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A Studia Carmelita. Revista da Comissão de Estudos Históricos e Património Cultural da Ordem dos Carmelitas Descalços, tem como lema «… para que se conservem as Memórias … e não as apague o tempo», visa proporcionar um espaço para os trabalhos sobre a presença da Ordem em Portugal.
Op. cit., capa
Neste propósito o seu número 1, publicado em 2019, apresenta um conjunto de documentos, alguns dos quais, transcritos e fixados pelo investigador Miguel Portela, fazem luz sobre questões de temática coimbrã, que serão objeto desta e de outra entrada.
O primeiro documento que abordamos, é um contrato, datado de 7 de julho de 1616, pelo qual é cedido o padroado e consequente direito de enterramento, numa capela colateral da primitiva igreja do Colégio de S. José dos Marianos em Coimbra, hoje Hospital Militar de Coimbra.
Dizemos, primitiva igreja do Colégio, porque a pequena igreja que hoje se vê, é de construção posterior e noutro local, da igreja abordada no documento.
Convento das Ursulinas, antes Colégio de S. José dos Marianos. Imagem acervo RA
Igreja, hoje do Hospital Militar. Imagem acervo RA
Respigamos as seguintes passagens do documento que julgamos adequadas para a compreensão do seu teor.
Optamos por não atualizar a grafia, dada curiosidade de algumas das expressões nele utilizadas e, quando, tal se justifica, colocar entre parenteses retos pequenas notas explicativas. O documento é assim descrito.
Este contrato com cláusulas específicas para cada uma das partes, insere-se no contexto dos demais celebrados pela Ordem dos Carmelitas Descalços nos seus diversos conventos tendo como principal objetivo fazer face às despesas das obras de edificação das suas igrejas conventuais, desde que fossem observadas e cumpridas as premissas da própria Ordem.
…. «Traslado do contrato e obrigação de venda da Capela do Santo Cristo da igreja do Colégio de S. José dos Marianos em Coimbra a Luís de Lemos da Costa como testamenteiro do Padre António de Lemos pela quantia de 140 000 réis.
Saibão quantos este publliquo estromento de contrato e obrigrasão ou como melhor em Direito dizer se possa virem que no ano do Nasimento de Nosso Senhor Jhezus Christo de mil e seissentos e dezaseis annos aos sete dias do mes de julho do dito anno de fora da porta do Castello da cidade de Coimbra extramuros della no Collegio de Sam Josse da Ordem dos Carmellitas Descallsos no capitollo do dito Collegio aonde ahi estavão prezentes juntos em cabido e cabido fazemdo e semdo a elle chamados por som de campa tangida [toque de uma sineta] como hé de seu bom e antíguo custume especiallmente pera ho cazo que ao diante se segue e os Muito Reverendos Padres Frei Pedro de Jhezus Reitor do dito Collegio … e bem assim estando prezente Luis de Llemos da Costa morador na dita cidade de Coimbra pessoa a quem eu Taballião bem conheço testamenteiro do Llecenceado António de Llemos que Deus tem Prior que ffoi da Igreja do Couto de Lavãos deste bispado.
…. estavão contratados na forma do testamento do dito defunto comvem a saber que elles Padres lhe davão a Capella collatrall da dita sua Igreja que está de fora das grades quamdo entrão pella porta prencipall a mão esquerda pera nella estar sepulltado o corpo do dito deffunto que por ora estava depossitado no claustro do dito Mosteiro com as decllarasões e comdisões seguintes, comvem a saber que pella obra da dita Capella que elles Padres ffizerão a sua custa se lhe avião [sic] de dar da ffazemda do dito deffunto noventa mill reis e pello sitio della sinquoenta mill reis que tudo faz soma de cento e corenta mill reis, os quães o dito Padre Reitor e mais Padres do dito Collegio comffesarão porante mim Taballião e das testemunhas deste estromento que tem já em si recebidos do dito Luis de Lemos testamenteiro e que outrosi se lhe avia de paguar o feitio do Christo que está na dita Capella que são vinte e dous mill reis, e juntamente as grades que nella estão que são de pao naquilo que forem avalliadas, e allem disso sera elle administrador obrigado a ornamentar loguo ha dita Capella».
Segue-se uma lista dos paramentos e alfaias de que seria dotada a capela, explicitando os diferentes tipos e cores dos tecidos a utilizar, prosseguindo depois o documento.
…. «e elles ditos padres serão obriguados de dizerem tres missas em cada somana na dita Capella convem a saber: huma de Nossa Senhora outra das Chaguas, outra de Santo António pella allma do dito deffunto em perpetum pera sempre entretanto ho mundo durar.
…. e por ho dito testamenteiro foi dito que se avia de por huma campa na dita capella sobre a sepulltura do deffunto e huma pedra na parede em que se declare ha hobriguasão das missas he de quem a Capella.
…. Em feé e testemunho de verdade assim … asinarão e de que outorgarão e comcederão os estromentos que desta nota comprirem.
…. de contrato e obrigação eu sobredito Thome Borges Taballião Publiquo de Notas por ElRey Nosso Senhor nesta cidade de Coimbra e seu termo em meu Livro de Notas tomei … e aqui asinei de meu publiquo sinal.
A paga deste vai ao dito testamenteiro que a pagou».
Portela, M., transcrição. Contrato de venda da Capela do Santo Cristo na Igreja do Colégio de S. José dos Marianos em Coimbra no ano de 1616. In: Studia Carmelita, 1. 2019. Revista da Comissão de Estudos Históricos e Património Cultural da Ordem dos Carmelitas Descalços. Pg. 361-365. Acedido em: file:///C:/Users/Fernando/Downloads/Contrato_de_venda_da_Capela_do_Santo_Cri.pdf.
Nesta entrada do blogue “A’Cerca de Coimbra” vamos relembrar um texto escrito por Sousa Viterbo em finais do século XIX, na Revista Archeologica onde se refere à história das grades que, no passado, separavam, na igreja de Santa Cruz, a zona do falso transepto [cruzeiro] ocupada pelos Cónegos Regrantes, do espaço destinado aos fiéis.
Imagem onde se podem ainda vislumbrar as grades. Acervo RA
Revista Archeologica. Imagem acedida em: https://archive.org/details/revistaarchaeolo03lisb/page/n5/mode/2up
Sousa Viterbo. Imagem acedida em: https://www.bing.com/images/search?view=Francisco-Marques-de-Sousa-Viterbo.png&cdnurl …
Deste interessante texto, respigamos o que segue.
Dignas de rivalizar com alguns destes trabalhos artísticos, de que se ufanam as catedrais espanholas,
Baeza. Reja del presbitério. In: Navascués Palacio, Pedro, Sarthou Carreres, Carlos.Catedrales de España, Madrid. Espasa-Calpe, 51984, pg. 43.
seriam porventura as grades monumentais, que, no venerando templo de Santa Cruz, separavam o cruzeiro do restante da igreja e as que vedavam os túmulos dos reis. Hoje já não as podemos contemplar, mas sabemos da sua existência por alguns documentos e referencias históricas, que mais ou menos diretamente lhes dizem respeito.
Citaremos em primeiro lugar o trecho de uma carta de 19 de março de 1522, em que Gregório Lourenço dá conta a D. João III do estado em que se achavam as obras que o seu antecessor, D. Manuel, mandara fazer no templo de Santa Cruz. Um dos itens da carta é do teor seguinte: «Item Senhor, mandou que fezessem huua grade de ferro grande que atravessa o corpo da egreja de xxv palmos d'alto com seu coroamento, e ao rredor das sepulturas dos rreix a cada hua sua grade de ferro, segundo forma dhum contrato e mostra que pera ysso se fez. Estam estas grades feitas e asentadas, e pago tudo o que montou na obra dos pillares e barras das ditas grades porque disto avia daver pagamento a rrazom de dous mill reis por quintal asy como fosse entregando ha obra. E do coroamento das ditas grades que lhe ade ser pago per avalliaçam nom tem rrecebidos mais de cinquoenta mill reis, que ouve dante mão quando começou a obra, que lhe am de ser descontados no fim de toda hobra segundo mais compridamenle vay em huua certidam que antonio fernandes mestre da dita obra diso levou pera amostrar a V. A. E nom se pode saber o que desta obra he devido atee o dito coroamento destas grades ser avalliado».
O trecho da carta de Gregório Lourenço é parcamente descritivo, mas, apesar disso, muito agradecido lhe devemos ficar por ter salvado, ainda que involuntariamente, o nome do artista que fabricou a obra, António Fernandes.
Como se sabe, D. Francisco de Mendanha, prior do mosteiro de S. Vicente de Lisboa (1540), escreveu uma descrição em italiano do templo de Santa Cruz, a qual D. João III ordenou se traduzisse em português, sendo impressa nos prelos deste último convento. De tão curioso opusculo cremos que não se conhece hoje nenhum exemplar, mas D. Nicolau de Santa Maria perpetuou-o, incluindo-o na sua «Chronica», prestando assim um serviço, literário e artístico, bastante apreciável. Mendanha não se esquece de falar das grades e dedica-lhe as seguintes linhas:
«Além d'este pulpito espaço de 20 palmos contra a Capella mór está a grande e vetusta grade de ferro, que atravessa toda a Egreja, ficando dentro o Cruzeiro, e tem de alto trinta palmos».
O epiteto vetusta sintetiza, para assim dizer, em toda a sua singeleza, a formosura da grade. Entre Mendanha e Gregorio Lourenço há, todavia, uma discrepância no que respeita às dimensões; Mendanha dá a grade 5 palmos mais alta. Outra diferença notamos ainda. O prior de S. Vicente diz que as grades dos túmulos eram de cinco palmos de alto, todas de pau preto e bronzeadas com ouro: Gregório Lourenço claramente especifica que eram de ferro. Coelho Gasco { classifica de sumptuosas as grades do cruzeiro e accrescenta que n'ellas havia um epitáfio, ou antes letreiro, latino, em letras de ouro, que rezava da seguinte forma: Hoc templum ab Alphonso Portuqaliae primo rege instructum ac tempore pene collapsum, Regno succesore &: actore Emmanuele restauraoerit. Anno Natalis Domini MDXX.»
Esta data 1520 refere-se por certo á época em que foi assentada a grade e colocado o seu despectivo letreiro. A igreja já estava reconstruída, como, além de outros documentos, o demonstra o epitáfio do bispo D. Pedro. falecido a 13 d'agosto de 1516.
No priorado de D. Acúrcio de Santo Agostinho (eleito em princípios de maio de 1590) as grades foram pintadas e douradas de novo. Diz o cronista «… e porque as grades de ferro do cruzeiro e capellas da mesma igreja estavão pouco lustrosas, as mandou alimpar, pintar e dourar em partes e particularmente mandou dourar as armas reaes e folhagens, em que as ditas grades se rematão e tem as do Cruzeiro trinta palmos de alto e as das capellas quinze tambem de alto, e ficarão depois de pintadas e douradas muy aprazíveis á vista».
Não sabemos até que época durassem as grades de Santa Cruz.
Das que circundavam os sepulcros temos informação de 1620. Ou haviam chegado a extrema ruína ou foram substituídas ineptamente por outras. Referindo-se ao governo de D. Miguel de Santo Agostinho, que foi eleito pela segunda vez em 30 de abril de 1618, escreve o cronista da ordem: «Nos ultimos mezes do seu triennio ornou o P. Prior geral as sepulturas dos primeiros Reys deste Reyno, que estão na capella mór de S. Cruz com grandes grades de pao santo, marchetadas de bronze dourado.»
Ao que ficou descrito acrescento que, tanto quanto julgo lembrar-me, ainda vi junto dos túmulos reias umas grades destinadas a impedir os visitantes de se acercarem. Contudo, já não me recordo das suas caraterísticas. Se algum leitor estiver na posse de qualquer informação sobre este assunto seria interessante que a transmitisse.
Viterbo, F.M.S. V. As grades de S. Cruz-Cruz de Coimbra. In: Revista Archeologica, II, n.º 4. Abril 1888. Texto acedido em:
É já depois de amanhã, 6.ª feira, dia 31 de janeiro, que ocorre o início do ciclo deste ano das Conversas Abertas.
O tema a tratar será Egas Moniz – Premio Nobel da Medicina. Sua presença em Coimbra que será apresentado pelo Professor Doutor João Rui Pita.
Como tem sido habitual a palestra decorrerá na Sala D. João III, do Arquivo da Universidade de Coimbra, a partir daas 18h00 e é seguida de debate aberto a todos os participantes.
A participação é livre e pedimos a ajuda de todos os que se interessam pela história de Coimbra, na divulgação do evento.
Obrigado pela vossa ajuda e, em especial, pela vossa participação.
Rodrigues Costa
Chamamos hoje a atenção dos seguidores deste blogue para o livro intitulado A Malta do 23 na Grande Guerra, ao qual foi acrescentado o seguinte explicativo subtítulo: Fotografias inéditas de negativos de vidro, de um militar de Coimbra, representativas do quotidiano do Batalhão de Infantaria n.º 23, na Flandres.
Op. cit., capa
Depois das Notas de abertura, Prefácio e Introdução, o espólio fotográfico ora revelado é apresentado dividido pelos seguintes temas: O Fotógrafo, Família e Amigos, “O Vinte e Três” e Coimbra.
Ponte e margem esquerda do Mondego. Op. cit., pg. 153
Nas Notas de Abertura, o Tenente-General, Joaquim Chito Rodrigues, Presidente da Direção Central da Liga dos Combatentes, refere que As imagens desta obra, retiradas do pó dos arquivos centenários e dos vidros portadores da técnica fotográfica do início do século XX, imortalizam a vida do homem que as produziu, Abraão da Cruz Coelho, e a vida de muitos homens que. Militarmente organizados numa unidade militar de escalão Batalhão, formado em Coimbra e lançados na Grande Guerra, em França.
Insígnias do Batalhão de Infantaria n.º 23, Op. cit., contracapa.
Militares portugueses junto ao “Cristo das Trincheiras”. Op. cit., pg.100.
O professor e investigador de História da Fotografia, Dr. Alexandre Ramires, no prefácio da obra, apresenta alguns dados sobre o autor do espólio ora revelado e as razões explicativas do mesmo.
Abraão da Cruz Coelho (?-1970), desde tenra idade, em 1902, ajudava o projecionista da lanterna mágica do Teatro Ciclo do Príncipe Real na Avenida Sá da Bandeira [depois, Teatro Avenida e hoje um centro comercial].
Abraão da Cruz Coelho. Op. cit., pg. 22
Sabemo-lo porque existe uma fotografia que o comprova, e que nos ajudou a identificá-lo nos negativos. Terá assim tido contacto com as tecnologias do cinema e da fotografia, e a sua aprendizagem terá surgido de forma natural, num período em que a fotografia se vulgarizava e difundia.
A oportunidade para fotografar terá surgido na Flandres, facilitada pela sua integração no serviço Postal do CEP [Corpo Expedicionário Português], que lhe deu a possibilidade de circulação e acesso aos locais onde estavam alojados os oficiais e as tropas: daí a relevância das suas fotografias. Mas como teria Abraão acesso às chapas fotográficas necessárias? Algumas das caixas têm marca germânica. Terão resultado de apreensões ao inimigo? E que marcas terá a Guerra deixado nos restantes anos da sua vida? Sabe-se que, nas traseiras do Teatro Avenida, guardava as máscaras antigas e outros objetos-memória. Era membro da Liga dos Combatentes, não sendo, portanto, de estranhar o local onde foi localizada esta sua reportagem fotográfica. Era bastante conhecido em Coimbra, pelas suas funções de projecionista do Teatro Avenida, mas também pelo facto de andar frequentemente com um periquito ao ombro, talvez para o avisar da eventual presença de gases tóxicos. Enfim, marcas da Guerra e da memória.
Carvalho, J.C. A Malta do 23 na Grande Guerra, 2018. Coimbra. Edição Jorge Costa Carvalho e Núcleo de Coimbra da Liga dos Combatentes.
Voltamos a debruçar-nos sobre um estudo da Professora Doutora Maria do Rosário Barbosa Morujão, da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra este dedicado aos estatutos quinhentistas do cabido da Sé de Coimbra.
No Arquivo da Universidade de Coimbra, entre os pergaminhos provenientes da Sé da cidade, encontram-se dois pequenos cadernos em muito bom estado, contendo os estatutos do cabido da Sé de Coimbra aprovados em 1454 e, até hoje, inéditos. Um desses cadernos é o original das “constituçõoes novas” do cabido, lavrado pelo escrivão capitular Mendo Rodrigues e confirmado pelo vigário-geral Afonso Vicente, bacharel em Decretos, que com sua própria mão as autenticou. …
AUC, Pergaminhos, Móv. 7, Gav. 5, nº 1
Devemos começar por recordar que os estatutos são fontes de primeira importância para o conhecimento da organização e do funcionamento dos cabidos catedralícios.
…. Assim se passava em Coimbra. Desde a criação do cabido, logo após a restauração da diocese no final do século XI, vários textos reguladores da vida dos cónegos foram surgindo, até que em 1229 o legado pontifício João de Abbeville dotou o cabido de uma completa coleção estatutária que se manteve em vigor, na generalidade, até ao século XV. Mas ao longo dos tempos essas normas tinham recebido vários acrescentos e modificações, pelo que vigoravam então múltiplos documentos. O desejo de dotar o cabido de um único texto regulador foi, precisamente, o grande intuito que conduziu à elaboração da compilação estatutária de 1454.
…. Não foi, no entanto, por iniciativa episcopal que os estatutos que nos ocupam foram promulgados, mas sim por ação do cabido.
…. dado que os textos reguladores do funcionamento do cabido andavam “espargidos” por um livro de aniversários da Sé, onde eram “deficiis e trabalhosos de buscar e achar quando se ham mester”, o mestre-escola Lopo Afonso, o tesoureiro Vasco Eanes e o arcediago do Vouga João Eanes, reunidos com outros onze cónegos da catedral, decidiram proceder à compilação desses textos, e encarregaram de tal tarefa o vigário-geral, Afonso Vicente, acima referido, juntamente com os cónegos Vasco Fernandes e Álvaro Peres.
A 26 de Agosto, o trabalho concluído foi apresentado ao cabido, que leu, aprovou e jurou cumprir os novos estatutos. A 8 de Novembro, o mesmo voltou a ser feito, e determinou-se que, daí para o futuro, fossem lidos mensalmente em reunião capitular, “por todos o saberem e averem delles boa nembrança”.
A normativa aprovada versa variados assuntos, todos eles relacionados com aspetos concretos da vida capitular e por vezes respeitantes a problemas especialmente delicados, como era o caso da fuga dos cónegos às obrigações litúrgicas, o seu absentismo, ou a prática de concessão de benefícios em expectativa. De forma breve, olhemos as alíneas que compõem estes estatutos.
Surgem, em primeiro lugar, as regras sobre as presenças nas horas litúrgicas.
Seriam considerados presentes os beneficiados que chegassem antes de determinado momento dos ofícios, coincidente, em geral, com a oração do “Gloria Patri” (do primeiro ou do terceiro salmos ou do “Beati Immacullati”, consoante a cerimónia e a hora em causa). Aqueles que participassem nas horas mas faltassem às “estações” ou à “preciosa” seriam penalizados com a perda de um ponto.
Estipulavam-se também os múltiplos casos em que a sua ausência seria justificada e fixava-se o número de dias que era possível faltar aos ofícios sem penalização.
…. O capítulo seguinte diz respeito à proibição de concessão de benefícios em expectativa. Era então muito comum tal prática, que se considera “contra directo expreso” e da qual resultavam “grandes scandallos dissensooes e perigoos”. Por isso se interdita que se façam tais “prometimentos”.
Mudando de temática, passa-se a determinar que cada novo beneficiado pagasse uma capa de pano de ouro ou de seda, de valor diferente consoante a categoria do benefício recebido, a ser conservada no tesouro da catedral.
De seguida, regulamenta-se a forma de concessão de emprazamentos [ou alugueres] por parte do cabido: deveriam ser decididos por todos em conjunto, em reunião capitular, de modo a não haver favorecimentos por parte de ninguém. No mesmo contexto de evitar situações menos claras determina-se que graças e contratos sejam atribuídos através de uma votação por meio de favas brancas e negras, exigindo-se a unanimidade do corpo canonical, e estipula-se que o autor de uma proposta se ausentasse da reunião, de modo a permitir que os outros cónegos debatessem sem constrangimentos o assunto em causa.
As normas que se seguem referem-se ao pagamento de lutuosas [direito que era pago ao senhorio quando morria o arrendatário de um bem] pelos cónegos e beneficiados do cabido e à necessidade de entregar a prazo os bens deixados à catedral para aniversários e outras comemorações.
…. De seguida, são-nos dadas importantes informações acerca da chancelaria capitular, ao determinar que dois cónegos, designados pelo cabido, deviam ser os detentores das chaves do cartório, do dinheiro da chancelaria e dos selos da canónica. A eles cabia também arrecadar o dinheiro da chancelaria que não excedesse as três libras e abastecer esta instância de escrita com cera, fita e papel.
Depois, define-se a prioridade que cabia aos beneficiados capitulares na concessão de benefícios de apresentação do próprio cabido: porque “aquel que sente o trabalho deve sentir o premyo e o que he ellegido pera os carregos nom deve ser repulso do gualardom”, um benefício vago de apresentação capitular devia ser afecto a quem tivesse voz no cabido, por ordem hierárquica.
Terminam os estatutos com a indicação minuciosa dos dias e horas em que os beneficiados recebiam os vários bens da prebenda e de outras porções a que tinham direito, elucidando-nos deste modo sobre os momentos em que, ao longo do ano, recebiam pão, vinho, pescado e outros bens alimentares, todos eles discriminados com maior ou menor grau de pormenor.
No manuscrito foi ainda lavrada uma nova entrada a 15 de Novembro do mesmo ano de 1454, acrescentando duas determinações: uma relativa à necessidade de haver pelo menos o acordo de três partes do cabido para se decidir “filhar” [contratar] um oficial fora do habitual (físico, cirurgião, sangrador, barbeiro ou carpinteiro), a outra relativa à necessidade de o presidente do cabido combinar previamente com os respetivos membros que certos assuntos seriam tratados nas reuniões capitulares de modo a que a convocatória para estas pudesse ter efeito.
AUC, Pergaminhos, Móv. 7, Gav. 5, nº 2
…. Em 1457 Fevereiro, 22, Coimbra – O bispo de Silves D. Álvaro, legado pontifício, confirma os estatutos do cabido da Sé de Coimbra … (caderno em pergaminho composto por 13 fólios … conserva o selo do bispo de Silves pendente da lombada, redondo … feito de cera vermelha sobre cocho virgem).
Morujão, M.R.B. Os Estatutos do Cabido da Sé de Coimbra de 1454. Acedido em: https://www.academia.edu/7172342/_Os_estatutos_do_cabido_da_S%C3%A9_de_Coimbra_de_1454_?auto=download&email_...
Em 1549, a Ordem de S. Jerónimo adquirira um terreno junto ao castelo de Coimbra e da porta oriental da cidade para aí se construir um colégio universitário. Já desde 1535 que havia a intenção de se construir em Coimbra um colégio daquela ordem.
…. Ergueu-se o colégio sobre as muralhas da cidade, desde a Porta do Castelo, à qual ficou encostada a igreja, e continuou-se o dormitório para norte, em direção ao Colégio das Artes. Ainda hoje se reconhece bem delimitado o edifício com os seus cubelos de reforço da fachada oriental. O claustro é o elemento organizador da planta do colégio, ocupando uma posição central ladeado pela igreja a sul. O desenho deste espaço é certamente da responsabilidade de Diogo de Castilho.
…. O claustro de S. Jerónimo, começado em 1565, foi o último de uma série que Diogo de Castilho desenhou para vários colégios de Coimbra.
Claustro de S. Jerónimo. Diogo de Castilho. 1565. Op. cit., pág.60.
…. O claustro não forma propriamente um quadrado. É de dois pisos e tem cerca de catorze metros no sentido norte-sul e doze no sentido este-oeste.
…. As galerias térreas são cobertas por abóbadas de meio-canhão, apoiadas numa mísula contínua e revestidas de caixotões … O segundo piso separa-se do de baixo por uma cimalha …. Observando o claustro anterior de S. Tomás, que ainda se preserva no interior do Palácio da Justiça, pode-se ter ideia do aspeto original do andar superior do claustro de S. Jerónimo …. preserva um ar de recolhimento conventual.
…. A igreja do Colégio ocupava o imponente volume que se ergue no extremo sul do edifício, profundamente alterado em finais do século passado.
Igreja de S. Jerónimo. Diogo de Castilho. 1565-? Axonometria. Op. cit., pág. 63.
Exteriormente conservam-se da igreja primitiva apenas os quatro cunhais e o cornijamento do alçado sul, alçado lateral da igreja …. À esquerda da antiga fachada resta também o arranque da torre da igreja …. Do espaço interior da igreja sobram apenas duas capelas laterais.
…. Por ocasião das obras de adaptação do Colégio de S. Jerónimo a hospital, o espaço da nave da igreja foi preenchido com dois andares intermédios.
…. A gravura do inglês Vivian, do Séc. XIX, mostra toda a extensão do alçado nascente do Colégio de S. Jerónimo com os cinco cubelos de reforço que ainda se mantêm ….
Estampa … G. Vivian … Da esquerda para a direita, avista-se a Igreja de S. Jerónimo, junto ao Arco do Castelo, a torre que lhe ficava encostada e o grande edifício do Colégio de S. Jerónimo. Op. cit., pág. 64.
No extremo esquerdo da gravura pode-se ver a igreja de S. Jerónimo e a respetiva torre. Pouco acima da parte que resta da torre rasgavam-se as ventanas que deveriam ser uma em cada face.
…. Das estampas referidas pode-se constatar que a planta da igreja de S. Jerónimo é claramente inspirada na anterior igreja da Graça, de Diogo de Castilho, construída entre 1543 e 1555.
…. Sobre a entrada da nave da igreja de S. Jerónimo existia … um coro alto.
…. Do Colégio do Séc. XVI resta ainda praticamente todo o pavimento térreo da ala nascente, sobre a muralha. De sul para norte, a partir da igreja, existe a antiga sacristia ladeada por um pequeno oratório, ambas as salas com ligação ao claustro e com abóbadas revestidas de caixotões, perpendiculares àquele. Segue-se-lhes uma outra divisão, de abóbada longitudinal de sete tramos de quatro caixotões. Terminam esta parte do edifício o antigo refeitório, com teto em estuque pintado, do Séc. XVIII, e a antiga cozinha onde hoje se encontra um pequeno anfiteatro …. Do colégio original é também a sala abobadada … a norte do claustro, no rés-de-chão …. No rés-de-chão ficou um átrio, iluminado do exterior, mantendo-se os quatro grandes arcos e a galeria adjacente coberta por abóbadas de aresta.
…. Atualmente de três andares, a composição setecentista deveria resumir-se aos dois pisos inferiores. A porta de entrada é ladeada por duas colunas-hermes que suportam um frontão ondulado interrompido, em composição própria do reinado de D. João V. Por cima ficam três portas-sacadas, correspondentes ao espaço de receção do primeiro andar, que ligava a escadaria às salas sobre o claustro e ao corredor central das celas, no lanço nascente. Toda esta zona é também, obviamente, obra do Séc. XVIII. O átrio de entrada no rés-de-chão comunica diretamente com a escadaria monumental, à esquerda, e com o claustro, do lado oposto.
Colégio de S. Jerónimo. Escadaria monumental, da primeira metade do século XVIII, e arcaria da mesma época (?). Op. cit. pág., 65
Costa Simões.1890. Projeto completo para os HUC… Op. cit., pág. 134
…. Com a extinção das ordens religiosas, pelo célebre decreto de 1834, ficou o edifício abandonado, tendo sido entregue à Universidade no ano de 1836. Em 1848 foi destinado para hospital e mais serviço da Faculdade de Medicina.
Lobo, R.P.M. Os Colégios de Jesus, das Artes e de S. Jerónimo. Evolução e Transformação no Espaço Urbano. 1999. Coimbra, Departamento de Arquitetura da Faculdade de Ciências e Tecnologias.
O Colégio das Artes … fora criado em 1547 com o objetivo de garantir a preparação para as disciplinas maiores que se lecionavam na Universidade.
…. As aulas começaram em 1548, provisoriamente instaladas nos Colégios de S. Miguel e de Todos-os-Santos, na Rua da Sofia.
…. Entregue à Companhia de Jesus em 1555 foi transferido para a Alta em 1565 de modo a integrar o complexo colegial jesuíta a erguer naquela parte da cidade.
… Menos de dois meses depois de ter sido instalado na Alta, já se lidava em preparativos remotos para a edificação do novo Colégio das Artes, que havia de erguer-se junto ao Colégio de Jesus.
A primeira pedra foi lançada em 1568 … A reconstituição de Francisco Rodrigues é bastante esclarecedora: "A traça do colégio tinha sido anteriormente delineada. Havia de erguer-se perto do Colégio de Jesus naquela mesma elevação. Mas … quando já tinham começado as obras (1569), ainda se lhe introduziram outras alterações”. Dispôs-se de modo que a porta principal abrisse para um terreiro de 302 palmos
…. A construção do Colégio das Artes processava-se de modo efetivo já no ano de 1569 e em 1572 já se ensinava na vasta sala de atos e noutra mais pequena que se acabara. Em 1573, no entanto, cessava a obra do colégio por falta de dinheiro.
…. Só em 1611 se retomaram as obras, com dinheiro do orçamento da Universidade … Em 1616, apesar de ainda não estar completa a obra, foram iniciadas as aulas do novo edifício… O vão media na direção de norte a sul, cerca de quarenta metros, e de leste a oeste quarenta e quatro. Rodeavam-no interiormente nos quatro lados, varandas ou pórticos de colunas de pedra inteiriças, para os quais se iam abrindo por toda volta as aulas … Excediam às demais na vastidão a nobre aula de Teologia, capaz de receber muitos teólogos e doutores para as disputas, e a sala dos atos.
O conjunto de levantamentos efetuados por Elsden em 1772 inclui também uma planta do piso de entrada do Colégio das Artes.
Planta do piso superior do Colégio das Artes. Reconstituição correspondente à situação da gravura de 1732. Op. cit., pág. 49
Guilherme Elsden, 1772. Planta do piso térreo do Colégio das Artes. Op. cit., pág. 49
Nessa planta podem-se identificar claramente as duas grandes salas às quais se faz referência na descrição anterior, ambas no lanço norte do edifício. Do lado nascente tem-se a grande sala dos atos, com uma tribuna destinada aos lentes encostada à parede lateral. No lado poente existe uma sala identificada. Como capela, que serviria certamente como a aula de Teologia mencionada.
…. Em redor de uma quadra monumental – sem o carater claustral de um mosteiro – dispõem-se quatro lanços com salas de aulas racionalmente concebidas quanto à área, alçados, iluminação e higiene … O primeiro andar era ocupado pelas celas dos noviços.
…. as colunas toscanas que circundavam o pátio do Colégio das Artes suportavam um entablamento reto e não uma arcaria.
Inferiormente, as colunas assentavam em pedestais de cerca de um metro de altura, composição que hoje se mantém. Paradoxalmente, a situação atual apresenta uma arcaria em redor do claustro. Trata-se, contudo, de uma intervenção do início deste século derivada da adaptação do edifício ao Hospital da Universidade.
…. As intervenções apontadas são, no entanto, pouco profundas, reduzindo-se praticamente a dois lanços de escadas novos.
…. Exteriormente …. sobressaíam apenas no tratamento dos alçados, para além das aberturas factuais, os frontões rematados por pináculos que assinalavam os corredores das alas e a entrada principal do colégio no lanço sul. O lanço norte não era coroado por estes frontões dada a sua particularidade na estrutura formal do conjunto. Albergava as duas grandes salas do colégio e o sistema de acessos verticais que interligava os vários pisos: o andar superior das celas, o pavimento do claustro e das aulas e ainda os pisos subterrâneos que ligavam ao colégio de Jesus e às cozinhas e ao refeitório que serviam o complexo edificado da Companhia. No lanço nascente sobressaía na leitura exterior do edifício o corpo de uma capela que existia no piso superior, assente sobre a plataforma que cobria a cisterna do rés-de-chão. Atualmente não é percetível a existência da capela do exterior, uma vez que ficou completamente afogada pela massa edificada resultante das intervenções do princípio deste século. Ficou por isso sem iluminação direta. A sua cobertura erguia-se acima do telhado que corria sobre o lanço nascente, facto que salientava a sua presença na perceção geral do edifício. O plano da capela é retangular, abrindo-se nas paredes quatro janelas, agora sem luz direta. A capela-mor está demarcada por um arco de alvenaria sendo o teto formado por uma abóbada semicircular. Anteriormente à capela, conserva-se o pequeno átrio quadrado, com abóbada de aresta, à direita do qual se encontra a sacristia, situação que não corresponde à original, já que esta inicialmente ocupava o compartimento à esquerda. A porta da capela está datada de 1720.
Gravura de 1732. Pormenor com o Colégio das Artes, cuja construção foi iniciada em 1568. Op. cit., pág. 51
Na gravura de 1732, no entanto, a capela ainda não aparece representada, sendo possível identificar apenas a plataforma que cobre a cisterna. Provavelmente estaria ainda em construção na altura. Tendo em conta a decoração interior com azulejos e talha dourada, trata-se certamente de uma intervenção ainda da primeira metade do Séc. XVIII. O portal da face sul do colégio é também deste século, mais propriamente de 1715. Falta-lhe o remate superior que deveria ter contido o escudo nacional.
…. Em 1759, no reinado de D. José, foi proscrita a Companhia de Jesus e os jesuítas foram expulsos do país… Em carta régia de 1760, mandava-se separar este edifício do que fora o Colégio da Companhia, o Colégio de Jesus. Ordenava-se obviamente a destruição do passadiço de ligação entre os dois colégios.
Lobo, R.P.M. Os Colégios de Jesus, das Artes e de S. Jerónimo. Evolução e Transformação no Espaço Urbano. 1999. Coimbra, Departamento de Arquitetura da Faculdade de Ciências e Tenologias.
Tags: Coimbra sec. XVI, Coimbra séc. XVII, Coimbra séc. XVIII, Colégio das Artes, Colégio de S. Miguel, Colégio de Todos-os-Santos, Companhia de Jesus, Rua da Sofia, Francisco Rodrigues, Guilherme Elsden, D. José,
No próximo dia 31 de Janeiro, às 18h00, na sala D. João III, as Conversas Abertas retomam o caminho iniciado em 2019, na então designada Casa da Escrita, numa iniciativa do blogue A´Cerca de Coimbra.
Vicissitudes várias, incluindo a crise do COVID, impuseram uma interrupção após a qual, em 2022, veio a ser acolhida pelo Arquivo da Universidade de Coimbra. Entidade que, desde o ano passado, assume o todo da sua organização, mantendo o esquema inicial:
. Decorrem no última sexta-feira dos primeiros seis meses de cada ano, às 18h00, na sala D. João III, do Arquivo da Universidade de Coimbra;
. Após a intervenção do tema pelo palestrante, segue-se um período aberto à livre participação dos assistentes.
Os seguidores desta iniciativa – aberta a quantos amam e se preocupam com Coimbra – podem tomar conhecimento do programa para o ano em curso na imagem que se divulga da folha de sala que irá ser distribuída no próximo dia 31.
Esperamos por todos.
Rodrigues Costa
A evolução da planta do Colégio de Jesus de Coimbra, desde o plano conhecido até à concretização do edifício segundo um esquema relativamente modificado, comprova a flexibilidade das soluções construídas dos estabelecimentos jesuítas, atendendo a situações concretas de implantação, orientação e disposição funcional.
Complexo colegial da Companhia de Jesus em Coimbra. Anteprojeto, c. de 1568. Planta dos pisos térreos… Op. cit., pág., 18.
Complexo colegial da Companhia de Jesus em Coimbra. Anteprojeto, c. de 1568. Planta dos pisos superiores... Op. cit., pág., 19.
…. Assim, o edifício seria atravessado, de face a face e em ambos os pisos, por longos corredores a eixo das alas, cuja largura era sensivelmente a das celas, e que permitiam uma fácil distribuição e circulação em todo o colégio. Exteriormente a sua localização era facilmente identificada através das janelas de maiores dimensões que os rematavam. No piso superior o pé-direito do corredor aumentava em relação ao do rés-de-chão, com as janelas de topo coroadas por um óculo e por um frontão simples rematados por pináculos.
…. As celas organizavam-se segundo as direções dos corredores e constituíam, elas próprias, o módulo, unidade mínima indivisível geradora de uma malha que estrutura todo o edifício. O módulo podia adaptar-se a várias funções sendo, sempre que necessário, agrupadas duas ou mais celas, para se obterem salas mais amplas.
As salas de maior capacidade que se abriam no colégio eram a das disputas, que se dizia também da matemática, a livraria, a capela e o refeitório. Estas duas últimas salas, formavam um corpo alongado que se estendia. a este do edifício em direção à encosta, no prolongamento da ala central poente-nascente, que ligava às cozinhas e respetivas oficinas, como se pode ver na referida gravura do Séc. XVIII. Paralelamente, mais a sul ao longo da fachada nascente, construiu-se um corpo de passagem que dava acesso do primeiro piso do Colégio de Jesus para o Colégio das Artes.
Reconstituição do piso superior do Colégio de Jesus de Coimbra.
Reconstituição do piso térreo do Colégio de Jesus de Coimbra.
…. A capela situava-se no primeiro andar por cima do acesso ao refeitório, que por sua vez, formava uma sala alongada de pé-direito duplo. Seria iluminado por grandes janelas no lado sul segundo a planta que se acrescentou ao material disponível (relativo ao volume principal do colégio) na realização deste trabalho. A sala das disputas e a livraria seriam provavelmente as duas grandes divisões da ala norte-sul por detrás da igreja, como se pode constatar pelas reconstituições e pelos levantamentos pombalinos já referidos. A biblioteca, de maiores dimensões, ficaria no primeiro andar, sendo-lhe inferior a sala das disputas, de metade do tamanho, ao nível do rés-de-chão.
A planta cruciforme do colégio definiu a abertura de três grandes pátios de serviço que desmassificavam a construção e permitiam a iluminação das divisões. Seria natural que fossem quatro, mas a colocação da igreja, desviada para o lado poente, comprometeu a existência de um quarto espaço. Assim, à esquerda da igreja e separada desta por um corredor, encontra-se a sacristia, de pé-direito duplo, abóbada semicircular e com uma janela na parte alta de cada topo. No alinhamento da sacristia existe ainda um pequeno pátio, embora bastante menor em área que os restantes.
Claustro do Colégio de Jesus, construído entre 1732 e 1772. Op. cit., pág. 27
Enquanto os dois pátios mais a norte mantiveram o seu caracter, mesmo depois das intervenções pombalinas, o pátio a sul, que ladeava a igreja, terá sofrido alterações importantes ainda durante a primeira fase histórica do edifício. Na gravura já mencionada, pode-se constatar a existência de uma única arcaria, voltada a sul (no lado norte, portanto) na direção da entrada do edifício à qual o pátio estava associado.
…. Não era propriamente um claustro. Tratava-se de um pátio de receção e distribuição do edifício que dava seguimento à portaria e à entrada do colégio, assinalada exteriormente pelo pórtico-telheiro habitual nos colégios jesuítas.
Lobo, R.P.M. Os Colégios de Jesus, das Artes e de S. Jerónimo. Evolução e Transformação no Espaço Urbano. 1999. Coimbra, Departamento de Arquitetura da Faculdade de Ciências e Tenologias.
O Doutor Rui Pedro Mexia Lobo que exerce a sua docência no Departamento em Arquitetura da FCTUC viu, o trabalho que hoje abordamos, ser escolhido como o de uma primeira série de publicações de Trabalhos Finais, considerados de excelente qualidade, desenvolvidos por alunos finalistas.
Citação que é, mais do que suficiente, para se aquilatar do interesse do mesmo.
Perspetiva 2 – 1780. [Visualização dos três Colégios estudados, nos finais do séc. XVIII]. Op. cit., pág. 199
Simão Rodrigues [um] dos fundadores da Companhia [de Jesus] fundava em 1542 o Colégio de Jesus em Coimbra para a preparação dos missionários do oriente.
A construção do Colégio de Jesus de Coimbra, também denominado das Onze Mil Virgens, foi iniciada em 1547 a partir de uma primeira planta desenhada por um arquiteto não identificado do rei D. João III. Esta planta seria modificada em 1560, sob a direção do mesmo arquiteto, de forma a acomodar-se melhor à boa ordem, disciplina e desafogo que exiria uma casa religiosa destinada a recolher duzentas pessoas.
No entanto, a primeira fase da construção não terá corrido com a celeridade certamente desejada. Com efeito, foi possível obter na Biblioteca Nacional de Paris, plantas dos dois pisos do Colégio de Jesus de Coimbra e da respetiva igreja, às quais se pode atribuir a data próxima de 1568 ou 1569, que diferem em alguns pontos importantes da disposição geral definitiva adotada na construção do colégio.
…. Atendendo à descrição do Pde. Francisco Rodrigues na sua História da Companhia de Jesus na Assistência de Portugal, respeitante ao processo evolutivo da planta deste colégio, é possível fazer corresponder as plantas de Paris às alterações do esquema do Colégio das Artes efetuadas posteriormente ao início das obras do mesmo, no próprio ano de 1568 ou já em 1569.
Deste modo, ainda terá sido possível integrar a parte do Colégio de Jesus já levantada até essa data no esquema do edifício definitivo, o que leva a supor qua a sua construção estaria muito pouco adiantada na altura, ou seja, vinte anos depois de supostamente ter começado.
Erguendo-se o colégio nos terrenos cedidos pelo rei, sobre a vertente norte da Alta da cidade, os jesuítas tiraram máximo partido de uma posição aparentemente pouco favorável, voltando a sul as fachadas do colégio e da igreja de forma a fazerem frente para a cidade construída, definindo e limitando o antigo Largo da Feira.
Gravura de 1732 que mostra o complexo colegial da Companhia de Jesus em Coimbra… Op. cit., pág. 20
…. A fachada da igreja, cujo corpo se insere no volume edificado do colégio, avança oito metros relativamente ao plano da frente principal do mesmo, voltada a sul. Esta disposição, em que a igreja assume um protagonismo conotado com a missão apostólica da congregação, representa uma evolução perante os planos originais em que a frente da igreja alinhava com a frente do colégio. A evolução mais significativa, contudo, prende-se com o desvio da axialidade da igreja. Enquanto que nas plantas de Paris o corpo da igreja é simétrico em relação ao edifício colegial, como seria natural … já na solução construída a igreja coloca-se em alinhamento diferente, chegando-se para o lado esquerdo da frente edificada do conjunto. Este desvio provocou uma série de alterações, de uma situação para a outra, na colocação funcional e dimensão relativa dos diversos pátios interiores que constituem o negativo "vazio" da estrutura “cheia” do edifício.
Fachada da Sé Nova, antiga Igreja do Colégio de Jesus, no enfiamento da Rua dos Loios. Op. cit., pág. 20
Esta deslocação só pode ser explicada pela necessidade de rematar o Largo da Feira, colocando-se a fachada da igreja (hoje Sé Nova) no prolongamento de duas antigas ruas que nele desembocavam. Tratava-se da mais tarde denominada Rua dos Loios, adjacente ao colégio homónimo, também frontal ao Largo, e da Rua do Marco da Feira, que vinha do Castelo.
Lobo, R.P.M. Os Colégios de Jesus, das Artes e de S. Jerónimo. Evolução e Transformação no Espaço Urbano. 1999. Coimbra, Departamento de Arquitetura da Faculdade de Ciências e Tenologias.
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