam dentro da cidade, ou de “passagem” quando estas apenas transitavam dentro dela. Daí resultar a conformação de um “Largo da Portagem” com continuação da rua a que, hoje, designamos de Ferreira Borges. Durante toda a época medieval houve um progressivo desenvolvimento comercial da zona ribeirinha, potenciando a sua definição e consolidação urbana.

Ferreira, C. 2007. Coimbra aos Pedaços. Uma abordagem ao espaço urbano da cidade. Prova Final de Licenciatura em Arquitectura pelo Departamento da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra, orientada pelo Professor Arquitecto Adelino Gonçalves, p. 27-29

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por Rodrigues Costa às 11:33

Terça-feira, 29.11.16

Coimbra: O burgo de Celas

Celas é atualmente uma zona “característica” da urbe... Este sistema urbanístico... teve início no século XIII, altura em que decorria também o processo de formação do arrabalde. É um núcleo contemporâneo da cidade principal que, depois de vingar alguma concentração habitacional, funcionou como um burgo que gravitava em torno de um núcleo maior... O suporte institucional era dado pelo Mosteiro fundador do burgo. A importância das ordens religiosas era grande, uma vez que “comandavam” a comunidade que agregavam, orientavam funções, mantinham ações de manutenção e controlo do território e funcionavam como elemento agregador material e espiritual. Mantinham a comunidade unida, ajudando-a em tempos de crise e colaborando no sistema do quotidiano.

... O Burgo na sombra do Mosteiro. O Mosteiro de Santa Maria de Celas é fundado por D. Sancha, filha legítima de D. Sancho I de cognome de Povoador, em data anterior a 1213. O local chamava-se Vimarannes ... A importância do Mosteiro foi notória para a formação deste aglomerado. Com hábitos quotidianos característicos, esta comunidade adquiriu uma identidade característica, presente na organização da comunidade e do espaço por ela habitado.

Todo o burgo, com seus quintais, estava perfeitamente delimitado por 25 marcos com a inscrição epigráfica «CELAS» e ainda por um muro. Todo o domínio do Mosteiro de Celas confrontava com terras de instituições religiosas, o que comprova o poder institucional das ordens que ocupavam e regravam grande parte do território. 

No século XVI, houve grande desenvolvimento do burgo. A população residente participava nas construções dos colégios universitários que cresciam na cidade consolidada, fornecendo mão-de-obra para os trabalhos. Contribuíam, desta forma, para o crescimento urbano, mostrando a gradual importância dos burgos envolventes para o desenvolvimento do núcleo principal. No final do século, a zona crescera e redefinira-se e a sua população duplicou.

Em finais do século seguinte, o Mosteiro recolhia 120 freiras e aproximadamente o mesmo número de encostadas, mulheres que viviam como ajudantes da comunidade. O Burgo de Celas ficava todo dentro dos limites do Mosteiro e era habitado, em 1740, por 53 famílias, perfazendo uma população que ultrapassava os 200 habitantes que residiam em 63 casas de sobrado e 36 casas térreas com suas alfaias e seus animais domésticos, mediante o pagamento ao Mosteiro em bens e géneros. O aglomerado de Celas estava, assim, perfeitamente assinalado e englobado na extensão da cerca do Mosteiro.

Atualmente, ocorre uma situação contrária, pela falta de limites morfológicos, não se reconhecendo mais a forma do seu tecido.

Em 1889, a sua integração no território citadino carecia apenas da construção de uma estrada ligando-a à Praça da República. Assim que ela fosse aberta, ficaria bordada de edificações. É o exemplo de uma expansão acumulativa em que, após traçado um eixo, em forma de arruamento, logo nascem edifícios a conformá-lo...Foi o processo de junção do burgo com a cidade, iniciado com o plano da Avenida Sá da Bandeira... Nos anos 40 do século XX, Celas era descrito como um bairro residencial periférico, na extensão Nordeste da cidade. Era “um conjunto de casas antigas a rodear o convento, formando um lugar urbano pitoresco”. A sua ocupação acentuou-se nos anos 30, quando a ruralidade da zona Norte da cumeada se alterava significativamente, graças ao elevado ritmo de construção nas décadas de 40 e 50.

Ferreira, C. 2007. Coimbra aos Pedaços. Uma abordagem ao espaço urbano da cidade. Prova Final de Licenciatura em Arquitectura pelo Departamento da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra, orientada pelo Professor Arquitecto Adelino Gonçalves, p. 57-60

 

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por Rodrigues Costa às 21:55

Quinta-feira, 24.11.16

Coimbra e as suas personalidades: Luís Augusto de Parada e Silva Leitão

Nasceu a 12 de Junho de 1811 em Elvas, onde o pai servia como capitão, no contexto das invasões francesas.

No ano letivo de 1834-1835 esteve matriculado na Universidade de Coimbra, no 1.º ano de Filosofia e no 1.º ano de Matemática. Vivia ali, na Rua da Sofia, n.º 404 ... num dos assentos desse ano letivo é dado como ausente.

Em 2 de Maio de 1840, foi admitido no Instituto Dramático de Coimbra

... discípulo da antiga Aula Régia de Desenho de Figura e Arquitetura Civil, “... terá colaborado em periódicos políticos do Porto e de Coimbra... Professor de Desenho no Instituto Industrial de Lisboa... alternou a sua residência entre Lisboa, Coimbra e Porto, tendo sido sobretudo desenhador e litógrafo.

 ... Em Coimbra, foi membro da Loja Maçónica Filadélfia, fundada em 1844. Já havia sido membro de outra loja coimbrã, a Loja Segredo, de 1843 (extinta em 1844)... esteve envolvido na malograda revolução de Coimbra de 8 de Março de 1844, quando era litógrafo e ali vivia num edifício arrendado pela Misericórdia, ao cimo da antiga Rua de Coruche (atual Rua Visconde da Luz). Neste edifício foi improvisada uma tipografia, para se imprimir o periódico “A oposição nacional”, fiel ao Partido Progressista e redigida por irmãos da mencionada Loja Filadélfia. Esta tipografia terá sido fechada por ordem judicial, devido ao teor oposicionista do mencionado periódico. Já noutro edifício da mesma rua, no ano de 1845 viria a ser impresso um folheto clandestino contra Costa Cabral. Intitulou-se “Duas palavras aos governados por occasião de eleiçoens” e contou com gravuras satíricas da autoria de Luís Augusto de Parada e Silva Leitão. Como consequência, viria a ser pronunciado, e detido na casa onde residia em Coimbra.

Supomos que... tenha exercido a litografia sobretudo nos primeiros anos após a conclusão dos estudos na Universidade de Coimbra, cidade onde terá então ficado a residir. De facto, juntamente com o seu irmão... descobriu pedra própria para litografia no Monte da Assioga, na freguesia de S. Martinho do Bispo, arredores de Coimbra. Depois de ensaios feitos no Porto em 1838, concluiu-se que as pedras extraídas desse monte eram realmente de boa qualidade para litografia, tendo então sido formada a Companhia da Exploração das Pedreiras Litográficas em Coimbra, graças à participação de alguns investidores. Luís Augusto de Parada e Silva Leitão foi nomeado diretor da exploração, sendo-lhe então reconhecidos o seu “zêlo pela glória, e prosperidade nacional”, o seu “saber e inteligência” ... “a visitar a Exposição Universal de 1855, em Paris, para estudar “o estado de perfeição da Photografia, da Chromolytografia, da arte de esmaltar os metaes, e da estamparia em tella e em papel; para melhor desempenhar as funções do magistério nos pontos de contacto entre o dezenho e estas artes”.

Queiroz, H.F.F. 2015. Notas para uma biografia de Luís Augusto de Parada e Silva Leitão. 1811-1858. In ArtiSom. Artes Decorativas. N.º 1. Pg. 218 a 222

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por Rodrigues Costa às 11:38

Quarta-feira, 23.11.16

Coimbra: a Roda dos Expostos

As «Ordenações Filipinas» (1603), livro I, título 88, Parágrafo II, legislavam sobre os filhos ilegítimos, obrigando a família da criança, até ao terceiro grau, tomá-la à sua guarda e criação, e na falta de familiares a serem entregues em hospitais e albergarias. O mesmo princípio era aplicável aos filhos de religiosos ou de mulheres casadas, com os maridos ausentes.

... A Misericórdia de Coimbra tinha já no seu «Compromisso» de 1620 um capítulo que tratava «De como se há-de acudir aos meninos desamparados», e onde se dizia não lhe caber o encargo com os meninos abandonados ou enjeitados, que pertencia sim às Câmaras Municipais, mas tão-somente lhe pertencia a defesa daqueles a quem as mães morriam, ou adoeciam demoradamente, e não tivessem família para as acolher

... as provisões régias de 7 de Maio de e 14 de Novembro de 1708 fizeram passar para o total encargos das Misericórdias o acolhimento de todos os expostos.

... vindo a ser oficialmente reconhecidas as «rodas» no reinado de D. Maria I, através do seu ministro Pina Manique, e, pela lei de 24 de Maio de 1783.

... em 19 de Setembro de 1826 é publicado um decreto que ... criava em cada distrito administrativo, e a ser suportado economicamente pelas Câmaras ... «rodas» para criação de expostos.

... em 19 de Março de 1839 que se «assentou em princípio» tomar conta daquela administração, fazendo publicar um regulamento, contido em 106 artigos, e cujo preâmbulo abria com as palavras «a Câmara Municipal desta Cidade de Coimbra compelida pela lei a tomar sobre seus já sobrecarregados ombros o fardo da Administração dos Expostos, fardo tanto mais pesado quanto é certo o lamentável estado a que por força das circunstâncias se acha reduzido um estabelecimento tão pio...»

... constantes foram as dificuldades da Câmara na sustentação, proteção medico medicamentosa, e até de alojamento, para centenas de crianças, que no clamor horrorizado de Martins de Carvalho «os infelizes expostos estão também sofrendo o péssimo estado da receita das câmaras municipais. Há dias abriu-se o pagamento às amas do trimestre de Outubro a Dezembro de 1856. Pagou-se a quantia de 1.200$000 réis, que existiam em cofre, e suspendeu-se o pagamento às amas que restavam, que eram ainda mais de dois terços.»

E seria o Mesmo Martins de Carvalho que explodindo em raiva, escrevia pouco depois «consta-nos que no mês de Agosto findo entraram na roda desta cidade 24 expostos e faleceram 32! Isto é horrível e extraordinariamente desumano! Por esta forma está a roda convertida em um açougue. Desgraçado do recém-nascido que entre o limiar daquela casa”

... 1863-15/XI – O Asilo da Mendicidade aloja-se na casa da Travessa de Montarroio onde antes estivera a Roda dos Expostos

... 1864-21/III – A Junta Geral do Distrito alija de si a manutenção da Roda dos Expostos que atribui, nos termos legais, à Câmara, mantendo-se assim até 1872, ano em que se passou a denominar de «Hospício»

... 1865-10/III – Muda-se a roda dos expostos da casa de Montarroio para o dormitório do Pilar, de Santa Cruz

 

... Expostos no período de 1849 a Outubro de 1857

1849 - Expostos entrados, 648; Expostos falecidos, 536

1850 - Expostos entrados, 597; Expostos falecidos, 343

1851 - Expostos entrados, 683; Expostos falecidos, 338

1852 - Expostos entrados, 604; Expostos falecidos, 262

1853 - Expostos entrados, 470; Expostos falecidos, 52

1854 - Expostos entrados, 600; Expostos falecidos, 60

1855 - Expostos entrados, 462; Expostos falecidos, 224

1856 - Expostos entrados, 477; Expostos falecidos, 339

1857 - Expostos entrados, 404; Expostos falecidos, 239

 

22 de Fevereiro de 1911, é publicado o Decreto que extinguiu o «hospício».

Silva, A.C. 1972-1973. Anais do Município de Coimbra. 1840-1869. Pg. XIX a XXI, LII a LVIII

 

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por Rodrigues Costa às 11:11

Terça-feira, 22.11.16

Coimbra: o 8 de Maio de 1834

A Câmara, com a saída das últimas tropas de D. Miguel, reúne extraordinariamente em 7 de Maio, véspera da entrada em Coimbra das tropas liberais vindas da Mealhada, e a contragosto, ou por fracas convicções políticas, a Câmara da presidência do Vereador mais velho, Dr. Joaquim da Costa Pacheco, delibera «proclamar Dona Maria II Rainha de Portugal, com geral satisfação e entusiasmo não só dos membros da mesma Câmara. Mas de toda a cidade, de cujos sentimentos estão sabedores os mesmos representantes da Cidade e da Câmara.»

Esta deliberação foi levada ao comandante das forças liberais, estacionadas, como se disse, na Mealhada, forças que «passaram» por Coimbra no dia seguinte, sob o comando do Duque da Terceira.

Aquela «satisfação e entusiasmo» era postiça dado que a cidade, pela situação especial de nela estar a Universidade, o Bispado, e os numerosos Colégios religiosos, fora sempre mais para a banda da fação de Dom Miguel, só que a repentina metamorfose dos edis não obstou à sua substituição imediata.

Quanto à Câmara, parece que nada mais aconteceu que esta mudança, já o mesmo não se dando com o Bispo Dom Joaquim de Nazaré, que indo despedir-se, ao Alentejo, de Dom Miguel, foi preso no regresso a Coimbra, em Arraiolos, e depois levado para o Castelo de Lisboa, onde esteve preso cinco meses.

E os saneamentos também chegaram à Universidade, sendo dela expulsos quarenta e seis lentes e numerosos estudantes.

O período que se seguiu àquele 8 de Maio, após uns dias de euforia liberal, foi o que era de prever, como reação a anteriores perseguições miguelistas. Dos partidários miguelistas, os mais notáveis que não puderam fugir, foram presos e alguns assassinados nas ruas.

Martins de Carvalho, impoluto liberal, que sempre combatera o miguelismo e por isso se homiziara e sofrera prisão, escreveu atribuindo esses crimes a exaltados, não escondendo que, em Coimbra, se instalara a anarquia e pela Beira era grande a inquietação, formando-se quadrilhas de bandidos e assassinos como os Brandões e outros.

Silva, A. C. 1988/89. Notas para a história da zona envolvente do Mosteiro de Santa Cruz. Separata de Arquivo Coimbrão, vol. XXXI-XXXII. Coimbra. Câmara Municipal. Pg. 26 e 27

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por Rodrigues Costa às 23:20

Quinta-feira, 17.11.16

Coimbra: o Mosteiro de Santa Cruz e os Mártires de Marrocos

Os cinco desafortunados franciscanos ... naturais de Toscânia, foram enviados a Marrocos, por São Francisco, para levarem e pregarem a mensagem evangélica nas terras do Miramolim.

... Movido de má vontade, perante várias insistências dos pregadores, o sultão mandou matá-los e deitar os cadáveres na lixeira da cidade. Dom Pedro (irmão do rei D. Afonso II), quando soube do caso, procurou maneira de, secretamente, no silêncio da noite posta, recolher as ossadas poupadas ao fogo, sendo coadjuvado nessa piedosa tarefa pelo seu confessor e cónego de Santa Cruz, o padre João Roberto.

Sabe-se que procederam às preparações das relíquias e, já limpas e secas ao sol, envolveram-nas em panos mouriscos e colocaram-nas em caixas de madeira. Partiram com estes despojos e, chegados à Galiza, Dom Pedro separou-se da comitiva, que prosseguia para Coimbra, no sentido de homenagear o monarca, como também a sua cidade natal, com um legado muitíssimo valioso, vindo sob o cuidado do serviçal Afonso Pires.

No campo do Bolão, teve lugar a condigna receção, feita na presença de Dom Afonso II, do cabido da catedral e de grande multidão de fiéis que, processionalmente, quiseram acompanhar o percurso das referidas caixas, transportadas por duas azémolas, sempre ligeiras à cabeça do cortejo, mas, em vez de seguirem na direção da Sé, meteram-se, milagrosamente, para Santa Cruz, cujos cónegos terão preparado para serem os detentores daquelas preciosidades.

Dias, P. e Coutinho, J.E.R. 2003. Memórias de Santa Cruz. Coimbra, Câmara Municipal. Pg. 54, 56 e 57

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por Rodrigues Costa às 14:50

Quarta-feira, 16.11.16

Coimbra: S. António e o Mosteiro de Santa Cruz

Uma riqueza tão dilatada, como se sabia ter o Mosteiro conimbricense, contribuiu, juntamente com outros acontecimentos entretanto verificados na comunidade, para que Dom Fernando Martins, cónego regrante de Santa Cruz, ansiasse por atingir uma vida de maior perfeição, requerida pela brilhante cultura que foi recebendo desde que chegara de Lisboa, por força da radicalidade das exigências evangélicas e pelo singular testemunho da pobreza manifestado nos humildes frades franciscanos.

... Com efeito, nas opções do futuro Sant’António, pesaram as vicissitudes epocais e, também, as circunstâncias em que se viram os cinco desafortunados franciscanos (martirizados em Marrocos) que conhecia.

... Refletindo, pois, a vida missionária dos mártires marroquinos, o cónego Dom Fernando Martins desvincula-se dos crúzios e faz-se frade franciscano (num pequeno convento franciscano no local onde hoje está a igreja de Santo António dos Olivais): com o hábito de burel, o novo nome vai ser António, depois célebre como notável pregador e, porque distintamente culto, declarado Doutor Evangélico, num manifesto reconhecimento das invulgares capacidades intelectuais e da brilhante preparação cultural obtida no Mosteiro de Santa Cruz, assim declarado pelas altas instâncias eclesiais romanas.

 Dias, P. e Coutinho, J.E.R. 2003. Memórias de Santa Cruz. Coimbra, Câmara Municipal. Pg. 54 e 57

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por Rodrigues Costa às 10:04

Terça-feira, 15.11.16

Coimbra: Mosteiro de Santa Cruz, o processo construtivo dos seus edifícios

 Mosteiro de Santa Cruz então fundado naquele memorável ao de 1131.

A primeira pedra foi colocada no dia 28 de Junho – véspera da festa dos Santos Apóstolos – e tinha por finalidade perentória designar o nascimento visível da comunidade sediada na zona dos Banhos Régios, a pouca distância da muralha norte de Coimbra, com intuitos bem manifestos através da cisão havida no cabido catedralício, do qual um grupo de personalidades superiores preferiu sair, de modo que pudessem iniciar uma distinta maneira de vida, plenamente fiel às exigências cristãs e segundo critérios expressos na chamada «Regra de Sant’Agostinho», mas tipificada na «Regula Consensoria».

Na verdade, foram necessárias algumas décadas até se corporizarem os firmes anseios ocorridos a Dom Telo quando, no dealbar do século XII peregrinara pela Terra Santa ... quis aproveitar a situação para conseguir, em troca compensatória, receber o terreno dos almejados Banhos Reais ...  Bastou ser empossado no senhorio do sítio, para logo comprar ao bispo Dom Bernardo, por trinta morabitinos áureos, uma fonte de frescas águas abundantes, localizadas nas vizinhanças.

... Subsistem alguns vestígios arquitetónicos da notável igreja românica, que se pode conhecer e reconstruir através de vários restos construtivos e decorativos de valor excecional, porque realçam um saber qualificado verdadeiramente responsável pela solides das estruturas ainda visíveis, levantadas sob orientação técnica do mestre
Roberto

 

Dias, P. e Coutinho, J.E.R. 2003. Memórias de Santa Cruz. Coimbra, Câmara Municipal. Pg. 21 a 23, 59

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por Rodrigues Costa às 18:31

Sexta-feira, 11.11.16

Coimbra: Os Salatinas e a Música Tradicional de Coimbra 2

Por outro lado, a Serenata, que, como ritual, era prática frequente desde a época medieval, veio a dominar o imaginário lúdico-musical da cidade oitocentista, assistindo-se, a partir de finais dessa centúria, a várias serenatas levadas a efeito pelos cultores populares, por lugares e ruas do velho burgo, sendo de destacar as «serenatas fluviais» ao longo do rio Mondego, em ocasiões especiais de eventos a comemorar, nomeadamente em tempo de festas da Rainha Santa, em que tocadores, cantadeiras e cantores se faziam transportar em «barcas serranas».

Neste «imaginário» popular importa referir o período, a partir do último quartel do século XIX, em que, num bairro da velha «Alta», habitaram alguns dos mais ilustres cultores populares da cidade – os «Salatinas». Gente alegre e com grande propensão para a música, verdadeira depositária da autêntica memória musical coimbrã, eram eles quem melhor assimilavam e transmitiam às gerações vindouras as “malhas” de composição da Música Tradicional de Coimbra. Assim, até meados do século XX, homens como Alexandre da Silva Louro (1899-1985), alfaiate, serenateiro e cantador de operetas, Fernando Rodrigues da Silva (1915-1964), barbeiro, executante de violão e guitarra, Augusto da Silva Louro (1902-1927), funcionário dos Correios e executante de violão, José Maria dos Santos (1906-1976), funcionário da Biblioteca Geral da Universidade, jornalista e executante de violão, José Lopes da Fonseca (Zé Trego) (1883-1976), barbeiro, funcionário do Magistério Primário, serenateiro e executante de violão, Carlos da Silva Moeira (1904-1976), funcionário da Câmara Municipal, cantor e serenateiro, conhecido por o “rouxinol de Coimbra”, Raul de Carvalho Freitas (1931-?), bancário e cantor, Abílio Gaspar Madeira (1901-?), funcionário da Imprensa da Universidade e executante de violão, Carlos Alberto Louro da Fonseca (1930-1995), executante de violão, e Flávio Rodrigues da Silva (1902-1950), barbeiro e executante de guitarra, entre outros, fazem parte de uma plêiade de cultores «salatinas» a quem a Música Tradicional de Coimbra muito deve. Todavia, a partir de 1942, com a criminosa demolição da parte da «Alta» e o consequente desmoronar de todo o «imaginário» popular tradicional, assim como o posterior falecimento daqueles músicos populares, esta música foi perdendo as referências humanas que sempre a haviam mantido como uma tradição cultural vida de cidade. Porém, é bom não esquecer que existe toda uma riqueza etno-musical popular a redescobrir para que se não pense que Coimbra é, única e exclusivamente, uma terra de estudantes.

Cravo, J. 2012. Os Salatinas e a Música Tradicional de Coimbra. In: Músicos Salatinas. 1880-1947. Exposição Fotográfica e Documental. Coimbra, Câmara Municipal de Coimbra, pg. 17-18

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por Rodrigues Costa às 09:37

Quinta-feira, 10.11.16

Coimbra: O Fio da Navalha e as Cordas da Guitarra

 

Mais de meio século depois, é preciso puxar pela memória. E voltar a entrar no Palácio dos Grilos, ou melhor, no antigo Colégio de Santa Rita, então, desde a destruição da antiga “Bastilha” em plena Rua Larga, a sede da Associação Académica.

No pátio da entrada os restos do monumento a Luís de Camões, em que sobressaia o Leão, que, inaugurado em 1881, fora também vítima do camartelo, vindo muitos anos mais tarde a ser reconstituído junto ao CADC, e atualmente colocado ao fundo da Avenida Sá da Bandeira.

Ultrapassada a porta principal entrava-se no que fora a igreja do Colégio Universitário. Sobre a porta, uma espécie de coro, com uma mesa de pingue-pongue; nas paredes algumas glórias do futebol, de separatas do “Mundo de Aventuras”, entre as quais Azeredo, ao que consta, hoje o mais antigo jogador da “Briosa” ainda vivo.

A antiga igreja era ampla. No que fora o altar-mor com os seus ornatos, um longo balcão corrido do qual o senhor Álvaro, qual comandante de navio, dirigia as operações, auxiliado pelo senhor Xico, satisfazendo o pedido dos académicos espalhados pelas mesas.

E, julgo que a memória não me trai, o bilhar completava o quadro.

Do lado direito de quem estava virado para o antigo altar, uma porta que dava para a sede propriamente dita, onde se situavam o Salão Nobre, a sala da direção da A.A., as várias secções, o Orfeão e a Tuna Académica, que aí tinham os seus ensaios, a sala e o pátio onde tantas e acaloradas assembleias magnas tiveram lugar nesses primeiros anos da década de 60. Isto sem esquecer o refeitório da Sociedade Filantrópica, num tempo em que as cantinas universitárias eram uma miragem.

Do lado contrário, à esquerda, uma porta semelhante dava entrada para uma insólita barbearia. De vez em quando ouvia-se o tic-tac de uma tesoura ou o som de uma navalha a ser afiada na tira de sola existente para o efeito.

Mas, sobretudo, ouviam-se os sons de uma guitarra ou de uma viola, sublinhados pela voz de um “sol maior” ou de um “ré menor”, um “outra vez” ou um “está melhor”, proferidas pelo senhor Fernando, o barbeiro que ensinou sucessivas gerações de académicos a acompanhar com os seus instrumentos a canção coimbrã.

Era, pois, aquele cubículo, um minúsculo conservatório onde, entre duas barbas e um corte de cabelo, estudantes aprendiam a tocar, e tantos foram, tendo como mestre Fernando Rodrigues da Silva, tal como o seu irmão Flávio, exímios executantes, na tradição familiar de seu pai, o violinista António Rodrigues da Silva.

No desenrolar da crise académica de 1962 a sede da Associação Académica viria a ser invadida pela polícia e os estudantes que nela se entrincheiraram presos, sendo então encerrada, e onde não mais voltaria a ter lugar.

Calaram-se assim os acordes melodiosos da velha barbearia. E o mestre Fernando passaria e fazer barbas e a cortar cabelos ao domicílio, continuando a dar lições na sua casa na Rua da Matemática.

Pouco tempo depois, em 2 de Dezembro de 1964, viria a falecer, com 49 anos apenas. Dir-se-ia que os deuses do Olimpo e os santos o chamavam para o Paraíso, não para lhes aparar as barbas ou cabelos, do tamanho de séculos, mas para, cansados da música celestial das liras e das harpas dos querubins, ouvirem algo de novo, mais vivo e vibrante: a viola e a guitarra de Coimbra, percorridas pelas mãos ágeis de Fernando Rodrigues da Silva.

Andrade, C. S. 2012. O Fio da Navalha e as Cordas da Guitarra. In: Músicos Salatinas. 1880-1947. Exposição Fotográfica e Documental. Coimbra, Câmara Municipal de Coimbra, pg. 8

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por Rodrigues Costa às 21:07

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