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A' Cerca de Coimbra



Quinta-feira, 12.11.15

Coimbra, Torga e a cidade 2

"De todos os cilícios, um, apenas,
Me foi grato sofrer:
Cinquenta anos de desassossego
A ver correr,
Serenas,
As águas do Mondego"
Miguel Torga

 

"Oito horas de sonambulismo nos campos do Mondego, cobertos de quietude e de toalhas de água, onde a alma se embebeda de silêncio e os choupos se narcisam.” ...

"Esta paisagem coimbrã tem o diabo dentro dela. No Alentejo caminho; em Trás-os-Montes, trepo; aqui, levito”, confessa Miguel Torga noutra passagem dos seus “Diários”.


Conheci Miguel Torga há cinquenta anos e, precisamente, em Coimbra. Recordo-me de o ver passar, como uma águia do Marão, pelas ruas da Baixa da cidade e de o ver, magnânimo e trágico, sentado no café, junto dos seus amigos de tertúlia: Paulo Quintela, Afonso Duarte, António de Sousa e outros mais.
… ao passar no Largo da Portagem, o via estático e sonhador, com o olhar distante, na janela do seu consultório. Realizaria, dentro de si aquilo que num dos seus romances o levou a escrever:

 

"À direita, a fachada lívida do Banco de Portugal, com o relógio no topo a marcar as horas sonolentas; à esquerda, a velha ponte de ferro a transpor a fita branca do areal por onde o Mondego serpeava minguado e preguiçoso; em frente, a verde perspetiva do horizonte rural, pasto bucólico de imaginação…”

Porque desde sempre a amou, Coimbra – e a sua tão lírica e bucólica região – tem sido para Miguel Torga quase uma paixão; ama-a porque a descobriu em todos os seus aspetos, porque a tem vivido e sentido. Coimbra – poderíamos dizer – é para Miguel Torga, em muitos aspetos, o brasão de Portugal e das gentes portuguesas. No seu impressionante livro “Portugal” – obra fundamental para o 'entendimento' do nosso País – Torga testemunha …

“Coimbra é uma linda cidade, cheia de significação nacional. Bem talhada, vistosa, favoravelmente colocada entre Lisboa e o Porto … Mais do que razões sociais, foram razões geográficas que a fadaram. Uma terra de suaves colinas, de verdes campos, banhada por um rio plano, sem cachões, a meio de Portugal, tinha necessariamente de ser a cidade espiritual, universitária, da pequena pátria lusa. Também a nossa alma é de suaves relevos, de frescas paisagens, e banhada por uma corrente doce de amor e conciliação. Nenhuma outra terra como Coimbra testemunha tão completamente, na sua pobreza arquitetónica, na sua graça feita de remendos e pitoresco, nos seus recantos sujos e secretos, os limites da nossa capacidade criadora, a solidão da nossa alma, e o camponês com que nascemos para tirar efeitos cénicos do próprio gosto de erguer uma videira.”

Ribas, T. (1991?). Coimbra Vista por Miguel Torga. Lisboa, Inatel, pg. 1, 5 a 8

 

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por Rodrigues Costa às 11:59


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