Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]
É muito antigo o gosto do universitário coimbrão em cantar de noite ao ar livre.
A Universidade tinha sido instalada na cidade mondeguina há bem pouco tempo, quando ao Rei D. João III chegaram queixas sobre tão «escandaloso procedimento» … o Monarca dirigiu ao Reitor uma carta, em 20 de Junho de 1539, na qual ordenava que o meirinho da Universidade fosse rigoroso para os «estudantes … andam de noite com armas fazendo músicas e outros autos…»
… É evidente que a provisão poucos ou nenhuns efeitos práticos causou … o «escandaloso procedimento» se tornou um hábito tradicional, cada vez mais arreigado, até ao ponto de, passados dois séculos, haver grupos de estudantes que «passavam dia e noite a tocar instrumentos musicais, a jogar cartas e a fazer versos» … Não conhecemos qualquer documento de que possa deduzir-se o género de música feita pelos estudantes … Mas o que nos parece impensável era levar tão longe as raízes do chamado fado-de-Coimbra.
Foi numa morna noite Outonal de 1949 que me encontrei com esse estranho personagem com o nome de «Fado-de-Coimbra».
Chegara, de mala às costas, pela tardinha, e instalara-me no 30 de Sé Velha, lá em cima, no último andar, a partilhar do quarto onde um amigo mais velho me acolheu.
Foi aí que, a desconhecidas horas da madrugada, me surpreendeu uma voz de tenor, bem timbrada, clara e livre e me fez entrar no quarto uma melodia, em curvas descendentes e levemente ornadas:
Oh! Estrelinha do Norte
‘Spera por mim, que eu já vou!
O meu companheiro de quarto, minhoto como eu, mas já perfeitamente conhecedor do ambiente – era, então «puto» - elucidou-me: é Fulano (não recordo o nome do cantor) que canta o fado, ali na escada da Sé Velha.
Seguiram-se outras melodias (mais uma ou duas, talvez) … Desde então, habituei-me àquelas visitas noturnas. E quando ninguém vinha à Sé Velha fazer o «ite missa est» duma serenata, lá aparecia o Mota (que pela quarta ou quinta vez insistia no primeiro ano de direito) a recitar poesias, suas ou alheias, para que em cada noite o sono dos moradores daquele Largo não caísse na chateza da monotonia.
… Ao mesmo tempo, ia-me interrogando: mas, porquê chamar a isto um fado?
É que, à palavra fado correspondiam, nos arquétipos mentais do meu conhecimento, noções bem diferentes: ou popular dança de roda, com quadras soltas cantadas normalmente em desgarrada; ou canção de «bas-fond» lisboeta … A diferença entre os dois géneros musicais é patente e a ela nos vamos agora referir.
Faria, F. 1980. Fado de Coimbra ou Serenata Coimbrã? Coimbra, Comissão Municipal de Turismo, pg. 5 a 7
A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.