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A' Cerca de Coimbra



Segunda-feira, 31.08.15

Coimbra, organização municipal no período da reconquista 2

Coimbra, como vimos, era ainda no meado do século XII um concelho imperfeito, mas antes disso, nos fins do XI, nem essa organização tinha. Sesnando, o célebre conde moçárabe, fora revestido de todos os poderes administrativos e judiciais por Fernando Magno, e conservado no exercício da sua ilimitada autoridade enquanto vivera. O mesmo sistema parece ter predominado no regimento de Coimbra até à época do conde Henrique, em que, segundo todas as probabilidades, uma revolta popular produziu instituições mais livres. Meio século, porém, em que a jurisdição civil andara confundida com o poder militar e administrativo trouxe naturalmente o facto de se dar na linguagem vulgar aos magistrados jurisdicionais distintos, que a organização municipal criara, umas das qualificações usadas até aí pelos oficiais da coroa, em cujas mãos estivera acumulada toda a jurisdição. Não só Sesnando mas também os seus sucessores, e, até os ministros subalternos, haviam adotado a qualificação de «alvazires», e daqui proveio, em nossa opinião, o dar-se o mesmo nome aos juízes burgueses nas diversas povoações da Estremadura que, em seguida a Coimbra, se foram submetendo ao jugo de Afonso I.

Achamos igualmente em Coimbra o alcaide deliberando com os magistrados municipais e com o concelho, reunidos na Igreja de S. Pedro, sobre objetos de polícia e administração interna, embora esses objetos respeitem também à coroa:

«Nós N., «alcaide», N. e N., alvazis e o concelho de Coimbra, chamados e ajuntados pelo nosso pregoeiro, de ciência certa e de espontânea vontade, consentimos e concedemos que el-rei nosso senhor faça feira e tenha açougues (mercado permanente de vitualhas), fangas (mercado de farinhas) e alfandegas com sua estalagem no sítio em que lhe parecer na almedina, sendo em chão seu, mandando vender tudo pela maneira que aqui vai determinado.»

Segue-se um extenso e curioso regulamento sobre a forma de polícia do pequeno tráfico.

Nuns agravos do concelho de Coimbra, oferecidos, segundo cremos, nas cortes de 1254, diz-se:
«Quanto às queixas relativas aos alvazis que el-rei (D. Afonso III) pretende nomear só por si, responde ele que o concelho eleja os seus alvazis, como era de uso em tempo de seu pai e de seu avô.»

No mesmo ano em que Coimbra foi elevada à categoria de concelho perfeito (1179) suscitou-se contenda sobre a posse de certos caneiros entre uns pescadores e o Mosteiro de São Jorge. Esta causa foi devolvida pela cúria régia aos novos magistrados do concelho. A sua competência era reconhecida por este ato, não obstante ser um dos litigantes uma corporação eclesiástica.

Herculano, A.1987. História de Portugal. Vol. VII. Lisboa, Circulo de Leitores, pg. 114, 122, 152, 177

 

 

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por Rodrigues Costa às 19:02

Sábado, 29.08.15

Coimbra, organização municipal no período da reconquista 1

Coimbra que, desde os primeiros dias da independência de Portugal até quase o fim do período cuja história temos escrito, foi a capital do reino, tinha sido organizada e melhor povoada de gente cristã pelo conde Sesnando sem instituições municipais, ou apenas com as fórmulas duvidosas dos concelhos rudimentares. Conquistada a povoação, Fernando Magno a entregara ao célebre vizir moçárabe, autorizando-o para repartir a propriedade territorial, pôr e tirar colonos, julgar as contendas e exercer todos os atos administrativos conforme a sua vontade. Este parece, de feito, ter sido o sistema mais útil e natural no primeiro momento da conquista, em que eram necessárias a energia e a unidade de mando para ordenar o estado tumultuário de uma grande cidade donde se expulsava a população sarracena, que devia ser substituída por outra. Não falaremos dos regulamentos estabelecidos pelo conde, e que propriamente pertencem à época leonesa. Com eles Coimbra se tornara importante e populosa, e o sentimento de força trouxera aí a impaciência da opressão. Os vestígios de revoltas contra os oficiais do conde Henrique e contra ele próprio, nos primeiros anos do século XII, são palpáveis no foral concedido pelo genro de Afonso VI em 1111 aos moradores da capital. Esta carta de comunidade, posto que substituída meio século depois por outra mais ampla, não deixa de oferecer bastante interesse como tipo dos forais concedidos a várias vilas, sobretudo da alta Estremadura. Por ela Coimbra se constituiu um concelho imperfeito, desses a que é aplicável a quinta fórmula. A característica desta, a existência simultânea de cavaleiros e peões com o sistema incompleto de magistraturas, é evidente no foral. Eis algumas passagens que o provam e que, ao mesmo tempo, nos pintam a situação relativa destas duas classes:
Se algum cavaleiro comprar vinha de tributário seja essa vinha exempta («libera»). Se casar com viúva de tributário, qualquer herdade que ela traga seja igualmente exempta.
O tributário, se tiver posses para ser «cavaleiro», seja-o.
Todos os «jugadeiros» que os cavaleiros puderem ter nas herdades, tanto em Coimbra como por outras vilas e castelos, sirvam-nos a eles livremente, e não sejam acoimados por homicídio ou rapto.
Se a algum cavaleiro morrer o cavalo, não tendo com que compre outro, dar-lho-emos nós e, se lhe não dermos, goze das imunidades da sua classe («stet honoratus») até que possa comprá-lo.
O «infanção» não tenha em Coimbra casa ou vinhas, salvo querendo fazer vizinhança e «servir» como qualquer de vós outros.
Os «peões» deem de ração de cereais que costumavam dar só metade, etc.

Aqui as duas classes estão bem distintas. A primeira estriba-se na propriedade, unicamente nesta. O nobre de raça («infanzon»), se quiser possuir bens em Coimbra, há-de descer ao nível dos cavaleiros vilãos, e os peões favorecidos da fortuna elevar-se-ão à mesma categoria, como, nos últimos tempos do Império Romano, os possessores eram, só também por esse facto, incorporados na ordem dos decuriões. Aos colonos ou caseiros dos cavaleiros vilãos aplica-se em especial a designação de jugadeiros, e aos colonos imediatamente dependentes da coroa a de tributários ou peões.
Vejamos agora os vestígios que o foral de Coimbra nus subministra pelo que respeita às magistraturas:
O saião não vá pôr selo na casa de ninguém. Se qualquer individuo cometer delito, venha ao tribunal («concilium») e seja devidamente julgado.
Os vossos «juiz» e «alcaide» sejam naturais de Coimbra e postos nesses lugares sem ser por peita.
Não deis portagem ou alcavala, nem de comer, aos guardas da cidade ou das portas.
Os magistrados de Coimbra eram, pois, o alcaide do castelo, entidade mista, ao mesmo tempo municipal e régia, e um juiz, ambos nomeados pelo poder supremo. Os oficiais eram o saião, espécie de agente público, provavelmente no distrito inteiro, e os guardas da cidade alheios ao município, cujos membros, aliás, ficavam exemptos dos direitos de barreira ou portagens.

Herculano, A.1987. História de Portugal. Vol. VII. Lisboa, Circulo de Leitores, pg. 91 a 93

 

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por Rodrigues Costa às 22:02

Sexta-feira, 28.08.15

Coimbra, arquiteto romano natural da cidad

Transcrição da pedra votiva colocada na Torre de Hércules, em La Coruña:

MARTI AUG.SACR C.SEVIVS LUPUS ARCHTECTUS AEMINIENSIS LVSITANVS.EX.VO.

Informação acedida em 28.08.2015, em
https://www.youtube.com/watch?x-yt-ts=1422579428&x-yt-cl=85114404&v=SyK79YGTlQM

A transcrição identifica Gaius Sevius Lupus, como o arquiteto da obra e que o mesmo era natural da atual Coimbra

 

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por Rodrigues Costa às 16:46

Quinta-feira, 27.08.15

Coimbra, conflito do bispo com Sancho I

As dioceses mais importantes da Igreja portuguesa eram nesses tempos (os do reinado de D. Sancho I) Braga, Porto e Coimbra: a primeira, como metropolita da Galiza; a segunda, restaurada havia perto de um século encerrando os distritos mais populosos do país, a terceira, como sendo aquela a que pertencia a capital e dilatando-se até ao Douro por territórios talvez não menos férteis e povoados que o Minho. As sés de Lamego e Viseu, mais circunscritas … sujeitas em boa parte do reinado antecedente aos prelados do Porto e de Coimbra e regidas por delegados deles.
… Entre o rei e o bispo de Coimbra existiam antigos motivos de desgosto, que, segundo parece, tinham já constrangido o bispo a andar exilado largo tempo e que, em parte, eram comuns a todo o clero.
… Se acreditar-mos em todos os pontos de acusação propostos contra o rei, de muitos outros modos mostrava Sancho a sua malevolência para com o sacerdócio. Cada vez que topava com um padre ou monge, dizia ter um encontro de mau agoiro.
… Os ânimos estavam grandemente irritados, e o bispo de Coimbra, movido, talvez por um sentimento de despeito, cometeu a imprudência de escolher semelhante conjuntura para levantar o brado contra o procedimento de Sancho. Rude soldado, não nos deve parecer estranho que fosse crédulo e supersticioso … à suas queixas ajuntou o bispo ordenar a Sancho que afastasse de si a pitonisa … o rei buscou pretexto para romper de todo com o audaz prelado … As casas que aí tinha o cabido foram derribadas, levaram as cavalgaduras aos cónegos e saquearam a igreja. Pôs o bispo interdito na diocese … e interpôs logo apelação para o papa … Sancho aplicou o remédio extremo para tais casos. Substituiu-se ao metropolita e, até, ao papa. Determinou que ninguém respeitasse o interdito, e aos sacerdotes que não obedeceram, isto é, recusaram celebrar os ofícios divinos, privou-os dos seus bens

Herculano, A.1987. História de Portugal. Vol. III. Lisboa, Circulo de Leitores, pg. 88 a 90

 

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por Rodrigues Costa às 12:31

Quarta-feira, 26.08.15

Coimbra, do Adro de Santa Justa ao Terreiro da Erva

Atualmente, ao pensarmos em Santa Justa de Coimbra, identificamos a igreja setecentista, localizada ao fundo da Rua da Sofia, no alto, precisamente, da Ladeira de Santa Justa. Devemos lembrar-nos, porém, que antes existiu uma igreja românica que resistiu cerca de 600 anos às cheias e enxurradas do Mondego e que representou, nos primeiros séculos da nacionalidade portuguesa, o núcleo central de uma paróquia estruturante para a evolução do urbanismo e para a definição da cidade em que habitamos hoje.

Santa Justa de Coimbra é referida na documentação, desde 1098. Por essa altura, talvez se tratasse ainda de uma herdade rural, na margem do rio, a norte da cidade. Em 1102, a sua igreja foi doada ao priorado Cluniacense de Sainte Marie de la Charité sur Loire, pelo bispo de Coimbra … Em 1139, Santa Justa é referida como sede de uma das paróquias da cidade e assim permaneceu até quase aos nossos dias, quando foi extinta e integrada na paróquia de Santa Cruz. Do ponto de vista material, refira-se que o edifício primitivo foi renovado durante o século XII, estando as suas obras concluídas em 1155 … Localizada no arrabalde Norte da cidade, esta paróquia viu o seu povoamento estender-se ao longo da atual Rua Direita. Território intermédio entre o núcleo urbano e o seu aro rural, foi morada de uma população diversificada, da qual se destacavam os artesãos e os trabalhadores agrícolas. Em meados do século XIV, a paróquia de Santa Justa recebia ainda a Judiaria da cidade (atual Rua Nova) e, mais tarde, reconhecem-se as referências à localização de uma mancebia que não seria longe da Gafaria (leprosaria), também aqui fixada. Porta de saída do núcleo urbano, esta, ao contrário de quase todas as outras paróquias de Coimbra, deteve, durante toda a Idade Média, a capacidade de se expandir territorialmente, e de albergar, no seu interior, aqueles que procurassem esta cidade para sua residência.
… ainda hoje se podem identificar alguns vestígios da igreja românica, num dos edifícios do Terreiro da Erva.

Campos, M. A. A. Terreiro da Erva ou Adro de Santa Justa. Reflexão sobre um espaço urbano e o seu futuro. Acedido em 30.07.2015, em http://cidadaosporcoimbra.pt/2014/11/24/terreiro-da-erva-ou-adro-de-santa-justa-reflexao-sobre-um-espaco-urbano-e-o-seu-futuro.

 

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por Rodrigues Costa às 19:12

Terça-feira, 25.08.15

Coimbra no caminho que levou à independência de Portugal 2

O estabelecimento da Corte na cidade do Mondego, por 1130, coincidiria aliás com outro facto da maior transcendência: a fundação do Mosteiro de Santa Cruz, de cónegos regrantes de Santo Agostinho … – primeiro ato de política coimbrã de D. Afonso, após a batalha de S. Mamede –, representa este facto (tal como a medida anterior, de que não pode desenquadrar-se), expoente desse novo sentido que iria revestir a intervenção do «Conquistador» e em cujo âmbito a deslocação do centro do poder para a antiga «Emínio» revestiria uma importância determinante; e que passava pela formação, como base de apoio da ambicionada Monarquia, de uma «sociedade nova», tanto no plano laico como no eclesiástico, estruturada no apoio dos cavaleiros de Entre Douro e Minho, mas também nas elites vilãs, de que Coimbra representava o principal alfobre e na constituição de um clero “religiosa e espiritualmente superior ao monge beneditino e ao clero secular”, onde se harmonizasse, enfim, a velha querela que opunha moçárabes a «gregorianos». Com efeito, se a presença de D. Bernardo à frente dos destinos da mitra garantia a necessária «romanidade» da Igreja «portucalense», indispensável no domínio das relações com a Santa Sé (ao mesmo tempo que o seu «lusitanismo» favorecia os projetos de autonomização da Igreja «nacional» em relação às metrópoles toletana e compostelana acalentados pelo Infante), a profunda integração do Mosteiro na vida da comunidade … fariam dele, no quadro, de resto, de uma prática litúrgica também romanista, o instrumento indispensável à política «régia» de construção de um tecido social coeso, homogéneo e dotado de uma identidade própria em relação ao(s) Reino(s) vizinho(s) de Castela e Leão.

Pimentel, A.F. 2005. A Morada da Sabedoria. I. O Paço real de Coimbra. Das Origens ao Estabelecimento da Universidade. Coimbra, Almedina, pg. 265.

 

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por Rodrigues Costa às 23:29

Sábado, 22.08.15

Coimbra no caminho que levou à independência de Portugal 1

Efetivamente, à sua morte (de Sesnando, alvazil de Coimbra), ocorrida em 25 de Agosto de 1091, suceder-lhe-ia seu genro, Martim Moniz, casado com sua filha Elvira, o que parece ilustrar uma apetência pela hereditarização dos seus domínios. No seio de uma nova linhagem, encabeçada pelo carismático «alvazil»; e talvez que o prestígio da sua personalidade tivesse contribuído para retardar a integração de Coimbra na lógica comum da «Reconquista». Mas o monarca não tardaria atalhar caminho a essa «singularidade» e os factos parecem atestar que, desde cedo, o poder de Martim Moniz se terá visto minado por um conjunto de circunstâncias que deverão ser responsáveis, a um tempo, pela súbita aceitação de D. Crescónio, sagrado bispo … em 1092 … e pela deslocação em pessoa do Imperador (D. Afonso VI, de Leão), acompanhado de D. Raimundo, em 1093, estada durante a qual, com evidente sentido político, confirma as regalias outorgadas em Toledo, por influência de Sesnando, em 1085, aos moradores da cidade. E em 1094 já esta e todo o seu território surgiriam integradas no condado da Galiza … atestando-se nesse ano a residência de Raimundo em Coimbra, em companhia de sua mulher, a «Rainha» D. Urraca. Pelos finais de 1095, contudo, ou já em 96 e face ao recrudescimento da ameaça almorávida, ver-se-iam estes, por seu turno, despojados da região de Entre Minho e Tejo, em benefício de seu primo Henrique, conde de «Portucale» e de Coimbra. E é este e D. Teresa (ou apenas esta) que agora se surpreendem habitando a Alcáçova onde, em 1109, nasceria talvez o Infante Afonso Henriques.

De facto, como notaria Pradalié, a formação de Portugal passava indeclinavelmente pela eliminação daquilo que fazia de Coimbra um mundo à parte e pela sua assimilação ao processo ideológico da «Reconquista cultural»: “le prince Alphonse n’aurait jamais eu l’appui de l’Eglise – on sait quel rôle joua Rome dans la création d’un royaume portugais – si Coimbre avait été encore, vers 1130-1140, un foyer mozarabe. L’intégration forcée de l’église de Coimbre dans l’église romaine apparaît donc comme un étape préliminaire dans la formation de Portugal, et l’action de l’évêque Gonçalo annonce et prépare celle de la papauté“.
Coimbra convertera-se, aliás – ou estaria ponto de converter-se (e em boa parte por ação de Sesnando) -, na maior cidade de então no território «português», ao mesmo tempo que o repovoamento firmara as bases de uma firme tradição cultural (de sentido moçárabe, evidentemente), como centro pedagógico e de atração e irradiação de códices e documentos, tanto da Península cristã como da muçulmana, circunstâncias que, aliadas à sua nova centralidade, no quadro da «Reconquista», como no da política secessionista dinamizada pelo Conde D. Henrique e prosseguida pelo Infante Afonso Henriques, justificariam a sua eleição como «capital», por parte deste e o facto de, nas crónicas muçulmanas, «Ibn ar-Rink» ser designado por «senhor de Coimbra».

Pimentel, A.F. 2005. A Morada da Sabedoria. I. O Paço real de Coimbra. Das Origens ao Estabelecimento da Universidade. Coimbra, Almedina, pg. 263 a 265.

 

 

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por Rodrigues Costa às 19:59

Terça-feira, 18.08.15

Coimbra, os primórdios da alcáçova 3

Na verdade, sobre a localização original da «Alcáçova», opinara António de Vasconcelos, categoricamente, em 1930, que esta “se erguia no lugar onde hoje são os Gerais da Universidade”. E justificaria: “Nenhuma dúvida pode haver sôbre a identificação dêste local. Aqui fui o núcleo dos edifícios do Paço da Alcáçova, que depois se foram alargando e estendendo em dois braços, um para Este, outro para Sul. São bem visíveis os vestígios das obras que aqui se fizeram em tempos de D. Manuel, D. João III, D. João V, D. José, etc. Dos edifícios existentes durante a primeira dinastia também alguns restos característicos têm sido descobertos, todos naquele núcleo central … apareceram, envolvidas pelas alvenaria, duas colunas românicas do século XII … não longe da tôrre, descobriu-se ali, sob o rebôco, uma janela ogival, que parece ser do século XIII, etc”. E, seis anos mais tarde, também Vergílio Correia, igualmente empenhado na reconstituição do Paço primitivo, escreveria: “Devia ser um recinto fortificado, rodeado de cubelos, incluindo moradias, e uma capela de invocação de S. Miguel … No Museu Machado de Castro existem duas colunas completas, de calcário amarelo local, pelo estilo atribuíveis ao fim do século XII, que pertenceram ao edifício real” … António de Vasconcelos escreveria … “mais velhos que essas colunas só os muros da cerca e a fresta de arco ultrapassado da torre do lado poente da entrada do palácio-fortaleza, pré-românica”.

Na verdade, ampliando a área original do edifício, a mole compacta dos «Gerais» incorporara certamente, na sua massa construtiva, os cascos de outras construções que, desde o período medieval, se haviam erguido nas imediações, à semelhança de outras casas, legadas à Sé e edificadas «juxta petrariam subtus alcaçeuam regis nouam»; e a elas pertencia o par de colunas pseudo-românicas … Que talvez fossem, de facto, pertença do «paço primitivo», no sentido em que a ampliação seiscentista dos «Gerais» não parece ter dado lugar à aquisição de terrenos … Sabendo-se que nesse setor se situariam, por tradição, os açougues e outras extensões da Universidade, é bem provável que o edifício (ou edifícios) onde as colunas e os trechos de muros inicialmente se incluíam fosse(m) também pertença do Paço.

Pimentel, A.F. 2005. A Morada da Sabedoria. I. O Paço real de Coimbra. Das Origens ao Estabelecimento da Universidade. Coimbra, Almedina, pg. 226, 227, 230

 

 

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por Rodrigues Costa às 22:37

Segunda-feira, 17.08.15

Coimbra, os primórdios da alcáçova 2

Como seria, porém, internamente, o orgulhoso alcácer? Não é fácil sabê-lo, por enquanto, atento o carácter limitado, em especial justamente no que respeita às áreas a norte da muralha, das intervenções realizadas no «Pátio das Escolas». Mas é certo que este flanco parece revelar a presença de estruturas habitacionais, ao mesmo tempo que a conservação dos rebocos no intradorso do trecho mural exumado sob o gigante da Capela … sugere, também aí, a existência de espaços habitados. Outro tanto sucederia a norte, provavelmente, como indicia a pequena «cloaca» da fachada (mesmo que a natureza da relação topográfica, entre o «ninho das águias» e o plano mais elevado, obrigassem certamente os construtores do alcácer a providenciar sistemas de drenagem)

… Por outro lado, no que respeita ao lanço de entrada, de acesso direto, como indicam os cubelos de flanqueio e porta dupla, seguramente, na tradição califal do séc. X, como impunha a existência de dispositivos internos de defesa, não parecem os «encontros» garantir aí espessura adequada à implantação de dependências … Porém, estrutura “marcadamente militar”, erguida numa cidade «submetida», confiada às ordens de um «qa’id» - como afirma o relator da conquista de Fernando Magno – e não, por certo, de um «governador», muito dificilmente ostentaria, em anos apesar de tudo recuados, a tipologia dita de «governo», palacial, mas essa outra, essencialmente «funcional», assente no pátio único central, em torno ao qual, apoiadas na muralha, se alinhavam as diversas dependências, característica, de facto, dos palácios omíadas, em cujo modelo se inspirava e dos «rubut» dos místicos guerreiros da «djihad» que, em fim de contas, na sua própria essência, fundamentalmente configuraria. Mas talvez, na verdade, se não assemelhasse a qualquer deles. De facto, persiste ainda, em redor do «alcácer de Qulumryya», a enigmática aproximação feita por Vergílio Correia e Nogueira Gonçalves entre o seu aparelho construtivo e o da própria cintura das muralhas urbanas, tradicionalmente atribuídas ao período romano. E talvez também por essa via seja possível precisar melhor o verdadeiro recorte da construção que nos ocupa.

Pimentel, A.F. 2005. A Morada da Sabedoria. I. O Paço real de Coimbra. Das Origens ao Estabelecimento da Universidade. Coimbra, Almedina, pg. 193 e 194

 

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por Rodrigues Costa às 20:14

Sábado, 15.08.15

Coimbra, os primórdios da alcáçova 1

É pois, decerto, sobre essa urbe, próspera e «moçárabe», onde entre os vestígios da antiga ordem imperial, que após cinco séculos de abandono lentamente se esboroavam, despontam os novos signos da sua dignidade eclesiástica, debilmente protegida pela «muralha romana» e pelos esforços (seguramente frustres) realizados pelos condes, que se abate, em Julho de 987, a fúria destrutiva de Almançor – fúria, na verdade – que as pedras do alcácer não deixariam, certamente, de «ilustrar».
Com o «repovoamento», porém, «sete anos» mais tarde, chegava também, por fim, uma «comunidade árabe». E, com ela, decerto, finalmente, a mesquita, islamizando a antiga catedral. Mas vinha sobretudo o eloquente sinal de submissão: o reduto «real». Assim pois, buscando, na sua dupla intencionalidade, a um tempo endógena e exógena, local estratégico e eminente onde cumprir o seu objetivo semiótico, erguer-se-ia no extremo do braço meridional da ferradura, o mais proeminente, aí onde, na expressão feliz de Fernandes Martins, se formava como uma esplanada, suspenso, um amplo «ninho de águias» - «ninho» cercado de falésias, defendido naturalmente a sul e a poente, acessível apenas por nascente e alcandorado sobre a «cutilada» que, vincando a colina, abrigava a antiga catedral e, com ela, o «núcleo duro» do agregado cristão. Implantação forçosamente ingrata, que obrigaria, por óbvios imperativos de ordem estática, à deformação da planta regular – tal como a «linha de fastígio» do dorso da colina que a antecede (hoje por completo rebaixada), levaria também a descentrar a porta-forte. Mas cumpria plenamente os critérios «representativos» que haviam presidido à sua edificação. A antiga zona residencial patrícia que, dez séculos mais tarde, as intervenções no «Pátio das Escolas» iriam desvendar, degradada havia muito por novas utilizações – senão mesmo (quase) abandonada – serviria pois, agora, de assento ao monumento que, pelo tempo fora, iria moldar a imagem da cidade … um «alcácer muçulmano», guarda avançada do Islão, de rosto à Cristandade e às pretensões hegemónicas dos monarcas asturo-leoneses.

Pimentel, A.F. 2005. A Morada da Sabedoria. I. O Paço real de Coimbra. Das Origens ao Estabelecimento da Universidade. Coimbra, Almedina, pg. 192 e 193

 

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por Rodrigues Costa às 22:22

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