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E também os futricas: os livreiros … os funcionários, os alfaiates … os comerciantes … os tipógrafos, os penhoristas … as serventes, as figuras típicas, desde o negociante pretensioso ao vagabundo castiço, e estou-me a lembrar do Merzendó, do Rabino, do Pitonó, do Newton, assim chamado porque sabia de cor o binómio do célebre cientista, do Cobra Ladrão, do Jinó e do Horta, que uma noite estava estendido como morto junto a uma tasca, e que quando um estudante condoído lhe perguntou se estava a sentir-se mal, a resposta veio rápida – qualquer coisa como isto:
“ – Não senhor doutor. Estou à espera que venha a polícia para me levar às costas, porque estou muito cansado para ir a pé.”
E os litógrafos, que faziam as úteis e odiadas sebentas, como o cego Pacheco ou o Manuel das Barbas, a quem em vida fizeram o famoso epitáfio:
‘Aqui jaz Manuel; descansa!
Trabalho muito, e bebeu …
Litografava as sebentas
Mas foi feliz: - nunca as leu!’
Sebentas que, à noite, eram distribuídas de porta em porta, pela célebre Maria Marrafa, figura central do Centenário da Sebenta, de parceria com o “Almirante Rato” … que fazia umas caldeiradas maravilhosas.
E já se vê, as tascas, como a da Ana dos Ossos ou a da Tia Camela, que pontificava, e que durante o curso de Trindade Coelho foi por Deus chamada para o céu, para continuar ali a cozinhar o seu delicioso peixe frito, que regalara durante anos sucessivas gerações de académicos.
E quando, depois das aulas, os quintanistas iam para a Baixa com as suas fitas para as mostrar, “… das janelas, lindas donzelas, atrás dos vidros, a suspirar”.
E é claro, as fogueiras, com a lendária ligação do estudante e da tricana, em que o calor das cantigas e da música provocava, quantas vezes, as tradicionais desavenças, mais ou menos violentas, entre os “filhotes” e os “sacas de carvão”.
… o autor do ‘In Illo Tempore’ soube relatar, como pouco, a sua vivência, dar-nos um testemunho vivo, alegre e vibrante dos acontecimentos, das pessoas e das situações. E transporta-nos, nas asas da imaginação às ruas de Coimbra, às récitas e às fogueiras, ao tédio das aulas e à alegria das festas. E sentimo-nos figurantes do livro, vestidos com a pele dos seus personagens, vendo e ouvindo com os nossos olhos e os nossos ouvidos as preleções monocórdicas dos mestres, o ruido das latas nas pedras das ingremes ruas da cidade, as piadas chistosas, a voz dos mandadores das fogueiras, o colorido das fitas, os harmoniosos cânticos e os maneios das tricanas.
E sentimos os encontrões nos tumultos, as vozes altissonantes das assembleias, o fragor das festas académicas, o grito estridente dos gaiteiros e o som ensurdecedor dos bombos zurzidos sem piedade.
Andrade, C.S. 2003. O ‘In Illo Tempore’ de Trindade Coelho. In Centenário da Publicação do ‘In Illo Tempore’ deTrindade Coelho. Coimbra, Câmara Municipal de Coimbra. Pg. 34 a 36
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