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A' Cerca de Coimbra



Quinta-feira, 28.07.16

Coimbra: a Fonte da Madalena

A Fonte da Madalena encontra-se na Rua Olímpio Nicolau Rui Fernandes, encostada a um muro de suporte a um dos terraços da Escola Jaime Cortesão ... na parte que corresponde a um dos torreões que ficam dentro desses mesmos terraços, já fora do sítio primitivo mas bastante próximo.

Era uma das fontes da quinta, na parte denominada Horta, que se alongava pelo vale do mosteiro de Santa Cruz.

“Faz enquadramento à fonte propriamente dita, um pórtico, simples e desadornado, de pilastras lisas dóricas, do séc. XVII. Assenta a meio do entablamento, o resto duma cruz (só a base inferior) ladeada de dois acrotérios, na perpendicular das pilastras.

A bacia em forma de concha fica já sob o piso do passeio, defendida por um resguardo em ferro forjado. Resta a parte superior, do séc. XVIII, datada de 1729 (ano da construção da fonte), formada por duas aletas, completadas duna pequena cornija, na qual se apoia um rótulo ornado de motivos barrocos em CC e grinaldas pendentes com folhas, flores e frutos. Nesse mesmo rótulo está gravada uma inscrição aludindo às lágrimas com que a padroeira da Fonte regava os pés do Senhor, bem como à corrente que ali brotava ... cuja tradução livre daria:

«Aquela (Magdalena) que de lágrimas

contrita banhou

os pés do Senhor.

rega com um rio de lágrimas

as plantas dos seus servos»

... A água da fonte da Madalena seguia, da nascente na própria cerca, diretamente para a fonte e foi entregue ao consumo público em 1839, quando foram abertas as novas ruas de comunicação para o bairro alto.

Lemos, J.M.O. 2004. Fontes e Chafarizes de Coimbra. Direção de Arte de Fernando Correia e Nuno Farinha. Coimbra, Câmara Municipal de Coimbra. Pg. 31

 

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por Rodrigues Costa às 23:49

Quarta-feira, 27.07.16

Coimbra: a Fonte Nova

A primeira referência à Fonte Nova de que há conhecimento, é de 1137 como Fonte dos Judeus (fons judeorum). Esta denominação ter-se-ia ficado a dever à localização na extremidade do bairro judaico e começo do seu almocávar (cemitério).

Consta que esta fonte, destinada ao abastecimento público, era a mais antiga nascida junto à cidade de Coimbra pois, já em Junho de 1137, a ela se faz referência na demarcação da paróquia de Santa Cruz.

... conforme refere F.A. Martins de Carvalho, a Fonte dos Judeus só no ano de 1725 tenha passado a ser designada por Fonte Nova, aquando a reforma que lhe foi feita, à qual se refere uma inscrição em romano maiúsculo e abreviado ... Esta inscrição pela sua extensão ser desproporcionada para o limitado espaço do rótulo, tornou-se uma tarefa verdadeiramente difícil para o canteiro a quem foi incumbida a gravação. Por tal motivo, tê-la-ia apertado até que a última linha acabou por ficar indecifrável. Nessa inscrição vê-se que “No Anno Aureo da Lei da Graça de MDCCXXV” esta Fonte, velha pelo tempo, aparece como “Faenix Renascida”.

... A Fonte Nova terá sido também denominada por Chafariz da Ribella? Esta suposição tem por base uma descrição ... é relatada a tempestade, inundações, trovoadas, etc., que aconteceram em Coimbra no dia 16 de Junho de 1411: “Desta escuridão de trouões sahirão coriscos, os quais derão em hum muro da cérca do dito mosteiro de Santa Cruz, que está na horta da parte de cima, junto ao chafariz da Ribella, que era mui forte de pedra & cal e derubarão do dito muro bem dez graças”.

Nesta fonte foram feitas, ao longo do tempo, várias obras, destacando-se pela sua importância, a realizada por mestre Manuel Roiz (Rodrigues) que lhe acrescentou a arca.

Segundo informação que a Câmara Municipal de Coimbra enviou a El-Rei, em 8 de Janeiro de 1749, sabe-se “... que era favorável ao pagamento que o referido mestre reclamava visto que tal importância se aplicava para a existência e conservação da água do chafariz da Fonte Nova, tão importante para o bem comum  do povo desta cidade que V. Magestade foi servido mandar reedificar como se averiguou antes que entrasse na dita obra, a qual não admitia demora pello prejuízo que ao contrário se seguia para o mesmo povo”.

... (está hoje) na rua Olímpio Nicolau Rui Fernandes, em frente ao Jardim da Manga, mandada ali colocar na década de 80 do século XX, pelo então Presidente da Câmara Dr .Mendes Silva.

O conjunto arquitetónico em que está inserida, contem, para além da fonte propriamente dita, a parede revestida de azulejos, em azul e branco, colocados de forma geométrica, uma escadaria que dá acesso à Rua de Montarroio.

Nota: A transferência da Fonte para a atual localização foi feita sob projeto do Arquiteto António Monteiro, à data responsável do Gabinete de História da Cidade que funcionava no âmbito do então Departamento de Cultura, Desporto e Turismo.

Lemos, J.M.O. 2004. Fontes e Chafarizes de Coimbra. Direção de Arte de Fernando Correia e Nuno Farinha. Coimbra, Câmara Municipal de Coimbra. Pg. 22 a 31

 

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por Rodrigues Costa às 23:58

Sexta-feira, 22.07.16

Coimbra: O estudante de Coimbra e as suas tradições 3

... narrativa de António Francisco Barata que, escrevendo em 1864, fala acerca do “Rancho da Carqueja” e, portanto, de alguns episódios de exercício da ‘praxe’ no início do século XVIII, até 1720.

“Os costumes académicos têm tido em Coimbra um certo cunho de originalidade.

É imemorial o tempo em que deram princípio em Coimbra as caçoadas, ou ‘troças’ feitas aos novatos, vulgarmente chamados ‘caloiros’.

Sendo nos princípios apenas no tributo da ‘patente’, que o novato pagava para almoços, ou merendas, foi, com o andar dos tempos, crescendo esse tributo. Já não era só o tributo pecuniário; o caloiro tinha de ser apupado, caçoado, graduado.

Se algum havia que se negava ao cumprimento religioso daqueles costumes e praxes académicas, esse lavrava, com a recusa, a sentença condenatória que o obrigava a provações mais sérias e tremendas.

E, assim, o ‘grau’, com a prévia tonsura, a defesa das teses, e, pior que tudo, a prova do ‘esquife’, eram trabalhos a que se não eximia nenhum; era a forca caudina de todo o novato valentão e desobediente.”

... outro testemunho sobre as praxes, o de João Eloy, que frequentou a Universidade na década de 90 do passado século XIX, e a quem se deve a ideia dos festejos do “Centenário da Sebenta”, em 1899.

“Era o ‘Palito Métrico’ ... o Código pelo qual se regia a ‘briosa’, e, nos casos omissos, recorria-se à tradição oral.

... Depois da última badalada da ‘cabra’, nenhum ‘caloiro’, ‘bicho’ ou ‘formigão’ podia andar na rua sem proteção.

Mas só o quintanista, o quartanista e o pastrano – ou seja o repetente do primeiro ano – gozavam de plena liberdade de trânsito, pois o semi... digo o segundanista, não podia passar do Arco de Almedina para baixo depois das nova da noite, e o terceiranista, para além da ponte depois das dez.

... Cada ‘troupe’ tinha, como figuras principais, o ‘chefe’ e os portadores, da tesoura, para os cortes de cabelo, e da colher, para as palmatoadas.

Várias formas havia de cortar o cabelo: umas vezes à escovinha, outras cortado em ‘crista de galo’, deixando-se apenas um traço de cabelo, da testa à nuca, outras ainda à Santo Antoninho ... Normalmente todos os da troupe andavam embuçados, para o que se dava à capa uma disposição especial, que não prendia os movimentos e só deixava à vista os olhos ... Para se escapar à alçada das troupes havia o recurso à ‘proteção’. Considerava-se protegido o caloiro montado por ‘veterano’, e o que fosse acompanhado por senhora, pais, irmãos, parente próximo ou bacharel, formado pela Universidade.

... Apesar da troça aos caloiros, das troupes, das imposições de grau, etc., etc., a Academia de Coimbra era um modelo de boa camaradagem e solidariedade ... Todos nos tratávamos por ‘tu’ sem necessidade de apresentações; uma ofensa a um ‘saca de carvão’ afetava toda a Academia”.

Ribeiro, A. 2004. As Repúblicas de Coimbra. Coimbra, Diário de Coimbra. Pg. 93 a 99

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por Rodrigues Costa às 09:44

Terça-feira, 19.07.16

Coimbra: O estudante de Coimbra e as suas tradições 2

De uma coisa podemos falar, é que a resposta dos estudantes de Coimbra foi quase sempre a uma voz. A estreita união entre os elementos da sociedade académica, para o melhor e o pior, levava sempre a uma resposta unívoca.

Se alguém ofendia um ‘saca de carvão’, ofendia toda a Academia e a resposta era dada a uma voz; se alguém necessitava de apoio e solidariedade, corria a palavra e toda a Academia participava de qualquer ação benévola e filantrópica. Iguais entre iguais, unidos mais do que irmãos, os estudantes de Coimbra formavam um todo.

... A peculiaridade característica das instituições coimbrãs torna-as muito diversas de outras quaisquer instituições que lhe estejam ou não próximas em termos de identidade. Se se disser – ‘andar à lebre’; ‘ir ao prego’; ‘é da praxe’; ‘como manda a tradição’; ‘é uma república’; etc. – em Coimbra, têm todas estas expressões uma carga simbólica e valorativa.

Carminé Nobre ... diz-nos ... “A praxe é uma das tradições da Academia Coimbrã. Vão longe, felizmente, os tempos do ‘canelão’ e de outras manifestações praxistas que por vezes chegavam a atingir momentos de violência que degeneravam em graves conflitos académicos, sem resultados honrosos para a Capa e Batina.

Nesses tempos, Coimbra era o terror para os ‘bichos’ e ‘caloiros’ e a própria ‘carta de alforria’ do ‘semiputo’ era estritamente condicionada às leis praxistas.

... O ano letivo de 1928 iniciou-se com uma ofensiva dos praxistas que a todo o transe, queria manter essa tradição académica.

A ‘caça’ ao ‘caloiro’ e ao ‘bicho’, depois das horas regulamentares era feita por cardumes de troupes que se espalhavam por toda a cidade, batendo os lugares ‘estratégicos’ ... Nesse Outubro, porém a praxe começou a tomar aspetos conflituosos, de certa gravidade, porque aos grupos praxistas opunham-se estudantes anti-praxistas.

No fundo era uma questão política, que se debatia entre republicanos e integralistas e no meio dos quais a praxe era ‘um motivo’ ... Todo este movimento praxista e anti-praxista foi acompanhado por alguma bordoada pelas ruas de Coimbra. Na Alta, na Baixa, à porta dos cinemas e nos bairros mais afastados deram-se conflitos entre estudantes que algumas vezes tiveram o seu epílogo no Banco dos Hospitais.

... Em 1935, surgiu novo conflito com a ‘revolta dos bichos’.

Em Outubro desse ano, o estudante de Letras, Zé Barata ... desencadeou uma ‘ofensiva’ troupista que estabeleceu o pânico nas hostes do liceu José Falcão ... Esta ‘ofensiva’ criou exaltações de independência por parte dos ‘oprimidos’ e o grito de revolta surgiu, forte, teso e guerreiro ... Na Calçada, a ‘troupe’ do Zé Barata enfrentou essa manifestação, que da Alta partiu, aos gritos de ‘abaixo a tirania’... Este ‘choque’ provocou uma tremenda zaragata, na qual tomaram parte, também, estudantes universitários anti-praxistas, que não hesitaram em dar o corpo ao manifesto, na defesa do ponto de vista dos ‘bichos’

Ribeiro, A. 2004. As Repúblicas de Coimbra. Coimbra, Diário de Coimbra. Pg. 87 a 93

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por Rodrigues Costa às 23:50

Quinta-feira, 14.07.16

Coimbra: O estudante de Coimbra e as suas tradições 1

No âmbito da Academia de Coimbra e naquilo que comummente dela se diz, desde sempre foi usada uma terminologia muito peculiar, como que procurando definir em conceitos formais algo que talvez não seja tão facilmente definível.

... um pequeno estrato da obra de Borges de Figueiredo:

“A Academia de Coimbra parece-se, em geral, com todas as academias do mundo; em particular, porém, não se parece com outra ... Nesta academia nunca houve distinções por línguas ... Mas houve sempre, mais ou menos a natural separação, em grupos, de estudantes da mesma província, formando os corpos mais unidos os ilhéus e os brasileiros

... O aluno da Universidade dizia: “Eu sou estudante de Coimbra”; estas palavras constituíam a sua divisa.

... na palavra de Antão de Vasconcelos e de José do Patrocínio ... O fidalgo e o plebeu, o rico e o pobre, igualmente uniformizados, entram na comunhão da vida académica, com o mesmo direito, com a mesma alegria, com o mesmo sentimento de posse ... Na igualdade que a capa e batina estabeleceu entre a mocidade universitária, reside o segredo do viço espiritual perpétuo de Coimbra.

... Um exemplo, dos muitos que poderemos enunciar, é a Sociedade Filantrópica Académica ... surgiu ... pela intuição solidária de um estudante madeirense, Feliciano Augusto de Brito Correia, quando este, corria o ano de 1849, implorou a proteção dos seus contemporâneos em favor daqueles a quem a falta de meios tolhesse o estudo.

... diz Antão de Vasconcelos “Era uma associação exclusivamente de estudantes e que formava por ano um certo número de colegas pobres, concorrendo com matrículas, mesadas, e demais despesas ... Não poucos se formaram em Portugal a expensas dessa associação.

... Ajudava os “Broeiros” ... estudante pobre das imediações de Coimbra, que recebia de casa em pequenas parcelas a alimentação: feijão branco, broa, orelha de porco, linguiça, etc., por mesada uns magros pintos para cigarros. Moravam sempre juntos e faziam bolsa com aqueles comestíveis para o mês ou semana.

A associação os socorria nas ocasiões de abrir e fechar matrículas.

Seus benefícios iam até ao que “andavam à lebre”.

Quando o estudante por estroina, jogador ou vagabundo perde as mesadas ... fica ‘à pauperibus’, como ali se diz. Então explora as repúblicas amigas. Almoçando aqui, jantando acolá, ceando além, dormindo com alguns amigos ou algures embrulhado na capa, até que melhorem os tempos e sopre a bonança.

Este estado é ali denominado ‘andar à lebre’,

Quando chegava ao conhecimento da Associação que algum companheiro ‘andava à lebre’, mandavam-lhe pequena quantia e logo abria uma subscrição, sem nunca declinar o nome do ‘caçador’. Era assim:

Um pegava no gorro, abeirava-se dos grupos ao cavaco e dizia: ‘Oh, coisas; deitai aqui o que quiserdes’. Toda a gente dava ... Feita a coleta, embrulhava-se a quantia em um papel; espreitava-se o tipo e logo que era encontrado, o portador descia o gorro pela cara abaixo, mascarando-se, e entregava-lhe o embrulho sem balbuciar palavra ... o ‘caçador’ não sabia quem lho dava e os académicos não sabiam para quem davam, mas sabiam a que fim se destinava.

Ribeiro, A. 2004. As Repúblicas de Coimbra. Coimbra, Diário de Coimbra. Pg. 79 a 85

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por Rodrigues Costa às 23:35

Quarta-feira, 13.07.16

Coimbra e as Repúblicas de Estudantes 4

Se considerarmos que uma comunidade de estudantes que designamos por “República”, comporta um número mínimo de quatro indivíduo.

... no ano letivo de 1872-1873 ... existiriam  trinta e três dessas comunidades.

... no ano letivo de 1883-1884 ... existiriam ... pelo menos quarenta e sete comunidades.

... Em 1925 existiam mais de dez “Repúblicas” com um total aproximado de oitenta e cinco membros ... a percentagem de “repúblicos” relativamente à população académica era de 3,2%.

... Em 1960 existiam dezoito “Repúblicas”, com um total de 153 membros que constituíam 3,1% da população académica.

... Em 1968 ... existiam 187 deles (“repúblicos”) que viviam nas 22 “Repúblicas” existentes, o que nos dá uma percentagem de 1,99%.

... Em 1993, o número de “Repúblicas” era de 25, vivendo em “regime repúblico” 212 estudantes ... uma percentagem de 1,17%.

... Em 1996, nas 28 “Repúblicas” existentes viviam 238 estudantes ... uma percentagem de 1,25%.

 

... Se algum dia, que não desejamos, a instituição “República” se extinguir, com ela se extinguirá também a Academia, morrerá o “espirito de Coimbra” e a “Nossa Universidade” será apenas mais uma escola de ensino superior ao lado das muitas que proliferam já no nosso País.

 

Informações adicionais

- No período que vai de 1838 a 1990 são identificadas como extintas 106 “Repúblicas” a que acrescem mais de 20 outras das quais só se sabe que existiram.

- À data da edição da obra citada é referida a existência de 27 “Repúblicas” e “Solares”

 

Ribeiro, A. 2004. As Repúblicas de Coimbra. Coimbra, Diário de Coimbra. Pg. 144, 147 a 161, 186 a 188

 

 

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por Rodrigues Costa às 23:48

Quinta-feira, 07.07.16

Coimbra e as Repúblicas de Estudantes 3

... o que é uma “República” e o que são as “Repúblicas” ... Tomando a palavra de Agostinho Correia de Sousa ... “Criadas há séculos, as “Repúblicas” mantém-se como outrora – núcleos destinados a permitir o convívio dos estudantes, desde a faceta habitacional à do convívio puro, e a potenciá-lo, o que não é virtude menos importante. Mantêm-se os aspetos tradicionais da praxe e juntam-se-lhe as outras funções de raiz que as determinaram – criação de uma ambiência especial e harmónica.”

... as Repúblicas têm sido sempre o modo mais tradicional da vida académica e o mais seguro baluarte das suas tradições, englobando uma parte da Academia que constitui uma espécie de classe dentro da classe académica, com os seus problemas próprios, o seu espírito próprio e os seus interesses específicos, os quais são comuns às diversas Repúblicas que têm existido. E esses problemas e interesses específicos são de todas as ordens, de todos os tempos e de todas as “Repúblicas”.

... à semelhança do que acontecia em outros países, a junção de estudantes, em pequenos grupos, cada um dos quais com comunhão de mesa e habitação, formando as célebres “repúblicas, com os nomes das terras de naturalidade, ou das ruas onde se situavam e ainda outros. Assim, por exemplo: República Minhota; Transmontana; Scalabitana; dos Grilos, dos Palácios Confusos; dos Sete Telhados; das Cozinhas; dos Apóstolos; da Matemática; Soviete Supremo. Na sua quase totalidade situavam-se no Bairro Alto, que podia dizer-se ser inteiramente académico.

Cada agremiado mobilava o seu quarto, e bem modestos eram os trastes no meu tempo, que já se compravam apropriados: uma cama de ferro com o respetivo colchão e travesseiros; um lavatório também em ferro, com bacia, jarro e balde, mesa cadeira e uma pequena estante, tudo em madeira de pinho ou de cerejeira, pintados de uma cor avermelhada e um candeeiro de petróleo.

Cada mês administrava um, que colhia dos colegas a respetiva mensalidade e tomava diariamente à ‘servente’ as contas do mercado e da mercearia.

A ‘servente’, além do arrumo dos quartos e da limpeza da casa, cozinhava o almoço e jantar, recolhendo seguidamente a sua casa. Em regra não se serviam pequenos-almoços nas “Repúblicas”.

... Conheci casas muito antigas nos Largos do Castelo e da Feira, nas ruas do Borralho, dos Militares, da Matemática, das Flores e em outros, que desde há muitas dezenas de anos, algumas rondando por duas ou mais centenas, deviam ter servido quase sempre para habitações dos estudantes.

... É muito comum dizer-se que “República” é a casa em que vive um conjunto de estudantes”. Eu direi que “República” é o conjunto de estudantes que habita uma mesma casa em espírito de República”. Porque, o importante aqui, não é a casa, é a comunidade humana constituída por aqueles estudantes.    

Ribeiro, A. 2004. As Repúblicas de Coimbra. Coimbra, Diário de Coimbra. Pg. 101 a 104

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por Rodrigues Costa às 22:11

Terça-feira, 05.07.16

Coimbra e as Repúblicas de Estudantes 2

Mas, a existência dos colégios, se serviu para minorar o problema de falta de habitação em Coimbra no que se refere à população escolar, não significou de forma alguma que não continuassem a existir carências.

Quanto se sabe, nunca os proprietários de casas devolutas tiveram dificuldades em as arrendar... praticar-se-iam preços especulativos, se não mesmo exorbitantes, se não existisse toda uma série de legislação régia que protegia os escolares da especulação dos senhorios. Assim, de três em três anos, quatro taxadores, sendo dois da Universidade e dois da cidade, taxavam as casas do reitor, dos mestres e dos estudantes. Quanto ao senhorio, este recebia a importância da renda em três prestações, não podendo exigi-la junta, ou aumentá-la, sob pena de a perder todo.

... E não eram apenas os indivíduos de linhagem, os nobres, e os de largos proventos que moravam em casas arrendadas. Era uma larga fatia do corpo escolar, seculares e leigos, que, dispondo de tão largos privilégios no tocante a moradas e abastecimento de bens e produtos necessários ao seu suprimento, habitavam em casas de particulares, continuando-se esta situação pelos tempos fora.

Da época de D. João V fala-nos Ribeiro Sanches ... dizendo que os estudantes viviam aos dois e aos três (tal como acontece nas repúblicas), e servia-os uma ama e um, dois ou mais criados como era permitido à sua condição social pelos Estatutos.

... as condições de alojamento evoluíram sempre. Mas, agora é a primeira vez que alguém nos fala duma vida comunitária de estudantes que habitam uma casa e têm uma “ama”, que não será mais do que a “servente” das repúblicas contemporâneas.

... ao tempo da Reforma de Pombal, com o decréscimo do número de estudantes, terá aumentado a oferta de habitação em Coimbra. Mas a situação iria durar pouco tempo. Na realidade, se houve uma inversão no crescimento da população universitária durante a Reforma, com o passar dos anos há um crescendo que volta a trazer-nos à situação anterior.

... este crescendo acaba por atingir ... uma situação... mais gravosa, quando se atinge  a revolução vintista (1820) e, muito particularmente, com a extinção das ordens religiosas e a passagem  dos colégios universitários para as mãos do Estado.

É nesta época que começa a dar-se o nome de “República” à comunidade de estudantes que vivem em regime de autogestão, comungando da mesma casa, da mesma mesa, e quiçá, do mesmo espirito e estilo de vida, àquele conjunto de estudantes com vida em comum que ... existe desde os primórdios da Universidade, ou melhor, do Estudo Geral em Coimbra.

Ribeiro, A. 2004. As Repúblicas de Coimbra. Coimbra, Diário de Coimbra. Pg. 77 e 78

 

 

 

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por Rodrigues Costa às 22:47


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