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Havia antigamente (até 1832) uma interessante festa em Celas: a festa do «Imperador de Eiras».
Eiras é uma pequena povoação situada a cerca de uma légua ao norte da cidade. Os seus habitantes, segundo muito antiga tradição, vendo que a peste havia invadido Coimbra, começara, capitaneados pelo pároco, a implorar o auxílio celeste, dirigindo principal ou exclusivamente as suas instantes preces ao Espirito Santo.
A divina pomba resolveu-se a atender aos rogos dos eirenses; a peste não penetrou no lugar; e eles fizeram voto de todos os anos elegerem de entre os melhores homens da terra um “a quem haviam de tributar as ofertas dos seus frutos, para que com o nome de «Imperador do Espirito Santo» festejasse ao mesmo Divino nos dias de Páscoa da Ressurreição e do Pentecostes”.
Eleito o imperador pela câmara da povoação (a terra tinha as honras de concelho), era-lhe por ela entregue a quantia de vinte e seis mil réis, cinquenta alqueires de trigo, e oito almudes de vinho.
Este imperador, relativamente barato, tomava posse do seu elevado cargo na primeira oitava do Espirito Santo, indo à igreja matriz com acompanhamento da camara, da nobreza da vila, de dois pajens e dois criados, tudo precedido de uma bandeira de damasco encarnado. O pároco esperava o imperador no arco da capela-mor, assistido do juiz da igreja com cruz alçada e duas tochas; e, ajoelhado sua majestade, lhe punha na cabeça, «sobre um casquete vermelho, a coroa de prata», que dois pajens lhe ministravam, dizendo-lhe com toda a solenidade: – «Eu vos constituo imperador de Eiras». Em seguida entregava-lhe um terçado antiquíssimo, que o imperador beijava, restituindo-o ao pajem; e depois começava sua majestade a percorrer as ruas do seu estado, dirigindo-se com o mesmo acompanhamento, aumentado com a cruz alçada entre duas tochas, à capela do Santo Cristo, aonde ajoelhava para o pároco lhe tirar a coroa e o casquete.
Dali, formando uma luzida cavalgata, dirigia-se o cortejo – o imperador, os pajens, a camara, a nobreza – com a sua bandeira à frente e com alguns músicos, para o mosteiro de Celas.
... Entrados todos na igreja ao som de repiques de sinos, e feita a oração do estilo, cantava-se um «Te Deum», e era o imperador novamente coroado pelo capelão.
Terminado o ofício, ia o imperador sentar-se junto às grades do coro, ande conversava com a abadessa e mais freiras.
... Em seguida, sua majestade recolhia-se à casa da hospedaria a descansar e a tomar alguns refrescos, oferta da abadessa. Pedida por esta a coroa, era ela beijada pelas freiras, que ... a consideravam milagrosa.
Durante a visita, sua majestade era da parte das travessas freiras muito escarnecido ... sucedendo-se às troças das sorores as da rapaziada quando o imperador passava.
... Depois da receção em Celas, ia o imperador à capela do Espirito Santo, perto de Santo António dos Olivais, aonde continuavam as festas, com arrial, e um grande banquete publico ... por esta ocasião havia também corridas de éguas, e lutas de homens.
Figueiredo, A. C. B. 1996. Coimbra Antiga e Moderna. Edição Fac-similada. Coimbra, Livraria Almedina, pg. 329-332
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