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A' Cerca de Coimbra



Quinta-feira, 31.03.16

Coimbra, venda de vinho 2

O vinho aquartilhado podia ser adquirido em diversas lojas. As vendas e estalagens, com obrigação de vendê-lo, cediam-mo, como é natural a quem as frequentasse. Noutros locais, proprietários ou regatões igualmente mediam vinho por miúdo.

… A transgressão das posturas podia implicar, além do mais, penas pecuniárias … No ano de 1617, por exemplo, ficou registada a receita de 28.000 réis de multas de barqueiros e vinhateiros da cidade … Os motivos das condenações são diversos: entre eles, o não cumprimento das taxas, a adulteração e falta de licença … Vender vinho ruim, que se não pudesse beber, implicava uma multa de 6.000 réis em 1607 … Em 23 de Junho de 1610 foi aplicada a multa de dez cruzados a quem vendesse vinho com gesso … Era também proibido, naturalmente, lançar água no vinho.

… Em 1620 obrigaram-se a vender vinho velho, entre Maio e Julho ao dia de Todos os Santos, 26 indivíduos, incluindo um de Celas. Do conjunto sobressaem, de modo explícito, 12 «barqueiros e vinhateiros» e dois vendeiros, um deles morador à Portagem e outro em Santa Clara, na rua das Parreiras.

… Os preços do vinho estavam dependentes, naturalmente, das colheitas … Em 12 de Maio (de 1620) a Câmara acrescentou um real por quartilho ao preço corrente do vinho. O mais fino não podia passar de 5 réis.

… Os 8 barqueiros contratados para fornecerem vinho de Lamego em 1614, deviam comerciá-lo em 5 lojas situadas na baixa: S. Bartolomeu, na Rua do Sol («de baixo do Hospital»), às Olarias …, junto ao Terreiro de Sansão … Os 14 barqueiros e vinhateiros que pelo menos tiveram intenção de se obrigarem em Fevereiro de 1618, deviam vender o vinho em 8 tabernas … Distribuíam-se por Santa Cruz, Olarias … Paço do Conde, cimo da Rua das Solas, Rua do Hospital e S. Bartolomeu. Aqui haveria três tabernas … Das 58 unidades vendedoras de 1624 apenas 28 exprimem a sua localização … Celas, 3; Rua das Solas, 1; Esteirinhas, 1; Feira, 4 (provavelmente mais uma); junto à Feira, 1; Arco de Inês Morais, 1; Sansão, 1; a S. Pedro, 2; Cais, 1; S. Cristóvão, 1; à porta do Paço do Bispo, 1; Rua Direita, 2; Porta do Castelo, 2; fora de Porta do Castelo, 1; Pedreira, 1; Portagem, 2; Terreiro do Marmeleiro, 1; Santa Clara, 1; defronte das casas de Salvador de Sousa, 1.

 

Oliveira, A. 1971. A Vida Económica e Social de Coimbra de 1537 a 1640. Primeira Parte. Volume II. Coimbra, Universidade de Coimbra, pg. 299, 300, 305

 

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por Rodrigues Costa às 09:45

Quarta-feira, 30.03.16

Coimbra, venda de vinho 1

As vinhas cresciam no aro citadino … Do vinho colhido nos «olivais da cidade», precisamente na área até onde o guardador da cidade estendia a sua vigilância, os «piães» pagavam a oitava parte ao monarca.

Para vender este vinho – e certamente outro, proveniente dos direitos reais – estavam reservados três meses de relego, a começar em 2 de Novembro. Neste tempo nenhum vinho da cidade ou de fora podia ser vendido atabernado sem avença ou licença de quem superintendia neste direito real ou o trazia arrendado. O vinho de fora «de qualquer parte e sorte», podia livremente ser vendido mediante o tributo, a favor do relego, de um almude por carga maior e meio almude por carga menor, quando as partes contratantes não pudessem ou quisessem fazer avença.

O relego destinava-se exclusivamente a vender na cidade o vinho de el-Rei.

… Passados os três meses do relego, ou acabado de vender o vinho dos oitavos, «o povo e moradores da cidade» podiam livremente transacionar o seu. O que acontecia, por vezes, pouco tempo depois de aberta «a casa e adegua do relego»

… O relego régio excluía a venda do vinho dos cidadãos durante três meses. Mas os governadores da cidade, como proprietários, souberam criar um relego da cidade durante quatro meses, no tempo em que o vinho tinha boa venda, para os moradores «averem algum proveyto de suas novydades».

 

... Pela foz do Mondego exportava-se vinho, provavelmente, pelo menos na época romana … as vinhas estão referenciadas por Edrisi.

Nos meados do século XIV Coimbra exportava-o pelo porto de Buarcos.

 

… Uma parte do vinho gasto pela população citadina era fornecida pelos proprietários conimbricenses ou do termo, diretamente, ou através dos regatões. Mas estes tinham de ir buscar mais longe o que faltava para satisfazer a procura quotidiana. A tarefa aparece confiada … a barqueiros … O que não excluía o transporte por terra … Em 24 de Novembro de 1574, encontramos a Câmara a almotaçar o «vinho de regatia e o que vem de fora de carretos» … O vinho transportado pelo Mondego podia estar sujeito a fiscalização antes de ser metido na cidade … Em Maio de 1611 a Câmara determinou o registo das pipas transportadas nas barcas, rio abaixo, tanto dos obrigados à cidade como dos que compravam vinho na Beira e o traziam pelo rio.

… Algumas fontes dos princípios do século XVII mostram-nos que semelhantes fornecimentos, nesta época, eram praticados em regime de monopólio. Com efeito, em Dezembro de 1610, por exemplo, treze barqueiros, todos moradores na cidade, obrigam-se a vender vinho atabernado, durante um ano, aos preços assinalados no contrato. Mas só eles, além dos proprietários, vendeiros e estalajadeiros o podiam fazer … Em Julho de 1614 deparam-se-nos nove indivíduos, de que pelo menos oito são barqueiros, a assumirem compromisso de venderem apenas vinho «boom e de Lamego» em seis lojas.

 

Oliveira, A. 1971. A Vida Económica e Social de Coimbra de 1537 a 1640. Primeira Parte. Volume II. Coimbra, Universidade de Coimbra, pg. 292 a 295, 297 e 298

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por Rodrigues Costa às 11:07

Terça-feira, 29.03.16

Coimbra, abastecimento de peixe no século XVI

O peixe do Mondego destinava-se ao consumo geral e, para este efeito, devia submeter-se a certas obrigações, como a de ser vendido, publicamente, na Praça. Mas a população … necessitava de consumir, como é óbvio, outras quantidades e qualidades de pescado. O governo municipal tinha de mandar buscá-lo, então, a outros pontos do curso do Mondego e, sobretudo, aos portos de mar.

Esta atribuição, segundo postura antiga, pertencia aos almotacés … Deviam ir «catar pescados aos portos do mar».

… A Câmara inscrevesse num livro todos os «piscadeiros e almocreves», da cidade e arrabaldes, e os distribuísse, «a giro, para irem buscar peixe onde houvesse».

… Os barqueiros da cidade tinham por ofício ir continuadamente a Buarcos, buscar sal, sardinha, bacalhau e marisco, que depois suas mulheres vendiam.

… Certos barqueiros citadinos, em 1595, pretenderam trazer sáveis.

… Em 1590, o tratante de peixe Gaspar Fernandes procura tirar de Aveiro … 200 arrobas de bacalhau acabado de chegar. E em Fevereiro de 1625, António Rodrigues, marinheiro, natural de Tavarede, vendia na cidade peixe salgado.

… Em Agosto de 1569 … uma postura camarária … permitia ao «picadeyro» da Universidade, Manuel Monteiro, vender na Praça da cidade o peixe que quisesse, «quer venha logo de Buarcos quer venha d’Aveiro.

… o pescado que se pescasse no caneiro, em bugigangas ou quaisquer armadilhas, situadas no termo da cidade, devia ser vendido na Praça … nestes documentos refere-se sobretudo a venda de sáveis e de lampreias. Um processo de encarecer as lampreias: conservá-las em viveiros, depois de pescadas, e apresentar na praça poucas de cada vez.

… A Câmara mandava que a passagem dos pescadeiros se fizesse de modo a tornar-se notada. Para esse efeito, em 1586, de novo determinou que fosse colocado a todos os animais que transportassem peixe fresco ou seco para vender, e antes de entrarem na cidade, «hum grande chocalho como antiguamente sohiião a trazer». Mas nem sempre o chocalhar das bestas abria bom caminho. Em 1620 a Câmara aponta as únicas vias que deviam seguir os pescadeiros. Chegados à ponte de Água de Maias, cortavam, no Verão, para S. Domingos-o-Velho e, daí, pelo terreiro das Olarias e Paço do Conde chegavam à Praça. No Inverno transitavam pela rua de Santa Sofia, com o mesmo destino.

… Em Abril de 1598 … a Câmara manda que as tainhas não fossem vendidas com tripas ou se descontasse o peso delas. As tainhas salgadas eram vendidas abertas, com as aberturas cheias de sal

… Para evitar a fraude no peso do polvo este devia ser vendido seco e não remolhado … Em Novembro de 1547 foi proibida a venda dos mexilhões com seixos, cascas velhas ou outra sujidade.

 Esclarecimento

O trajeto Aguas de Maias até à Praça, descrito no texto, corresponde hoje ao trajeto que vai da rotunda da Casa do Sal, pela Avenida Fernão de Magalhães (as ruínas do Mosteiro de S. Domingos-o-Velho foram recentemente identificadas e, em parte, escavadas sob o Almedina Coimbra Hotel), passando pela zona da Rua dos Oleiros e acedendo à atual Praça do Comércio pela Rua Adelino Veiga.

De assinalar, ainda, que na época, século XVI, este trajeto era impraticável no Inverno, dada a sua proximidade à margem do Rio.

 

Oliveira, A. 1971. A Vida Económica e Social de Coimbra de 1537 a 1640. Primeira Parte. Volume II. Coimbra, Universidade de Coimbra, pg. 272, 274 a 277, 291

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por Rodrigues Costa às 11:15

Segunda-feira, 28.03.16

Coimbra, abastecimento de carne no século XVII

Os açougues podiam ter de acordo com as carências de carne e possibilidades dos marchantes, um ou mais carniceiros contratos por tempo variável … eram obrigados, de modo geral, a cortar semanalmente uma quantidade mínima de carne.

 

… Os marchantes de vaca da Universidade … talhavam regra geral, às terças e sábados … Nos dias da semana em que os açougues da Universidade estavam abertos havia … carne de vaca. Os mesmos … poderiam comprometer-se a talhar também carneiro … e carne de porco, no tempo dela, havendo porcos de lande.

 

… Os açougues abriam de manhã cedo e encerravam à tarde, duas ou três horas depois do meio-dia.

 

…O consumo mensal nos quatro açougues pode comparar-se, por exemplo no mês de Maio (de 1624). O açougue camarário vendeu pelo menos 540,6 arrobas, o dos mesteres 302,5, a Inquisição 240,3 e a Universidade 349,7. Um total, portanto, de cerca de 21 toneladas e meia de carne resultantes do abatimento de 200 reses

 

Oliveira, A. 1971. A Vida Económica e Social de Coimbra de 1537 a 1640. Primeira Parte. Volume II. Coimbra, Universidade de Coimbra, pg. 223 a 225, 233

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por Rodrigues Costa às 11:13

Sexta-feira, 25.03.16

Coimbra: Abastecimento de cereais e o pão consumido no séc. XVI

O abastecimento da população da cidade e do termo, em geral, dependia diretamente da autoridade camarária
… As câmaras dos sábados, pelo menos no primeiro quartel do século XVI, estavam destinadas apenas às «coisas próprias da cidade»

… Os cereais panificáveis produzidos no termo de Coimbra, num ano de boas colheitas, satisfaziam as necessidades comuns da população antes da mudança definitiva da Universidade. Mas bastava um ano deficiente, mesmo sem a presença dos escolares, parar criar dificuldades
… o período crítico do abastecimento do pão situava-se, genericamente, de Março a Maio … Múltiplos documentos mostram a Câmara a procurar estes cereais (milho, centeio ou cevada), para alimento do povo.
…O cereal destinado ao abastecimento do «povo» conimbricense era vendido, de modo geral, na Praça, na Casa da Farinha

… A poia, nos fornos públicos, era de 20 pães. As forneiras eram obrigadas a dar a vez «a cuja direitamente for» e deixar «fazer o pão no forno enquanto suas donas quiserem». Neles deviam cozer, muito provavelmente, a maioria das padeiras
… Circunstâncias de aperto, como se verificou em Abril de 1563 (havia pouco pão «e o povo era grande»), podiam levar o governo municipal a obrigar um certo número de mulheres a amassarem e cozerem pão, que previamente lhe distribuía por medida e conta. O pão cozido era depois repartido. «Deste modo, por o pam ser pouquo se poderia este povo milhor sustentar»

… O pão podia ser de trigo, de milho e segunda. Não longe de Coimbra fabricava-se talvez, pão de castanha. Este fruto era largamente consumido na cidade, mas não encontrámos documentado o seu uso sob a forma de pão … As necessidades obrigaram, ainda, pelo menos na fome de fim de Quinhentos, a fabricar pão de linhaça.
... O pão branco era luxo para muitos moradores de Coimbra. O «povo miúdo e pobre» alimentava-se sobretudo de «segunda». Pão de segunda designava, genericamente, o que era fabricado com cereais panificáveis que não fossem o tripo ou o milho. Mas este cereal aparece, por vezes, incluído nesta nomenclatura. Pão segundo e pão terceiro aparece consumido pelos jesuítas
… A aveia, pelo menos com mistura de centeio, chegou a ser gasta como pão em Coimbra. O povo, já em 1578, comia principalmente pão de milho.
… Em Setembro de 1758 a Câmara coimbrã afirmava ser o pão de milho «o principal de que este povo se sustenta» … De milho miúdo, primeiramente. Por volta desta época (1578), ou pouco depois, desenvolveu-se a cultura do Zea mays. O zaburro entrou nos hábitos pelo menos da gente economicamente menos favorecida, ao lado do milho miúdo.

Oliveira, A. 1971. A Vida Económica e Social de Coimbra de 1537 a 1640. Primeira Parte. Volume II. Coimbra, Universidade de Coimbra, pg. 122, 123, 132 a 134, 141 e 142

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por Rodrigues Costa às 10:27

Quinta-feira, 24.03.16

Coimbra, produção agrícola

O azeite produzido na cidade e no termo, ao contrário do que se passava com o pão e o vinho, chegava para abastecer as áreas produtoras … O azeite … constituía já no fim do século XIV o maior rendimento agrícola da cidade. Os conimbricenses consideravam-no ainda, em 1556, como o seu principal rendimento.
… A produção excedia as necessidades de consumo. Talvez nem sempre, porém. … Com efeito, o azeite podia ser «exportado» para diversos pontos do País ou para o estrangeiro … em 1535 o azeite é um dos produtos que se evidenciam na saída da alfândega de Buarcos. Com efeito, pelo menos cerca de 2.700 alqueires foram embarcados com destino ao Algarve, às Ilhas Adjacentes, a Arzila, à Galiza, Biscais e Inglaterra.
… O azeite era sobretudo consumido na alimentação, em cru ou cozido, na iluminação e no preparar de certos produtos industriais, como o sabão.

…Os legumes e os frutos eram largamente consumidos em Coimbra … Os produtos hortícolas cultivam-se na própria cidade e arredores. As hortas da Arregaça, na continuação das quintas da Alegria, e as de Coselhas «que produzem muita hortaliça e dão muitos rendimentos».
… Nem todas as quantidades criadas na cidade e no termo eram produzidos em quantidade suficiente … Mas outros, pelo contrário, excediam as necessidades. Dentro destes destacavam-se os alhos e as cebolas … Estes alhos, dos «maiores & mais grados que se podem ver», tinham larga exportação para Castela e Leão.
… Nas «hortas» conimbricenses cultivam-se melões. Em 1605, certamente, os melões de Inverno … Em redor da cidade, em direção ao campo, «além dos lírios, & alguas rosas», havia tanta «erva» cidreira que em qualquer parte do campo se deitavam «homes sobre camas della» … Pela mesma época as favas e ervilhas eram também cultivadas.
… Coimbra, que produzia camoesas (maçãs), exportá-las-ia também? No termo da cidade havia outras qualidades de maçã «de muita dura de q há grãde abastãça & barato» Algum renome deviam ter as cerejas de «saco» e certa espécie de pêssegos … no tempo das uvas chegou a não ser permitido aos moleiros o trânsito pela estrada de Banhos Secos.

Oliveira, A. 1971. A Vida Económica e Social de Coimbra de 1537 a 1640. Primeira Parte. Volume II. Coimbra, Universidade de Coimbra, pg. 325 e 326, 329 a 333

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por Rodrigues Costa às 16:16

Quarta-feira, 23.03.16

Coimbra: Quando se exportavam mercadorias

Os mercadores que importavam ou exportavam por via marítima, pelo menos através da alfândega de Buarcos

… Em 26 de Junho de 1535, numa caravela que se destinava à Inglaterra, carregou Lopo Fernandes, mercador de Coimbra … 500 alqueires de azeite … um cónego da Sé 200 alqueires de azeite

… Casos como estes são fáceis de multiplicar … Em 16 de Agosto de 1536 foram despachados para Biscaia 5.800 alqueires (de linhaça) e, em 7 do mesmo mês, o mercador de Coimbra Diogo Fernandes dizimou 1.470 alqueires (trouxe ferro em retorno).

 

Oliveira, A. 1971. A Vida Económica e Social de Coimbra de 1537 a 1640. Primeira Parte. Volume II. Coimbra, Universidade de Coimbra, pg. 120

 

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por Rodrigues Costa às 09:31

Terça-feira, 22.03.16

Coimbra: Posse pela Câmara das dependências do Mosteiro de Santa Cruz

Auto de posse do edifício do extinto Mosteiro desta cidade, com os seus pertences, dada à Câmara Municipal da mesma (11 de Setembro de 1839)


... nesta cidade de Coimbra, e no edifício do extinto Mosteiro de Santa Cruz ... aí se acharam reunidos o ilustríssimo presidente interino, fiscal e mais membros da Câmara Municipal da dita cidade ... apresentadas as cópias ... da Carta de Lei de trinta de Julho corrente, e mais duas Portarias ... tudo relativo à concessão que as Cortes Constituintes da Nação fizeram à mesma Câmara do edifício e seus pertences (e logradoiros) do extinto Mosteiro de Santa Cruz... o qual tem princípio no cunhal da Igreja de Santa Cruz, em frente da Praça de Sansão, e corre pelo lado do Norte seguindo pelo Bairro de Montarroio acima, e daí segue até ao sítio da Fonte Nova, continuando daí pelo Nascente por toda a estrada acima, vindo a terminar na Rua das Figueirinhas, junto da Igreja de S. João, que foi pertença do referido Mosteiro, e cujo recinto se acha cercado de muros, dentro dos quais se acham o pequeno laranjal, horta, encosta... assim como as antigas hospedarias, onde atualmente está a Administração do Correio, antigas Casas dos Moços Fidalgos que seguem até à Torre, Pátio e mais casas e dormitórios, com o respetivo claustro grande junto à Igreja, rodeado de capelas, com um chafariz ao meio, e outro ao lado, casas da antiga Botica, quintal pegado e jardim junto a este; e logo saindo pela horta acima, sempre, caminhando junto aos canos das águas até chegarmos às suas nascentes, quase ao cimo da mesma quinta, donde passam pelos ditos canos aos dormitórios do mesmo Mosteiro, e daí se conduzem ao chafariz do Pátio, por baixo da Torre dos Sinos, e do mesmo edifício com todos os seus pertences, pequeno laranjal, horta, encosta, casas, claustro, dormitórios, águas da quinta acima indicadas, tomou o mesmo ilustríssimo presidente interino, com o fiscal e mais membros da Câmara Municipal, para o seu Município, posse atual, civil e natural, mansa e pacificamente, abrindo, fechando portas, pondo as mãos pelas paredes, lançando terra ao ar, cortando ramos das árvores, e praticando outros possessório da Lei.

Câmara Municipal de Coimbra. 1958. Antigas Dependências do Mosteiro de Santa Cruz. Petição e Fundamentos. Separata do Arquivo Coimbrão. Vol. XV. Coimbra, Câmara Municipal. Pg. 24 e 25

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por Rodrigues Costa às 09:49

Segunda-feira, 21.03.16

Coimbra e as suas personalidades: Ti Luís Latoeiro

Manuel Antunes de Carvalho, nasceu em Condeixa-a-Nova … a 12 de Dezembro de 1919 … conhecido, sobretudo, pelos nomes de “Luís Antunes” ou “Ti Luís Latoeiro” … filho de uma família tradicional e abastada … (em que) diz terem havido “18 latoeiros, dos quais só resta ele”.
Era filho de Raúl Antunes Xavier que foi Conservador no Registo Predial de Condeixa … e neto materno de António Pinho de Carvalho, famoso latoeiro do Bordalo, Santa Clara … e neto paterno … apesar de “compreensivelmente”, constar da sua certidão de nascimento a informação que é neto paterno de “avô incógnito” … do famoso Dr. João Antunes mais conhecido pelo “Padre Boi” … Padre, licenciado em Direito e Teologia, conservador do registo predial, professor, escritor, músico e compositor…
Muitos traços do avô, não só físicos mas também de personalidade, aplicam-se ao neto. Ele era uma espécie de espelho mais antigo vindo de outra época, com outras ideias e sensibilidades.
… A sua casa, em Cernache, tem normalmente, a porta entreaberta facilitando a visita habitual de inúmeros amigos … imediatamente percebemos que estamos perante um artesão respeitado e considerado por todos. As paredes estão repletas de documentos, fotografias, diplomas e homenagens que contam histórias de 80 anos de profissão e de quase 90 de vida … “Manuel Antunes de Carvalho, o último dos latoeiros”. É nas traseiras desta casa … que tem a sua oficina – a latoaria, onde continua a passar horas a fio. Nas suas paredes estão inúmeros moldes alguns “com mais de cem anos”, conta.
E por Cernache ficaria, adotando esta terra como sua e elevando o seu nome através da sua nobre arte que já dominava como poucos. Trabalhando e participando em feiras, exposições e outros eventos.
… Exigente e comunicador por excelência, para Manuel Antunes de Carvalho, ensinar a sua arte era uma alegria. Tal como afirma sem hesitar, “ser Artesão tem de ser uma paixão. Uma dedicação” … entregou-se de corpo e alma à arte … exímio na sua arte. Fazia trabalhos que poucos latoeiros se atreviam a fazer, devido à sua complexidade, exigiam uma técnica muito apurada e levavam muito tempo a realizar … cada vez que um utensílio não lhe saía como desejava, esmagava-o imediatamente à martelada.
… possui uma cultura literária elevada e, talvez por isso, é detentor de uma prosa vibrátil e vernácula, que embeleza as cenas pertencentes a um passado que consegue valorizar, a cada conversa …
A latoaria era a sua vida, a música a sua grande paixão e ficou mesmo conhecido em muitos lugares por onde passou, como “fadista de Coimbra” … Curiosamente, só começou a cantar depois do 25 de Abril de 1974 mas cantou por todo o país … Músicas como “A Senhora da Serra”, “O meu menino é de oiro” ou “Subi ao céu” eram algumas das canções que faziam parte do seu repertório … Para além do fado, cantava baladas que ninguém conhecia, pois, eram do seu avô e muitas não ficaram escritas.

Um breve acrescento:

No exercício das minhas funções no Departamento de Cultura da Câmara de Coimbra tive ocasião de conviver com o Ti Luís.
Homem por inteiro e um artesão de grande mérito.
Sempre disponível, sempre ansioso de fazer mais e melhor, sempre desejoso de ensinar a sua arte, nomeadamente, às crianças.
Generoso e extrovertido era um homem bom que um dia acompanhei à sua última morada.

Cruz, M. P. F. O. P. 2008. Pingos de solda, pingos de saudades! Coimbra, Junta de Freguesia de Cernache. Pg. 37 a 59

 

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por Rodrigues Costa às 10:17

Sexta-feira, 18.03.16

Coimbra e as suas personalidades: Inês da Fonseca, tecedeira

Vitália Cunha de Assunção e Mabília Sequeira são as tecedeiras que, nessa ocasião (25.10 a 05.11.1978, a 5 de Novembro, mostra da Tecelagem da Região da Almalaguês, realizada no Edifício Chiado) ... acompanham Inês Carvalho Ferreira da Fonseca a Coimbra e com ela animam essa mostra, tecendo perante um público surpreendido e entusiasta. Para nenhuma terá sido fácil chegar até ali. Para Inês Fonseca foi com certeza muito difícil.

Nasce (Inês da Fonseca) em 1937 em Almalaguês, sede da maior freguesia do concelho de Coimbra. A mais velha de seis irmãos, Inês aprende a tecer como todas as da sua idade aprenderam, com a sua Mãe, logo muito novinha "assim que comecei a chegar com os pés aos pedais" e desde criança foi envolvida em todo o conjunto de operações que está associado ao trabalho do tear.
...Ir e vir a Coimbra, mesmo que a pé, uma vez por mês, ou ainda mais espaçadamente, era, pois, considerado razoável e normal, e daí que as tecedeiras fizessem essa viagem, com regularidade. De manhã traziam nas suas cestas, açafates ou canastras as mantas, passadeiras, tapetes ou toalhas que as suas freguesas lhes tinham encomendado; à tarde regressavam carregadas com os novelos de trapo que outras lhes tinham dado para serem aproveitados na manufatura de novas encomendas
... E a tecedeira aparecia, pontualmente, com as encomendas, entregando umas, recebendo outras, descarregando as obras feitas, carregando novelos de "trapo". Quando chegava o tempo de um casamento encomendava-se então outro tipo de trabalhos, de "linha fina", a "ponto miúdo" ou "ponto graúdo" de linho ou, mais vulgarmente, de algodão. As Colchas de Almalaguês sempre tiveram fama devido à finura dos desenhos que as suas tecedeiras "bordam" ao tear.
... Assim que se tornou conhecida, "foi quando comecei com o Turismo", aproveitando as oportunidades dinamizadas pelos Serviços de Turismo da Câmara ganhou a sua autonomia e "as freguesas aprenderam depressa onde é que eu vivia" ... anteriormente, ainda antes de 1974, tinha havido lugar para inovações consideráveis de que se salienta as cópias, ou melhor, a utilização, ao tear, de adaptações dos motivos característicos dos Tapetes de Arraiolos! Vestígios dessa experiência ainda hoje se encontram na panóplia de desenhos que as tecedeiras de Almalaguês utilizam. Felizmente que muitos dos desenhos antigos continuam a ter a preferência de uma clientela mais exigente. As bonitas cercaduras "dos cravos e das rosas" a que também chamam "dos arcos, está a vê-los aqui?", "do louro" com as "folhas e as flores", "dos fetos" juntamente com "o silvado de roseira", a "espiga de trigo" com a "rosa no meio" bem como as cercaduras das "parras" com o "cacho de uva, mas esta é diferente, é a parra americana" são alguns desses desenhos mais tradicionais, utilizados desde sempre nas colchas ou nos reposteiros, cuja produção só se iniciou nos finais dos anos 70. Outras cercaduras, mais estreitas, menos exuberantes, que geralmente limitam o desenho do campo são a "grega das bichas" ou a das "cravetas". Alguns motivos podem ser usados isoladamente ou, por repetição, dão origem a barras e, os mais característicos serão o "vaso de castelo" e a "fechadura". "Estrelas", "girassóis" e o "cipreste, com quatro partes que saem de uma casela" fazem parte do vocabulário tradicional que a tecedeira manipula de acordo com o combinado no ato da encomenda, onde ela mesma também refere quais os desenhos que se podem utilizar "a ponto graúdo" ou "a ponto miúdo".
Motivos de "ponto de cruz" passaram, há muito, para o vocabulário das tecedeiras, o mesmo acontecendo relativamente aos desenhos das populares rendas de "crochet". Inês faz tudo o que lhe encomendam ... os trabalhos de "linha fina" em que é exímia, a tornam uma das grandes tecedeiras de Almalaguês. "nós todas somos boas tecedeiras aqui em Almalaguês" diz convicta, "mas é mais os acabamentos"...E mostra com um prazer genuíno os "panos de amostra", onde teceu motivos variados, desde os antigos, com direito a nome próprio, aos das revistas.
A energia e a frontalidade que a caracterizam levam-na por caminhos nunca trilhados e é corajosamente pioneira quando se inscreve nas Finanças. "Iam-me tirando a pele" atira, ainda magoada com a incompreensão, frase que define uma mulher sem medo, que quer fazer as coisas de forma limpa e clara, que quer edificar o seu negócio numa base sólida para melhor o poder desenvolver. E ela arrisca-se, lança-se para o exterior, ganhando notoriedade a despeito das resistências e condicionalismos impostos por um marido renitente, em que o álcool sublinhava uma funda depressão e um meio, apesar de tudo, muito fechado. Ultrapassando-se a si própria e às suas limitações, Inês ultrapassou todas as dificuldades que lhe eram exteriores.
Na força com que batia a "queicha", no ritmo que dava aos "pedais", na velocidade que imprimia à "lançadeira", Inês descarregou muita da raiva e da revolta de uma vida que nunca foi fácil. Por vezes punha-se a tecer logo às seis da manhã. "Credo - dizia-lhe um vizinho - quando te pões ao tear até a minha cama estremece!". Só ao tear se sente bem, por isso, o reumatismo, que lhe consome as articulações e a inibe de tecer como gostaria, lhe dói a dobrar. Ao tear ganhou a sua vida com um esforço, uma determinação e uma coragem que ninguém lhe nega, merecendo todo o reconhecimento de quem só a si mesma deve o sucesso do seu percurso de tecedeira justamente renomada.
Por detrás desta grande tecedeira está, de facto, uma grande Mulher.
A Inês.
(Entrevista realizada, em Almalaguês, a 30 de Abril de 2002)

Inês Fonseca faleceu em finais de 2011. Em 2013, a título póstumo, a Junta de Freguesia de Almalaguês atribui-lhe o Certificado de Mérito Industrial.

Pires, A. Tocar a vida, aos pedais do tear. (História de uma tecedeira). In Mestres Artífices do Século. 2002. Lisboa, Instituto de Emprego e Formação Profissional.

 

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por Rodrigues Costa às 09:21

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